Capítulo 15
Um solavanco em meu corpo me
acordou. Meus olhos estavam arregalados e encarando o teto enquanto eu sentia
pânico por um instante, tentando lembrar onde eu estava e de quem eram os braços
ao meu redor. Nos meus sonhos, eu estava com a minha irmã num iate em Sanya, sentindo
o sol quente na pele cor de oliva e olhando o mundo através de um par de óculos
de sol de quinhentos dólares.
Levei a mão à testa, já sentindo
falta da sensação despreocupada no barco imaginário com minha doce irmã.
Meu celular zumbiu, e eu estendi
a mão para pegá-lo na mesa de cabeceira de madeira que alguém tinha feito a partir
de um tronco. Finley estava me mandando uma mensagem de texto.
As mensagens anteriores eram dela
parecendo entediada numa bela praia, besuntada de bronzeador na proa do
Andiamo, ou linda sem esforço enquanto fazia compras na ilha Hainan. As últimas
mensagens eram pedidos cada vez mais impacientes para eu fazer contato. Li a
mais afiada que ela mandara desde que partira, e não consegui evitar um
sorriso.
Ellison, me manda uma
mensagem. Quero uma prova de vida, senão pego o próximo avião para Denver, que
Deus me ajude.
Digitei uma resposta, mas deixei
o polegar parado, flutuando sobre o botão de ENVIAR. Dizer “Estou viva, estou
feliz, estou com saudade” não seria suficiente.
Os lábios de Tyler tocaram minha
têmpora.
— Manda. — Ele pigarreou para
aliviar a rouquidão na voz. — Ela está preocupada.
— Ela vai querer me ligar.
— Isso é ruim?
— Ela vai saber que tem alguma
coisa errada. Ela consegue me decifrar, mesmo estando do outro lado do mundo.
— Ellie — disse Tyler, segurando
meu corpo contra o dele. — Você não pode evitar isso pra sempre. Você vai ter
que falar com ela em algum momento.
Enviei a mensagem, depois
desliguei o celular e sentei. Meus músculos doeram quando me espreguicei,
reclamando da posição esquisita em que dormimos a noite toda, tentando caber numa
cama de solteiro.
— Recebi um convite outro dia.
Meu irmão vai se casar de novo.
— De novo? Ele já se divorciou?
— Não, eles fugiram pra casar,
então vão formalizar a união para a família poder participar. Vai ser em St.
Thomas, no meio de março do ano que vem.
Suspirei.
— Adoro St. Thomas, mas não dá
tempo de economizar.
Ele tocou a minha lombar com a
ponta dos dedos.
— Eu cuido disso. Quer ir?
Comigo?
Olhei para Tyler por sobre meu
ombro nu.
— Tipo... como sua acompanhante?
Ele pareceu não se incomodar com
a pergunta e esticou o braço acima da cabeça.
— Pode chamar como quiser. Eu só
quero que você esteja lá.
Olhei para a frente, puxando a
coberta sobre o peito.
— Não preciso de passaporte para
ir a St. Thomas. — Suspirei. — Odeio isso. Sinto como se isso — falei, fazendo
um gesto entre nós dois — estivesse pagando tudo.
Ele deu uma risadinha.
— Não está. Eu já tinha planejado
te chamar pra ir.
Esbocei um sorriso tímido e
triste para ele.
— Não podemos fazer isso de novo.
Seu sorriso sonolento era
contagiante.
— Pode continuar falando isso.
Por que você simplesmente não admite?
— Admite o quê?
Ele esperou.
— Tá bom — falei. — Temos uma...
coisa.
— Não foi tão difícil, foi? —
comentou ele, mas o sorriso sumiu de seu rosto quando me levantei, levando a
coberta comigo até o banheiro e pegando minha nécessaire e o roupão na maçaneta
do armário no caminho.
— Banho? — perguntou Tyler.
— Ãhã.
— Quer companhia?
— Não.
Pendurei o roupão num gancho
pregado na divisória entre os chuveiros e deixei a colcha cair no chão,
estendendo a mão por trás da cortina de plástico para abrir a torneira. A água
saiu do chuveiro, fumegando no mesmo instante. Entrei embaixo, deixando a água
escorrer pela cabeça e pelo rosto.
O rímel queimou meus olhos, e eu
peguei o sabonete, esfregando rapidamente. Tyler tinha me beijado no caminho
até a cama e tirado minha roupa, e nenhum de nós saíra dali pelo resto da
noite. Sua língua saboreou cada centímetro do meu corpo, me fazendo gozar
várias vezes seguidas, até minhas pernas ficarem trêmulas de exaustão.
Mas, depois que acabou e eu
estava deitada em seus braços, senti seu alívio. Ele praticamente irradiava
como se sentia à vontade comigo, e eu só conseguia pensar que estava ficando
cada vez mais difícil fingir que o que tínhamos era só sexo. Por baixo da
grossa armadura, Tyler se importava comigo, e eu não tinha certeza se merecia
isso — pelo menos, não até aquele momento.
Saí do chuveiro, totalmente
disposta a conversar com Tyler sobre os rumos que nossa amizade colorida estava
tomando na opinião dele, mas um desconhecido estava parado sob o batente da
porta, surpreso, sem desviar os olhos da minha pele nua.
— Este lugar tem sheilas ou a
equipe Alpina está permitindo visitas conjugais? — perguntou ele.
Peguei o roupão no gancho e me
enrolei nele.
— Sou a fotógrafa. Quem diabos é
você?
Ele riu, encantado com a minha
resposta.
— Sou Liam. Esse wog é Jack. —
Liam tinha pelo menos um metro e noventa de altura, mas Jack era ainda mais
alto e muito loiro.
— O que é um wog? — perguntei.
— Como você está? — disse Jack. —
Acabamos de chegar de Oz.
— Ótima — falei, amarrando o
cinto do roupão.
Tyler apareceu, olhando furioso
para os dois homens. Nunca vi sua expressão tão séria. Liam estendeu a mão para
Tyler. Seu bíceps era tão largo quanto minha cabeça, e eu me perguntei como ele
carregava toda aquela massa muscular na caminhada até um incêndio.
Tyler encarou a mão de Liam até
ele recuá-la, mas o australiano não pareceu se abalar.
— Tem uma mulher nua no meio de
vocês, cavalheiros. Sugiro que saiam até ela se vestir.
Jack deu um tapa no ombro de
Liam.
— Eles são meio sensíveis com
esse lance de nudez. Não vamos irritar a equipe no nosso primeiro dia.
Liam não desviou o olhar de
Tyler, mas não o estava desafiando. Ao encará-lo de um jeito implacável e com
um sorriso satisfeito, Liam estava avisando a Tyler que não estava nem um pouco
intimidado, o que só deixou Tyler ainda mais puto.
Os australianos saíram, e Tyler
se juntou a mim na pia.
— Tudo bem?
— Ãhã — respondi, acenando para
dispensá-lo. — Você não é mais o único membro da equipe Alpina que me viu nua.
Tyler trincou os dentes.
— Devíamos ter deixado esses
caras irem direto para Colorado Springs.
— Mas aí não teríamos a noite
passada.
Ele sorriu, pegando delicadamente
alguns fios do meu cabelo.
— É um incêndio político. Eles
precisam de todas as pessoas disponíveis. Talvez você devesse ficar.
Franzi a testa.
— E que diabos vou fazer aqui?
Tirar fotos das flores? Do alojamento? A Jojo vai ficar puta se eu não for.
— É uma equipe diferente. Não é
só o Chefe que toma decisões. Eles podem não deixar você ficar lá.
— Tenho crachá da imprensa. Posso
ir a qualquer lugar que eu quiser.
Tyler soltou uma risada.
— Não é bem assim.
Passei uma escova no cabelo
molhado.
— Meu Deus, como você é linda de
manhã.
— Não sou mais estranhamente
atraente?
— Eu nunca disse isso sobre você.
Eu estava falando de como eu gosto do seu cheiro de incêndio selvagem.
Espremi a pasta de dentes na
escova, fazendo Tyler sorrir. Apontei a escova para ele.
— Nem pense nisso. Tem outros
membros da equipe aqui agora.
Tyler pareceu triste.
— Eles acabaram de chegar.
— Mesmo assim, são da equipe.
— Ou talvez você tenha ouvido o
sotaque deles e, de repente, não quer mais ter algo comigo.
Franzi o nariz.
— Você não está falando sério.
Ele deu de ombros.
— Garotas fazem isso. — Ele saiu,
e eu escovei os dentes como se os estivesse punindo.
Fizemos as malas, e Tyler ligou
para Chefe, avisando que os australianos tinham chegado. Os caras subiram numa
caminhonete da administração florestal e começaram a viagem de duzentos quilômetros
para o sul, pela Highway 36, até Colorado Springs.
— Quanto tempo de viagem,
parceiro? — perguntou Jack.
— Cerca de duas horas e meia —
disse Tyler. — Mais ou menos.
Jack se ajeitou algumas vezes, e
eu virei.
— Você deve estar cansado da
viagem. Quando vocês chegaram?
— Tarde ontem à noite. Dirigimos
pra cá logo cedo — respondeu Jack. Ele sorria muito, e isso o fazia parecer
mais novo, apesar de ele só ter músculos.
— Já chegaram chegando? —
perguntei.
— Como é que é, querida? —
indagou Jack.
Eu ri, sabendo que seria uma
viagem interessante. Nós falávamos o mesmo idioma, mas as gírias seriam um
desafio.
— Vocês começaram a trabalhar no
instante em que pousaram?
— É assim que a gente gosta —
comentou Liam.
Olhei para a frente, ajeitando o
cinto de segurança. Tyler estava com as duas mãos no volante, e o nó dos dedos
estavam brancos.
— O que foi? — perguntei.
Estávamos compartilhando a cabine da caminhonete, mas os australianos estavam
conversando, e o motor ajudava a abafar qualquer coisa que não fosse direcionada
a eles.
— Eu só estava pensando em hoje
de manhã.
— Você não é o único que já me
viu sem roupa.
— Eu sei — disse ele, fechando os
olhos. — Eu sei, mas eu não estava lá pra testemunhar.
— Você vai ter que superar isso —
falei. — Você tem que trabalhar com esses caras.
— Talvez eu conseguisse, se
soubesse que diabos estamos fazendo.
Franzi o nariz, pega de surpresa
pela sua súbita ira.
— Você não tocou nesse assunto.
— Na verdade, toquei. Eu estava
tentando ser paciente.
— O que aconteceu para isso? —
perguntei.
— Um homem só pode ser paciente
até certo ponto.
— E o que exatamente isso
significa? Perdi o prazo que eu nem sabia que tinha? Estava tudo bem, duas horas
atrás. Por que você está tão puto?
Ele não respondeu, mas o maxilar
estava tenso. Liam se aproximou, dando um tapinha no ombro de Tyler.
— Me desculpa pela sua namorada.
— Ela não é minha namorada —
disse Tyler.
Encolhi os ombros e olhei pela
janela, me esforçando muito para não parecer abalada. Os australianos ficaram
instantaneamente calados, piorando ainda mais o clima de constrangimento. Eu
não sabia como doía a rejeição de Tyler. Desde que nos conhecemos, eu achava
que eu era o centro da atenção dele, mas, naquele instante, entendi por que eu
estava me segurando: Tyler tinha deixado o pai, os amigos e os irmãos para
trás. No fundo, eu sabia que ele também me deixaria.
O motor acelerou, e os pneus
giraram no asfalto, provocando um ruído agudo. Eu não podia falar, então dobrei
o braço, apoiando-o na janela, e fechei os olhos, fingindo dormir.
Tyler respondia quando os
australianos faziam perguntas sobre a equipe Alpina e ficava em
silêncio quando eles conversavam
entre si no banco traseiro, discutindo o entusiasmo pelas caminhadas nas
montanhas e o clima mais fresco.
Liam fez uma pausa, depois chamou
Tyler.
— Qual é a história com a Sheila?
— O nome dela é Ellison.
— Tudo bem, qual é a história com
a Ellison, então?
— Ela é fotógrafa da revista da
região. Está nos acompanhando durante a temporada de incêndios, documentando o
que fazemos.
— Ela é bonita — comentou Liam. —
Tem os olhos azuis mais claros que já vi.
Tyler ficou calado, mas eu não
precisei abrir os olhos para ver sua expressão.
— Ela tem namorado? — perguntou
Liam.
— Caraca — disse Jack, enojado.
Ele percebia claramente o que Liam não percebia: que havia algo entre mim e
Tyler, mesmo que ele não admitisse.
— Você está latindo para a árvore
errada, amigo. Ela gosta de garotas — disse Tyler.
Tecnicamente, ele não estava
mentindo, mas isso não me deixou menos puta. Até aquele momento, Tyler vinha
sendo direto e descarado sobre seus sentimentos por mim. Agora ele estava
agindo como um pré-adolescente tentando se controlar na frente dos colegas.
As duas horas e meia pareceram
uma eternidade, e, quando paramos no estacionamento do hotel, meu corpo estava
duro e gritando para eu me mexer.
Saí do carro, me enrolei para
tirar a câmera da bolsa e pendurei a alça no pescoço, fotografando a bola rosa
de fogo atrás da grossa camada de fumaça no céu.
— Isso não é nada, queridinha —
disse Liam. — Você devia ir até Oz comigo.
Tyler pegou sua bolsa de viagem e
bateu a porta do motorista com força, andando rapidamente até o saguão. Liam e
Jack o seguiram, e eu fui atrás de todos, esperando enquanto Tyler e os
australianos faziam o check-in.
O saguão era sombrio, decorado em
bege e com plantas artificiais, e cheio de bombeiros, alguns preparando
equipamentos para sair, outros apenas com uma cerveja na mão. Um quadro negro
perto do bar dizia: “Bem-vindos, bombeiros! Cervejas e aperitivos pela metade
do preço!”
Tyler começou a argumentar com a
recepcionista, depois pegou o celular.
Franzi a testa quando ele apanhou
a carteira, jogando o cartão de crédito sobre o balcão. A recepcionista passou
o cartão e o devolveu com dois pequenos envelopes. Ele olhou ao redor, me procurando,
e atravessou o saguão até onde eu estava.
— Aqui — disse ele, me passando
um dos envelopes.
— O que é isso? — perguntei.
— Consegui um quarto pra você.
— Eu poderia ter feito isso —
falei. — Tenho o cartão da revista.
Ele suspirou.
— Eu não sabia. De qualquer
maneira, já cuidei de tudo. — Comecei a contorná-lo em direção à recepção, mas
ele me segurou pelo braço. — O que você vai fazer?
— Vou devolver meu cartão, pra
você não ter que pagar pelo meu quarto.
— Eu disse que já cuidei de tudo.
Eu me afastei com uma sacudida,
olhando ao redor, para os diferentes rostos no ambiente. A maioria dos
bombeiros não notou nossa conversa, mas os australianos sim.
— Qual é a sua? — sibilei.
— Só estou tentando conseguir uma
porra de quarto pra você, Ellie.
— Não, por que você está com
tanta raiva? Você está... eu nem conheço essa pessoa.
Tyler suspirou, olhando para tudo
no saguão, menos para mim.
— Sou eu.
— Seu lado babaca ciumento?
Ele deu uma risada, inquieto.
— De quem diabos eu estaria com
ciúme?
— O Liam me viu sem roupa. E daí?
Teria acabado ali se você não tivesse dito a ele que sou solteira, mas também
dando indícios da fantasia de todos os homens.
— Hein?
— Você disse pra ele que eu gosto
de garotas — soltei.
— É verdade.
— Bom, não fique surpreso se o
Liam me chamar pra um ménage à trois qualquer dia desses.
Tyler resmungou.
— Bem a sua cara.
— Não acredito que você está tão
intimidado por ele.
Tyler deu um passo em minha
direção.
— Vamos esclarecer uma coisa,
querida. Ninguém me intimida.
— Você está bravinho desde que o
Liam chegou.
— Eu vi você — ele se irritou.
— Viu o quê?
— Quando ele te pegou sem roupa.
Você simplesmente ficou parada. Levou três segundos para se cobrir.
— Ah, é? Quer dizer que eu tenho
que correr pra proteger minhas partes íntimas porque um babaca grosseirão me
pegou de surpresa? Você anda com a bunda de fora o tempo todo no alojamento.
— É diferente.
— Por quê? Porque eu tenho
peitos? Quando foi que você me viu ser toda recatada?
— Exatamente.
— Vai se foder.
Segui batendo os pés até o
elevador, esmagando o botão várias vezes até a porta se abrir. A família que
estava lá dentro passou por mim e seguiu para o corredor, a filha usando maiô e
segurando uma boia de flamingo na cintura.
Desci no terceiro andar,
atravessei o corredor e fiz a curva para chegar até o meu quarto. Meus dedos
estavam tão trêmulos que tive dificuldade para tirar o cartão-chave do
envelope. Levei o cartão até o sensor, mas uma mão grande cobriu a minha,
empurrando-a para baixo.
— Que maldição, Ellie — disse
Tyler. — Você está certa. Estou com ciúme pra caralho. Você está me dando esses
sinais confusos, e um cara te encontra de surpresa, te vê pelada, depois fica perguntando
de você... Tem um milhão de sentimentos se revirando dentro de mim. Não sei que
diabos estou fazendo. Nunca me senti assim.
Levantei o cartão de novo, e a
tranca zumbiu. Empurrei a maçaneta para baixo e encarei Tyler.
— Vê se cresce — falei, batendo a
porta depois de entrar.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)