Capítulo 6


O despertador tocou perto do meu ouvido e eu estendi a mão, batendo nele até desligar. O sol da manhã entrava pelas persianas abertas — eu as deixara desse jeito de propósito, para me obrigar a sair da cama. Minha entrevista na Opinião das Montanhas aconteceria em noventa minutos.
Infelizmente, J. W. Chadwick era dono do bar do qual eu havia sido expulsa mais de uma vez, o que tornava a entrevista um pouco mais complicada.
Abri o armário, tentando pensar no que as pessoas usavam em entrevistas. Quando digitei no Google “O que vestir em uma entrevista de emprego em uma revista”, a busca resultou em milhares de roupas que eu jamais usaria, incluindo um vestido de festa com um decote absurdo e uma saia transparente que eu tinha certeza de que ninguém usaria, exceto em um desfile de moda.
Apoiei as costas na parede e deslizei até o chão, colocando os cotovelos sobre os joelhos e apoiando a testa nos punhos. Eu era conhecida por coisas muito piores nesta cidade do que ser filha do bilionário local. Ninguém me contrataria, e, quando Finley descobrisse o que eu fiz, nunca me perdoaria. Eu tinha perdido tudo, e meu futuro parecia sombrio.
Lágrimas escorreram, se acumulando na ponta do meu nariz e pingando no carpete. Em breve, eu não conseguiria controlar os soluços que faziam meu corpo estremecer, e eu só conseguia pensar em como era injusto meus pais terem jogado essa bomba em cima de mim e tirado toda bebida alcoólica de casa. Minha mãe não conseguia nem fazer as malas sem ingerir duas garrafas de vinho para se acalmar.
— Srta. Ellison! — disse Maricela, se agachando na minha frente. — O que aconteceu? Você está machucada?
Quando olhei para cima, ela usou o avental para secar as minhas lágrimas.
— Ninguém vai me contratar, Maricela. Sou a bêbada da cidade.
— Não nos últimos dois dias.
— Não posso fazer isso — chorei. — Não tenho a menor ideia de como fazer isso. Eles estão simplesmente me jogando para os lobos.
Maricela acariciou meus braços.
— Foi assim que eu aprendi a nadar, muñequita. Às vezes precisamos ser simplesmente jogados, ou nunca conseguiremos por conta própria.
— Eu fiz merda — falei, secando o nariz com o dorso da mão. — Eu magoei a Finley. —
Ergui o olhar, o lábio inferior tremendo. — Ela nem sabe ainda. Só consigo pensar em ficar chapada para esquecer de tudo.
Maricela tocou meu rosto.
— Você não vai conseguir esquecer os problemas se não encarar tudo de frente. Admita seus erros e tente consertá-los.
A pouca determinação que eu tinha desapareceu.
— Ela não vai me perdoar. Não desta vez.
— Srta. Ellison, o problema tem a ver com o lugar pra onde o José te levou? A clínica de exames? O que eles disseram? O que fizeram?
Funguei. O teste de gravidez tinha dado negativo, e mais de duas semanas tinham se passado desde que eu fizera os exames de DSTs. Até aquele momento, eles não tinham me ligado com os resultados e, no caso da clínica de exames, não ter notícias é uma boa notícia.
— A Finley é sua irmã. Ela te ama mais do que tudo. E quer o melhor para você.
Comecei a soluçar de novo.
— Eu realmente fiz merda desta vez. Não consigo acreditar que eu seja essa pessoa. Alguém que... — Balancei a cabeça de novo, desesperada. — Desde que tudo aconteceu, já pensei tantasvezes que seria mais fácil se... eu não consigo fazer isso. — Olhei nos olhos de Maricela, solene.
— Não entendo — falou ela, preocupada.
— Eu só quero que tudo acabe. — As palavras não pareceram sinceras: uma declaração tão poderosa com tão pouca emoção. Fiquei pensando se era assim que a Betsy se sentia em relação ao próprio fim: tão destruída para sentir algo, além de entorpecimento.
Maricela pegou meu queixo entre os dedos.
— Niña, pare com isso. Com essa Ellison destrutiva e cheia de raiva... Ela pode te matar. Mas você pode sobreviver.
Tentei desviar o olhar, mas ela não deixou.
— Se quiser provar que não é essa pessoa, você precisa parar de ser essa pessoa. Deixe-a ir embora. Olha só pra você. Ela não está te fazendo feliz.
Pisquei, depois assenti lentamente. Maricela sempre sabia o que dizer quando eu estava chateada, mas nunca gritara comigo. Ela estava lutando por mim, e eu não podia deixá-la lutar sozinha.
— Você está certa. Ela tem que ir embora.
Maricela me ajudou a levantar.
Olhei de novo para o meu armário. Estava cheio de camisas de flanela xadrez, casacos de moletom, calças jeans rasgadas, blusas ousadas e camisetas de shows.
— A entrevista é daqui a uma hora. Vou aparecer lá dando a impressão de que acabei de falar com um traficante.
Maricela ficou parada atrás de mim, tocou meus ombros e sussurrou no meu ouvido:
— Essa Ellison morreu. Está na hora de encontrar uma nova Ellison.
— E se eu não souber por onde começar?
— Você já começou. — Ela beijou o meu rosto e saiu do quarto.
Encarei as roupas por mais um tempo, depois bati as portas e disparei pelo corredor até o quarto de Finley, abrindo seu armário na esperança de que ela não tivesse levado todas as suas roupas incríveis para o apartamento dela em Manhattan. Mexendo nos cabides, encontrei um par de calças skinny de couro preto e um suéter vinho. Com um par de botas de salto, uma maquiagem leve e depois de passar uma escova no cabelo ondulado, resmunguei para minha aparência no espelho. Vasculhei os produtos da minha irmã, passei um spray de controle de frizz nos cabelos e os escovei. Olhei de novo para o meu reflexo e suspirei. Eu estava tão acostumada a me vestir como se não me importasse que qualquer coisa que exigisse um pouco mais de empenho parecia um esforço excessivo.
— Você está bonita, srta. Ellison — disse Maricela sob o batente. — Devo recolher sua roupa suja?
— Obrigada. Mas acho que você não pode fazer isso. Não quero que você se complique.
A expressão de Maricela desabou, e ela assentiu, sabendo que eu estava certa.
— Vou te ensinar quando você estiver pronta. — Ela acenou uma vez antes de ir para o corredor. — O José tem certeza que o sr. Edson se esqueceu de falar que ele pode te levar de carro a todas as entrevistas de emprego.
Um sorriso largo se espalhou pelo meu rosto.
— Sério?
— Boa sorte, senhorita. — Maricela?
Ela virou.
— Não sei se eles te pediram para contar o que estou fazendo, mas prefiro que você não comente com eles sobre a entrevista.
Maricela estava com a nossa família desde que eu era uma garotinha, e ela me olhou com amor maternal.
— Só quero que você fique bem, srta. Ellie.
— Eu sei. Estou tentando.
Ela fechou a porta, e eu virei para me olhar no espelho, decidindo prender o cabelo num coque alto. O sr. Wick me contrataria, mesmo que ainda não soubesse disso.

***

José olhou pelo retrovisor do Audi.
— Você está bonita, srta. Ellison.
— Obrigada — respondi, virando para olhar os prédios que passavam pela janela.
Nossa casa ficava meio escondida, na parte mais ao sul da Highway 66, e a revista ficava quase na parte norte. José levou mais de dez minutos para chegar à rodovia e virou para o sul, pegando o lado oposto dos que estavam a caminho do trabalho, e dos turistas que se dirigiam para a base da montanha. Os caminhões de areia trabalhavam a todo vapor, abrindo caminho até Estes Park. Passamos por resorts e hotéis, um rio e um cemitério... tantas coisas às quais eu nunca havia prestado atenção porque não eram bares nem restaurantes sem código de vestimenta.
José virou na Mills Drive, e meu coração começou a acelerar. Eu não sabia o que esperar, mas tinha a sensação de que estava prestes a me humilhar. Passamos por vários prédios, todos marrons e cheios de veículos parecidos. Bem distante do resto, havia um edifício pequeno com duas garagens e vários veículos de emergência estacionados ao longo de uma entrada de carros circular. Eu me ajeitei no banco quando vi a placa.

CENTRAL INTERAGÊNCIAS
PARQUE NACIONAL DAS MONTANHAS ROCHOSAS

Toquei o vidro com a ponta dos dedos. Eu não sabia se a equipe deles ficava ali o ano todo, mas, se eu ia trabalhar do outro lado da rua durante quarenta horas por semana, era melhor que não ficassem.
Ao lado da estação dos bombeiros havia um estacionamento de trailers, e quatrocentos metros desses veículos salpicavam a paisagem. Do outro lado da estação e do estacionamento havia um prédio novo de aço. Uma entrada de veículos fazia a curva na frente da portaria, continuando até outra construção menor de aço que poderia funcionar como garagem, depósito ou as duas coisas. O escritório da revista Opinião das Montanhas era pequeno, uma estrutura de aço comum, recém-construída, na periferia da cidade.
Acenei para José enquanto ele se afastava com o carro. Ele prometera voltar uma hora depois.
Fiquei parada na calçada, vestida de maneira inadequada para a temperatura que despencava. As nuvens estavam baixas sobre os picos, e a neve já tinha salpicado meu cabelo como penas, desaparecendo ao contato.
Uma caminhonete com cabine dupla e um trailer rebocado seguiam pela rua em direção ao estacionamento, com os pneus espirrando água do asfalto molhado. Dei um passo rápido para trás antes de uma onda de água e gelo me encharcarem do coque até o salto das botas. Então segui em direção ao prédio principal, passando pela placa onde se lia REVISTA OPINIÃO DAS MONTANHAS. Meus tornozelos balançavam a cada passo, e eu me sentia menos confiante e mais ridícula quanto mais eu me aproximava da porta da frente. Minha mão hesitou em se estender até a maçaneta, mas eu a abri, suspirando de alívio quando o calor aqueceu meu rosto.
O sino da porta tocou quando a atravessei, e o tapete imaculado ficou molhado por causa das minhas botas. As paredes eram pintadas de branco; as molduras enfileiradas entre as janelas continham capas de revistas. Além da mesa da recepção, das seis poltronas acolchoadas encostadas na parede da frente e de uma planta artificial, o saguão era cheio de espaços vazios.
De início, só consegui ver o topo da cabeça da menina atrás do balcão da recepção. Ela se levantou e me cumprimentou com um aceno da cabeça. Parecia que mal tinha saído do ensino médio e usava os cabelos loiros em duas tranças por baixo de um gorro de tricô. Na placa sobre a mesa se lia JOJO.
Ela segurava um receptor de telefone preto com luvas pink, e o rosto jovem exibia uma maquiagem exagerada. Apesar de eu ter certeza de que ela só queria levantar um dedo, sua luva toda estava erguida, me pedindo silenciosamente, com uma piscada e um sorriso, para esperar até ela terminar a ligação.
— Não, Mike. Porque o Wick está ocupado, e eu também. Ele não quer suas fotos do desfile. Porque estão péssimas. Tem uma pessoa aqui na recepção. Vou desligar agora. Vou, sim.
Ela bateu o telefone e olhou para mim com olhos grandes e cílios postiços. Sua pele laranja fora cozida numa câmara de bronzeamento artificial bem antes de a temporada de esqui começar. Ela mascava o chiclete e sorria para mim com um centímetro de gloss nos lábios carnudos.
— Posso ajudar? — Seu tom mudou, como se ela fosse uma pessoa diferente. Não era mais a recepcionista mal-humorada filtrando perguntas para Wick. Jojo era agradável, os olhos claros esperando para me fazer feliz.
— Estou aqui para a entrevista das nove. Meu nome é Ellison Edson.
A expressão de Jojo desabou de imediato.
— Ah. Você é a assistente do Wick.
— Não, eu... só estou me candidatando ao emprego.
Ela se levantou, me fazendo sinal para segui-la pelo corredor.
— Confie em mim: ninguém mais quer o emprego. Você é a primeira a se candidatar. O anúncio está sendo publicado há um ano.
Passamos por uma porta bem larga e entramos numa sala vazia com uma mesa e uma área de descanso, parando na frente de uma porta levemente tingida, com J.W. Chadwick esculpido na madeira.
— Tem algum motivo para ninguém se candidatar? — perguntei.
— Tem — respondeu ela, abrindo a porta. — Porque ele é um babaca.
O sr. Chadwick baixou o papel que estava lendo.
— Eu ouvi isso.
— De todo mundo — disse Jojo, fechando a porta ao sair. — Te amo, papai.
O sr. Chadwick se empertigou na cadeira, entrelaçando as mãos sobre a mesa.
— Te amo, baby. — Ele olhou para mim. — Quando você pode começar?
— Me desculpe, sr. Chadwick, não ouvi direito. Quando posso...?
— Começar. E é só Wick. Todo mundo me chama de Wick, exceto a Jojo.
— Talvez devêssemos discutir o que significa exatamente ser sua assistente — falei. — Horário de trabalho, benefícios e salário. — Eu não sabia muito bem como essas coisas funcionavam, mas eu não era burra.
— Você precisa de um emprego?
— Sim.
— Então, o que importa? — perguntou ele, mastigando um palito.
— Importa.
Ele suspirou, se recostando na cadeira surrada.
— Por quê?
— Por que o quê?
— Você é filha de Philip Edson, não é? E também foi expulsa do meu bar duas vezes, só este ano. Por que precisa de um emprego? Não sou do tipo que contrata pessoas preguiçosas que não precisam trabalhar.
— Parece que você não contratou ninguém.
Wick me olhou furioso, depois os cantos de sua boca se curvaram.
— Preciso que você cuide do arquivo, da minha agenda, resolva umas coisas na rua, ajude a Jojo de vez em quando, agende propagandas e bloqueie todas as ligações que eu receber. A Jojo está cansada de falar com todos os jornalistas do estado e com todas as pessoas que têm uma câmera fotográfica e acham que são fotógrafas. Preciso de alguém firme. Preciso de alguém organizado. Você é assim?
— Posso ser firme se preciso, mas não posso prometer que sou organizada.
Wick apontou para mim.
— Mas você é sincera.
— Acho que sim.
— Trinta e seis horas por semana, uma semana de férias... sem salário, sem benefícios, porque não somos uma instituição de caridade.
Dei de ombros.
— Não preciso, de qualquer maneira. Meus pais pagam meu plano de saúde. Ou pagavam. Preciso perguntar a eles.
— Você não me disse por que está aqui. Todo mundo sabe que sua irmã trabalha para o seu pai. Por que você não trabalha para ele? Aconteceu uma revolução familiar, ou você é uma espiã do jornal?
Não consegui conter uma risadinha.
— Espiã? Não. Se você prestar atenção — falei, apontando para o papel sobre a mesa dele —, isso não está no meu currículo. E também não é da sua conta.
Wick deu um sorriso cínico, e seus dentes amarelos e tortos me deixaram sem a menor vontade de voltar a fumar um cigarro.
— Você fuma? — perguntou ele.
— Sim — respondi, ficando mais reta na cadeira e me sentindo um pouco assustada por ele ter mencionado algo em que eu estava pensando.
— Está contratada. Novecentos por semana. Você começa amanhã. Vamos fumar lá nos fundos.
— Ah. Humm... está bem, então.
Segui Wick para fora do escritório, andando por um corredor enfileirado de caixas e saindo por uma porta dos fundos. Minhas botas esmagaram a neve, e eu olhei para cima, deixando os flocos caírem e se derreterem no meu rosto.
Wick tirou um cigarro de um maço no bolso da camisa e um isqueiro do bolso traseiro da calça jeans e se arqueou. Em seguida envolveu a mão ao redor da chama e inspirou, depois me deu o isqueiro para fazer o mesmo. Eu me inclinei, dei um trago e levei um susto quando dois homens dobraram a esquina.
— Wick! — disse Tyler, parando no meio do passo no instante em que me reconheceu.
— Tyler! Zeke! Vocês estão atrasados! Onde diabos está o outro?
— Colorado Springs. De novo — respondeu Zeke. Ele pegou dois cigarros do maço e deu um para Tyler. Eu me encolhi. Cigarro mentolado era nojento. Deve ser o preferido de Zeke. Tyler fumava cigarros de um maço preto.
— Oi, Ellie — disse Zeke.
— Você a conhece? — perguntou Wick, agradavelmente surpreso.
— Ãhã — respondeu ele, com um sorriso forçado. — Nos conhecemos numa festa.
— Ela é minha nova assistente — comentou Wick.
— Assistente? — perguntou Tyler. — O que isso significa?
— Ainda não tenho certeza — respondi. — Acho que vamos descobrir no caminho.
Wick assentiu, parecendo orgulhoso, mas, em seguida, uma ruga profunda se formou entre suas sobrancelhas.
— Vê se não coloca a garota em nenhuma confusão, Maddox.
Tyler falou com o cigarro entre os lábios, estreitando os olhos contra a fumaça.
— Você entendeu ao contrário, Wick.
Wick apontou para ele.
— Se você for expulso do meu bar de novo, não vou te deixar entrar dessa vez. É sério.
— Você sempre diz isso.
— E também não vou deixar você ser amigo da minha assistente.
Tyler franziu a testa.
— Isso é jogo sujo.
— Estou bem aqui — falei. — E posso sair com quem eu bem entender. — Enfiei o cigarro na areia da lata de guimbas e dei um tapinha nas costas de Wick. — Obrigada pelo emprego. Te vejo de manhã. Às nove? — perguntei, esperançosa.
— Claro. Não se atrase. Sou um canalha idiota de manhã.
— Ele é mesmo — frisou Zeke, acenando um “tchau”.
Contornei o prédio menor em direção à parte da frente, aliviada ao ver que José tinha chegado cedo. Entrei no banco traseiro e deixei a cabeça pender no encosto.
— Conseguiu o emprego, srta. Ellison?
— Consegui.
— Parabéns — disse José, sorrindo para mim pelo retrovisor.
— Não me dê parabéns ainda.

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