Capítulo 5 – Em que as razões do desaparecimento do gato são descobertas

Jared e Mallory se aproximaram do acampamento dos goblins cautelosamente, escondendo-se em cada tron-co. Cacos de vidro e ossos roídos sujavam o chão. Presas no alto das árvores, eles podiam ver gaiolas feitas com folhas de arbustos, sacolas de plástico e outros restos. Latas esmagadas de refrigerante estavam penduradas nos galhos, chocando-se ruidosamente umas contra as outras como carrilhões sinistros do vento.
Dez goblins estavam sentados ao redor do fogo. O corpo enegrecido de alguma coisa que se parecia muito com um gato espetado em uma vareta. De vez em quan-do um dos goblins se inclinava para lamber um pedaço de carne carbonizada, e girando o espeto latia alto. Então todos eles começavam a ladrar.
Vários goblins começaram a cantar. Jared estreme-ceu com as palavras.

Viva nós, viva nosso povo!
Agarre um gato, agarre um cachorro
Deixe-o gostoso, deixe-o gordo
E o cozinhe, e cozinhe de novo
Viva nós, viva nosso povo!

Carros zuniam por perto, distraídos. Talvez até mesmo sua mãe tenha passado dirigindo agora, Jared pensou.
— Quantos? — sussurrou Mallory, levantando um galho pesado.
— Dez — respondeu Jared. — Não estou vendo Simon. Ele deve estar em uma das gaiolas.
— Você tem certeza? — Mallory olhou na direção dos goblins. — Me dê essa coisa.
— Agora não — respondeu Jared.
Eles andaram lentamente por entre árvores procu-rando uma gaiola grande o suficiente para conter Simon. A frente deles, alguma coisa gritou de um jeito estridente e alto. Eles se arrastaram em direção à margem da flores-ta.
Um animal estava deitado ao longo da estrada, em frente ao campo dos goblins. Era do tamanho de um car-ro, mas enroscado, com uma cabeça de falcão e o corpo de leão. Sua costela estava marcada com sangue.
— O que você está vendo?
— Um grifo — disse Jared. — Está machucado.
— O que é um grifo?
— É um tipo de pássaro, um tipo de um... sei lá, só fique longe dele.
Mallory sorriu, indo mais ao fundo nas árvores.
— Lá — disse ela. — O que é aquilo?
Jared olhou para cima. Várias das gaiolas no alto eram maiores, e ele achou que havia uma forma humana em uma delas. Simon!
— Eu posso subir — afirmou Jared.
Mallory fez que sim com a cabeça.
— Seja rápido.
Jared enfiou seu pé no buraco de um tronco, er-guendo-se até a primeira fenda nos galhos. Então, pu-xando a si mesmo para cima, ele começou a rastejar ao longo do galho que segurava as gaiolas menores. Se ficas-se em pé naquele tronco, poderia olhar as que estavam penduradas no alto.
Enquanto avançava lentamente, Jared não podia se impedir de olhar para baixo. Nas gaiolas sob seus pés, ele podia ver esquilos, gatos e pássaros. Alguns arranhavam e mordiam as barras, enquanto outros estavam imóveis. Algumas tinham apenas ossos. Eles estavam todos enfileirados com folhas que pareciam suspeitosamente com hera venenosa.
— Ei, amiguinho dos gatos, aqui em cima.
A voz surpreendeu tanto Jared que ele quase perdeu o equilíbrio no galho. Viera de uma das gaiolas maiores.
— Quem está aí? — sussurrou Jared.
— Gritalhão. Agora, o que você acha de abrir essa porta?
Jared viu a cara de sapo de outro goblin, mas este tinha olhos verdes de gato. Ele estava usando roupas, e seus dentes não eram de vidro ou metal, mas pareciam dentes de bebê.
— Não acho uma boa idéia — disse Jared. — Você pode apodrecer aí. Não vou te soltar.
— Não seja um torturador de gatos, cabeça de be-souro. Se eu gritar, esses caras vão te comer de sobreme-sa.
— Aposto que você passa o tempo todo gritando — disse Jared. — Aposto que eles não acreditam em nada do que você fala.
— Ei! Olhem...
Jared agarrou a ponta da gaiola e puxou-a. O Grita-lhão ficou quieto. Embaixo, os goblins esbofeteavam uns aos outros e despedaçavam pedaços de carne de gato, aparentemente inconscientes da confusão na árvore.
— Certo, certo — disse Jared.
— Bom, me solte! — pediu o goblin.
— Eu tenho que achar o meu irmão. Me fale onde ele está e então eu te solto.
— Sem chance, querido xereta. Você acha que sou besta feito uma lombriga nojenta.
Ou você me solta ou vou gritar de novo.
— Jared! — A voz de Simon chamou de uma das gaiolas mais afastadas no galho. — Eu estou aqui em ci-ma.
— Eu estou indo — respondeu Jared, virando na direção do som.
— Ou você abre essa porta, ou eu começo a gritar — ameaçou o goblin.
Jared suspirou profundamente.
— Você não vai gritar. Se você gritar, eles vão me pegar e então não vai ter ninguém para te soltar. Eu vou soltar meu irmão primeiro, mas eu volto para te ajudar.
Jared se arrastou mais ainda no galho. Ele estava aliviado pois o goblin tinha ficado em silêncio.
Simon estava espremido em uma gaiola muito pe-quena para ele. Suas pernas estavam dobradas contra seu peito, e os dedos de um dos pés estavam fora de uma das barras. Sua pele estava arranhada pelos espinhos que en-chiam a gaiola.
— Você está bem? — perguntou Jared, pegando seu canivete e serrando os nós ao redor da prisão de Simon.
— Estou. — A voz de Simon tremeu um pouquinho.
Jared gostaria de perguntar se Simon tinha achado Tibbs, mas ele tinha medo da resposta.
— Desculpe-me — disse ele por fim —, eu deveria ter te ajudado a procurar a gata.
— Tudo bem — disse Simon, se espremendo através da parte da porta que Jared tinha conseguido abrir. — Mas eu tenho que te contar que...
— Cabeça de tartaruga! Moleque! Chega de falar! Tem que me soltar! — gritou o goblin.
— Vamos — disse Jared —, eu disse que iria ajudá-lo.
Simon seguiu seu irmão gêmeo pelo galho de volta até a gaiola do Gritalhão.
— O que tem aí?
— Um goblin, eu acho.
— Um goblin! — exclamou Simon. — Você está louco?
— Eu posso cuspir no seu olho — ofereceu o Gritalhão.
— Credo — Simon disse. — Não, obrigado.
— Isso vai te dar a Visão, bobalhão. Aqui — disse o Gritalhão, pegando um lenço de um de seus bolsos e cuspindo nele. — Esfregue isso nos seus olhos.
Jared hesitou. Ele podia confiar em um goblin? Mas, então, o Gritalhão ficaria preso na gaiola para sem-pre se ele fizesse alguma coisa de ruim. Simon nunca o libertaria.
Ele tirou o monóculo e passou o pano sujo sobre seus olhos. Aquilo doeu.
— Ai. Isso é muito nojento — disse Simon.
Jared piscou os olhos e olhou para os goblins sentados ao redor do fogo. Ele podia vê-los sem a pedra.
— Simon, funciona!
Simon olhou para o pano sem acreditar mas esfregou seus próprios olhos com o cuspe do goblin.
— Nós temos um acordo, certo? Me soltem. — pediu o Gritalhão.
— Me fale o que você está fazendo aí primeiro. — disse Jared. — Dar-lhes o lenço era ótimo, mas podia ser também um truque.
— Você não é muito inteligente para um cabeçudo — resmungou o goblin. — Eu vim aqui para soltar um dos gatos. Veja, eu adoro gatos, e não apenas porque eles são saborosos e, olha, eles são muito saborosos mesmo. Mas eles têm os olhos muito parecidos com os meus, e esse era mesmo muito pequeno, não havia muita carne ali. Tinha um miado muito doce. — O goblin parecia perdido em suas lembranças, então abruptamente voltou a olhar para Jared. — É isso, agora me solte.
— E esse seu dente? Você come bebês ou o quê? — Jared não tinha achado a história do goblin muito razoável.
— O que é isso? Um interrogatório? — resmungou o Gritalhão.
— Eu já vou te soltar. — Jared se aproximou e começou a cortar os complicados nós da gaiola. — Mas eu gostaria de saber alguma coisa sobre seus dentes.
— Bom, crianças têm a curiosa idéia de deixar den-tes debaixo do travesseiro, não é?
— Você rouba o dente das crianças?
— Vamos, orelhudo, vai me dizer que você não acredita na fada do dente!
Jared ficou atrapalhado por alguns instantes, sem falar nada. Ele tinha quase terminado de serrar o último nó quando o grifo começou a guinchar.
Quatro dos goblins circulavam-no com porretes pontudos. O bicho não podia levantar-se para muito lon-ge do chão, mas podia morder os goblins se eles chegas-sem muito perto. Então o bico de falcão da criatura ajudou, cortando fora o braço de um goblin. O goblin que fora ferido gritou, enquanto em apenas um minuto bateu com seu porrete nas costas do grifo. Os outros goblins berraram.
— O que eles vão fazer? — sussurrou Jared.
— O que parece? — respondeu o Gritalhão. — Eles estão esperando que ele morra.
— Eles estão matando o bicho! — gritou Simon. Seus olhos estavam enormes, encarando o tenebroso espetáculo. Jared achou que seu irmão estava vendo tudo aquilo pela primeira vez. Surpreendentemente Simon agarrou um punhado de folhas e galhos da árvore em que eles estavam e atirou-as nos goblins.
— Simon, pare com isso! — disse Jared.
— Deixem o bicho em paz, seus idiotas! — Simon gritou. — DEIXEM-NO EM PAZ!

Todos os goblins olharam para cima, seus olhos re-fletiam uma palidez branca de fantasma na escuridão.

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