Capítulo 14


Todos tinham ido embora quando eu acordei, exceto Taylor e Tyler. Depois de catorze dias na montanha, a equipe tinha se espalhado para passar o período de descanso e recuperação.
Durante dois dias, eles viajariam para a casa de amigos e familiares que morassem por perto, e se divertiriam num bar, numa loja ou num café conhecido para comer comida de verdade.
Esfreguei os olhos e fitei Tyler, que estava sentado na minha cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Ele estava usando um short de basquete vermelho, uma camiseta branca e um boné de beisebol azul-marinho. Pela roupa e pelos pés descalços, era óbvio que não planejava ir a lugar nenhum, mas sua mente estava a quilômetros de distância. Seu irmão gêmeo estava usando botas, calça cargo e uma camiseta da equipe Alpina, com uma bolsa de viagem aos pés.
— O que aconteceu? — perguntei.
Taylor estava apoiado no grande quadrado de madeira onde eu guardava as poucas coisas que havia levado para o dormitório. Ele estava franzindo a testa, com os braços cruzados.
— O Taylor está indo embora — respondeu Tyler.
Sentei.
— O quê? Por quê?
— Depois do período de descanso e recuperação, ele vai pra Colorado Springs, pra se juntar a uma equipe e cuidar de um incêndio que está tendo lá.
— Você não vai?
Tyler balançou a cabeça.
— Estou esperando os australianos chegarem, depois vamos descer dirigindo. É melhor o
Taylor ir primeiro, de qualquer maneira.
— Por quê?
Ele me olhou antes de olhar para baixo.
— O Taylor mente melhor do que eu.
— O agente federal vai estar lá embaixo — falei. Não era uma pergunta; e eu sabia a resposta.
Taylor fez que sim com a cabeça.
— Vou responder a todas as malditas perguntas dele de novo e espero que ele deixe o Tyler em paz.
— Porque foi o Tyler que falou com o Travis.
Tyler se agitou.
— Na verdade, foi o Trent.
Franzi a testa. Sem tê-los conhecido, era difícil entender a família.
— Qual é ele, mesmo?
Por algum motivo, isso provocou um sorriso no rosto de Tyler.
— O segundo mais novo.
— Ah, sim — comentei. — O tatuador. Faz sentido vocês dois serem todos cobertos.
— Todos nós somos — disse Taylor. — Menos o Thomas. Tenho que pegar a estrada. Vou tentar chegar lá primeiro. Talvez acabar com o interrogatório do Trexler antes de voltarmos ao trabalho.
— Alguma coisa parecia... estranha nele — falei. — Toma cuidado.
Taylor piscou para mim.
— Pode deixar, Ellie. Não se preocupe comigo. Desde que descobri que íamos para Colorado Springs... não sei. Estou com uma sensação boa.
— Você simplesmente adora aquele maldito bar de caubóis que tem lá — disse Tyler.
Taylor arqueou uma sobrancelha.
— Colorado Springs está repleto de mulheres bonitas, e a maioria delas frequenta aquele bar.
Tyler revirou os olhos.
— Elas estão procurando aviadores. Esqueceu que a base da Força Aérea fica lá?
— É, mas estamos falando de mim — disse Taylor, se afastando do meu armário. Ele se abaixou para pegar a bolsa de viagem e colocou a alça no ombro. — Tô indo, babaca.
Tyler levantou e abraçou o irmão. Não foi um abraço lateral ou um aperto de mãos acompanhado de uma ombrada. Taylor e Tyler se abraçaram para valer, com força. O tapa violento nas costas de sempre veio em seguida, mas era uma visão fofa.
As chaves de Taylor sacudiram na sua mão enquanto ele virava a esquina. A porta da frente abriu e bateu, e Tyler suspirou.
— Você vai sentir saudade dele.
Ele sentou de novo na minha cama, se inclinando e entrelaçando os dedos.
— É uma coisa meio mulherzinha falar isso, mas o Taylor e eu não ficamos afastados por muito tempo. É estranho.
— Dá pra entender. Coisa de gêmeos.
— Estou feliz porque ele não vai para a Austrália com o Judeu.
— Pra Austrália?
— É, nós trocamos. Alguns dos caras vão pra lá durante uma temporada para aprender o jeito deles de fazer as coisas, e nós recebemos alguns, para que vejam como nós fazemos.
— São esses australianos que estamos esperando? Não vai bagunçar seu esquema receber dois caras novos?
— Os australianos são máquinas. Eles sempre vêm aqui pra trabalhar. A gente arrasta o corpo pro quartel, e eles ficam impacientes, desejando a próxima chamada. O quê?
— Não sei... estou me sentindo irracionalmente traída.
Tyler franziu o nariz.
— Está se sentindo o quê?
— Você devia ter me contado. Num minuto eu sou a irmã mais velha que faz queijo quente, no outro sou deixada de fora do esquema.
Tyler pensou no comentário.
— Uau, desculpa. Você se encaixa tão bem que eu esqueço que você ainda não sabe essas coisas.
— Acho que posso te perdoar. — Sentei, passando a mão no rosto. — Ai, meu Deus.
— Que foi?
— Minha boca. Está com gosto de lata de lixo.
Eu me levantei e abri o armário para pegar a escova de dentes e um tubo de pasta antes de correr para o banheiro. Depois de cuspir a espuma na pia, enxaguei a boca e peguei uma toalha.
Meu nariz parecia congestionado, e eu peguei um lenço de papel.
— Ai, meu Deus! — repeti.
Tyler disparou pelo alojamento, parando na porta.
— O que aconteceu?
— Estou morrendo — falei, assoando o nariz de novo. — Minhas entranhas estão apodrecendo.
— Preto no lenço? — perguntou Tyler.
Fiz que sim com a cabeça.
Ele deu uma risadinha.
— Isso é normal. Quando a temporada de incêndios acabar, você vai fazer isso durante semanas. É da fumaça e das cinzas.
— Isso não é... sei lá... ruim pra saúde?
Tyler fez uma careta.
— Você fuma, Ellie.
— Você também — soltei.
— Mas não estou reclamando dos perigos de inalar fumaça de madeira. Ingerimos coisa muito pior toda vez que acendemos um cigarro.
— Mas não solto carvão pelo nariz depois de fumar.
Tyler deu de ombros.
— Então usa uma máscara de filtro na próxima vez.
— Talvez eu faça isso.
— Que bom. A gente vai pra cidade ou o quê?
Balancei a cabeça e me mexi, colocando um pé no chão frio.
— Não posso, agora. Tenho que mandar as anotações pra Jojo por e-mail.
— Não sei por que você não escreve. Ela usou a maior parte do que você escreveu pra revista.Ela nem deu crédito a si mesma.
Sorri, enchendo a mão com água e lavando a pia.
— Isso foi muito legal. Achei que estava uma porcaria, mas ela deu uma geral e disse que estava bom.
— O Chefe falou que recebeu muitas ligações por causa do artigo. O metal gostou da impressão positiva pra equipe.
— Não foi escolhido pela Associated Press, como o Wick esperava.
— Ainda — disse Tyler quando fechei a torneira. — Quer dizer que você vai trabalhar?
— É... pode ir.
— Não, eu espero. É legal ficar sozinho com você.
Peguei meu notebook e sentei com Tyler na sala de televisão. Ele levantou o controle remoto
e a ligou, deixando o volume baixo enquanto eu digitava. O processo foi um pouco mais fácil
dessa vez, combinando as fotos numeradas aos acontecimentos correspondentes.
Mais ou menos uma hora depois que sentamos, Tyler estendeu a mão para baixo e levantou
minhas pernas, colocando-as sobre o próprio colo. Ele se recostou nas almofadas do sofá,
parecendo sonolento e confuso.
— Fome? — perguntei, clicando em ENVIAR.
— Terminou? — indagou Tyler, me vendo fechar o notebook.
— Ãhã. Tudo pronto. Vamos comer.
Dirigimos até a cidade na caminhonete de Tyler, a qual contava com um escapamento
ridiculamente aberto e barulhento, anunciando a todos num raio de cinco quilômetros que tínhamos chegado. Paramos num pequeno café ao qual eu nunca tinha ido, mas ele parecia conhecer bem.
A garçonete pareceu, ao mesmo tempo, surpresa e excessivamente entusiasmada em vê-lo, mas Tyler não deu a impressão de ter percebido.
— Hum, só água, por enquanto. Quer suco de laranja, Ellie? — perguntou Tyler, ainda lendo o cardápio.
— Sim, por favor — respondi.
— Dois — disse Tyler, levantando o dedo indicador e o dedo médio. Quando a garçonete saiu, ele baixou o dedo indicador, me mostrando um gesto adorável durante alguns segundos antes de baixá-lo.
— Pra você também — resmunguei. Fingi estar chateada, mas era difícil ficar com raiva dele, com aquela covinha fazendo mágica.
— Suco de laranja. Dois — disse a garçonete, colocando dois copos sobre a mesa. — Quem é ela, Tyler?
Ela estava sorrindo quando fez a pergunta, mas havia um brilho familiar no seu olhar. Ela analisou minhas roupas, meu cabelo, até mesmo minhas unhas irregulares e o esmalte lascado, perguntando-se o que Tyler Maddox via em mim para pagar meu café da manhã.
— A Ellison — respondeu Tyler, e o sorrisinho no seu rosto se abriu num largo sorriso.
— Ellison? — perguntou a garçonete. — Edson?
Eu me encolhi, me perguntando que história ela ouvira e como ela ficaria satisfeita ao perceber que eu não era concorrente, no fim das contas.
— Sim? — falei, tentando imitar seu olhar condescendente. A vida era um livro, e eu não podia deixá-la me julgar por alguns capítulos.
— Você conhece minha prima, Paige. Ela fala muito de você.
— Ah. Sim. Fala que eu mandei um “oi” — comentei, surpresa por estar tão aliviada.
— Um “oi”? Só isso? — perguntou a garçonete, com um toque de desdém.
— Emily, por favor. Podemos fazer o pedido? — indagou Tyler, impaciente.
Emily pegou o bloco e a caneta, com os lábios cerrados.
— Waffles — disse Tyler.
— Manteiga de amendoim e chantilly com xarope de bordo quente? — perguntou ela.
— Isso — respondeu Tyler.
Emily olhou para mim.
— Ah, hum... quero dois ovos bem passados e bacon. Queimado.
— Queimado? — perguntou Emily.
— Bem torradinho.
Ela balançou a cabeça.
— Eu aviso o cozinheiro. Mais alguma coisa?
— Só isso — respondi. Emily se afastou, e eu me inclinei sobre a mesa. — Ela vai cuspir na minha comida.
— Você a conhece? — indagou Tyler.
— Não. Não sei se ela me odeia porque acha que eu fiz alguma coisa com a Paige ou porque estou com você.
— Talvez as duas coisas. As garotas são esquisitas assim mesmo.
— Ah, vai se foder, Tyler. Para de ser machista!
— Estou errado?
— Sobre o quê? Eu nem sei o que você quis dizer.
— Mas sabia para se sentir ofendida.
— Eu te odeio, hoje.
— Dá pra perceber — disse ele. — Eu diria que você precisa de um drinque, mas...
— Não. Com a minha sorte, seríamos chamados para um incêndio político, e eu estaria vomitando minha alma.
Tyler sorriu ao ouvir o jargão. Um incêndio político era algo grande o suficiente para aparecer na CNN, algo para onde todos eram enviados, e o único motivo para eu saber isso era viver com a equipe de vinte homens que seriam enviados para um desses incêndios.
— Eu não sabia que você conhecia esse termo — disse Tyler.
— Eu meio que tenho que prestar atenção por causa do meu emprego.
— Você é muito boa nisso, Ellie. Estou feliz porque a Jojo te deu um aumento, mas outro dia eu vi na internet que estão pagando a fotógrafos um salário de seis dígitos por ano para fotografar as florestas nacionais.
— Sério?
— Eu também olhei na National Geographic. Parece mais difícil entrar lá, mas não impossível.
Arqueei uma sobrancelha.
— Está tentando se livrar de mim, bombeiro de elite?
— De jeito nenhum, porra. Nem um pouquinho.
Nós nos encaramos por um instante, numa troca silenciosa. Tínhamos uma compreensão da qual eu precisava, e Tyler estava satisfeito com o que estávamos vivendo. Parte de mim queria agradecê-lo por não forçar a barra, mas isso acabaria com o objetivo da nossa regra de evitar rótulos ou até mesmo de discutir a natureza do nosso relacionamento — se é que ele podia ser chamado assim.
Emily voltou com nossos pratos, interrompendo nosso pequeno desafio de encarar.
— Waffles. Ovos — disse ela, virando antes de Tyler conseguir pedir um refil.
— Está bem. Não sei o que você fez com a Paige, mas a prima dela está puta com isso.
— Desta vez, eu sinceramente não sei.
— Vocês duas não estavam, humm...
— Não. Na verdade, fui muito clara. Todas as vezes.
— Todas as vezes, é?
— Cala a boca.
Tyler deu uma risadinha, terminando o waffle. Ele pagou, e nós seguimos até o centro da cidade, parando em diversas lojas. Era estranho ver alguma coisa de que eu gostava e não comprar. Pela primeira vez, olhei as etiquetas de preço e, quando vi uma blusa de gola alta preta excepcionalmente macia, calculei mentalmente o saldo da minha conta bancária e das contas que estavam para vencer para ver se eu tinha dinheiro para gastar. Não tinha.
Andei pela loja, espiando Tyler através das prateleiras. Ele estava com alguns itens na mão, e eu esperei que ele pagasse; depois, entramos numa loja de doces. Passamos o dia andando sem rumo, falando sobre a equipe, discutindo de brincadeira, trocando histórias de família e tentando comparar as chocantes atividades ilegais das quais participamos.
Eu ganhei.
O dia passou e, conforme o sol se escondia atrás do topo verde das montanhas, fiquei triste pelo Dia em que Tyler e eu não fizemos nada. Andar sem rumo pelo centro de Estes foi um dos meus melhores dias.
Depois de um jantar leve, Tyler e eu descemos o quarteirão em direção a um beco conhecido. Ele pegou minha mão casualmente, primeiro balançando os braços, depois apertando meus dedos com delicadeza, quando percebeu que eu não me afastaria. Ele estava usando calça jeans, botas pretas e uma camiseta branca de manga curta com algo sobre uma motocicleta escrito em tinta preta. Combinava bem com as tatuagens que cobriam seus braços, e eu sorri quando pensei na reação que meus pais teriam se nos vissem.
— O que você acha? Quer dividir um Shirley Temple?
— Achei que você tinha dito que estava cansado de bar.
— Não precisamos ir. Não quero estimular velhos hábitos.
Puxei a mão.
— Não sou alcoólatra, Tyler. Posso ficar perto de álcool sem beber.
— Eu não disse que você era.
Estreitei os olhos.
— Você não acredita em mim.
— Eu também não disse isso.
Apertei a mão dele, puxando-o para a frente. Ele resistiu nos primeiros passos, depois cedeu. Uma mulher empurrou a porta, e o salto do sapato dela bateu no concreto pelo mesmo caminho que entramos. Ela torceu o tornozelo e quase caiu, mas se reequilibrou, resmungando palavrões até dobrar a esquina.
Tyler recuou quando estendi a mão livre para a porta. Tropecei para trás, me apoiando nele antes de empurrá-lo.
— Eu estava brincando, Ellie — soltou Tyler. — Acho que não devemos entrar aí. Podemos achar outra coisa para fazer.
— Às dez da noite nesta cidade? Ou entramos aqui ou voltamos para o quartel — falei, apontando para a porta. A tinta preta lascada era o prólogo perfeito para o que nos aguardava lá dentro.
Estendi a mão para a porta de novo, mas Tyler resistiu. Assim que comecei a fazer uma análise destrutiva de sua relutância, ele encostou a mão no meu rosto, me olhando com preocupação.
— Ellie.
Virei o rosto e me afastei do seu toque. Meu novo emprego e minha nova vida aconteceram graças ao meu orgulho teimoso. Nem mesmo ser renegada pelos meus pais poderia me obrigar a mudar isso. Minha sorte era melhor quando eu tomava minhas decisões sem influências externas, mas eu me vi querendo fazer coisas só para deixar Tyler feliz — o tipo de merda idiota e sem graça que Finley fazia quando gostava de um cara — coisas que definitivamente não me representavam. Mas, por outro lado, eu já não sabia mais quem eu era. Talvez a Ellie dois-pontozero desistisse do bar para se proteger e se esconder das tentações no quartel.
Franzi a testa.
— Vamos lá. Cerveja sem álcool, coquetel de frutas e observar pessoas. Podemos rir muito alto, como se estivéssemos bêbados, e bater muito na mesa. Ninguém vai saber.
Tyler ainda não estava convencido, mas eu o puxei porta adentro de qualquer maneira. Um pequeno grupo de mulheres quase maiores de idade estava sentado a uma mesa perto da porta.
Alguns casais estavam na ponta do bar, perto dos banheiros, e poucos homens mais velhos da cidade estavam espalhados pelos bancos do bar. Tyler apontou para a mesa à qual sentamos quando estive aqui com Finley e Sterling. A lembrança de Sterling fez minha pele se encolher. Ele não tinha a intenção de trepar comigo mais do que eu tinha a intenção de ser fodida quando fui à casa dele naquele dia, mas Sterling era a personificação do fundo do poço para mim, e eu não me importava de nunca mais vê-lo.
— Ei, tudo bem? — perguntou Tyler, sentando ao meu lado. Ele deu um tapinha na minha coxa, me trazendo de volta à realidade. Eu adorava e odiava ao mesmo tempo quando ele me tocava como se fôssemos muito íntimos, como se eu lhe pertencesse. Tyler era meu novo vício, como flertar com o fogo na montanha, adorando o perigo e esperando a queimadura.
— Tudo. Por quê?
— Você parece um pouco desconfortável.
— Vou ficar bem depois de duas cervejas sem álcool.
Tyler forçou um sorriso.
— Boa sorte ao tentar conseguir coragem bebendo cerveja sem álcool. — Ele se levantou, me deixando sozinha para fazer o pedido no bar.
Cutuquei as últimas lascas de esmalte nas unhas. Finley sempre me obrigava a fazer as unhas regularmente, mesmo que ela tivesse que marcar hora estando do outro lado do país, mas, agoraque eu não podia pagar, eu meio que sentia falta disso.
Meu celular zumbiu no bolso traseiro, e eu o peguei, vendo o rosto lindo e bobo da Finley.
Apertei o botão vermelho pela segunda vez naquele dia e guardei o telefone.
— Você está com uma aparência totalmente desolada — disse Tyler, colocando uma garrafa sobre a mesa diante de mim. — Aqui. Bebe. A Annie me disse que o Wick já tinha avisado que, se nós dois aparecêssemos juntos, ela devia me lembrar de não ser expulso de novo.
— Que babaca. Ele estragou a nossa noite.
Tyler soltou uma risada.
— Foi exatamente o que eu disse.
— Sério? — perguntei, sem acreditar. Tyler fez que sim com a cabeça. — Estamos passando tempo demais juntos.
— Eu estava pensando que precisamos de mais dias como o de hoje.
— Tyler...
— Não fala. Eu sei.
— Ellie? — gritou uma voz aguda do outro lado do salão. — Ai, meu Deus! Ellie!
Virei e vi Paige contornando as mesas para alcançar a minha. Ela se inclinou e jogou os braços ao meu redor. Seu cabelo azul agora era fúcsia, e ela estava linda como sempre. Suas feições miúdas continuavam suaves quando ela sorriu para mim com doçura. Ela ainda estava procurando alguém, vestindo uma blusa curta e um short jeans com franja para mostrar suas tatuagens. O braço direito, uma tela em branco, agora estava marcado com uma renda preta que funcionava como fundo de folhas para uma rosa coral.
— Essa é nova — falei.
Ela sorriu e apontou para o nariz.
— Isto aqui também.
Franzi a testa, sem conseguir ignorar o fato de que Paige estava mudando demais, rápido demais. Ela já estava bêbada, os olhos injetados de sangue, e olheiras roxas escureciam a pele fina sob os cílios inferiores. Ela não tinha mais do que vinte e dois ou vinte e três anos, mas já estava cansada das merdas que a vida jogava nela. Estávamos indo em direções opostas, e eu me perguntei se eu tinha sido a gota d’água. Finley sempre dizia que eu destruía as pessoas, e eu percebia as curvas que Paige estava fazendo, todas ladeira abaixo.
— Estou tão feliz de te ver! — disse ela, com o novo piercing no nariz brilhando ao refletir as luzes multicoloridas acima. — Fui até sua casa. O José disse que você conseguiu um emprego e se mudou de lá.
— Verdade.
— Mudou pra onde? Nova York? Los Angeles?
— Na verdade, para o alojamento da Equipe Alpina de Bombeiros de Elite das Montanhas Rochosas.
Paige inclinou a cabeça como um cachorrinho confuso.
— Pra onde?
— Sou fotógrafa da revista Opinião das Montanhas. Estou seguindo os bombeiros de elite.
Paige deu uma risadinha e cutucou meu braço.
— Sério. Para onde você se mudou? — Seus olhos se alternavam entre mim e Tyler, e a ficha caiu e iluminou sua expressão. — Então vocês estão... morando juntos?
— Não exatamente — respondeu Tyler. — A menos que digamos que estamos morando com mais dezenove caras.
Paige contraiu o lábio inferior, mas depois tentou relaxar, forçando um sorriso.
— Você não podia ter me ligado?
— Eu não tinha seu número — respondi.
— Sério? Achei que eu tinha te dado. — Balancei a cabeça, e ela piscou. — Bom, posso te dar agora. Onde está seu celular?
— No meu bolso.
Paige olhou para Tyler, depois voltou a me olhar. Ela sentou na cadeira ao meu lado, os ombros desabando.
— Senti sua falta. Você está ótima. Parece feliz.
Sorri.
— Obrigada.
Seus olhos ficaram vidrados.
— O que você vai fazer mais tarde?
— Vim pra cidade com o Tyler — falei, me sentindo mais culpada a cada palavra que saía da boca de Paige.
— Ah. Bom... eu posso te levar. Tenho carro.
— Estou trabalhando, Paige. Sinto muito.
Dava para ver o sofrimento no rosto dela, pelo jeito como ela olhava para o chão e sua boca se contorcia.
— Você me avisou, não foi? — Ela levantou o olhar. — Estive esperando por você esse tempo todo e você me disse para não fazer isso. Que idiota — disse ela, balançando a cabeça e desviando o olhar. Então secou o rosto rapidamente.
— Paige — falei, lhe estendendo a mão.
Ela se afastou.
— Só tem uma pessoa mais galinha que Tyler Maddox nesta cidade.
— O Taylor? — perguntou Tyler. Dava para notar a diversão em sua voz, e meu rosto queimou de raiva.
— Eu — falei.
Paige deu uma risada.
— Você nem tenta negar. Qual é a sensação?
— Uma merda — respondi. — Feliz?
O rosto de Paige desmoronou, e uma lágrima fujona lhe escorreu pela bochecha.
— Não. Há muito tempo. — Ela se levantou e saiu, e eu peguei minha cerveja inútil e bebi um longo gole.
— Ignora — disse Tyler.
— Não é engraçado — soltei. — Não tem nada de engraçado em usá-la e descartá-la como todo mundo na vida dela.
— Calma. Desculpa. Achei que eu estava do seu lado.
— Você devia voltar para o seu — alertei. — As pessoas se machucam do lado de cá.
— Você não me assusta — disse Tyler, se aproximando. — Para de ser tão teimosa, caramba. Sou bom pra você.
— E se eu for ruim pra você?
Ele inclinou a garrafa até bater na minha.
— É exatamente isso que eu procuro numa garota.
Suspirei.
— Acho que eu preciso beber alguma coisa mais forte.
— Só uma? — perguntou Tyler. Ele não estava oferecendo de verdade, e eu percebi a paciência em seus olhos enquanto ele esperava que eu tomasse minha própria decisão.
Pensei na pergunta dele, depois apoiei os cotovelos sobre a mesa, segurando a cabeça.
— Você está certo. Não devo.
— Está bem, hora de ir embora. — Tyler se levantou, me levando consigo.
Quando chegamos ao beco, ele já tinha me dado um cigarro do seu maço preto e estava procurando o isqueiro.
— Que diabos? — disse Tyler, parando no meio de um passo.
Ele estava olhando para cima, e eu me escondi embaixo do seu braço quando um estrondo alto ecoou pelo céu como um trovão. Um arco-íris de cores desceu como chuva, e eu ofeguei.
Outro subiu, explodindo em faíscas douradas.
Tyler olhou para o relógio, apertando um botão que iluminou a tela para ele ver a data.
— Que inferno.
— Quatro de julho? Como foi que perdemos isso?
— Merda, tenho que ligar para o Trent. É aniversário dele.
Tyler me levou até a rua, com o braço ainda sobre os meus ombros. Vimos os fogos de artifício durante quase uma hora antes do grande final iluminar o céu.
Tyler me abraçou.
— É idiotice pensar em quantos incêndios os fogos de artifício poderiam causar? — perguntei, olhando para cima, para as incríveis explosões de luz.
Tyler virou para me olhar.
— É idiotice eu querer te beijar agora mesmo?
Eu ainda via os fogos de relance, me sentindo um pouco emotiva. Era um Dia da Independência especialmente comovente. Fechei os olhos, e Tyler se inclinou, encostando os lábios nos meus. O que tinha começado como uma coisa doce e inocente mudou rapidamente de figura, e eu agarrei sua camiseta.
Quando o puxei para mim, senti seu membro endurecendo sob a calça jeans, me fazendo gemer em sua boca.
Ele deu um passo para trás, ainda me abraçando.
— Isso foi simplesmente incrível.
— Nós definitivamente devíamos ir pra casa — falei, sem fôlego.
Ele me mostrou as chaves.
— Eu estava pensando a mesma coisa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trono de Vidro

Os Instrumentos Mortais

Trono de Vidro