Capítulo 40
KEVIN OLHAVA FIXAMENTE para
as janelas do primeiro andar, bebendo lentamente da sua garrafa de vodca, a
terceira naquele dia. Ninguém olhava para ele mais de uma vez. Estava em pé no
ancoradouro atrás da casa; havia trocado de roupas e agora vestia uma camisa
preta de mangas compridas e um jeans escuro. Apenas seu rosto estava visível,
mas ele estava em pé sob a sombra de um cipreste, escondido atrás do
porta-malas. Observando as janelas, observando as luzes, procurando por algum
sinal de Erin.
Durante um longo tempo, nada aconteceu. Ele bebia,
querendo sorver todo o conteúdo da garrafa. As pessoas entravam e saíam da loja
a cada poucos minutos, frequentemente usando seus cartões de crédito para
comprar gasolina na bomba. Movimento, movimento, mesmo ali, no meio de lugar
nenhum. Ele foi até uma das laterais da loja, olhando para cima, em direção às
janelas. Reconheceu o brilho azul e oscilante de um aparelho de televisão. Os
quatro, assistindo à TV, agindo como uma família feliz. Ou talvez as crianças
já estivessem dormindo, cansadas depois do passeio no parque de diversões.
Talvez estivessem na sala apenas Erin e o homem grisalho, rolando no sofá, trocando
beijos e carícias enquanto Meg Ryan ou Julia Roberts se apaixonavam por alguém na tela.
Tudo doía. Ele estava cansado e seu estômago
continuava a se revirar. Poderia ter subido as escadas e arrombado a porta
com um pontapé, poderia já ter matado os dois uma dúzia de vezes e queria acabar
logo com isso, mas havia pessoas na loja. Carros no estacionamento. Havia
empurrado seu próprio carro até um lugar sob a árvore nos fundos da loja, para
que não fosse visto por pessoas que estivessem passando por ali. Queria
apontar a Glock e puxar o gatilho, queria observá-los enquanto morriam, mas
também queria se deitar e dormir. Nunca se sentira tão cansado em sua vida e,
quando acordasse, queria encontrar Erin ao seu lado, sonhando que ela nunca o
abandonara.
Algum tempo depois, viu a silhueta dela na janela,
viu-a sorrir enquanto se virava e soube que ela estava pensando no homem grisalho. Pensando sobre sexo, e a Bíblia dizia: Aqueles que se entregarem à
fornicação e aos prazeres da carne serão punidos de maneira exemplar, sofrendo
a vingança do fogo eterno.
Ele era um anjo do Senhor. Erin havia pecado, e a
Bíblia dizia: Que ela seja atormentada com o fogo e a luz sagrada na
presença dos anjos.
Na Bíblia sempre havia fogo, porque o fogo purificava
e condenava, e Kevin entendia aquilo. O fogo era poderoso, a arma dos anjos. Ele bebeu os últimos goles de vodca que restavam em sua garrafa e chutou-a
para debaixo de alguns arbustos. Um carro estacionou ao lado das bombas de
gasolina e um homem saiu do veículo. Inseriu seu cartão de crédito na bomba e
começou a abastecer o carro. A placa ao lado da bomba informava às pessoas que
fumar era ilegal, pois a gasolina era inflamável. Dentro da loja havia fluido
de isqueiro para ser usado com carvão.
Kevin se lembrava do homem que estava à sua frente na fila do caixa, com uma
lata de fluido na mão.
Fogo.
***
ALEX SE MEXEU NO ASSENTO do
carro e ajustou suas mãos ao volante, tentando encontrar uma posição
confortável. Joyce e sua filha estavam no banco traseiro e não paravam de falar
desde o momento em que entraram no carro.
O relógio no painel mostrava que estava ficando tarde.
As crianças já estavam na cama, ou estavam indo se deitar e ele se sentiu
aliviado ao pensar naquilo. Na viagem de volta, havia bebido uma garrafa de
água, mas ainda sentia sede e debatia consigo mesmo se devia parar novamente.
Tinha certeza de que Joyce e sua filha não se importariam, mas não queria
parar. Queria apenas voltar logo para casa.
Enquanto dirigia, sentiu sua mente devanear. Pensou em
Josh e Kristen, pensou em Katie e relembrou-se de alguns momentos que passara
com Carly. Tentou imaginar o que Carly diria a respeito de Katie e se Carly
gostaria que sua carta fosse entregue a ela. Lembrou- se do dia em que vira
Katie ajudando Kristen a vestir sua boneca e lembrou-se do quanto estava bonita
na noite em que lhe preparara o jantar. Saber que ela estava em sua casa, lhe
esperando, fez com que ele sentisse o desejo de pisar fundo no acelerador.
Do outro lado da rodovia, pontos brilhantes de luz
apareciam no horizonte, ficando maiores, faróis dos carros que vinham em
sentido contrário. Maiores e mais brilhantes até que passavam por ele. No
espelho retrovisor, luzes vermelhas se afastavam até sumirem ao longe.
Um clarão brilhou ao sul,
fazendo com que o céu se iluminasse por alguns instantes. Passou por uma casa
rural que estava à direita da estrada, com as luzes acesas no andar térreo.
Ultrapassou um caminhão com placas do estado da Virgínia e agitou os ombros,
tentando aliviar a fadiga que sentia. Passou pela placa que indicava quantos
quilômetros ainda faltavam para que chegasse a Wilmington e suspirou. Ainda
tinha um longo caminho pela frente.
***
AS PÁLPEBRAS DE KATIE se
agitavam enquanto ela sonhava. Seu subconsciente estava trabalhando ferozmente.
Pedaços, partes e fragmentos tentando se conectar uns com os outros.
O sonho acabou. Alguns minutos depois ela levantou os
joelhos e se virou, deitando-se de lado, quase acordada. Sua respiração voltou
a ficar mais lenta.
***
ÀS 10 HORAS DA NOITE, o
estacionamento estava quase vazio. Faltava pouco para que o expediente do dia
se encerrasse e Kevin deu a volta na casa, indo até a porta da loja, apertando
os olhos quando a luz da porta iluminou seu rosto. Na caixa registradora havia
um homem usando um avental. Kevin lembrava-se vagamente dele, mas não sabia de
onde. O avental do homem era branco, com o nome "Roger" escrito do
lado direito.
Kevin passou pela caixa registradora, esforçando-se
para balbuciar as palavras.
— Fiquei sem gasolina na estrada.
— Fiquei sem gasolina na estrada.
— Os galões de gasolina estão na prateleira do outro
lado da loja
— respondeu Roger, sem levantar os olhos. Quando
finalmente o fez, ele os abriu e fechou rapidamente. — Você está bem?
— Estou apenas cansado —
disse Kevin, já no corredor, tentando não atrair atenção sobre si mesmo, mas
ciente de que o homem o observava. A Glock estava na sua cintura e tudo o que
Roger tinha que fazer era cuidar da própria vida. Na prateleira do fundo da
loja, Kevin viu três galões plásticos de 18 litros e pegou dois deles. Em
seguida, levou-os à caixa registradora e deixou o dinheiro sobre o balcão.
— Vou pagar depois de enchê-los — disse ele.
Do lado de fora, ele encheu um dos galões com
gasolina, observando enquanto os números giravam na bomba. Encheu o segundo e
voltou para dentro da loja. Roger o encarava. Hesitou na hora de lhe dar o
troco.
— É muita gasolina para carregar sozinho.
— Erin vai precisar.
— Quem é Erin?
Kevin piscou os olhos.
— Posso pagar pela maldita gasolina ou não?
— Posso pagar pela maldita gasolina ou não?
— Tem certeza de que está em condições de dirigir?
— Passei mal hoje — resmungou Kevin. — Fiquei
vomitando o dia inteiro.
Não tinha certeza se Roger acreditava nele. Depois de
um momento, Roger pegou o dinheiro e lhe deu o troco. Kevin deixou os galões
ao lado das bombas de gasolina e foi até lá para pegá-los. Era como levantar
dois galões de chumbo. Fez força, sentiu o estômago se revirar, a dor pulsando
entre as orelhas. Andou em direção à estrada, deixando as luzes da loja para
trás.
No escuro, ele escondeu os dois galões no meio do
capim alto ao lado da estrada. Depois, deu a volta e foi para os fundos da
loja. Esperando até que Roger fechasse a loja, esperando que as luzes se
apagassem. Esperando até que todos estivessem dormindo no andar de cima. Pegou
a outra garrafa de vodca que estava no carro e tomou um gole.
***
EM WILMINGTON, Alex começou a se animar,
sabendo que estava chegando perto de casa. Não demoraria muito, talvez meia
hora até chegar a Southport. Levaria mais alguns minutos para levar Joyce e sua
filha até em casa e depois ele poderia finalmente descansar.
Imaginou se encontraria Katie esperando por ele na
sala de estar ou se a encontraria em sua cama, como ela havia insinuado.
Era o tipo de coisa que Carly costumava fazer.
Poderiam estar falando sobre a loja ou sobre a possibilidade de que seus pais
estivessem gostando de viver na Flórida, quando, sem qualquer motivo
aparente, ela diria que estava entediada e perguntaria a ele se queria ir para
o quarto e se divertir um pouco.
Olhou mais uma vez para o relógio. Dez e quinze. Katie
estava esperando. Ao lado da estrada, Alex percebeu seis ou sete cervos
paralisados sobre a grama, com os olhos refletindo a luz dos faróis, brilhando como se algo sobrenatural estivesse acontecendo. Como se estivessem
amedrontados.
***
KEVIN OBSERVOU QUANDO AS
LUZES fluorescentes instaladas sobre as bombas de gasolina
se apagaram. As luzes da loja se apagaram a seguir. Do lugar onde estava
escondido, ele avistou Roger trancando a porta. Deu um puxão na maçaneta,
certificando-se de que o lugar estava seguro antes de se virar. Foi até uma
caminhonete marrom estacionada no canto mais distante do estacionamento e
entrou no veículo.
O motor ligou com um rangido. Uma das correias estava
solta. Roger aumentou a rotação do motor, ligou os faróis e engatou a marcha da
caminhonete. Deu a volta para ir até a estrada e se dirigiu ao centro da
cidade.
Kevin esperou cinco minutos, para ter certeza de que
Roger não daria meia-volta e retornasse. A estrada em frente à loja estava
silenciosa agora. Nenhum carro ou caminhonete vindo de qualquer direção.
Correu até os arbustos onde havia escondido os galões. Observou a estrada
novamente. Levou um dos galões até os fundos da loja. Fez o mesmo com o segundo
galão, colocando-os ao lado de latas de lixo metálicas, abarrotadas com comida
apodrecida. O mau cheiro era insuportável.
No andar de cima, a televisão continuava a banhar uma
das janelas com luz azul. Não havia outras luzes acesas na casa e ele sabia que
os dois estavam nus. Sentiu a raiva crescer dentro de si. “Agora”, pensou ele.
Quando estendeu a mão para pegar os galões de gasolina, viu que havia quatro ao
seu lado. Fechou um dos olhos e, novamente, eram apenas dois. Tropeçou ao dar
um passo e quase caiu para frente, desequilibrando-se, agitando os braços
enquanto tentava agarrar o canto da parede para não cair. Não conseguiu e
desabou no chão, a cabeça batendo no cascalho. Viu estrelas e faíscas, sentiu
uma dor dilacerante. Era difícil respirar. Tentou se levantar e caiu novamente. Rolou no chão,
deitado, e sentiu o cascalho nas costas, e olhou fixamente para as estrelas.
Não estava bêbado, porque nunca ficava bêbado, mas
havia algo errado. Luzes cintilantes giravam e giravam, capturadas em um redemoinho que ficava cada vez mais veloz. Fechou os olhos com força, mas a
sensação de que tudo estava girando ficou ainda pior. Rolou no chão e ficou
deitado de lado, vomitando no cascalho. Alguém devia ter lhe dado algum tipo de
droga, porque ele passara o dia inteiro sem beber praticamente nada e nunca em
sua vida havia passado tão mal.
Ele tateou às cegas, tentando encontrar a lata de
lixo. Segurou-se na tampa e tentou usá-la para se equilibrar, mas puxou com
muita força. A tampa se soltou e um saco de lixo se desprendeu, caindo no chão
com um barulho ensurdecedor.
***
NO ANDAR DE CIMA, Katie acordou agitada,
ouvindo o som de alguma coisa caindo com um estrondo. Estava perdida em seu
sonho e demorou um instante até que seus olhos se abrissem. Um pouco atordoada, ela tentou prestar atenção no ruído, mas não sabia por que estava
fazendo aquilo, não tinha certeza se havia sonhado com o barulho ou não. Mas
não havia nada.
Voltou a se deitar, permitindo-se adormecer novamente
e o sonho continuou do ponto onde havia parado. Ela estava no parque de
diversões, na roda-gigante, mas não era mais Kristen que estava sentada ao seu
lado.
Era Jo.
***
KEVIN FINALMENTE conseguiu
se levantar, sem que voltasse a cair. Não conseguia entender o que estava lhe
acontecendo. Concentrou- se e tentou recuperar o fôlego, respirando, inspirando,
expirando, inspirando, expirando. Viu os galões de gasolina e andou em
direção a eles, quase caindo novamente durante aquele curto trajeto.
Mas não caiu. Levantou uma lata e depois andou a
passos lentos e trôpegos na direção das escadas na parte de trás da casa.
Estendeu o braço para segurar o corrimão, mas sua mão não tocou em nada. Tentou
mais uma vez. Finalmente sentiu a mão pegar em algo sólido. Puxou o galão de
gasolina escada acima, em direção à porta. Parecia que estava escalando uma montanha,
levando um peso de uma tonelada nas mãos. Por fim, alcançou o último degrau,
arfando, e se agachou para remover a tampa. O fluxo de sangue lhe encheu a
cabeça, deixando-o estonteado, mas ele se apoiou no galão para não cair
novamente. Demorou um pouco até que ele conseguisse abrir a tampa, porque ela
teimava em escorregar por entre seus dedos.
Quando o galão estava aberto, ele levantou o
recipiente e ensopou a varanda que levava até a entrada da casa, jogando a
gasolina contra a porta. A cada movimento o galão ficava mais leve, a gasolina
se espalhava em arcos, encharcando a parede. Estava ficando mais fácil agora.
Ele esparramava o líquido de um lado para o outro, tentando atingir os dois
lados da estrutura. Começou a descer as escadas, molhando tudo o que estava à
sua volta. O cheiro da gasolina o deixava enjoado, mas ele não parou.
Não restava muita gasolina no galão quando ele chegou
ao chão e aproveitou para descansar. Estava respirando com dificuldade, o vapor da gasolina de novo lhe deu náuseas, mas ele começou a se mover novamente,
com um propósito. Determinado. Jogou o galão vazio para longe e pegou o outro.
Não conseguiu jogar a gasolina nas partes mais altas da
parede, mas fez o que era possível. Encharcou um lado e depois o outro. Acima
dele, a janela ainda brilhava com a luz que vinha da televisão, mas tudo estava
em silêncio.
Kevin virou todo o conteúdo do galão do outro lado da
casa e foi quando percebeu que não tinha mais combustível para a parte da
frente. Olhou para a estrada; não tinha nenhum carro vindo, nenhum movimento em
ambas as direções. No andar de cima, Erin e o homem grisalho estavam nus, rindo
dele. Erin fugiu de casa e ele quase a encontrou na Filadélfia, mas naquela
época ela dizia que seu nome era Érica, não Erin, e agora fingia que seu nome
era Katie.
Ficou parado em frente à loja, pensando nas janelas.
Talvez houvesse algum alarme, talvez não. Ele não se importava. Precisava de
fluido de isqueiro, óleo para motor, removedor, qualquer coisa que queimasse
com facilidade. Quando quebrasse a janela, ele não teria muito tempo.
Golpeou a janela com o cotovelo, estilhaçando o vidro,
mas não ouviu nenhum alarme. Retirando os pedaços de vidro, nem chegou a sentir
seus dedos cortados e sangrando. Mais estilhaços de vidro e algumas partes da
janela começaram a se abrir. Pensou que a abertura era grande o bastante para
que ele pudesse atravessá-la, mas seu braço se prendeu em um estilhaço longo e
afiado. Puxou o braço e sua carne se rasgou. Mas não podia parar agora. O sangue
escorreu, misturando-se com os cortes em seus dedos.
Os refrigeradores no fundo da loja ainda estavam
iluminados e ele andou pelo corredor, imaginando se caixas de cereal queimariam
com facilidade ou se pacotes de pão seriam inflamáveis. Ou DVDs. Ele encontrou
o carvão e o fluido de isqueiro — apenas duas latas, não havia muito. Não era o
bastante. Piscou, olhando em volta e tentando encontrar alguma
outra coisa. Viu a churrasqueira e a chapa de hambúrgueres do outro lado da
loja.
Gás de cozinha.
Ele se aproximou da área da lanchonete e ficou em
frente à chapa. Acendeu um dos bicos de gás e depois outro. Provavelmente havia
uma válvula em algum lugar, mas não sabia onde ela estava e não tinha tempo
para procurá-la. Alguém poderia chegar e Coffey e Ramirez estavam falando sobre
ele, rindo e perguntando se havia comido o bolo de carne de caranguejo em
Provincetown.
O avental de Roger estava pendurado em uma prateleira
e Kevin o jogou no fogo. Abriu a lata de fluido de isqueiro que tinha na mão e
espalhou o conteúdo nas laterais da chapa. O sangue deixava a lata escorregadia
e ele se perguntava de onde vinha todo aquele sangue. Subiu no balcão e
espalhou um pouco do fluido no teto antes de voltar para o chão. Fez uma
trilha de fluido na frente da loja e percebeu que o avental havia começado a
queimar. Esvaziou a lata e jogou-a no chão. Abriu a segunda lata e a apertou,
lançando jatos de fluido de isqueiro em direção ao teto. As chamas do avental
começaram a se espalhar pelo teto e pelas paredes. Foi até a caixa
registradora, procurou por um isqueiro e achou um monte deles em uma caixa de
plástico ao lado dos cigarros. Apertou a lata de fluido e espalhou o líquido
sobre a caixa registradora e sobre a pequena mesa que havia atrás dela.
Esvaziou a lata e cambaleou em direção à janela que havia quebrado há alguns
minutos. Atravessou-a para sair, pisando nos cacos de vidro, ouvindo-os se
partir sob seus pés. Ao lado da casa, acendeu o isqueiro e segurou-o contra a
parede encharcada de gasolina, observando a madeira pegar fogo. Nos fundos,
ateou fogo nos degraus da escada e as chamas se elevaram rapidamente,
alcançando a porta e se espalhando pelo telhado. A seguir, a outra lateral.
O fogo se ergueu por toda
a parte. O exterior da casa tremia com as chamas. Erin era uma pecadora, seu
amante era um pecador, e a Bíblia dizia: Sofrerão o castigo da destruição
eterna.
Ele se afastou, observando o fogo começando a consumir
a casa, esfregou o rosto e deixou uma trilha de sangue. Banhado pela luz
alaranjada das chamas, Kevin parecia um monstro.
***
EM SEU SONHO, Jo não estava sorrindo ao
lado de Katie na roda-gigante. Parecia procurar algo ou alguém na multidão
abaixo, com uma expressão de concentração em seu rosto.
Ali, disse ela, apontando. Logo
ali. Você consegue vê-lo?
“O que você está fazendo aqui? Onde está Kristen?”
Ela está dormindo. Mas você precisa se lembrar.
Katie olhou, mas havia gente demais, movimento demais.
“Onde?” Perguntou ela. “Não consigo ver nada.”
Ele está aqui, disse Jo. “Quem?”
Você sabe.
Em seu sonho, a roda-gigante parou de girar
repentinamente, com um ruído alto e estridente, como o de uma vidraça se estilhaçando, e pareceu assinalar uma mudança. As cores do parque de diversões
começaram a se esmaecer e a cena abaixo se dissolveu em uma névoa que não
estava ali antes. Como se o mundo estivesse lentamente sendo apagado, quando,
em seguida, tudo ficou escuro.
Ela estava cercada por uma
escuridão impenetrável, interrompida apenas por algumas centelhas estranhas na
periferia do seu campo de visão e pelo som de uma pessoa falando.
Katie ouviu a voz de Jo, quase como um sussurro.
Está sentindo esse cheiro?
Katie inspirou o ar, ainda perdida em meio à
escuridão. Seus olhos se abriram. Por algum motivo eles ardiam e ela tentou
olhar em volta para ver o que estava acontecendo. A televisão ainda estava ligada, quando ela percebeu que havia adormecido no sofá. As lembranças do sonho
já estavam se dissolvendo, mas ouviu as palavras de Jo claramente dentro de sua
cabeça:
Está sentindo esse cheiro?
Katie respirou fundo à medida que movia o corpo para
se sentar no sofá e imediatamente começou a tossir. Levou apenas um instante
para que percebesse que a sala estava tomada pela fumaça. Ela se levantou do
sofá num pulo.
Fumaça era sinal de fogo e agora ela era capaz de ver
as chamas do lado de fora da janela, dançando e se contorcendo em tons de laranja. A porta estava em chamas e a fumaça entrava pela cozinha em nuvens
espessas. Ouviu um estrondo, um som parecido com o de um trem, e o barulho de
madeira crepitando e cedendo às rachaduras, sua mente recebendo todas aquelas
informações ao mesmo tempo.
“Oh, meu Deus. As crianças.”
Ela disparou em direção ao corredor, amedrontada ao
ver que a fumaça saía dos dois quartos em grossas nuvens negras. A primeira porta era a do quarto de
Josh, e Katie correu para dentro, agitando os braços para afastar a fumaça.
— Josh! Acorde! A casa está pegando fogo! Precisamos
sair daqui!
Ele estava a ponto de reclamar, mas ela o puxou para
que se levantasse, impedindo-o de falar.
— Vamos logo! — gritou. Josh imediatamente começou a
tossir, com o corpo curvado enquanto ela o arrastava para fora do quarto. O
corredor era uma muralha impenetrável de fumaça, mas mesmo assim Katie correu
para frente, puxando Josh logo atrás de si. Apalpando a parede, encontrou o
batente da porta do quarto de Kristen do outro lado do corredor.
Não estava tão ruim quanto o quarto de Josh, mas ela
sentiu o calor enorme que estava se formando atrás deles. Josh continuava a
tossir, respirando com dificuldade, lutando para continuar em pé e ela sabia
que não poderia soltar a mão do garoto por nada. Correu para a cama de Kristen
e balançou seu corpo, puxando-a para fora das cobertas com a outra mão.
O barulho do fogo queimando era tão alto que Katie mal
conseguia ouvir o som da sua própria voz. Tentando tirar as crianças da casa,
mesmo que tivesse que carregá-las ou arrastá-las, viu um brilho alaranjado,
quase invisível em meio à fumaça, na entrada do corredor. As chamas estavam tomando
as paredes e o teto e vinham em direção a eles. Katie não tinha tempo para
pensar, apenas para agir. Ela se virou e empurrou as crianças de volta pelo
corredor, em direção ao quarto de Alex, onde não havia tanta fumaça.
Correu para o quarto,
acendendo a luz. Ainda funcionava. A cama de Alex ficava encostada em uma das
paredes e havia uma cômoda na parede oposta. Logo em frente havia uma cadeira
de balanço e janelas que, por sorte, ainda não haviam sido tocadas pelo fogo.
Ela fechou a porta com força atrás de si.
Tomada pelos espasmos da tosse, avançou a passos
trôpegos, arrastando Josh e Kristen. Ambos choravam em meio aos fortes
acessos de tosse. Ela tentou se desvencilhar deles para abrir a janela do
quarto, mas Kristen e Josh estavam agarrados a ela.
— Eu preciso abrir a janela! — gritou Katie,
agitando-se. — É a única saída!
Em pânico, Josh e Kristen não entendiam o que ela
dizia, mas Katie não tinha tempo para explicar. Desesperada, puxou a tranca da
janela em estilo antigo com força e tentou abrir a vidraça. O vidro não se
moveu. Olhando mais de perto, Katie percebeu que o batente tinha uma camada de
tinta que o impedia de se abrir. Alguém havia aplicado aquela camada de tinta
havia vários anos. Não sabia o que fazer, mas a imagem de duas crianças olhando
diretamente em seus olhos, tomadas pelo terror, clareou suas ideias. Ela olhou
ao redor, buscando desesperadamente por alguma coisa que pudesse servir, até
que finalmente pegou a cadeira de balanço.
Era pesada, mas, de algum modo, Katie conseguiu
levantá-la acima dos ombros e lançá-la em direção à janela com toda sua força.
O vidro trincou, mas não abriu. Ela tentou mais uma vez, chorando, com um
último esforço impulsionado pela adrenalina e o medo e, desta vez, a cadeira de
balanço atravessou o vidro e bateu contra o toldo que havia abaixo. Movendo-se
rapidamente, Katie correu até a cama e arrancou o edredom que a cobria.
Enrolou-o ao redor de Josh e Kristen e começou a empurrá-los em direção à
janela.
Um forte ruído de vigas
rachando ressoou por trás dela, ao mesmo tempo em que uma parte da parede se
cobria de chamas, com o fogo atingindo e se espalhando pelo teto. Katie se
virou em pânico, parando por um momento ao notar o retrato que estava pendurado
na parede. Olhou fixamente para a foto, já sabendo que aquela era a esposa de
Alex, porque não poderia ser qualquer outra pessoa. Ela piscou, pensando que
fosse uma ilusão, uma distorção criada pela fumaça e pelo medo. Deu um passo
involuntário em direção ao rosto que lhe era estranhamente familiar quando
ouviu um estrondo logo acima da cabeça. O teto começava a ceder.
Girando sobre os calcanhares, ela forçou o corpo
contra a janela, com os braços ao redor das crianças e rezando para que o
edredom os protegesse dos cacos de vidro. A queda pareceu durar uma eternidade. Katie tentou girar enquanto caíam de modo que as crianças ficassem por
cima dela. Suas costas atingiram o toldo com um baque surdo. Não foi uma queda
muito grande, talvez cerca de um metro e meio; mesmo assim, o impacto lhe tirou
o fôlego antes que a dor lhe atingisse em ondas.
Josh e Kristen estavam soluçando, com medo, chorando e
tossindo. Mas estavam vivos. Ela piscou, tentando não desmaiar, com a certeza
de que havia fraturado a coluna. Mas percebeu que aquilo não acontecera; moveu
uma perna e depois a outra. Balançou a cabeça para clarear sua visão. Josh e
Kristen estavam se agitando sobre ela, tentando se livrar do edredom. Acima,
línguas de fogo começavam a sair pela janela quebrada do quarto. Havia chamas
por toda a parte agora, cobrindo todas as superfícies da casa e ela sabia que
tinham apenas alguns segundos de vida. A menos que conseguisse encontrar
forças para se mover.
***
DEPOIS DE DEIXAR JOYCE e
sua filha em casa, Alex percebeu o brilho alaranjado no céu, logo acima do
contorno enegrecido das copas das árvores nos arredores da cidade. Não tinha
visto aquilo quando entrou na cidade e dirigiu pelas ruas até a casa de Joyce.
Agora, entretanto, ele estranhou aquela luminescência enquanto ia naquela
direção. Algo dentro de si lhe dizia que havia perigo adiante e ele pensou
naquilo apenas durante um instante antes de pisar fundo no acelerador.
***
JOSH E KRISTEN já estavam sentados quando
Katie rolou de lado. O chão ficava a cerca de três metros do toldo, mas ela
tinha que arriscar. Seu tempo estava se esgotando. Josh continuava a chorar,
mas não protestou quando Katie explicou rapidamente o que iria acontecer a
seguir. Ela o pegou pelos braços, tentando manter a voz firme.
— Vou abaixá-lo o máximo que eu puder, mas depois você
vai ter que pular.
Ele assentiu, aparentemente ainda em choque, e ela
rapidamente se arrastou para a borda, levando Josh consigo. O toldo estava balançando agora, com o fogo tomando rapidamente suas colunas de sustentação. Josh
desceu pela borda, deixando suas pernas suspensas por um momento,
segurando-se, e Katie deslizando de bruços em direção à borda. Baixando-o...
sentindo a agonia nos braços. Pouco mais de um metro, não mais do que isso. O
garoto não cairia de uma altura muito grande e provavelmente suas pernas
absorveriam o impacto.
Ela o soltou quando
algumas vigas do telhado cederam, fazendo a casa estremecer. Tremendo, Kristen
veio engatinhando até onde Katie estava.
— Venha, querida. É sua vez agora. Me dê sua mão —
disse Katie, com uma expressão urgente nos olhos.
Fez a mesma coisa com a menina, prendendo o fôlego
quando a soltou. Um momento depois, os dois estavam em pé no chão, olhando
fixamente para ela. Estavam esperando por Katie.
— Corram! — gritou ela. — Afastem-se daqui!
Suas palavras foram engolidas por outro acesso de
tosse e Katie sabia que tinha que agir. Agarrou a borda do toldo e deixou uma
das pernas balançar, suspensa, e depois a outra. Ficou pendurada apenas por um
instante antes de suas mãos fraquejarem.
Katie caiu no chão e sentiu seus joelhos dobrarem
antes de seu corpo rolar até a entrada da loja. A agonia da dor que sentia em
sua perna era suficiente para lhe fazer gritar, mas ela precisava levar as
crianças para um local seguro. Foi apressadamente até eles, pegando-os pelas
mãos e puxando-os para longe.
O fogo dançava pela estrutura, saltando, cuspindo
chamas em direção ao céu. Árvores próximas também estavam pegando fogo, com os
ramos mais altos brilhando como fogos de artifícios. Houve um forte estrondo,
alto o bastante para deixar seus ouvidos zunindo. Olhando rapidamente por sobre
o ombro, viu as paredes da casa desabarem. Em seguida veio o som ensurdecedor
de uma explosão e Katie e as crianças foram jogadas para trás pelo forte deslocamento
de ar quente.
Quando os três conseguiram
recuperar o fôlego e se virar para olhar, a loja havia se transformado em um
gigantesco cone de fogo.
Mas eles haviam conseguido se salvar. Ela trouxe Josh
e Kristen para perto de si. Os dois estavam chorando em voz baixa. Colocou os
braços ao redor deles e beijou-lhes na cabeça.
— Vocês estão bem agora — sussurrou ela. — Estão seguros agora.
— Vocês estão bem agora — sussurrou ela. — Estão seguros agora.
Foi somente quando uma sombra apareceu à sua frente
que Katie percebeu que estava errada.
Era ele, em pé, bem diante dela, com uma pistola na
mão. Kevin.
***
NO JIPE, Alex pisou fundo no
acelerador, ficando mais preocupado a cada segundo que passava. Embora o fogo
ainda estivesse longe para que ele pudesse ter certeza de sua localização, seu
estômago começou a se revirar. Não havia muitas propriedades naquela direção. A
maioria eram algumas propriedades rurais isoladas. E, é claro, sua loja.
Ele se inclinou sobre o volante, como se aquilo
pudesse forçar o carro a ganhar velocidade. Mais rápido.
***
KATIE TEVE DIFICULDADES para
entender o que estava vendo.
— Onde está ele? — disse Kevin, com a voz rouca. As
palavras atropelavam umas às outras, mas ela reconheceu aquela voz, mesmo com
o rosto dele parcialmente oculto pelas sombras. As chamas ardiam por trás
dele e seu rosto estava coberto de fuligem e sangue.
Também havia manchas em
sua camisa de algo que ela imaginou ser sangue. Em sua mão, a Glock brilhava,
como se tivesse sido imersa em um barril de óleo.
Ele está aqui, foi o que Jo dissera no
sonho de Katie. “Quem?”
Você sabe.
Kevin levantou a arma, apontando-a para a cabeça dela.
— Eu quero apenas conversar com ele, Erin.
— Eu quero apenas conversar com ele, Erin.
Katie se levantou. Kristen e Josh se agarraram a ela,
com o medo estampado nos rostos. Os olhos de Kevin tinham uma expressão animalesca e seus movimentos aconteciam em espasmos. Deu um passo em direção a
eles, quase perdendo o equilíbrio. A arma balançava para frente e para trás.
Sem firmeza.
Ela percebeu que ele estava pronto para matar todos
ali. Já havia tentado matá-los com o fogo. Mas estava bêbado, muito bêbado.
Mais do que em qualquer ocasião em que já houvesse bebido. Estava fora de
controle, além de qualquer possibilidade de argumentação.
Tinha que tirar as crianças dali, tinha que lhes dar
uma chance de correr.
— Oi, Kevin — disse ela, ronronando. Forçou-se a
sorrir. — Por que está segurando essa arma? Você veio me buscar? Está tudo bem
com você, querido?
Kevin piscou os olhos. Aquela voz, suave, sedutora,
doce. Ele gostava quando ela falava daquele jeito e achou que estivesse sonhando. Mas não era um sonho. Erin estava bem à sua frente. Ela sorriu e deu um passo à
frente.
— Eu amo você, Kevin. Eu sempre soube que você viria.
Ele a olhava fixamente. Havia duas Erin à sua frente e
depois apenas uma. Kevin havia dito às pessoas que ela estava em Manchester,
cuidando de uma amiga doente, mas não havia nenhuma pegada na neve. Suas
ligações foram transferidas para outro número, um garoto havia sido baleado e
havia molho de tomate na sua testa. E agora Erin estava aqui, dizendo que o
amava.
“Mais perto”, pensou Katie. “Só mais um pouco”. Ela
deu mais um passo à frente, empurrando as crianças para trás de si.
— Pode me levar para casa? — sua voz quase implorava a
ele, suplicando como Erin costumava fazer, mas seu cabelo estava curto e
castanho e ela estava se aproximando. Ele não sabia por que ela não estava
amedrontada. Queria puxar o gatilho, mas a amava. Se conseguisse apenas fazer
com que sua cabeça parasse de latejar...
Repentinamente, Katie se precipitou para frente,
empurrando o cano da arma para outra direção. A pistola disparou, com o som de
um tapa violento, mas ela continuou forçando o movimento, indo em frente,
agarrada ao pulso de Kevin, sem soltar. Kristen começou a gritar.
— Corram! — gritou Katie por cima dos ombros. — Josh,
tire Kristen daqui, corra! Ele tem uma arma! Vão para longe e se escondam!
O pânico na voz de Katie fez com que Josh se desse
conta do perigo. Ele agarrou a mão de Kristen e disparou para longe. Foram em
direção à estrada, correndo para a casa de Katie. Fugindo para salvar suas
vidas.
— Vadia! — gritou Kevin,
tentando livrar o braço. Katie baixou a cabeça e mordeu com toda a força que
tinha e Kevin soltou um grito feroz. Tentando desvencilhar o braço, golpeou a
cabeça dela com o outro punho. Instantaneamente, ela viu lampejos de luz branca
se aproximando. Mordeu novamente, os dentes encontrando o polegar de Kevin
desta vez, e ele gritou, largando a arma. A arma caiu no chão com um ruído e
ele voltou a socar Katie, atingindo-a em uma das maçãs rosto, lançando-a ao
chão.
Kevin lhe deu um chute nas costas e o corpo de Katie
se arqueou com a dor. Mas ela continuou se movendo, em pânico agora, impulsionada pela certeza de que ele queria matar a todos, ela e as crianças.
Tinha que lhes dar tempo para fugir. Ficou de quatro e começou a engatinhar,
movendo-se rapidamente, ganhando velocidade. Finalmente conseguiu ficar em pé
e disparou como uma corredora olímpica.
Correu o mais rápido que podia, forçando-se a avançar
para longe, mas sentiu quando o corpo de Kevin se chocou contra o seu por trás
e novamente estava deitada no chão, sem fôlego. Ele agarrou-a pelos cabelos e
lhe bateu no rosto novamente. Agarrou um dos braços de Katie e tentou torcê-lo
para trás das costas dela, mas estava desequilibrado e ela conseguiu se virar.
Levantando uma das mãos, ela arranhou o rosto dele, alcançando um dos olhos e
cravando-lhe as unhas com força.
Lutando por sua vida, a adrenalina lhe enchia os
braços e as pernas. Lutando por todas as vezes em que não conseguira fazer
aquilo. Lutando para dar às crianças tempo de correr e se esconder. Gritando,
xingando-o, odiando-o, recusando-se a deixar que ele a agredisse novamente.
Kevin tentou agarrar os
dedos de Katie, cambaleando sem equilíbrio, e ela usou a oportunidade para se
desvencilhar dele. Sentiu-o tentando agarrar suas pernas, mas não conseguiu
pegá-la com força o bastante e Katie conseguiu soltar uma das pernas.
Levantando o joelho até a altura do queixo, ela o chutou com toda sua força, deixando-o
atordoado quando seu pé atingiu-lhe o queixo. Ela chutou mais uma vez,
observando desta vez enquanto ele desabava sobre o chão, de lado, os braços
tentando agarrar alguma coisa inutilmente.
Katie conseguiu se levantar e começou a correr mais
uma vez, mas Kevin não demorou a se levantar. A alguns metros de distância ela
enxergou a pistola. E correu em direção a ela.
***
ALEX DIRIGIA A UMA VELOCIDADE perigosamente
alta, rezando pela segurança de Kristen, Josh e Katie, sussurrando seus nomes
em meio ao pânico que sentia.
Passou pela via de cascalhos e contornou a curva. Seu
estômago se revirou conforme sua premonição se tornou realidade. À sua frente,
a área até o rio apareceu inteira, como se fosse um retrato do inferno.
Ele percebeu que havia movimento ao lado da estrada, à
sua frente. Duas pessoas pequenas, vestindo pijamas brancos. Josh e Kristen.
Pisou nos freios com força.
Mesmo antes de o jipe parar completamente, ele já
havia saído do carro e estava correndo em direção a eles. Seus filhos gritavam
seu nome enquanto corriam e ele se abaixou para pegá-los nos braços.
— Vocês estão bem agora —
murmurou ele, várias vezes, segurando-os firmemente contra seu corpo. — Vocês
estão bem, está tudo bem agora.
No começo, Kristen e Josh estavam chorando e soluçando
e Alex não entendeu o que eles diziam, pois não estavam falando sobre o incêndio. Estavam chorando por causa de um homem com uma arma, dizendo que a
senhorita Katie estava lutando com ele. E, repentinamente, Alex percebeu, sem
qualquer sombra de dúvida, o que havia acontecido. Ele os colocou dentro do
jipe e deu a volta, correndo em direção à casa de Katie enquanto seus dedos
procuravam pelos números armazenados em seu telefone celular. Uma Joyce
assustada atendeu à sua ligação ao segundo toque e Alex lhe disse para pedir à
filha que a trouxesse até a casa de Katie imediatamente, que era uma
emergência, e que ela deveria ligar para a polícia. Em seguida, desligou.
O cascalho voou quando ele parou o carro em frente à
casa de Katie. Ele deixou as crianças ali e disse-lhes que corressem para dentro, que ele estaria de volta assim que pudesse. Contou os segundos enquanto
dava meia-volta e acelerou em direção à loja, rezando para que não fosse tarde
demais.
Rezando para que Katie ainda estivesse viva.
***
KEVIN VIU A ARMA no mesmo instante em que
Katie e saltou em direção à pistola, conseguindo alcançá-la. Pegou a arma e
apontou-a para Katie, enfurecido. Agarrou-a pelos cabelos e encostou o cano da
arma em sua cabeça enquanto a arrastava pelo estacionamento.
— Me abandonou, não é? Você não pode me abandonar!
Atrás da loja, debaixo de
uma árvore, ela viu seu carro, com as placas do estado de Massachusetts. O
calor do fogo castigava o rosto de Katie, chamuscando os pelos em seus braços.
Kevin vociferava com ela, sua voz confusa e rouca.
— Você é minha mulher!
Ao longe, ela ouviu o som de sirenes, mas pareciam
estar longe demais.
Quando chegaram até o carro, ela tentou lutar
novamente. Kevin segurou sua cabeça e bateu-a contra o capô. Ela quase desmaiou
com o impacto. Ele abriu o porta-malas e tentou empurrá-la para dentro. De
algum modo, ela se virou e conseguiu desferir uma forte joelhada em sua
virilha. Ela o ouviu arfar e sentiu que suas mãos se enfraqueceram por um
momento.
Katie o empurrou às cegas, livrando-se do aperto das
mãos dele e começou a correr para salvar sua vida. Sabia que a bala viria.
Sabia que estava prestes a morrer.
***
ELE NÃO CONSEGUIA entender por que ela
estava lutando. Mal conseguia respirar por causa da dor que sentia. Ela nunca
havia revidado antes, nunca arranhou seus olhos, chutou ou mordeu. Ela não
estava agindo como sua esposa e seu cabelo estava castanho. Mas a voz era a
mesma de Erin... Ele começou a cambalear, tentando persegui-la, levantando a arma,
apontando, mas havia duas Erins e as duas estavam correndo.
Ele puxou o gatilho.
***
KATIE RESPIROU FUNDO quando
ouviu o disparo, esperando pela dor lancinante, mas não sentiu nada. Continuou
a correr e, repentinamente, constatou que ele havia errado. Ela correu em
ziguezague, pela esquerda e pela direita, ainda no estacionamento, procurando
desesperadamente por algum tipo de abrigo. Mas não havia nada.
***
KEVIN CAMBALEAVA, tentando persegui-la, suas
mãos escorregadias pelo sangue, seu dedo escorregando no gatilho. Sentia que ia
vomitar novamente. Ela estava se distanciando, indo de um lado para o outro e
ele não conseguia mantê-la à vista. Ela estava tentando fugir, mas não faria
isso. Ela era sua esposa. Ele a levaria para casa porque a amava e depois iria
baleá-la até que ela morresse porque a odiava.
***
KATIE VIU OS FARÓIS de um carro na estrada, em
disparada, como se fosse um carro de corridas. Ela queria chegar até lá, fazer
sinal para o carro parar, mas sabia que não conseguiria chegar à estrada a tempo.
Para sua surpresa, o carro começou a diminuir a velocidade e ela reconheceu o
jipe quando ele virou para entrar no estacionamento. Percebeu que Alex estava
ao volante.
Passando por ela, acelerando em direção a Kevin.
As sirenes estavam se aproximando agora. Havia pessoas
a caminho e ela sentiu uma pontada de esperança.
***
KEVIN VIU O JIPE se aproximando e levantou
a arma. Começou a disparar, mas o jipe insistia em vir em sua direção. Ele
pulou para se desviar quando o jipe passou a toda velocidade, mas o veículo
atingiu sua mão, quebrando todos
os ossos e lançando a pistola para algum lugar na escuridão.
Kevin gritou em agonia, instintivamente protegendo sua
mão conforme o jipe se afastava, passando pelos restos do incêndio da loja,
derrapando sobre o cascalho e batendo de frente contra o depósito de
ferramentas.
Ele ouviu sirenes ao longe. Queria ir atrás de Erin,
mas seria preso se ficasse ali. O medo tomou conta dele e Kevin começou a
mancar em direção ao seu carro, sabendo que tinha que sair dali e pensando em
como tudo havia dado tão errado.
***
KATIE OBSERVOU Kevin sair em disparada do
estacionamento em direção à estrada, fazendo pedregulhos voarem. Virando-se,
viu que o jipe de Alex estava com a frente enterrada no depósito de ferramentas, o motor ainda funcionando, e ela correu até lá. O fogo jogava sua luz
sobre a traseira do carro e Katie sentiu o pânico começando a lhe consumir,
rezando para que Alex aparecesse.
Estava se aproximando do carro quando seu pé atingiu
uma coisa dura, fazendo com que tropeçasse. Percebendo que quase havia pisado
na pistola, ela a pegou e voltou a andar em direção ao carro.
Adiante, a porta do carro se abriu um pouco, mas
estava bloqueada por destroços dos dois lados. Ela sentiu uma onda de alívio
ao perceber que Alex estava vivo, mas, ao mesmo tempo, lembrou-se de que Josh e
Kristen haviam desaparecido.
— Alex! — gritou ela ao chegar à traseira do jipe e
começou a socar a lataria. — Você tem que sair daí! As crianças estão na
estrada, precisamos encontrá-las!
A porta ainda estava
presa, mas ele conseguiu abrir a janela. Quando se inclinou para fora, viu que
sua testa sangrava e que ele falava com uma voz fraca.
— Eles estão bem... eu os levei para sua casa...
Ela sentiu seu corpo gelar. — Oh, meu Deus... —
conseguiu dizer, numa voz embargada, pensando “Não, não, não...”
— Saia logo daí! — disse ela, socando a traseira do
carro. — Saia daí! Kevin fugiu!
Katie ouviu o som cruel do medo em sua própria voz. —
Ele está indo na direção da minha casa!
***
A DOR EM SUA MÃO era algo muito mais forte
do que qualquer coisa que ele já havia sentido e a perda de sangue também lhe
causava uma forte tontura. Nada mais parecia valer a pena e sua mão estava
inútil agora. Ouvia sirenes se aproximando, mas esperaria por Erin em sua casa.
Sabia que ela voltaria para casa hoje ou amanhã.
Ele estacionou o carro atrás da outra cabana, a que
parecia abandonada. Estranhamente, viu Amber em pé atrás de uma árvore. Ela
perguntava a Kevin se ele gostaria de lhe pagar uma bebida, mas sua imagem logo
desapareceu. Ele se lembrava de que havia limpado a casa e cortado a grama, mas
nunca soubera lavar roupas. E agora Erin dizia que seu nome era Katie.
Não havia nada para beber e ele estava ficando muito
cansado. O sangue manchava suas calças e ele percebeu que seus dedos e o braço
também estavam sangrando, mas não conseguia se lembrar como aquilo havia
acontecido. Queria muito poder dormir. Precisava descansar por alguns
momentos, porque a polícia iria começar a procurar por ele. Precisava estar
alerta quando eles se aproximassem.
O mundo ao seu redor estava ficando distante e
enevoado, como se o visse com um telescópio virado ao contrário. Ouviu as
árvores balançando para frente e para trás, mas, em vez de uma brisa, só
conseguia sentir o ar quente do verão. Começou a tremer, mas estava suando
também. Sangue demais, escorrendo pelas suas mãos e pelo braço, sem parar. Ele
precisava descansar. Não conseguia mais ficar acordado. Seus olhos começaram a
se fechar.
***
ALEX ENGATOU a marcha à ré e pisou no
acelerador, ouvindo os pneus girarem no cascalho, mas o jipe não saiu do lugar.
Sua mente trabalhava a toda velocidade, sabendo que Josh e Kristen estavam em
perigo.
Ele tirou o pé do acelerador, acionou a tração nas
quatro rodas e tentou mais uma vez. Desta vez o jipe começou a se mover. Os
espelhos retrovisores foram arrancados, os destroços do depósito arranharam
e amassaram a lataria. O jipe se desprendeu com um último impulso. Katie puxou
inutilmente a porta do lado do passageiro até que Alex virou-se e deu um chute,
abrindo-a. Katie pulou para dentro.
Alex deu meia-volta com o jipe e acelerou com força,
chegando à estrada enquanto os caminhões dos bombeiros se aproximavam. Nenhum
deles disse qualquer palavra enquanto ele forçava o acelerador. Alex nunca
esteve tão amedrontado em toda a sua vida.
Depois da curva, a rua de cascalhos. Entrou na viela
com uma forte guinada, quase derrapando. A traseira do jipe dançou sobre os
cascalhos e ele acelerou novamente. Adiante, viu as cabanas, com as luzes acesas nas janelas
da casa de Katie. Nenhum sinal do carro de Kevin e ele exalou o ar, antes de
perceber que estava prendendo a respiração.
***
KEVIN OUVIU O SOM de um motor se aproximando
pela rua de cascalhos e acordou sobressaltado.
“A polícia”, pensou ele, e automaticamente levou a mão
destroçada em direção à arma. Gritou com a dor e a confusão, constatando que
a pistola não estava lá. Ele a havia deixado no banco do passageiro, mas não
estava lá agora e nada daquilo fazia sentido.
Desceu do carro e olhou na direção de onde vinha o
barulho. O jipe se aproximou, aquele que estava no estacionamento da loja,
aquele que quase o matou. O carro parou e Erin saiu de dentro dele. No início,
não conseguiu acreditar em sua sorte, mas logo depois se lembrou de que ela
morava ali e que era por aquele motivo que também estava ali.
Sua outra mão, a que ainda estava boa, estava tremendo
bastante quando ele abriu o porta-malas e retirou o pé de cabra de dentro. Ele
viu Erin e seu amante correrem em direção à varanda. Cambaleando e mancando,
foi em direção à casa, sem querer e sem conseguir parar. Erin era sua esposa,
ele a amava e o homem grisalho tinha que morrer.
***
ALEX PAROU EM FRENTE à
casa, derrapando sobre os cascalhos, e os dois saltaram do carro
simultaneamente, correndo em direção à porta e chamando os nomes das crianças.
Katie ainda estava com a arma na mão. Chegaram à porta assim que Josh a abriu
e, assim que viu o filho, Alex o tomou nos braços. Kristen saiu de trás do sofá
e correu em direção a eles.
Alex abriu seus braços para abraçá-la também, agarrando-a com facilidade quando
ela saltou.
Katie havia parado poucos passos depois de passar pela
porta, observando a cena com lágrimas de alívio nos olhos. Kristen estendeu-lhe
os braços também e Katie se aproximou, aceitando o abraço da menina com um
sentimento cego de felicidade.
Perdidos em meio à emoção do encontro, nenhum deles
percebeu quando Kevin apareceu sob o batente da porta, com o pé de cabra nas
mãos, segurando-o acima da cabeça. Ele golpeou com força, fazendo com que Alex
desabasse no chão e as crianças caíssem de costas, tomadas pelo horror e pelo
choque.
***
KEVIN OUVIU COM SATISFAÇÃO o
baque do pé de cabra, sentiu a vibração lhe correr pelo braço. O homem
grisalho estava deitado no chão e Erin gritava.
***
NAQUELE INSTANTE, Alex e as crianças eram
tudo o que importava para ela. Katie instintivamente correu em direção a Kevin,
empurrando-o para fora da casa. Havia apenas dois degraus, mas aquilo era o
bastante. Kevin caiu de costas e desabou sobre o chão de terra.
Katie se virou. — Tranquem a porta! — gritou ela e
desta vez
Kristen foi a primeira a agir, enquanto Katie ainda
gritava.
O pé de cabra havia caído da mão de Kevin e ele
tentava rolar pelo chão e se levantar. Katie levantou a arma, apontando-a,
quando
Kevin finalmente conseguiu
se pôr em pé. Ele cambaleou, quase perdendo o equilíbrio, seu rosto pálido
como o de um esqueleto. Não conseguia enxergar direito e Katie sentia que seus
olhos estavam se enchendo de lágrimas.
— Eu te amava — disse ela. — Eu me casei com você
porque te amava.
Ele pensou que era Erin, mas seu cabelo estava curto e
escuro e Erin era loira. Conseguiu colocar um pé adiante e quase caiu novamente. Por que ela estava lhe dizendo isso?
— Por que você começou a me bater? — gritou ela,
chorando. — Eu nunca soube por que você não conseguia parar, mesmo quando
prometia.
Sua mão tremia e a arma parecia pesar muito, quase
como um bloco de chumbo. — Você me bateu na nossa lua de mel porque eu deixei
meus óculos escuros na piscina...
Aquela era a voz de Erin e ele imaginou que poderia
estar sonhando.
— Eu amo você — balbuciou ele. — Eu sempre te amei.
Não sei por que você me abandonou.
Ela sentia os soluços crescendo em seu peito,
sufocando-a. As palavras saíram aos borbotões, irrefreáveis e sem sentido,
anos de sofrimento. — Você não permitia que eu dirigisse ou que tivesse
amigos, escondia o dinheiro e me fazia implorar por ele. Eu quero saber por que
você pensou que podia fazer isso comigo. Eu era sua esposa e eu te amava!
Kevin nem sequer conseguia
ficar em pé. O sangue escorria pelos seus dedos e braços e pingava no chão,
deixando tudo escorregadio. Queria conversar com Erin, queria encontrá-la, mas
aquilo não era real. Ele estava dormindo, Erin estava ao seu lado na cama, e
eles estavam em Dorchester. Seus pensamentos ficaram confusos e ele estava
em um apartamento sujo e havia uma mulher chorando.
— Havia molho de tomate na testa do garoto — murmurou
ele, cambaleando para frente. — No garoto que foi baleado, mas a mãe caiu pelas
escadas e nós prendemos o grego.
Katie não conseguiu entender nada do que ele dizia,
não entendia o que ele queria. Ela o odiava com uma fúria que estava sufocada
há anos. — Eu cozinhei para você, limpei a casa para você e nada disso
importou! Tudo o que você fazia era beber e me bater!
O corpo de Kevin balançava, como se estivesse a ponto
de tombar. Suas palavras estavam confusas, atropelando-se, ininteligí- veis. —
Não havia pegadas na neve. Mas os vasos de flores estão quebrados.
— Você deveria ter me deixado partir! Você não devia
ter me seguido até aqui. Por que você não conseguiu simplesmente me deixar
partir? Você nunca me amou!
Kevin se lançou em direção a ela, tentando acertar a
arma, tirá-la das mãos de Katie. Mas estava sem forças e ela conseguiu manter o
pulso firme. Ele tentou agarrá-la, mas gritou em agonia quando sua mão ferida a
acertou no braço. Agindo por instinto, tentou atingi-la com o ombro,
empurrando-a contra a parede da casa. Precisava tirar a arma dela e segurar a
pistola contra a cabeça de Erin. Ele a olhava com olhos arregalados e cheios de
ódio, puxando-a para si, tentando pegar a arma com a mão que
ainda estava boa, usando seu peso contra ela.
Sentiu o cano da arma tocar nas pontas dos seus dedos
e instintivamente dedilhou o metal à procura do gatilho. Tentou empurrar a
arma em direção a ela, mas a pistola se moveu na direção er- rada e agora
estava apontando para baixo.
— Eu te amava! — soluçou ela, lutando contra cada
pedaço de si, cada grama de força que ainda tinha. Kevin sentiu que algo se
afastava e sentiu um momento de clareza.
— Então você nunca devia ter me abandonado — sussurrou
ele, o hálito quente com o cheiro do álcool. Ele puxou o gatilho e a arma
disparou com um alto estampido, e foi quando percebeu que tudo estava quase
terminado. Erin iria morrer, porque ele lhe disse que a encontraria e a
mataria se ela fugisse novamente. Ele mataria qualquer homem que a amasse.
Mas, estranhamente, Erin não caiu, nem mesmo gemeu. Em
vez disso, ela simplesmente olhou para ele com seus olhos castanho-esverdeados, ferozes, sem piscar.
Nesse momento, Kevin sentiu algo. Algo que queimava
seu abdômen, fogo. Sua perna esquerda fraquejou e ele tentou se manter em pé,
mas seu corpo não respondia mais às suas intenções. Ele desabou na varanda,
cobrindo a barriga com a mão.
— Volte para casa comigo — sussurrou ele. — Por favor.
O sangue jorrava pelo ferimento, passando por entre
seus dedos. Acima dele, seus olhos não conseguiam focar direito na imagem de
Erin. Seu cabelo ficava loiro e depois voltava a ficar castanho. Ele a viu na lua de mel, usando
um biquíni, antes de esquecer seus óculos escuros na piscina. E era tão bonita
que Kevin não conseguia entender por que ela quis se casar com ele.
“Linda. Ela sempre foi linda”, pensou ele. E se sentiu
cansado novamente. Sua respiração ficou arrastada e ele começou a sentir frio.
Muito frio. Começou a tremer. Exalou mais uma vez, com um som parecido com
aquele que sai de um pneu furado. Seu peito parou de se mover. Seus olhos
estavam abertos e arregalados, sem entender.
Katie estava em pé ao lado dele, tremendo enquanto o
olhava fixamente. “Não”, pensou ela. “Nunca irei com você. Eu nunca quis
voltar.”
Mas
Kevin não sabia o que ela estava pensando, porque estava morto. E ela se deu
conta de que tudo, finalmente tudo, havia terminado.
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