Capítulo 4


Finley entrou cambaleando no meu quarto, envolvida em um roupão branco de plush e segurando uma caixa embrulhada em papel branco e um laço de fita colorido. Ela acendeu a luz e se encolheu. O rímel borrado tinha sumido, e ela estava como seu eu maravilhoso de sempre, sem a maquiagem desnecessária.
Ela notou que Paige estava nua, deitada de bruços na minha cama, e se juntou a mim no assento perto do peitoril da janela.
Então me passou a caixa e se apoiou na parede.
— Abre.
Fiz o que ela pediu, puxando o laço bem atado, tirando o papel e finalmente chegando à tampa de papelão. Dentro, havia outra caixa de papelão. Levantei a tampa e vi a foto de uma câmera fotográfica.
— O que é isso?
— Não é a câmera mais cara para amadores que existe, mas é a melhor. Pelo menos foi o que o Google disse.
— Isso foi ideia sua?
Ela deu de ombros.
— Do Marco. Ele falou que você estava entediada em Maui até roubar a câmera dele. Ele ficou bem impressionado com algumas fotos que você tirou, e achou que seria um bom presente pra te dar.
— Eu mal me lembro de Maui.
— Então uma câmera definitivamente é uma boa coisa pra te dar — ela provocou.
Tirei a tampa da lente e apertei o botão ligar, mexi nas poucas configurações que reconheci e apontei a lente para Finley. Ela colocou as mãos na frente do rosto.
— Não ouse.
Virei para Paige, dei zoom em sua mão apoiada nos lençóis amassados e cliquei.
A imagem surgiu imediatamente na tela, e eu virei a câmera apenas o suficiente para Finley poder dar uma olhada.
— O Marco estava certo. Você tem talento.
— Obrigada pela câmera — falei. Parecia mesmo natural que ela estivesse nas minhas mãos, algo ao qual eu poderia me agarrar.
Finley apontou com a cabeça na direção de Paige.
— Ela é um doce. E, meu Deus... muito linda. Ela deve ter se queimado de um jeito muito feio para acordar na sua cama. Na verdade, mais com se tivesse sido coberta de piche e penas. Pobrezinha.
— Eu sei.
— Então provavelmente você não deveria...
— Eu sei. Já avisei a ela.
— Você sabe que isso não dá certo. Não temos finais felizes com pessoas como ela. Nós as destruímos.
Apaguei a brasa do cigarro e joguei a guimba pela janela para repousar com as centenas de outras no cemitério escondido de Marlboros lá embaixo.
— Não sei. Eu consideraria a noite passada como um final feliz.
— Estou falando sério, Ellie.
— Também sei disso.
— E, só pra constar, não faço boquetes por piedade. Esse é a porra do seu talento.
— Eu não devia ter dito aquilo. Eu estava meio confusa. O bombeiro me beijou. Eu estava tentando levar qualquer pessoa pra casa, menos ele.
— O bonitão? — Quando assenti, seus ombros desabaram. — Droga. Eu queria aquele cara.
— Não queria nada.
— Tentei ignorar.
— Ignorar o quê? — Olhei para Paige. Eu ainda sentia suas mãos macias no meu corpo, sua doçura salgada em meus lábios.
— Que ele está a fim de você. Todas as vezes em que eu abria a boca, era como se eu estivesse interrompendo a concentração dele. O cara queria tanto que você olhasse para ele, e você simplesmente encarando o muffin de mirtilo ali... — ela disse, apontando para Paige.
— Eu não era a primeira opção dela. Ela preferia acordar ao lado do Docinho.
— O Docinho estava falando com o Zeke sobre outra garota. Tenho a sensação de que ele está curtindo uma decepção amorosa. A Paige está melhor sem ele. — Finley analisou a garota como se ela fosse um gatinho à beira do precipício. — Talvez ela fique bem.
— Ela vai ficar bem — falei, me levantando. Atravessei o quarto, deitei ao lado da pintura nua na minha cama e me aninhei ao seu lado.
Sem abrir os olhos, Paige estendeu a mão para trás, apertando meus braços ao seu redor. Finley acenou para mim, balbuciando: “Brunch em duas horas”. E saiu.
Apoiei o rosto na pele sedosa das costas de Paige, inalando a mistura sedutora de fumaça velha e loção. Ela se mexeu, o cabelo azul se arrastando pelo travesseiro como uma pena de pavão. Não tive medo do adeus constrangedor que viria inevitavelmente em seguida, nem dos seus sentimentos. Minha curiosidade genuína pelo que ela faria com a própria vida depois de mim se instalou no espaço não existente entre nós. Entrelacei minha perna na dela, o membro macio e carnudo se destacando no lençol caro amassado que só cobria sua bunda de curvas perfeitas — a mesma que subiu e desceu sob o meu toque até o sol espalhar tons pastel pelo céu.
— Estou acordada — sussurrou ela. — Tenho medo de me mexer e tudo acabar.
Coloquei a câmera diante do seu rosto e cliquei no botão de exibir, mostrando a foto da sua mão. Tudo no braço estava borrado, mas o cabelo azul era inconfundível. Eu estava preparada para ela me pedir para apagar a foto, mas ela estendeu a mão e acariciou o meu rosto.
— É linda.
— Posso guardar?
— Pode. Acabou?
— Acabou — falei. — Vou pedir para o José levar você para casa.
— Quem é José? — ela perguntou, se levantando e se espreguiçando, nem um pouco chateada.
— Um funcionário.
Ela sorriu, e seus olhos, que pareciam piscinas idênticas, sonolentas e felizes, se anuviaram por trás dos cílios antes de ela conseguir focar.
— Vou me vestir.
Então saltou da cama, vestindo o jeans skinny e o suéter, depois as botas.
— O café da manhã é no andar de baixo. A Maricela vai servir o que você quiser.
Paige assentiu, segurando a bolsa contra o peito. Ela não ia me pedir para me juntar a ela. Ela não ia me pedir nada.
— Talvez a gente se veja por aí — ela disse.
Apoiei a cabeça na mão.
— Não terei tanta sorte duas vezes.
Ela não tentou disfarçar que se sentiu lisonjeada. Seu rosto ficou vermelho, e ela levou o casaco porta afora, desaparecendo no corredor. Seus passos mal eram ouvidos enquanto ela descia a escada, mas a voz do meu pai subiu quando ele a cumprimentou.
Eu me apoiei na cabeceira da cama, esperando pacientemente e sem medo da inquisição. Ele ficaria com raiva por causa da conta da limpeza, mas ainda mais pelo quadro de Peter Max destruído do que pelo dinheiro. Ele me amava mais do que qualquer outra coisa, e isso era bom, porque minhas oscilações de humor e minha impulsividade haviam lhe custado milhões. A Ferrari, o incêndio na vila italiana do seu sócio e as contas dos advogados — também conhecidas como suborno — para me manter longe da cadeia.
Ele parou de repente na soleira da porta, como se fosse um vampiro que tivesse que esperar para ser convidado a entrar.
— Oi, pai. Como foi a viagem?
— Ellison — começou ele, a voz grossa de decepção contida. — Voltamos cedo pra casa pra conversar com você. Não é que a gente não te ame, coelhinha...
— Eu sei que vocês me amam — falei. Mantive o rosto calmo, mas fiquei me perguntando aonde ele queria chegar com aquela conversa. Normalmente, ele começava com o discurso de Estamos muito decepcionados com você e esperamos que você melhore, mas esse parecia diferente.
Ele suspirou, já exausto de me dar lições. Dois saltos clicaram no piso do corredor. Eu me sentei mais ereta quando minha mãe entrou no quarto, seguida de Sally, sua coach pessoal.
— Philip — ela começou —, eu pedi pra você esperar. — Ela falava bem baixinho, sorrindo para mim como sempre fazia, como se seu sorriso natural fizesse suas palavras serem magicamente imperceptíveis.
— Eu só...
— Sr. Edson — disse Sally. — É importante mantermos uma frente unida, lembra?
— O que é isso? — perguntei, me divertindo. — Uma intervenção?
— Nós te amamos — disse meu pai.
Minha mãe estava com a mão no peito do marido e deu um passo à frente, entrelaçando os dedos na cintura.
— Ellison, quando seu pai e eu soubemos da festa e dos estragos, já estávamos no nosso limite. Alertamos você inúmeras vezes. Você agora é adulta. Realmente não tem desculpa.
— Por que a Sally está aqui? — perguntei.
Minha mãe continuou:
— Estamos preocupados com a sua segurança e a segurança de outras pessoas. Qual era a idade da moça que acabou de sair?
— Ela tem idade suficiente — falei, me recostando no travesseiro.
Espreguicei para disfarçar como estava me sentindo desconfortável. Esse tipo de confronto era inédito para eles. Meus pais normalmente tinham uma discussão acalorada, na minha presença, sobre como lidar comigo, depois meu pai me mandava para uma luxuosa viagem de férias — como a que eu estava prestes a fazer com Finley.
Minha mãe aliviou as rugas de arrependimento que atravessavam sua testa.
— Seu pai e eu decidimos... — ela pigarreou. Apesar da irritação, ela estava insegura.
— Meredith... continue — disse Sally.
— Você está de castigo — minha mãe se obrigou a dizer.
— Eu estou... o quê? — Dei uma risadinha na última palavra, totalmente descrente. Eu nunca tinha ficado de castigo na vida, nem mesmo quando era nova para realmente ficar de castigo.
Minha mãe balançou a cabeça, depois recuou até meu pai. Ele a abraçou como se os dois estivessem identificando meu cadáver.
Sally assumiu.
— Sua viagem para o mar do sul da China com a Finley foi cancelada, assim como seus cartões de crédito e o acesso às casas e aos funcionários da família. Você pode ficar aqui por mais noventa dias. Deve procurar um emprego e, depois que reembolsar seus pais pelos estragos que provocou a esta casa, alguns de seus privilégios voltarão.
Cerrei os dentes.
— Vai se foder, Sally.
Sally não se abalou.
— Ellison, é sério — disse minha mãe. — A Maricela e o José receberam ordens para manter comida na despensa e limpar os aposentos principais. Tirando isso, é tudo por sua conta.
— Me deixa entender. Vocês vão me deixar sem um centavo, sozinha... já que a Fin vai viajar sem mim... sem carro, mas querem que eu arrume um emprego e trabalhe até ganhar dezenas de milhares de dólares ao mesmo tempo em que pago pelas necessidades básicas e pelo aluguel? Gasolina, táxi, papel higiênico, comida? Como vou conseguir fazer as duas coisas? Vocês têm ideia do valor do aluguel nesta cidade? O que vocês estão propondo é uma bobagem.
— Não estamos propondo — salientou Sally. — A partir de agora, a sua vida vai ser assim.
Cruzei os braços.
— Tenho certeza que as minhas maluquices fizeram o seu salário diminuir, Sally.
— Coelhinha — meu pai começou.
Sally levantou a mão.
— Já conversamos sobre isso, sr. Edson. Ellison, não se trata de mim. A questão aqui é você.
— O que você ganha com isso? — perguntei, fervendo de raiva.
— Nada. O meu trabalho é zelar pelo bem-estar da família.
— Não por muito tempo — alertei. — Não esqueça que quem paga as contas não é a minha mãe, e o meu pai não concorda com as suas merdas. — Apontei para ele. — Pai, você não pode deixar que ela faça isso.
— É melhor assim — disse ele, sem convicção.
— Melhor pra quem? Vocês me criaram pra ser assim. Agora vão me punir por causa disso? Eu não era assim. Tentei ser boazinha para chamar a atenção de vocês, mas nada funciona!
— Culpa — disse Sally.
— Nós estamos em uma cidade turística! Nenhum emprego aqui vai me pagar o suficiente para pagar o que eu devo, o aluguel e as contas! Vou levar literalmente anos!
— Argumentação — disse Sally.
Como meu pai não deu nenhum sinal de desistir, fiz beicinho e sentei de pernas cruzadas para parecer uma criança.
— Eu sei que eu errei. Vou melhorar, pai. Eu juro.
— Barganha — disse Sally.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto.
— Vou odiar vocês depois de tudo. Isso não vai nos aproximar. Eu nunca mais vou falar com vocês.
Sally pigarreou.
— Manipulação. Essas lágrimas são instrumentos, Philip.
— Vai se foder, sua filha da puta desgraçada! — Agarrei os lençóis e quiquei no colchão conforme gritava.
Os olhos dos meus pais se arregalaram. Sally pareceu aliviada.
— Pronto. Essa é a Ellison de verdade. Você não está desamparada. Ainda pode usar a casa. A Maricela vai garantir que o básico seja fornecido. O resto, como a Meredith disse, é por sua conta.
Meu pai me observou com sofrimento nos olhos. Eu sabia que isso o estava matando por dentro.
— Nós te amamos de verdade. Você está certa, coelhinha, nós erramos com você. Esse é o único jeito que temos de consertar tudo.
— Eu sei — concordei, entredentes. — Deixar alguém encarregada do meu destino sempre foi o seu jeito de agir.
Ele se encolheu, e minha mãe o conduziu para fora, pelo corredor. Sally ficou para trás, com um sorriso convencido no rosto.
— Você pode ir — falei, olhando pela janela do outro lado do quarto onde, apenas meia hora atrás, Finley e eu admirávamos a beleza de Paige e conversávamos sobre eu não destruir o coração da garota.
— Você pode ligar para os seus pais, Ellison. Mas não pra torturar, não pra implorar, não pra tentar mudar a opinião deles. Vou estar com os dois pelos próximos três meses. Sua conta de telefone foi transferida pro seu nome, e é sua responsabilidade. Você tem um pacote básico até poder pagar por um melhor, então use com moderação.
Virei para ela, esperando matá-la com o olhar.
— Por que você ainda está aqui?
— É importante você usar esse tempo pra melhorar. Isso vai mudar sua vida, Ellie. Aproveite. O que os seus pais estão fazendo é a coisa mais difícil que eles já fizeram, e eles estão fazendo isso porque te amam.
— Ai, meu Deus, Sally. Você tem razão. Estou curada.
Sally soltou uma risada.
— Estou feliz por você ter mantido seu senso de humor.
— Isso não foi humor, sua imbecil; foi sarcasmo. Pode ir embora com os meus pais ingênuos, sua cobra gananciosa e calculista.
— Tudo de bom, querida. Espero falar com você em breve.
— Espero que você mande uma mensagem de texto para os meus pais, pedindo dinheiro, e que dois segundos depois um caminhão bem grande te atropele.
Sally não pareceu chocada, mas triste, e virou em direção à porta sem dar mais uma palavra. Ela cochichou com os meus pais, Maricela e José, antes de a porta da frente se fechar e o carro deles sair pelo portão.
Soquei o colchão, gritando o mais alto que pude. As palavras que saíam da minha boca não faziam nenhum sentido, mas foi a única coisa que me ocorreu fazer naquele momento.
Segui rapidamente pelo corredor em direção ao quarto de Finley. Sua cama estava feita, o quarto estava vazio e a bagagem tinha desaparecido.
— Que porra é essa? — falei, correndo de volta para o meu quarto em busca do celular.
Disquei o número da Finley.
Ela atendeu de imediato.
— Ellie? Ai, meu Deus, querida, estou no carro com o Marco. Eles mal me deram tempo de me vestir. A Maricela estava com as minhas coisas arrumadas e perto da porta quando voltei para o meu quarto.
— Eles também te expulsaram?
— Não. Eles querem que eu vá para Sanya. Disseram que você precisa de um tempo sozinha.
— Ah, puta merda. Vou ficar longe de todo mundo?
Finley ficou calada.
— O que você vai fazer? A mamãe disse que cortou tudo.
— Eu... eu não sei. Não pensei ainda. Acho... acho que eu... — Se eu pedisse dinheiro à
Finley, seria tão patética quanto todas as vacas interesseiras das quais reclamávamos desde a adolescência.
— Eles me proibiram de te ajudar — minha irmã comentou, parecendo derrotada. — Mas deixei todo o dinheiro que eu tinha na minha mesinha de cabeceira. Acho que tem uns oitocentos ou novecentos dólares. Ela pegou seu passaporte e cortou todas as suas contas. Eu sinto muito.
— Você sabia que isso ia acontecer? Foi por isso que voltou pra casa?
— Claro que não. Você é minha irmã, Ellie...
— Vou ficar bem. Obrigada pela grana. Quando a raiva passar, eles vão se sentir mal e mudar de ideia.
— Não — Finley sussurrou. — Eles passaram o controle para a Sally.
— Isso é ridículo. Nem é possível.
— Eles assinaram um termo. A Sally precisa assinar pra liberar todo o dinheiro e todos os serviços destinados a você. Foi isso que a mamãe me falou. Não sei o que eles vão fazer se você não achar um apartamento. A Sally estava falando sobre abrigos em Estes Park. — Eu nunca tinha visto a Finley com medo.
— Isso é simplesmente... absurdo. Depois que o papai abandonar essa merda de intervenção, ele vai mandar a Sally pastar. Ele me ama mais do que a própria consciência, mais do que a mamãe... e definitivamente mais do que um maldito contrato com uma falsa terapeuta.
— Exatamente. Ele te ama mais do que tudo, Ellie. Mais do que a culpa ou o orgulho dele, ou a raiva que você está sentindo. Até mais do que a mim.
— Isso não é verdade, Finley. Você é a filha boa.
— E você é a filha que exige mais atenção.
Meu peito doeu. Era verdade, e isso deixava tudo mais doloroso. Eu não sabia que Finley pensava em mim desse jeito, e sua opinião era a única que me importava.
Ela continuou como se não tivesse acabado de arrancar meu coração.
— É cedo demais pra ligar, mas eu não contaria com a ajuda deles tão logo. Eles estão falando sério desta vez. Você foi longe demais.
— Você precisa conversar com eles.
— Já tentei. E tentei conversar com você também, se é que você se lembra.
— Fin. Você é minha irmã. Me ajuda.
Ela fez uma pausa de vários segundos, depois suspirou.
— Já estou fazendo isso.
Apesar de Finley não poder me ver, fiz que sim com a cabeça, depois levei os dedos à boca.
Ela estava certa, mas isso não era justo. Havia maneiras menos dramáticas de meus pais provarem que estavam certos.
— Boa viagem — desejei.
— Sinto muito, Ellie.
— Ãhã — falei, apertando o botão para desligar. O celular despencou da minha mão para a cama. Olhei pela janela, para a neve que caía nas árvores.
Arrumar um emprego? Sou formada em cerâmica. Onde diabos vou arrumar um emprego em Estes Park?

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