Capítulo 41
O HOSPITAL MANTEVE KATIE em
observação quase a noite inteira antes de lhe dar alta. Depois, ela permaneceu
na sala de espera do hospital. Não estava disposta a sair dali até ter certeza
de que Alex estava bem.
A pancada de Kevin quase rachou o crânio de Alex e ele
ainda estava inconsciente. A luz da manhã iluminou as janelas estreitas e retangulares da sala de espera. Enfermeiras e médicos trocavam de turno e a sala
começou a se encher de gente: uma criança com febre, um homem com dificuldade
para respirar. Uma mulher grávida e o seu marido, ambos em pânico, entraram
correndo pela porta. Sempre que ouvia a voz de um dos médicos ela levantava os
olhos, esperando que seria chamada para ver Alex.
Seu rosto e braços estavam manchados pelos hematomas e
seu joelho estava inchado, quase com o dobro do tamanho normal. Entretanto,
após os exames necessários e o raio X, o médico de plantão havia simplesmente
lhe dado bolsas de gelo para os hematomas e Tylenol para a dor. Era o mesmo
médico que estava cuidando de Alex, mas ele disse à Katie que não podia prever
com certeza quando
Alex acordaria,
acrescentando que os exames de tomografia computadorizada eram inconclusivos.
— Ferimentos na cabeça podem ser sérios — disse o
médico. — Com sorte, saberemos mais em algumas horas.
Ela não conseguia pensar, não conseguia comer, não
conseguia dormir, não conseguia parar de se preocupar. Joyce havia levado as
crianças do hospital para sua casa e Katie esperava que eles não tivessem
pesadelos. Esperava que os eventos da noite passada não lhes trouxessem
pesadelos para sempre. Esperava que Alex se recuperasse completamente. Rezava
para que aquilo acontecesse.
Tinha medo de fechar os olhos. Toda vez que fazia
isso, Kevin reaparecia. Katie via as manchas de sangue em seu rosto e sua camisa, seus olhos ensandecidos. De algum modo ele a havia encontrado. Veio a
Southport para arrastá-la de volta para casa ou para matá-la e quase conseguiu.
Em uma única noite, ele destruiu a frágil ilusão de segurança que Katie
conseguira construir desde que havia chegado à cidade.
As visões horríveis de Kevin voltavam a cada momento,
repetindo-se infinitamente, com variações, e às vezes mudando inteiramente.
Houve momentos em que ela se viu sangrando e morrendo na varanda, olhando
para cima, olhando nos olhos do homem que odiava. Quando aquilo aconteceu,
instintivamente apalpou a barriga, procurando por ferimentos que não existiam.
Mas ela logo estava de volta ao hospital, sentada e esperando sob as lâmpadas
fluorescentes.
Preocupava-se com Kristen e Josh. Eles logo chegariam
ao hospital; Joyce os traria para visitar seu pai. Ela se perguntava se as
crianças a odiariam por tudo o que havia acontecido e aquele
pensamento fez com que as
lágrimas ardessem em seus olhos. Cobriu o rosto com as mãos, desejando que
pudesse se enterrar em um buraco profundo, tão profundo que ninguém a
encontraria. Tão profundo que Kevin nunca conseguisse encontrá-la, pensou
Katie, para em seguida se lembrar de que ela o vira morrer na varanda. As
palavras “ele está morto” ecoavam como um mantra, uma cantilena da qual ela
não podia escapar.
— Katie?
Ela levantou o rosto e viu o médico que estava
cuidando de Alex.
— Posso levá-la até ele agora — disse o médico. — Ele
acordou há dez minutos. Ainda está na UTI, então você não poderá ficar lá por
muito tempo. Ele quer vê-la.
— Ele está bem?
— Neste momento ele está bem, apesar da situação.
Levou um golpe muito forte.
Mancando um pouco, ela seguiu o médico, andando por
entre os corredores até o quarto de Alex. Ela respirou fundo e endireitou a
postura antes de entrar, dizendo a si mesma que não iria chorar.
A UTI estava cheia de máquinas e luzes piscantes. Alex
estava em uma cama no canto, com a cabeça envolta em bandagens. Ele se virou
quando ela entrou no quarto, com os olhos semicerrados. Um monitor soltava bips
regularmente ao seu lado. Ela caminhou até o lado da cama e pegou em sua
mão.
— Como estão as crianças? — sussurrou ele. As palavras
saíram lentamente, com um certo esforço.
— Estão bem. Estão com
Joyce agora. Ela os levou para a casa dela.
Um sorriso suave e quase imperceptível surgiu nos
lábios de
Alex.
— E você?
— Estou bem — disse ela, assentindo.
— Amo você — disse ele.
Ela se esforçou ao máximo para não se desfazer em
lágrimas novamente. — Amo você também, Alex.
Ele lutava para não fechar os olhos, sem conseguir
focar o olhar.
— O que aconteceu?
ELA FEZ UM RELATO abreviado das últimas doze
horas, mas, no meio da história, viu que os olhos dele se fecharam. Quando
acordou novamente mais tarde, ele havia se esquecido de algumas partes do que
ela havia lhe contado. Assim, Katie repetiu a história, tentando soar tranquila
e casual.
Joyce trouxe Josh e Kristen e, embora não fosse
permitido que crianças entrassem na UTI, o médico deixou que visitassem seu pai
por alguns minutos. Kristen havia lhe trazido um desenho de um homem em uma
cama de hospital, com as palavras “Melhore, papai” escritas no alto da página.
Josh lhe deu uma revista especializada em pesca.
Conforme o dia avançou, Alex ficou mais coerente. À
tarde, ele não mais adormecia e acordava em intervalos irregulares. Embora reclamasse de uma dor de
cabeça monstruosa, sua memória, de forma geral, havia retornado. Sua voz já
estava mais forte e, quando disse à enfermeira que sentia fome, Katie abriu um
sorriso aliviado, finalmente, com a certeza de que ele ficaria bem.
***
ALEX RECEBEU ALTA no dia seguinte e o xerife
veio até a casa de Joyce para recolher seus depoimentos formais. Disse que o
nível de álcool na corrente sanguínea de Kevin estava tão alto que ele havia
praticamente envenenado a si mesmo. Combinado com a perda de sangue que sofrera,
era incrível que ainda houvesse se mantido consciente e com um certo grau de
coerência durante a noite. Embora tivesse relatado os eventos daquela noite ao
xerife, Katie não lhe contou tudo. Também não contou tudo a Alex — como
poderia, quando as coisas nem sequer faziam sentido para ela? Não contou a eles
que, nos momentos seguintes à morte de Kevin, quando correu para perto de Alex,
ela havia chorado por ambos os homens. Parecia impossível que, mesmo enquanto
revivia o terror daquelas últimas horas com Kevin, ela também se lembrasse dos
raros momentos felizes que tiveram juntos; como eles riam das situações que
haviam compartilhado ou como se deitavam juntos tranquilamente no sofá.
Ela não sabia como reconciliar aquelas partes
conflitantes do seu passado e o horror que havia vivido durante a noite. Mas
havia algo mais também. Algo que ela não entendia. Katie ficou na casa de Joyce
porque tinha medo de voltar para sua casa.
***
MAIS TARDE, naquele mesmo dia, Alex e
Katie estavam no estacionamento, olhando para os escombros chamuscados que
restavam da loja. Aqui e ali, ela conseguia reconhecer alguns objetos: o sofá, queimado pela metade,
inclinado sobre cascalho; uma prateleira usada para guardar comida; uma
banheira enegrecida pelo fogo.
Alguns bombeiros estavam revistando os escombros. Alex
pediu a eles que procurassem pelo cofre que ele havia instalado dentro do
armário. Ele tinha retirado as bandagens da cabeça e Katie conseguia ver o
lugar onde os médicos haviam raspado seus cabelos para aplicar os pontos. O
local estava inchado e tingido de preto e roxo.
— Eu lamento — disse Katie. — Por tudo.
Alex balançou a cabeça.
— Você não tem culpa de nada. Não foi você que fez isso.
— Você não tem culpa de nada. Não foi você que fez isso.
— Mas Kevin veio atrás de mim.
— Eu sei — disse Alex, ficando em silêncio por um
momento. — Kristen e Josh me contaram sobre como você os ajudou a sair da casa.
Josh disse que, depois que você agarrou o braço de Kevin, você disse a eles
para correr. Disse que você o distraiu. Eu queria agradecê-la por isso.
Katie fechou os olhos.
— Você não pode me agradecer por isso. Se alguma coisa acontecesse com eles, eu não suportaria viver com isso dentro de mim.
— Você não pode me agradecer por isso. Se alguma coisa acontecesse com eles, eu não suportaria viver com isso dentro de mim.
Ele fez que sim com a cabeça, mas não conseguia olhar
para ela. Katie chutou uma pequena pilha de cinzas que havia se espalhado pelo
estacionamento. — O que você vai fazer agora? Em relação à loja?
— Acho que vou reconstruir.
— E onde você vai morar?
— Ainda não sei. Vamos
ficar na casa de Joyce por algum tempo, mas vou tentar encontrar um lugar
tranquilo, um lugar com uma vista agradável. Como não posso trabalhar, vou
tentar aproveitar meu tempo livre.
Katie sentia-se enjoada.
— Não consigo nem imaginar como você está se sentindo agora.
— Não consigo nem imaginar como você está se sentindo agora.
— Anestesiado. Triste pelas crianças. Chocado.
— Sente raiva também?
— Não. Não sinto raiva.
— Mas você perdeu tudo.
— Não perdi tudo — disse ele. — Não perdi as coisas
importantes. Meus filhos estão em segurança. Você está segura. É isso que me
importa. Isso tudo — disse ele, apontando para os restos da loja — é apenas
prejuízo material. A maior parte pode ser readquirida. Vai apenas levar algum
tempo.
Ao terminar de falar, ele apertou os olhos, olhando em
direção a alguma coisa em meio aos destroços.
— Espere aqui um momento.
— Espere aqui um momento.
Alex andou em direção a uma pilha de escombros
chamuscados e retirou uma vara de pescar que estava enfiada entre tábuas de
madeira enegrecidas. Estava coberta de fuligem, mas não parecia estar danificada.
Pela primeira vez desde que chegaram, Alex sorriu.
— Josh vai ficar feliz com isso — disse ele. — Eu
gostaria de poder encontrar uma das bonecas de Kristen.
Katie cruzou os braços em
frente ao corpo, sentindo as lágrimas lhe encherem os olhos.
— Eu vou comprar uma boneca nova para ela.
— Eu vou comprar uma boneca nova para ela.
— Você não precisa fazer isso. Eu tenho uma boa
apólice de seguros.
— Mas eu quero. Nada disso teria acontecido se eu não
tivesse entrado na sua vida.
Alex olhou para ela. — Eu sabia no que estava me
envolvendo quando a convidei para sair.
— Mas você não poderia esperar que algo assim
acontecesse.
— Não — admitiu ele. — Nada como o que aconteceu. Mas
vai ficar tudo bem.
— Como pode dizer uma coisa dessas?
— Porque é verdade. Nós sobrevivemos e é isso que importa.
Ele estendeu a mão, buscando a mão de Katie, e ela
sentiu seus dedos se entrelaçarem com os dele. — Ainda não tive a oportunidade
de dizer que lamento.
— Lamenta pelo quê?
— Por sua perda.
Ela sabia que ele estava falando sobre Kevin e não
tinha certeza do que dizer em resposta. Ele parecia entender que ela, ao mesmo
tempo, amava e odiava seu marido.
— Nunca quis que ele morresse — começou ela. — Eu só
queria ser deixada em paz.
— Eu sei.
Ela se virou para ele, com expectativa. — Será que
vamos ficar bem? Depois de tudo isso?
— Acho que isso depende de você.
— De mim?
— Meus sentimentos não mudaram. Eu ainda te amo, mas
você precisa descobrir se os seus sentimentos ainda são os mesmos.
— Eles não mudaram em nada.
— Então vamos encontrar uma maneira de superar tudo
isso juntos, porque eu sei que quero passar o resto da minha vida com você.
Antes que ela pudesse responder, um dos bombeiros os
chamou e eles se viraram na direção do homem. Ele estava fazendo força para
retirar um objeto dos escombros e, quando se levantou, tinha um pequeno cofre
nas mãos.
— Você acha que ele foi danificado?
— Provavelmente não. É à prova de fogo. Foi por isso
que o comprei.
— E o que há nele?
— Alguns registros e documentos, mas vou precisar
deles. Alguns discos com fotos e negativos. Coisas que eu queria proteger.
— Fico feliz por terem encontrado.
—
Eu também fico — disse Alex. — Porque há algo dentro do cofre que preciso
entregar a você.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)