Capítulo 4 – Em que Jared e Mallory acham muita coisa, mas nada do que procuravam
Andando entre as árvores, Jared
sentiu um pequeno arrepio. O ar era diferente, tomado pela fragrância de coisas
verdes e terra úmida, mas a luz era sombria. Ele e Mallory andavam entre
emaranhados de mato e árvores esguias cheias de trepadeiras. Em algum ponto
sobre eles, um pássaro começou a cantar, fazendo um som desagradável como o de
um alarme. Abaixo das pegadas, o chão era liso por causa do musgo. Galhos
estalavam en-quanto eles passavam e Jared ouvia um som distante de água.
Havia o pio de um pardal, e uma pequena coruja
sentada em um galho baixo. Sua cabeça levantou-se na direção deles enquanto ela
mordia um pequeno e cansa-do camundongo em suas garras.
Mallory abriu caminho entre um nó de arbustos e
Jared a seguiu. Pequeninos carrapatos grudavam na roupa e no cabelo dele. Os
dois contornaram o tronco esfarelado de uma árvore caída cheia de formigas
negras.
Havia alguma coisa diferente em sua visão com a
pedra no lugar. Tudo era mais brilhante e mais claro. Mas havia ainda algo
além. Coisas se moviam na grama, nas árvores, coisas que ele não podia ver direito
mas que descobria pela primeira vez. Rostos feitos de cortiça, pedra e musgo
que ele via por apenas um momento. Era como se a floresta inteira estivesse
viva.
— Ali. — Mallory apontou para um galho quebrado
e pontudo em que moitas de samambaia tinham sido pi-sadas. — Eles foram por
ali.
Os dois irmãos
seguiram o rastro de ervas daninhas despedaçadas e galhos quebrados até que
chegaram a um riozinho. Já então a floresta ficara mais sombria, e os sons
crepusculares haviam aumentado. Uma nuvem de mosquitos borrachudos os cercou
por um instante, de-pois se desabalou em direção à água.
— O que nós vamos fazer agora? — perguntou
Mallory. — Você consegue ver alguma coisa?
Jared deu uma olhada pela lente e balançou a
cabeça.
— Vamos seguir a correnteza. O rastro tem que
aparecer de novo.
Eles andaram pela floresta.
— Mallory — sussurrou Jared, apontando para um
enorme carvalho. Pequeninas criaturas verdes e marrons estavam empoleiradas em
um galho. Suas asas se pareciam com folhas, mas seus rostos eram quase
humanos. Em vez de cabelo, grama e botões de flores cresciam em suas pequeninas
cabeças.
— O que você está
olhando? — Mallory ergueu o espadim e deu dois passos para trás.
Jared balançou sua cabeça levemente.
— Ninfas... Eu acho.
— Por que você está com essa cara de tonto?
— Elas são tão... — Ele não podia explicar
direito. Ele estendeu a mão, com a palma aberta, e olhou espantado quando uma
das criaturas pousou nos seus dedos. Pés leves fizeram cócegas em sua pele
enquanto a pequenina ninfa piscava seus olhos negros para ele.
— Jared — disse Mallory com impaciência.
Com o som da voz dela, a pequena ninfa pulou no
ar. Jared olhava enquanto ela espiralava, para cima em direção às folhas.
Raios de sol filtrados através das árvores
estavam cor de laranja. Para cima, a correnteza se alargava e passava pelas
ruínas de uma ponte de pedra.
Jared podia sentir sua pele formigando enquanto
se aproximavam do entulho, mas não havia nem sinal dos goblins. O rio
era muito largo, com mais ou menos dez metros, e havia uma parte bem escura no
meio que pare-cia ser de água funda.
Jared ouviu um
som distante que parecia metal se arranhando contra metal.
Mallory parou, olhou através da água e levantou
a cabeça.
— Você ouviu isso?
— Será que é o Simon? — perguntou Jared. Ele
tinha esperanças de que não fosse. Não parecia humano, além de tudo.
— Não sei — disse Mallory —, mas seja o que for,
tem a ver com esses goblins. Vamos! — Com isso, Mallory tomou a direção do
barulho.
— Não vá por aí, Mallory — alertou Jared. — É
muito fundo.
— Não seja criança — disse ela, e arrastou-se
pelo rio. Ela deu dois longos passos e então caiu como se tivesse ultrapassado
a beira de um precipício. A água ver-de-escura cobriu sua cabeça.
Jared se jogou adiante. Largando sua espada na
margem, mergulhou as mãos na água gelada. Sua irmã apareceu na
superfície cuspindo, e agarrou o braço dele.
Ele a tinha puxado quase até a margem quando
alguma coisa veio à superfície atrás dela. De início parecia uma montanha
saindo da água, pedregosa e coberta de musgo. Então uma cabeça emergiu, o verde
profundo de grama de rio podre, com pequenos olhos negros, um na-riz que era
retorcido como um galho e uma boca cheia de dentes quebrados. Uma das mãos foi
em direção a eles. Seus dedos eram tão longos quanto raízes, e suas unhas
estavam pretas por causa do lodo. Jared respirou o fedor do fundo da água,
folhas podres e lama muito velha.
Ele gritou. Sua cabeça estava completamente
vazia. O menino não conseguia se mover.
Mallory se arrastou o resto do caminho que
faltava até a margem e olhou sobre seus ombros.
— O que é? O que você está vendo?
Com a voz dela, Jared deu um pulo e tropeçou
desajeitadamente para longe da correnteza, puxando-a junto com ele.
— Um troll — arfou ele.
A criatura deu o bote atrás deles. Os longos dedos se arrastaram pela grama até muito perto de onde os dois estavam.
Então a criatura uivou e Jared olhou para trás, mas ele não conseguia ver o que tinha acontecido. O bicho veio na direção deles outra vez mas se jogou para trás quando um dos longos dedos caiu em um feixe de luz. O monstro urrou.
— O sol — gritou Jared. — O sol o queimou.
— Já está escurecendo — respondeu Mallory. —
Vamos.
— Espeeeeerem —
murmurou o monstro. Sua voz era sonsa.
Os olhos amarelos olhavam-lhes firmemente.
— Vooooltem. Eu teeeenho uma coisa para
vocêêêês. — O troll estendeu a mão fechada como se pu-desse mesmo estar
segurando alguma coisa em sua pal-ma.
— Jared, vamos. — A voz de Mallory estava mais
apelativa. — Eu não posso ver com o que você está conversando.
— Você viu meu irmão? — perguntou Jared.
— Talveeeez. Eu ouvi alguma coisa há algum
teeeempo, mas estava muito claro, muito claro para poder ver.
— Era ele! Só pode ser. Para onde eles foram?
A cabeça balançou em direção ao restante da
ponte e então voltou a olhar para Jared.
— Veeeeenha mais perto e eu te digo.
Jared deu um passo para trás.
— Sem chance.
— Peeeelo meeeenos veeeenha peeeegar suuuua
espaaaaada. — O troll apontou para a espada ao seu la-do. A espada estava no
chão na margem, onde Jared a tinha deixado. Ele olhou para sua irmã. Suas mãos
tam-bém estavam vazias. Ela deve ter deixado sua espada no meio do lago.
Mallory deu um passinho à frente.
— Aquela é a única arma que temos.
— Veeenha e peeeegue-a. Vou feeeechar meus
oooolhos se isso faaaaz vocês se seeentirem mais se-guuuuros. — Aquela mão
enorme cobriu os olhos.
Mallory olhou para a espada na lama. Os olhos
dela estavam tão focados na arma que Jared ficou nervoso. Ela estava pensando
em pegá-la.
— Você nem consegue ver a coisa. — Jared
assobi-ou. — Vamos.
— Mas a espada...
Jared desamarrou o monóculo e o entregou a ela.
O rosto da menina
ficou pálido com a visão da enorme criatura que olhava através de um intervalo
de seus de-dos, presos somente pelas pálidas listras de luz do sol.
— Vamos — disse ela tremendo.
— Nãããão — gritou o troll. — Vooooooltem. Eu vou
paaaaara tráááás. Vou contaaaar até dez. É uuuuma chaaance juuusta. Vooooltem.
***
Jared e Mallory correram pelas
árvores até que acharam um rastro de luz para ficar.
Os dois se esconderam atrás do
tronco de um carvalho e tentaram recuperar o fôlego. Mallory estava
arrepiada. Jared não sabia se era porque ela estava ensopada ou por causa do
troll. Ele baixou o zíper de seu casaco, tirou-o e entregou para ela.
— Estamos perdidos — disse Mallory
entre traga-das de ar. — E desarmados.
— Pelo menos sabemos que eles não atravessaram
o rio — concluiu Jared, lutando para prender de novo a lente na sua cabeça. — O
troll os teria capturado com certeza.
—
Mas o som vinha do outro lado. — Mallory chutou uma árvore, tirando lascas
fora.
O
nariz de Jared sentiu o cheiro de alguma coisa queimando. Era fraco, mas ele
pensou que aquilo cheirava a cabelo assado.
—
Você está sentindo o cheiro? — perguntou Jared.
—
Daquele lado — respondeu Mallory.
Eles
andaram através do matagal, não se importando com o fato de se arranhar nos
galhos e espinhos que havia. Jared só pensava no seu irmão e no fogo.
—
Olhe para isso. — Mallory parou abruptamente. Ela botou a mão na grama e pegou
um pé de sapato marrom.
—
É do Simon.
— Eu sei — Mallory disse. Ela
virou-o, mas Jared não podia ver mais pistas, a não ser muita lama.
— Você não acha que ele está... —
Jared não conseguiu terminar a frase.
— Não, eu não acho! — Mallory enfiou
o sapato no bolso da frente de sua blusa.
Ele concordou lentamente, convencendo-se.
Um pouco adiante, e as árvores
começavam a escassear. Eles caminharam até uma estrada. O asfalto escuro se
estendia no horizonte distante. Por trás de tudo aquilo o sol estava se
mostrando em uma chama roxa e laranja.
E na curva da estrada, ao longe, um
grupo de goblins aconchegava-se ao redor do fogo.
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