Capítulo 24

Ajeitei o celular para deixá-lo apoiado entre a bochecha e o ombro enquanto tentava cozinhar.
— Espera um pouco, mãe. Só um segundo — falei, colocando o aparelho sobre o armário.
— Você sabe que odeio o viva-voz. — Sua voz se misturava aos temperos no ar. — Liis, me tira do viva-voz.
— Estou sozinha, mãe. Ninguém está te ouvindo. Preciso das duas mãos.
— Pelo menos você está cozinhando e não anda comendo aquele veneno processado toda noite. Você engordou?
— Na verdade, perdi alguns quilos — falei, sorrindo apesar de ela não poder me ver.
— Não muitos, espero — ela resmungou.
Eu ri.
— Mãe, você nunca está feliz.
— Sinto sua falta. Quando você vem para casa? Você não vai esperar até o Natal, vai? O que você está cozinhando? É bom?
Acrescentei brócolis, cenouras e água ao óleo de canola quente e mexi tudo na frigideira enquanto refogava.
— Também sinto sua falta. Eu não sei. Vou dar uma olhada na minha agenda, stir-fry de frango e vegetais, e espero que fique ótimo.
— Você mexeu o molho? Você tem que mexer primeiro, sabe, pra deixar o molho fundir e respirar.
— Sim, mãe. Está no balcão perto de mim.
— Você colocou algum ingrediente a mais? Fica bom só do jeito que eu faço.
Dei uma risadinha.
— Não, mãe. É o seu molho.
— Por que está comendo tão tarde?
— Estou no horário da costa Oeste.
— Mesmo assim, são nove horas aí. Você não devia comer tão tarde.
— Eu trabalho até tarde — falei com um sorriso.
— Eles não estão te ocupando demais no trabalho, estão?
— Eu estou me ocupando demais. Mas eu gosto assim. Você sabe disso.
— Você não está andando sozinha à noite pelas ruas, está?
— Sim! — provoquei. — Só de calcinha!
— Liis! — ela me repreendeu.
Dei uma risada alta e me senti bem com isso. Era como se eu não sorrisse houvesse muito tempo.
— Liis? — ela disse, a voz preocupada.
— Estou aqui.
— Você está com saudade de casa?
— Só de vocês. Diga ao papai que mandei um oi.
— Patrick? Patrick! A Liis está mandando um oi.
Ouvi meu pai em algum lugar da sala.
— Oi, querida! Saudade de você! Fique bem!
— Ele começou a tomar as cápsulas de óleo de peixe esta semana. Dá gases — ela disse.
Dava para sentir o mau humor em sua voz, e eu ri outra vez.
— Estou com saudade de vocês dois. Tchau, mãe.
Com o dedo mindinho, toquei na tela para encerrar a ligação, depois acrescentei o frango e o repolho. Pouco antes de colocar as ervilhas e o molho, alguém bateu à porta. Esperei, achando que havia imaginado o ruído, mas ouvi uma nova batida, dessa vez mais alta.
— Ah, não. Ai, merda — falei para mim mesma, baixando quase totalmente o fogo.
Limpei as mãos em um pano de prato e me apressei até a porta. Espiei pelo olho mágico e me atrapalhei para abrir a corrente e o trinco, agarrando-os como uma louca.
— Thomas — sussurrei, sem conseguir esconder o choque.
Ele estava ali parado de camiseta branca e shorts de ginástica. Não tinha colocado nada nos pés.
Ele começou a falar, mas pensou melhor.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei.
— O cheiro está bom — ele disse, fungando.
— É. — Virei para a cozinha. — Stir-fry. Dá para dois, se estiver com fome.
— É só você? — ele perguntou, dando uma olhada para além de mim.
Dei uma risadinha.
— Claro que sou só eu. Quem mais estaria aqui?
Ele me encarou durante vários segundos.
— Você está usando meu moletom.
Olhei para baixo.
— Ah. Você quer de volta?
Ele balançou a cabeça.
— Não. De jeito nenhum. Só não sabia que você ainda o usava.
— Uso muito. Às vezes ele faz com que eu me sinta melhor.
— Eu, hum... precisava falar com você. Tá uma falação danada no escritório por causa do seu surto.
— Só meu? Eu sou a estressada porque sou mulher. Típico — murmurei.
— Liis, você falou em japonês no escritório. Todo mundo sabe.
Fiquei pálida.
— Desculpa. Eu estava irritada e... merda.
— O SAC deu sinal verde para irmos em frente com o plano de afastar o Grove.
— Ótimo. — Abracei minha cintura, me sentindo vulnerável.
— Mas eles não o encontraram.
— O quê? E o Sawyer? Achei que ele era o mestre da vigilância. Ele não está seguindo o Grove?
— Sawyer está procurando o Grove por aí agora. Não se preocupe. Ele vai encontrá-lo. Você quer... quer que eu fique com você?
Olhei para ele. Sua expressão implorava que eu dissesse sim. Eu o queria ali, mas isso significaria longas conversas que levariam a discussões, e nós dois estávamos cansados de brigar.
Balancei a cabeça.
— Não, vou ficar bem.
A pele ao redor de seus olhos se suavizou. Ele deu um passo e estendeu as mãos, envolvendo os dois lados de meu rosto. Ele me encarou, seu conflito interno girando nas duas piscinas castanho-esverdeadas.
— Foda-se — ele disse. E se aproximou, encostando os lábios nos meus.
Soltei o pano de prato e agarrei a camiseta dele, mas Thomas não estava com pressa de ir embora. Ele se demorou um instante me saboreando, sentindo o calor de nossas bocas se derretendo uma na outra. Seus lábios eram confiantes e controladores, mas cederam com a pressão dos meus.
Bem quando achei que ele ia se afastar, ele me envolveu com os dois braços.
Thomas me beijou como se precisasse de mim houvesse séculos, e, ao mesmo tempo, era um beijo de despedida. Era saudade, tristeza e raiva, agitadas, mas sob controle, em um beijo doce e suave. Quando ele finalmente me soltou, senti que estava me inclinando para frente, precisando de mais.
Ele piscou algumas vezes.
— Tentei não fazer isso. Desculpa.
Então ele se afastou.
— Não, está... está tudo bem — falei para o corredor vazio.
Fechei a porta e me recostei nela, ainda saboreando seu gosto. Eu ainda conseguia sentir o cheiro dele. Pela primeira vez desde que me mudei, o apartamento não parecia um santuário nem a representação da minha independência. Parecia apenas solitário. O stir-fry não estava tão cheiroso quanto antes. Olhei para as meninas na pintura de Takato, lembrando que Thomas me ajudara a pendurá-las — nem elas conseguiam me fazer sentir melhor.
Fui decidida até o fogão, apaguei o fogo e peguei a bolsa e as chaves. O elevador parecia estar levando um tempo extraordinário para chegar ao saguão, e eu me remexia em expectativa. Eu precisava sair do prédio, sair de baixo do apartamento de Thomas. Precisava sentar diante de Anthony com um manhattan, esquecendo Grove, Thomas e tudo que eu não me permitia ter.
Olhei para os dois lados e atravessei a rua a passos largos, mas, assim que cheguei à calçada, uma mão grande envolveu meu braço, me detendo.
— Aonde diabos você vai? — Thomas perguntou.
Puxei o braço com força e o empurrei. Ele mal se mexeu, mas mesmo assim eu cobri a boca e levei as mãos ao peito.
— Ai, meu Deus! Desculpa! Foi uma reação instintiva.
Ele franziu a testa.
— Você não pode simplesmente sair por aí sozinha agora, Liis, enquanto não localizarmos o Grove.
Um casal estava parado a uns três metros da esquina, esperando o sinal fechar. Fora eles, estávamos sozinhos.
Soltei um suspiro de alívio, o coração ainda disparado.
— Você não pode sair por aí agarrando as pessoas desse jeito. Você tem sorte de não terminar como o Joe bêbado.
O sorriso de Thomas se espalhou lentamente pelo rosto.
— Desculpa. Eu ouvi sua porta bater e fiquei preocupado que você se arriscasse saindo por minha causa.
— Acertou — falei, envergonhada.
Thomas se preparou, já sofrendo com suas próximas palavras.
— Não estou tentando deixá-la arrasada. Você pode imaginar que eu estava ocupado demais fazendo isso comigo mesmo.
Meu rosto desabou.
— Não quero que você fique arrasado. Mas essa situação é isso mesmo: arrasadora.
— Então — ele estendeu a mão para mim —, vamos voltar. Podemos conversar sobre isso a noite toda, se quiser. Eu explico quantas vezes você quiser. Podemos estabelecer algumas regras. Eu forcei demais as coisas naquele momento. Eu entendo isso agora. Vamos devagar. Podemos chegar a um acordo.
Eu nunca quis tanto uma coisa na vida.
— Não.
Não? — ele disse, abatido. — Por quê?
Meus olhos ficaram vidrados, e eu olhei para baixo, forçando as lágrimas a escorrerem pelo meu rosto.
— Porque eu quero tanto isso, e tenho medo demais.
O ataque rápido de emoções me surpreendeu, mas disparou algo em Thomas.
— Baby, olha pra mim — ele disse, usando o polegar para erguer delicadamente meu queixo até nossos olhos se encontrarem. — Não pode ser pior ficarmos juntos do que é ficarmos separados.
— Mas estamos num impasse. Temos a mesma discussão várias vezes seguidas. Precisamos superar isso.
Thomas balançou a cabeça.
— Você ainda está tentando superar a Camille — pensei em voz alta — e pode levar um tempo, mas é possível. E ninguém consegue tudo que quer, certo?
— Eu não quero você apenas, Liis. Eu preciso de você. E isso não desaparece.
Ele puxou as laterais de minha blusa e encostou a testa na minha. Seu cheiro era tão bom, almiscarado e limpo. O mínimo toque de seus dedos em minha roupa me fez querer derreter em seus braços.
Analisei seus olhos, sem conseguir responder.
— Você quer que eu diga que a superei? Eu a superei — ele disse, a voz ficando mais desesperada a cada palavra.
Balancei a cabeça, olhando para a rua escura.
— Não quero que você só diga isso. Quero que seja verdade.
— Liis. — Ele esperou até eu olhar para ele. — Por favor, acredita em mim. Eu amei alguém antes, mas nunca amei alguém como eu te amo.
Eu me afundei nele, deixando que ele me envolvesse em seus braços. Eu me permiti me soltar, abrir mão do controle das forças que nos trouxeram até aquele momento. Eu tinha duas opções. Podia me afastar de Thomas e, de alguma forma, tolerar o sofrimento que sentia todos os dias por não estar com ele. Ou assumir um grande risco baseada apenas na fé, sem previsões, cálculos ou certezas.
Thomas me amava. Ele precisava de mim. Talvez eu não fosse a primeira mulher que ele amou, e talvez o tipo de amor que um Maddox sentia durasse para sempre, mas eu também precisava dele. Eu não era a primeira, mas seria a última. Isso não me tornava o segundo lugar. Isso me tornava sua eternidade.
Um estouro alto ecoou do outro lado da rua mal iluminada. O tijolo atrás de mim se espalhou em centenas de pedaços em todas as direções.
Virei e olhei para cima, vendo uma pequena nuvem de poeira flutuando sobre meu ombro esquerdo e um buraco no tijolo.
— Que merda é essa? — Thomas perguntou. Seus olhos vasculharam todas as janelas acima de nós e depois pararam na rua vazia entre a gente e nosso prédio.
Grove estava atravessando a rua com o braço estendido na frente do corpo, segurando uma pistola do FBI na mão trêmula. Thomas se colocou à minha frente, em uma posição protetora, cobrindo meu corpo com o dele.
Ele olhou furioso para o nosso agressor.
— Coloca a arma no chão, Grove, e eu não te mato, caralho.
Grove parou a apenas vinte metros, e só havia um carro estacionado em paralelo entre nós.
— Eu vi você sair correndo do prédio para pegar a agente Lindy... descalço. Duvido que tenha pensado em pegar a arma. Você a colocou no shorts antes de sair?
Para um homem seboso, rechonchudo e baixinho, ele era extremamente condescendente.
— Você me entregou, Lindy — Grove desdenhou.
— Fui eu — Thomas falou, dobrando os cotovelos lentamente para levantar as mãos. — Eu a trouxe para cá porque estava suspeitando das suas informações.
Dois homens viraram a esquina e congelaram.
— Ai, merda! — um deles disse antes de os dois virarem de repente e correrem de volta na direção de onde tinham vindo.
Coloquei a mão dentro da bolsa lentamente, usando o corpo de Thomas para ocultar meu movimento.
A arma de Grove disparou, e Thomas deu um solavanco. Ele olhou para baixo e colocou a mão na parte direita do abdome.
— Thomas? — gritei com a voz aguda.
Ele gemeu, mas se recusou a sair da frente.
— Você não vai escapar dessa — Thomas disse, a voz tensa. — Aqueles caras vão chamar a polícia. Mas você pode mudar de ideia, Grove. Passe as informações que você tem sobre a Yakuza.
Os olhos de Grove ficaram vidrados.
— Estou morto de qualquer maneira. Vaca idiota — ele disse, mirando a arma de novo.
Levantei a mão entre o braço e o tronco do Thomas e disparei. Grove caiu de joelhos, um círculo vermelho escurecendo o bolso da frente da camisa social branca. Ele desmoronou de lado, e Thomas virou, gemendo.
— Como está isso aí? — perguntei, me esforçando para levantar sua camisa.
O sangue escorria do ferimento, soltando um vermelho grosso a cada batida de seu coração.
— Caralho — ele disse entredentes.
Coloquei a arma na parte de trás do meu jeans enquanto Thomas tirava a camiseta. Ele a embolou e a pressionou contra o ferimento.
— Você precisa deitar. Vai diminuir o sangramento — falei, ligando para a emergência no celular.
Os mesmos dois homens espiaram pela esquina e, quando viram que era seguro, apareceram.
— Você está bem, cara? — um deles perguntou. — Chamamos a polícia. Eles estão vindo.
Desliguei o telefone.
— Eles receberam o chamado. Já estão a caminho.
Como se estivessem ouvindo, sirenes ecoaram a poucos quarteirões de distância.
Sorri para Thomas.
— Você vai ficar bem, tá?
— Claro que vou — ele disse, a voz tensa. — Finalmente consegui você de volta. Um tiro não vai foder com tudo.
— Aqui — disse o outro cara, tirando a camisa. — Você pode entrar em choque, cara.
Thomas deu um passo, estendendo a mão para a camisa, e, de canto de olho, vi Grove levantar a arma, apontando-a diretamente para mim.
— Merda! — um dos caras gritou.
Antes que eu tivesse tempo de reagir, Thomas pulou na minha frente, fazendo um escudo com o próprio corpo. Estávamos de frente um para o outro quando o estouro soou, e Thomas deu um solavanco.
— Ele caiu de novo! Acho que está morto! — disse um dos homens, apontando para Grove.
Olhei para além de Thomas e vi os dois caras se aproximando cuidadosamente de Grove, e um deles chutou a arma para longe.
— Ele não está respirando!
Thomas caiu de joelhos, com uma expressão de choque, e tombou de lado. Sua cabeça bateu na calçada, fazendo um barulho alto.
— Thomas? — gritei. — Thomas! — Lágrimas borravam minha visão conforme se acumulavam em meus olhos.
Minhas mãos o analisaram. Ele tinha um ferimento na lombar, a poucos centímetros da coluna. O sangue escapava pelo buraco e se espalhava na calçada.
Thomas sussurrou alguma coisa, e eu me agachei para ouvi-lo.
— O quê?
— A bala atravessou — ele sussurrou.
Eu o virei para verificar a parte da frente de seu corpo. Ele tinha dois ferimentos de tiro no abdome inferior, um no lado direito, do primeiro tiro de Grove, e o outro no lado oposto.
— Essa está limpa — falei. — Passou direto.
Fiz uma pausa. A bala atravessou.
Uma dor atingiu meu abdome e eu olhei para baixo. Uma mancha vermelha havia se espalhado pela minha camisa. A bala atravessara Thomas e me atingira. Puxei a blusa com força e a ergui para revelar o sangue escorrendo em um fluxo contínuo de um pequeno buraco na parte inferior direita de meu peito, pouco abaixo das costelas.
Minha visão borrada não era resultado das lágrimas, mas da perda de sangue. Caí ao lado de Thomas, ainda mantendo a pressão em seu ferimento com uma das mãos e no meu com a outra.
As sirenes pareciam mais distantes, em vez de próximas. Os prédios vizinhos começaram a rodar, e eu caí de barriga no chão.
— Liis — ele disse, virando de costas para me encarar. Sua pele estava pálida e suada. — Fica comigo, baby. Eles estão chegando.
A calçada fria dava uma sensação boa em meu rosto. Um peso se abateu sobre mim, uma exaustão diferente de tudo que eu já sentira.
— Eu te amo — sussurrei com minhas últimas forças.
Uma lágrima escorreu pelo canto do meu olho, descendo pelo nariz e caindo em nossa cama de concreto, se misturando à confusão vermelha sob nós.
Thomas soltou a camiseta e estendeu a mão fraca para mim, os olhos ficando vidrados.
— Eu te amo.
Eu não conseguia me mexer, mas senti seus dedos encostando e se entrelaçando aos meus.
— Fica comigo — ele disse. E franziu a testa. — Liis?
Eu queria falar, piscar, fazer qualquer coisa para acalmar seu medo, mas nada se mexia. Notei o pânico em seus olhos enquanto a vida se esvaía de mim, mas eu estava impotente.
— Liis! — ele soltou um grito fraco.
Os cantos de minha visão se anuviaram e então a escuridão me engoliu. Afundei no nada, uma solidão silenciosa na qual eu podia descansar e ficar imóvel.
Então o mundo explodiu: luzes fortes, comandos, apitos em meu ouvido e espetadas nas mãos e nos braços.
Vozes desconhecidas chamavam meu nome.
Pisquei.
— Thomas? — Minha voz estava abafada pela máscara de oxigênio sobre o nariz e a boca.
— Ela voltou! — uma mulher disse, em pé ao meu lado.
A cama de concreto antes sob mim agora se tornara um colchão firme. O quarto era branco, fazendo o refletor acima parecer muito mais forte. Ouvi respostas sobre minha pressão arterial, pulsação e oxigenação, mas nada sobre meu vizinho, meu parceiro, o homem que eu amava.
— Liis? — Uma mulher apareceu em cima de mim, protegendo meus olhos da luz. Ela sorriu. — Bem-vinda de volta.
Meus lábios se esforçaram para formar as palavras que eu queria dizer. A mulher tirou meu cabelo do rosto, apertando a sacola presa à máscara de oxigênio, o barulho assobiando perto do meu ouvido.
Como se pudesse ler minha mente, ela fez um gesto com a cabeça para trás de si.
— Ele está em cirurgia. Está bem. O cirurgião disse que vai ficar tudo bem.
Fechei os olhos, deixando as lágrimas escorrerem pelas têmporas até as orelhas.
— Você tem alguns amigos na sala de espera: Val, Charlie e Joel.
Olhei para ela e franzi a testa. Por fim, me dei conta de que Charlie e Joel eram Sawyer e Marks.
— A Susan acabou de sair daqui para avisar que seu quadro é estável. Eles podem voltar daqui a pouco. Tente descansar.
Minha voz abafada deturpava minhas palavras.
— O quê? — ela perguntou, levantando a máscara.
— Vocês não telefonam para a família, né? — perguntei, surpresa com minha voz fraca.
— A menos que você peça.
Balancei a cabeça, e ela se esticou por cima da cama antes de colocar uma máscara mais leve sobre meu nariz e minha boca. Um assobio saía de dentro dela.
— Respirações profundas, por favor — ela disse, saindo da minha linha de visão, enquanto ajustava o equipamento ao meu redor. — Você vai ser transferida para outro andar mais tarde, mas o médico quer aprimorar seus sinais vitais antes.
Olhei ao redor, me sentindo grogue. Meus olhos piscaram algumas vezes, quase em câmera lenta. Meu corpo pareceu pesado de novo, e eu apaguei por um instante antes de acordar de repente.
— Uau! — disse Val, dando um pulo na cadeira.
Eu estava em um quarto diferente. Este tinha quadros de buquês de flores nas paredes.
— Cadê o Thomas? — perguntei, e minha garganta dava a sensação de que eu tinha engolido cascalho.
Val sorriu e apontou com a cabeça. Olhei para onde ela tinha apontado e vi Thomas dormindo profundamente. As proteções tinham sido abaixadas, e nossas camas de hospital estavam juntas. A mão de Thomas estava sobre a minha.
— Ele teve que mexer muitos pauzinhos para conseguir isso — Val disse. — Você está bem?
Sorri para ela, mas seu rosto estava anuviado de preocupação.
— Ainda não sei — falei, me encolhendo.
Ela pegou o aparelho de chamada e apertou o botão.
— Posso ajudar? — perguntou uma voz anasalada.
O volume estava tão baixo que eu mal podia ouvir.
Val levou o controle remoto de plástico mais perto da boca, para poder sussurrar:
— Ela acordou.
— Vou avisar à enfermeira responsável.
Val deu um tapinha delicado em meu joelho.
— A Stephanie logo vai trazer seus remédios para dor. Ela tem sido fantástica. Acho que ela está apaixonada pelo Thomas.
— Não estão todas? — Sawyer comentou, de um canto escuro do quarto.
— Ei, Charlie — falei, usando o controle para levantar um pouco a cama.
Ele e Marks estavam sentados em lados opostos.
Sawyer franziu a testa.
— Você já morreu uma vez nas últimas vinte e quatro horas. Não me obrigue a te matar de novo.
Dei uma risadinha e prendi a respiração.
— Droga, isso dói. Não consigo imaginar a dor de dois desses. O Thomas provavelmente não vai conseguir se mexer quando acordar. — Olhei para ele e apertei sua mão.
Ele piscou.
— Bom dia, flor do dia — Marks disse.
Thomas olhou imediatamente para a esquerda. Suas feições se suavizaram, e um sorriso cansado se formou.
— Ei. — Ele levou minha mão à boca e beijou o nó dos meus dedos.
Então relaxou o rosto no travesseiro.
— Ei.
— Achei que eu tinha perdido você.
Franzi o nariz.
— Nah.
Sawyer se levantou.
— Vou embora. Estou feliz por vocês dois estarem bem. A gente se vê no trabalho. — Ele veio até mim, beijou meu cabelo e saiu.
— Tchau — falei.
Val sorriu.
— Ele prometeu assinar os papéis.
— É mesmo? — perguntei, surpresa.
Marks bufou.
— Com a condição de ficar com o apartamento.
Olhei para Val.
Ela deu de ombros.
— Espero que você tenha falado sério quando disse que queria uma colega de quarto.
— É só por um tempo, de qualquer maneira — Marks disse. — Vou convencê-la a morar comigo.
— Vai se foder — ela soltou. E sorriu para mim. — Você, se preocupe apenas em ficar boa. Eu cuido do resto. É o momento certo, de qualquer maneira. Você vai precisar de alguém para te ajudar a cozinhar e fazer faxina.
Marks olhou para Thomas.
— Você está sem sorte, amigão.
— Posso me mudar pra lá também? — Thomas provocou. Ele prendeu a respiração enquanto se ajeitava para ficar confortável.
Val fez sinal para Marks.
— É melhor a gente ir. Deixar os dois descansarem.
Marks assentiu, se levantando e dando um tapinha na proteção da cama de Thomas.
— Fique firme aí, irmão. A gente segura as pontas no escritório.
— Eu tinha medo de que você dissesse isso — Thomas comentou.
Marks estendeu a mão para Val, ela a pegou, e os dois seguiram juntos para o corredor.
— E o Grove? — perguntei ao Thomas. — Alguma novidade?
Ele fez que sim com a cabeça.
— Marks disse que estão cuidando do caso, mantendo a mesma linha: um assalto que deu errado.
— E as testemunhas?
— Tudo certo. O Benny não tem a menor ideia de que o Travis vai bater à porta dele em breve, e o Tarou simplesmente vai pensar que perdeu seu infiltrado. A investigação pode prosseguir conforme planejado.
Fiz que sim com a cabeça. Thomas acariciou meu polegar com o dele, e eu olhei para as nossas mãos.
— Espero que isso seja um “tudo bem” — ele disse.
— É mais do que “tudo bem”.
— Você sabe o que isso significa, não sabe? — ele perguntou.
Balancei a cabeça.
— Cicatrizes semelhantes.
Um sorriso amplo se espalhou pelo meu rosto.
Thomas levou minha mão até a bochecha e beijou meu punho. Ele baixou nossas mãos lentamente para o colchão, se acalmou e relaxou quando percebeu que podia me olhar até cair no sono.
Thomas precisava de mim. Ele me fazia feliz e me deixava louca e estava certo: só fazíamos sentido juntos. Eu me recusei a ruminar o que ia acontecer a seguir, a analisar a probabilidade ou a logística de um relacionamento bem-sucedido, a tentar controlar se eu estava tendo sentimentos demais. Eu finalmente havia encontrado o tipo de amor pelo qual valia a pena arriscar um coração partido.
A gente teve que se encontrar para finalmente entender que o amor não pode ser controlado. Previsões, suposições e certezas absolutas são ilusões. Meu amor por ele era volátil, incontrolável e esmagador, mas... isso era amor. O amor era real.

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