Capítulo 5
— Eu disse não — falei, cutucando a madeira da mesa
monstruosa da sala de jantar de Sterling.
— É perfeito pra você — argumentou Sterling, já na terceira
taça de vinho tinto. Ele ainda estava se recuperando das feridas da noite com
Finley. Ao contrário do que dissera quando me convidou para ir à sua casa,
Sterling não estava nem um pouco interessado em me dar ideias para encontrar um
emprego em Estes Park.
— Bartender? — indaguei. — As pessoas da cidade sabem quem
eu sou... principalmente os bartenders. Eles vão rir da minha cara e me
expulsar se eu aparecer procurando emprego. Não vão acreditar que eu preciso de
um.
— Eles não podem te discriminar, Ellie. Se você for mais
qualificada que os outros candidatos, eles vão ter que te dar o emprego.
— Não é assim que funciona. Eles contratam parentes nesta
cidade. E não. Não quero ser bartender. Acabei de ser expulsa do Turk. Eles vão
ficar com medo de eu beber o estoque todo. Ainda mais agora que o José recebeu
ordens de tirar todas as bebidas alcoólicas de casa.
— Sério?
— Sério — resmunguei.
— Que diabos você fez, Ellie? Não pode ser pior do que
aquela vez em que você...
— E não foi. Estragaram um quadro, alguns vasos e uma mesa.
Um pouco de vômito no chão... nada que o pessoal da limpeza não conseguisse
resolver.
— Então não é por causa do dinheiro.
— O que você quer dizer?
— Você está fodida. Eles não estão tentando te ensinar a
ter responsabilidade ou a ser grata, Ellison. Estão tentando salvar você de si
mesma. Os pais da Betsy March fizeram a mesma coisa com ela. Você não tem
saída. É melhor ceder ou acabar com tudo agora mesmo.
Fiquei boquiaberta.
— Você é um tremendo babaca.
Ele tomou mais um gole de vinho.
— As pessoas dizem isso o tempo todo. Estou começando a
acreditar.
Olhei para ele, meu rosto já queimando de humilhação.
— Você não está precisando de... humm... uma assistente ou
algo assim, né?
— Eu? É claro que não. Já tenho quatro. Ah. Você quer
dizer... te contratar?
Meus olhos foram para o chão.
— Só se precisar de alguém. Não quero caridade.
— Nunca ia dar certo, Ellie.
— Por quê?
— Porque somos amigos, e eu quero que continue assim.
— Você acabou de dizer pra eu me matar.
Ele deu uma risadinha.
— Não era sério.
— Tá bom.
Ele apontou para mim.
— Esse é o motivo.
Franzi a testa.
— Do que você está falando agora?
— Você nem se esforçou. Eu disse “não”, e você aceitou. Não
quero uma fraquinha trabalhando pra mim. Fui criado com mais babás do que as
assistentes que tenho hoje. Uma para limpar minha bunda, uma para lavar as
minhas mãos, uma para me dar comida, uma para brincar durante o dia e outra
para ficar acordada comigo à noite. E outras mais. Não lembro o nome delas.
Minha preferida? Beatrice. Ela era mais malvada que um gato com um morteiro enfiado
na bunda, e eu adorava. Ninguém mais falava comigo daquele jeito. Preciso de
pessoas que não tenham medo de me dizer a verdade. Você pode, mas não consegue,
e mesmo assim continuamos amigos.
Suspirei e fiz que sim com a cabeça, já entediada com o
discurso. Ele realmente adorava ouvir a própria voz.
Sterling jogou o jornal para mim, se inclinou por sobre a
mesa e abriu na parte dos classificados. Já havia círculos vermelhos na seção
de Ofertas de emprego.
— Separadora de correspondência — falei, lendo suas
sugestões. — McDonald’s. — Olhei para Sterling, e ele levantou as mãos. — Caixa
de banco. Estou falida, e você acha que é uma boa ideia uma viciada em maconha,
completamente dura, trabalhar num banco?
Ele deu de ombros, se levantou e foi em direção ao bar.
— Estou tentando. Você precisa de uma bebida.
— Recepcionista de hotel. Trabalhar à noite. Fazer check-in
e check-out de hóspedes, limpar algumas coisas e servir café da manhã. — Olhei
para Sterling. — Eles pagam quinze dólares a hora para as pessoas fazerem isso?
— É uma cidade turística. Eles não conseguem gente pra trabalhar
pelo salário mínimo, nem mesmo em empregos de salário mínimo. O custo de vida é
muito alto.
— Não tem mais nada?
— Assistente na revista local. — Sterling deu uma
risadinha. — Opinião das Montanhas — zombou ele. — Adivinha quem é o dono?
— Philip Edson? — bufei.
— Não, essa não é do seu pai. É o novo empreendimento de
J.W. Chadwick, proprietário do Turk. Ele não vai te contratar. Também tem um
emprego de garçonete no resort, mas você vai lidar com babacas como nós o dia
todo.
Cobri o rosto, deixando o jornal cair na mesa.
— É isso que eu ganho por me formar em algo que eu sabia
que era inútil. Eles me foderam. Meus pais me foderam.
— Você se fodeu. Não age como se não soubesse o que estava
fazendo.
Peguei uma nota de cem dólares amassada no bolso e a joguei
sobre a mesa.
— Isso é tudo que me resta.
— Eles te deixaram com cem dólares?
— Não, eles não me deixaram com nada. A Fin me deixou
oitocentos e quarenta dólares. Eu bebi tudo.
— Você não é só uma bêbada; é uma bêbada irresponsável.
Você merece isso.
— Eu te odeio.
Sterling piscou.
— Nah. Você me ama. Posso te dizer a verdade mais terrível,
ainda assim continuamos
amigos. É por isso que eu te amo. — E colocou um grande
copo de gim na minha frente. — Bebe. Temos um longo dia pela frente.
— Não posso procurar emprego bêbada.
Ele levantou uma pequena pílula branca e a colocou sobre a
mesa, empurrando-a em minha
direção.
— Não vamos procurar emprego hoje. Vamos nos despedir da
vaca rica Ellison Edson e dar “oi” para a Ellie trabalhadora da classe média.
— Vai pastar, Sterling.
Ele colocou a pílula na boca e a engoliu com vinho. Olhei
para a mesa, girando o comprimido oval branco com a ponta dos dedos. Ele estava
certo. Eu não ia procurar emprego hoje.
Joguei a pílula no fundo da garganta, sem me preocupar com
o que era, apenas desejando que o efeito viesse rápido. Engoli o gim até a
garganta queimar, depois olhei para Sterling, secando a boca.
— Isso vai dar merda.
— Sempre dá quando estamos juntos — disse ele, bebendo
mais.
***
Acordei no chão, nua e mal coberta com uma toalha de mesa.
Sterling era meu travesseiro, a coxa nua na minha bochecha. Eu me sentei,
limpando a boca, sentindo gosto de sal e com ânsia de vômito.
— Ai, meu Deus — sussurrei, olhando para seu corpo nu,
esparramado no chão.
Aquele não parecia o Sterling, com o maxilar barbeado com o
qual eu estava acostumada.
Seu rosto tinha começado a escurecer com o bigode, e seu
cabelo normalmente alisado tinha se libertado do gel que deveria manter cada
fio no lugar. Ele não era diferente de ninguém que eu havia deixado pelo
caminho, desarrumado e destruído, mas a visão era a manifestação física do fundo
do poço — o homem que minha irmã amava estava deitado nu no chão, e uma mistura
do nosso suor ainda brilhava em sua pele.
A bile me subiu pela garganta, e o enjoo me derrubou. Eu
não vomitava depois de uma bebedeira desde o primeiro ano. A sensação me pegou
desprevenida.
Engatinhei pelo chão até alcançar as minhas roupas, levando
cada peça de tecido ao peito.
Soltei um gritinho baixo e senti lágrimas queimando meus
olhos. Finley.
Ela nunca me perdoaria — ela nunca nos perdoaria. Tentei me
lembrar do que acontecera. O sol já estava atrás das montanhas, o céu ficando
escuro a cada segundo. Sterling e eu estávamos trepando há horas, mas eu não me
lembrava de nada.
Tonta e humilhada, juntei minhas roupas, vestindo o sutiã,
a camiseta, a calcinha molhada — mais enjoo — e a calça, sentindo a frieza do
algodão na pele. Tive mais uma ânsia de vômito e disparei pelo corredor em
direção ao banheiro. Meu estômago empurrou, e o vinho e a bebida alcoólica se
espalharam pela porta. Pressionei os lábios e deixei minhas bochechas se
encherem, segurando o resto apenas por tempo suficiente para levantar a tampa
do vaso. A sensação era de que litros e mais litros de álcool queimavam meu
nariz e minha garganta enquanto subiam e jorravam para o vaso sanitário. A água
do vaso respingou no meu rosto, e eu fechei os olhos, soluçando.
Quando tudo acabou, eu me levantei, lavei as mãos e o
rosto, enxaguei a boca e limpei os cabelos. Olhei no espelho. A garota que me
olhava estava irreconhecível. Abatida, com olheiras profundas sob os olhos
vermelhos. Uma viciada. Finley estava certa. Viver desse jeito acabaria me
matando.
Segui pelo corredor na ponta dos pés, pegando meu dinheiro
amassado e minhas botas de neve no caminho.
Sterling se mexeu, e eu corri para a porta, pulando numa
perna só para calçar uma bota, depois a outra.
— Ellie? — ele chamou, a voz falha.
— Não aconteceu nada — falei.
Ele cobriu o rosto e virou de costas para mim.
— Merda. Merda. Não, não, não... a gente não pode ter feito
isso. Nós não fizemos. Me diz que nós não fizemos.
— Nós não fizemos. Não aconteceu nada. Porque, se acontecesse,
a Fin nunca mais falaria com nenhum de nós — falei, fechando a porta ao sair.
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