Capítulo 27
O peitoril de pedra fria dava uma sensação boa em
minhas mãos enquanto eu me equilibrava na varanda do meu quarto particular. O
mar estava calmo naquele dia, depois de uma semana de tempestades. As ondas me
acalmavam à noite, e o sal no ar me dava segurança, mas eu estava indo embora.
Eu ainda tinha que encarar minha irmã, Tyler e os garotos. Eu tinha pedidos de desculpas
a fazer, e muito mais trabalho pela frente.
Uma batida suave me fez atravessar o piso de mármore.
Apertei o cinto do meu roupão de seda bege e estendi a mão para a maçaneta de
metal. Minha estadia no Passages foi como férias luxuosas. Quando cheguei,
achei que era mais uma tentativa da minha família de comprar minha sobriedade,
mas aprendi muito e mudei ainda mais. Meu coração estava curado, e minha alma
estava tranquila — pelo menos no confinamento dos muros da clínica de
reabilitação mais luxuosa do mundo.
Sally entrou com minha conselheira, Barb, segurando
um cupcake e um certificado. Sally piscou para mim, sabendo que o certificado
era uma bobagem, mas significava que eu ia para casa. Ela me abraçou, e seu
orgulho genuíno ficou evidente no abraço. Passamos muitas noites até tarde em
conversas particulares durante minha estadia de sessenta dias, e, de alguma
forma, ela havia convencido meus pais a respeitarem meus limites enquanto
apoiavam minha reabilitação com boa vontade e dinheiro, apesar de seus pedidos
para me verem terem sido repetidamente negados.
Barb já tinha preenchido os documentos de liberação e
me deu uma caneta. Li as letras grandes e as pequenas e assinei. Sally deu um
tapinha em minha mão direita enquanto eu escrevia com a esquerda, e eu me
despedi de Barb.
Quando minha conselheira saiu do quarto, Sally me
lançou seu sorriso característico com os lábios comprimidos, o orgulho
praticamente irradiando de seus olhos velados. Sally não era, de jeito nenhum,
a cobra que eu achava que era. Agora que eu estava sóbria, era mais fácil ver
as pessoas como realmente eram. Uma cabeça limpa ajudava a distinguir quem
queria o melhor para mim e brigaria comigo para chegar a esse objetivo, e
aqueles que tinham boas intenções, mas seriam os primeiros a me dar liberdade —
como os meus pais. Eu ainda não estava forte o suficiente para vê-los e, apesar
de ser difícil aceitar alguma coisa deles sabendo dos danos que eu causara à
nossa família, eu estava comprometida com a sobriedade, e o apoio deles seria a
diferença entre o sucesso e uma recaída. Eu tinha que engolir meu orgulho e
aceitar qualquer apoio útil que as pessoas que me amavam me dessem.
Sally me levou até o aeroporto, depois me abraçou na
despedida, com a promessa de ligar sempre. Lutei contra meu ressentimento de
andar na primeira classe, vestindo roupas novas e o perfume caro que Finley
havia me mandado. Eu estava muito longe da bêbada desleixada que eu era apenas
dois meses atrás e da fotógrafa de aventuras coberta de fuligem. E agora,
sóbria, tudo isso parecia diferente. Eu mesma parecia diferente.
Assim que o avião rumo à para a pista de decolagem,
meu celular acendeu, e o rosto de Finley me mandando um beijo brilhou na tela.
Ela havia ido ao Passages apenas uma vez, por tempo
suficiente para termos uma sessão de terapia de três horas e jantarmos. Minha
irmã admitiu, em meio a lágrimas, que passou por Falyn e entrou no apartamento,
viu uma foto minha na mesinha de cabeceira e achou que estava deitando na cama
com Tyler. Ela se lembra de ele ter dito Falyn quando ela se deitou, mas ela estava
com tanto ciúme e tão magoada que só conseguia pensar na retaliação. Ficou
morrendo de vergonha de falar comigo depois disso, até o dia em que se sentou
numa linda sala cheia de flores, piso de mármore e quadros caros, o clima
perfeito para promover a calma e o conforto enquanto nossos pecados mais
terríveis eram revelados.
— Alô — falei, levando o celular ao ouvido. — Estou
me preparando pra decolagem, Fin.
— Você devia ligar para o Tyler. Ele está um pouco
ansioso.
— Somos dois.
— Ele quer te ver.
— Também quero vê-lo. Só não sei se deveria ser hoje
à noite.
— Ele quer te pegar no aeroporto. O José pode fazer
isso. A decisão é sua.
— Sou uma alcoólatra em recuperação, Fin, não uma
criança.
— Desculpa. Vou falar para o José te encontrar na
esteira de bagagens às sete e meia.
— Tudo bem. A viagem a partir de Denver vai gerar uma
boa conversa.
— Com o Tyler? — perguntou ela.
— É. Tenho que ir, Fin. Eu te amo.
— Também te amo, Elliebi.
Desliguei o celular e o coloquei no console, entre
mim e o senhor de terno Prada e óculos. Ele me lembrava um pouco de Stavros, o
bartender do hotel em Colorado Springs, por causa do cabelo grisalho e do
estilo. Quando o avião decolou, pensei nos meus últimos momentos com Tyler, nas
escolhas que passei sessenta dias tentando deixar de lado, e no modo como Tyler
tinha olhado para mim. Eu me perguntei se ele me veria daquele jeito, como a
garotinha fraca e perdida que ele tinha que pajear. A Ellie três-ponto-zero não
era fraca nem perdida, mas carregava muita culpa e pouco perdão.
Quando as rodas encostaram no chão de Denver, minha
cabeça caiu para a frente e meu queixo deslizou do punho. Bati os lábios,
tomando um gole de água enquanto a comissária de bordo começava o discurso
sobre os procedimentos de desembarque. Quando o avião parou completamente e um
apito soou pelo sistema de alto-falantes, os cintos de segurança estalaram numa
sucessão rápida, parecendo os cliques de um teclado, e o barulho de todos se
levantando ao mesmo tempo reverberou na fuselagem. Eu tinha verificado todos os
meus pertences, então me espremi passando pelo empresário de cabelo grisalho e
parei no corredor, esperando a porta se abrir.
A caminhada pela ponte de embarque pareceu mais longa
que o normal, assim como a viagem de trem até o terminal de bagagens. Tudo
parecia diferente — eu parecia diferente.
Quando cheguei à escada rolante e subi até a esteira
de bagagens, vi Tyler parado na base, sendo empurrado e acotovelado pelas
pessoas que saíam da escada e passavam por ele. Tyler olhou para mim, sem
desviar o olhar até eu estar parada diante dele.
— Oi — disse ele, nervoso.
— Obrigada por vir até aqui me pegar.
— Estive em toda parte e liguei pra todas as pessoas
pra descobrir pra onde você tinha ido. Eu queria estar aqui quando você
voltasse pra casa.
Alguém me empurrou por trás, me obrigando a dar um
passo para a frente.
— Ei — disse Tyler, empurrando o cara. Ele me guiou
para longe da escada rolante, e o calor dos seus dedos na minha pele me deixou
mais emotiva do que eu previra. — Eu não sabia que dois meses pareciam tanto
tempo.
— Provavelmente porque você estava sem casaco —
falei, devolvendo sua jaqueta.
Ele olhou para o tecido nas minhas mãos.
— Eu tinha me esquecido do casaco. Mas não consegui
me esquecer de você.
— Eu só precisava de um tempo pra dar um jeito nas
minhas merdas — falei.
Tyler sorriu, parecendo aliviado com minha escolha de
palavras. Eu estava usando o vestido bege e as botas de camurça altas e com
saltos altos que Finley me mandara. Meu cabelo caía em ondas suaves até o meio
das costas, limpo e sem cheirar a cigarro. Eu estava muito diferente da última
vez que ele me vira, mas ele parecia mais calmo pelo fato de que pelo menos eu
estava falado do mesmo jeito que antes.
A esteira rolante zumbiu, alertando os passageiros do
voo pouco antes de começar a se mexer.
Eles se acumularam ao redor do carrossel de bagagens.
— Aqui — disse Tyler, me pegando pela mão e me levando
para mais perto da esteira. As malas já estavam cambaleando pelo oval comprido
que cercava a calha. Minha mala era a terceira, porque o puxador estava com uma
etiqueta vermelha de prioridade.
Tyler levantou a mala grande sem esforço, depois
estendeu o puxador.
— É uma caminhada — disse ele, na defensiva.
— Já fizemos caminhadas juntos.
— É verdade — disse ele com um sorriso. Ele ainda
estava nervoso, calado, enquanto seguíamos até a garagem do estacionamento. O
Aeroporto Internacional de Denver não era o mais fácil de se transitar, mas
Tyler estava concentrado e me levou rapidamente até sua caminhonete.
Depois que colocou minha mala no banco traseiro, ele
abriu minha porta e me ajudou a entrar. As botas de salto alto dificultavam,
mas, com um braço, Tyler me levantou até o assento.
Ele contornou o carro, saltou até seu banco e virou a
chave na ignição. Mexeu no ar-condicionado e olhou para mim em busca de
aprovação.
— Sim, tudo bem... estou bem.
Tyler deu ré e navegou pelo labirinto do
estacionamento até vermos a luz do dia.
— Então, hum — começou ele. — Adivinha quem vai ser
papai?
Inclinei a cabeça para ele, me preparando.
— Não! Ai, porra, não, não sou eu. O Taylor — disse
ele, rindo de nervoso. — O Taylor vai ser papai. Vou ser titio.
Expirei.
— Ótimo! Isso é ótimo. Que demais! O Jim deve estar
animado.
— É, ele está bem eufórico.
Fiz que sim com a cabeça, virando para a janela e
fechando os olhos, expirando devagar. Eu estava ansiosa para vê-lo havia tanto
tempo e, sem saber o que esperar, eu já estava emotiva e me sentindo esgotada.
Tentei fazer os exercícios respiratórios que aprendi quando estava longe.
Os pneus cantaram na rua, o tom parecendo um pouco
mais agudo quando chegamos à rodovia e Tyler acelerou. Esperar que ele tivesse
a conversa inevitável sobre minha súbita partida era pressão demais, e eu
decidi começar:
— Tyler...
— Espera — disse ele, apertando o volante. — Me deixa
explicar.
Engoli em seco, preocupada que fosse muito pior do
que eu tinha imaginado nas últimas oito semanas. Tyler tinha me deixado de
lado, me abandonado, partido meu coração e gritado comigo de mil maneiras
diferentes nos meus sonhos. Agora, tudo que ele precisava fazer era me mostrar
qual seria a nossa realidade.
— Eu estava puto. Admito — começou ele. — Mas eu não
sabia que você tinha entrado num maldito avião. Sou um completo babaca, Ellie.
Não percebi que você estava tão mal. Não sei o que vamos fazer, mas, se for
amizade colorida, não posso nem me considerar um bom amigo. Eu devia ter
percebido. Eu devia saber.
— Como? — falei. — Nem eu sabia.
Ele se remexeu várias vezes, tirou o boné de beisebol
e o enterrou na cabeça em seguida, depois o levantou novamente para poder
enxergar o suficiente para dirigir. Esfregou a nuca, se mexeu no assento e
ajustou o rádio.
— Tyler — continuei. — Simplesmente fala. Se for
demais pra você, eu entendo. Não é culpa sua. Eu te fiz passar por muita coisa.
Ele virou, lançou um olhar furioso na minha direção,
depois parou a caminhonete no acostamento, colocando o carro na marcha de
estacionar.
— Você foi parar no chão imundo do banheiro de um
posto de gasolina. Se despediu com um beijo, depois desapareceu, porra. Fiquei
preso nas montanhas e quase morri de preocupação, Ellison. Eu não tinha como
chegar até você, não tinha como ligar pra descobrir se você pelo menos estava
viva, e não dormi porque todas as ligações que eu fazia não me levavam a lugar nenhum.
Fechei os olhos.
— Desculpa. Fui muito egoísta e te devo mais do que
um pedido de desculpas.
— Não — disse ele, balançando a cabeça. — Eu não
devia ter te deixado no apartamento. Eu vi você lutando. Você estava lutando há
algum tempo. Eu te levei pra um bar, porra, pedi alguns favores pra te tirar da
cadeia porque você estava bêbada e entrou numa área proibida, te levei a festas,
sabendo que você estava batizando seu café no trabalho... Sou seu amigo em
primeiro lugar, Ellie, e fracassei em todos os sentidos.
Barb tinha me explicado que eu ia enfrentar um
furacão depois que saísse do Passages. Eu não teria que lidar só com a minha
culpa, mas também com a culpa de todos que me amavam.
— Tyler, para. Nós dois sabemos que você não poderia
ter me impedido. A decisão tinha que partir de mim, e você me amou até eu fazer
isso.
Seus olhos castanhos acolhedores estavam vidrados,
cheios de desespero.
— Nós dois estávamos mal na noite em que nos
conhecemos, mas, quanto mais tempo eu passava com você, mais eu me sentia
normal.
Soltei uma risada.
— Eu também.
Ele ficou pálido e estendeu a mão até o porta-luvas.
Abriu o compartimento e pegou uma caixinha vermelho-escura.
— Abre.
A caixa se abriu, e eu expirei, procurando palavras
que nunca vieram.
— Você sabe como é nas montanhas. Mesmo quando estou
cavando trincheiras, tenho muito tempo pra pensar. Quando a Jojo me disse que
você estava voltando pra casa... fui direto à joalheria. Não consigo imaginar
nada além de estar com você e voltar pra casa e te encontrar e... Ellie,
quer...
— Isso é muita coisa pro meu primeiro dia de volta.
Ele fez que sim com a cabeça algumas vezes e pegou a
caixa da minha mão. Em seguida olhou para a frente, socando o volante.
— Maldição! Eu não ia dizer isso. Falei mil vezes pra
mim mesmo no caminho até aqui pra não te contar. Você não precisa disso agora.
Você acabou de voltar pra casa, e eu estou jogando essa merda pesada em cima de
você.
Meu peito se apertou.
— Eu te fiz passar pelo inferno — falei, afundando
tanto na culpa que não sabia se conseguiria sair.
Ele olhou para mim.
— Se você for o fogo, Ellie... quero me queimar.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, e eu percebi que
ele estava esperando que eu decidisse o que ela significava. Estendi a mão para
ele, e ele me puxou por cima do painel até seu colo, me abraçou e deu beijinhos
no meu pescoço e na minha bochecha até chegar à minha boca.
Suas mãos envolveram as laterais do meu rosto, e ele
me beijou profunda e lentamente, dizendo que me amava sem precisar falar uma só
palavra.
Depois se afastou, encostou a testa na minha, os
olhos fechados, o peito arfando a cada respiração acelerada. Então olhou para
mim, as sobrancelhas se aproximando, mas, antes de conseguir falar qualquer
coisa, soltei a resposta:
— Sim.
— Sério? — ele perguntou, com um sorriso pequeno e
esperançoso.
— Mas... — comecei. Seu rosto desabou, e a esperança
em seus olhos sumiu. — Tenho muitas coisas pra trabalhar. Vou precisar de muito
tempo e muita paciência.
Ele balançou a cabeça e se empertigou, pronto para
lutar por mim. Em seguida abriu a caixa e pegou o pequeno anel com um diamante
redondo e solitário.
— Sei que não é tão grande quanto o da Finley...
— Não me importo com isso. Só me importo com o que
significa.
Ele deslizou o anel pelo meu dedo e abafou uma
risada.
— Caralho.
Pensei nas palavras dele, deixando-as ecoarem na
minha mente, com tudo que eu tinha aprendido nos últimos dois meses. Voltar
para velhos relacionamentos ou começar um novo era a receita para uma recaída,
e Tyler e eu nos encaixávamos nas duas coisas. Sabendo disso, eu não conhecia
ninguém melhor do que ele que pudesse me ensinar a me amar.
— Podemos...? — comecei.
— O que você quiser, baby — disse ele, levando minha
mão aos lábios.
Voltei para o meu assento, e a mão de Tyler envolveu
a minha pelo resto do caminho de volta até Estes Park. Não me senti estressada,
nem preocupada, nem ansiosa — pelo contrário. Tudo parecia ter se encaixado no
mesmo dia. A nova Ellie estava em casa, apaixonada, noiva e feliz. Não consegui
imaginar algo mais emocionalmente saudável do que isso. Não que eu esperasse que
tudo fosse fácil, mas, quando eu olhava para Tyler, só sentia uma imensa
alegria.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)