Capítulo 2 – Em que duas paradas são exploradas por uma enormidade de métodos diferentes
As goteiras no telhado tinham estragado tudo. Apenas três dos
quartos do andar de cima não estavam com o chão perigosamente apodrecido. A mãe
deles ficou com um, Mallory com o outro e Jared e Simon dividiram o terceiro.
Enquanto desempacotavam as coisas, as penteadeiras e escrivaninhas
do lado de Simon foram ficando cobertas de recipientes de vidro. Alguns estavam
cheios de peixes. O resto estava abarrotado de ratos, lagartos e outros animais
que Simon havia confinado em gaiolas de barro. A mãe deles falara que ele
poderia trazer tudo, menos os ratos. Ela achava os ratos nojentos porque Simon
os salvara de uma armadilha embaixo da escada do apartamento da dona Estela.
Ela fingiu não ter notado que ele os trouxera mesmo assim. Jared se agitava e
se movia no colchão encaroçado, pressionando o travesseiro contra o seu rosto
como se fosse perder o fôlego, mas não conseguia dormir. O menino não se
incomodava de dividir um quarto com Simon, mas ficar em um lugar com gaiolas de
animais que chiavam, guinchavam e arranhavam era mais assustador do que dormir
sozinho. Isso fazia Jared pensar na coisa nas paredes. Ele dividia antes um
quarto com Simon e os monstrengos na cidade, mas o barulho deles era menor por
causa dos carros, das sirenes e das pessoas. Aqui, tudo era estranho.
O rangido das dobradiças deu calafrios e assustou o garoto. Na
porta estava um vulto com um estranho vestido branco e com cabelos longos e
pretos. Jared nem percebeu, de tão rápido que foi, que tinha pulado da cama.
— Não é nada, sou eu
— sussurrou o vulto.
Era Mallory de camisola.
— Acho que ouvi o seu esquilo.
Jared contraiu-se em pé, tentando pensar se era tão rápido como
uma galinha ou se apenas tinha bons reflexos. Simon estava roncando calmamente
na outra cama.
Mallory colocou as mãos na cintura.
— Vamos. Ele não vai ficar esperando que nós o agarremos.
Jared balançou os ombros do irmão.
— Simon, acorde. Um novo animal de estimação. Um animaaaaaal novo.
Simon debateu-se e suspirou, tentando puxar as cobertas para cima
do rosto. Mallory riu.
— Simon! — Jared inclinou-se mais perto, fazendo uma voz
propositalmente de emergência. — Esquilo! Esquilo!
Simon abriu os olhos e encarou-os ferozmente.
— Eu estava dormindo.
— Mamãe foi à mercearia comprar leite e cereais — disse Mallory,
afastando as cobertas do menino. — Ela me pediu para olhar vocês. Não temos
muito tempo antes que ela volte.
***
Os três irmãos se arrastaram pelos cômodos escuros da nova casa. Mallory
ia na frente, caminhando AL guns passos e então parando para escutar. De vez em
quando eles ouviam arranhões ou um som de pequeninos passos dentro das paredes.
O barulho aumentou mais assim que eles se aproximaram da cozinha.
Na pia, Jared viu uma frigideira com os restos do macarrão com molho de queijo
que eles haviam jantado.
— Acho que está ali. Ouçam — balbuciou Mallory.
O som parou completamente.
Mallory pegou uma vassoura e segurou o cabo de madeira como se
fosse um taco de beisebol.
— Vou ver se quebro a parede — disse ela.
— Nessa casa? Ela nunca vai perceber.
— Mas e se você acertar o esquilo? — ponderou Simon. — Você
machucaria...
— Chiii — sussurrou Mallory. Ela caminhou silenciosamente na ponta
dos pés e lançou o cabo da vassoura contra a parede. O golpe quebrou o reboco
espalhando pó como se fosse farinha. A poeira foi parar no cabelo de
Mallory, que ficou parecendo mais ainda com um fantasma. Ela
alcançou o buraco e quebrou um pedaço da parede.
Jared chegou mais perto. Podia sentir os pêlos de seus braços se
arrepiando.
Tiras rasgadas de roupa faziam estofo entre as tábuas. Enquanto
ela retirava mais pedaços, outras coisas iam aparecendo. Restos de cortinas.
Pedaços esfarrapados de pano de seda e cadarços de sapato. Alfinetes enfiados na
madeira brilhavam em cada lado, formando uma linha sinuosa ascendente. Uma
cabeça de boneca estava largada em um canto. Baratas mortas estavam presas
feito uma grinalda. Pequeninos soldados de chumbo com mãos e pés derretidos
estavam espalhados pelas tábuas como um exército derrota do. Pedaços recortados
de espelho brilhavam de onde tinham sido presos com cola velha.
Mallory enfiou a mão no ninho e tirou uma medalha de esgrima. Era
de prata com uma grossa fita azul.
— É minha.
— O esquilo deve ter roubado isso aí — concluiu Simon.
— Não, é muito estranho — disse Jared.
— Diana Moraes tinha uns furões e eles costumavam roubar as
cabeças das bonecas dela — revelou Simon.
— Muitos animais gostam de objetos brilhantes.
— Mas olhe! — Jared apontou para as baratas. — Que furão faz um
enfeite tão grande para si mesmo?
— Vamos tirar essa confusão daqui — sugeriu Mallory.
— Se ele não tiver um ninho, quem sabe saia da casa com mais
facilidade.
Jared hesitou. Ele não queria colocar suas mãos dentro da parede e
apalpar ao redor. E se o animal ainda estivesse lá e o mordesse? Talvez o
menino não entendesse muito daquilo, mas realmente não achava que esquilos normalmente
causassem tanta confusão.
— Não sei se devemos fazer isso — resmungou. Mallory nem ouviu.
Ela estava ocupada puxando uma lata de lixo. Simon começou retirando punhados
de roupas mofadas.
— Mas não tem sujeira de bicho aqui. É esquisito.
— Simon jogou fora o que estava segurando e retirou outro punhado.
Nos soldadinhos, ele parou:
— São legais, não são, Jared?
Jared teve que concordar.
— Mas seriam mais bacanas se tivessem as mãos.
Simon colocou vários deles no bolso de seu pijama.
— Simon, você já ouviu falar de um animal como esse? Acho que uma
parte dessa confusão é mesmo muito estranha, você não acha? — perguntou Jared.
— Esse esquilo deve estar tão doido quanto a tia Lúcia.
— É, deve estar muito louco — respondeu Simon, dando uma
risadinha.
Mallory suspirou e então se calou de repente.
— Eu ouvi de novo.
— O quê? — perguntou Jared.
— O barulho. Chiii. Está aqui pertinho. — Mallory apanhou de novo
a vassoura.
— Silêncio — balbuciou Simon.
— Nós estamos quietos — Mallory sibilou de volta.
— Chiii — insistiu Jared.
Os três foram lentamente até o local de onde o som vinha, então o
próprio barulho mudou.
Em vez de escutar o ruído de pequeninas garras
arranhando a madeira, eles podiam claramente ouvir o rangido de unhas no metal.
— Olha só. — Simon se agachou para tocar uma pequena porta
corrediça colocada na parede.
— É um elevadorzinho — observou Mallory. —
Os empregados usavam isso para mandar bandejas de café da manhã e
outras coisas para o andar de cima. Deve haver outra porta como essa em um dos
quartos.
— Isso parece mais um fosso — disse Jared.
Mallory espremeu seu corpo inteiro dentro da caixa de metal.
— É muito pequeno para mim. Um de vocês tem que ir.
Simon olhou para ela meio sem acreditar.
— Eu não sei. E se a corda já não estiver muito boa?
— Vai ser só um tombinho — disse Mallory e ambos os garotos
olharam para ela espantados.
— Certo, eu vou. — Jared estava satisfeito por achar alguma coisa
que Mallory não pudesse fazer. Ela parecia um pouquinho desconcertada. Simon
parecia apenas preocupado.
O lado de dentro estava sujo e o cheiro parecia o de madeira
velha. Jared dobrou suas pernas e inclinou a cabeça. Depois de muita
dificuldade, se acomodou.
— O esquilo ou o que for ainda está no buraco do elevadorzinho? —
A voz de Simon soava estranha e distante.
— Eu não sei — disse
Jared delicadamente, ouvindo o eco de suas palavras.
— Eu não ouço nada.
Mallory puxou a corda. Com um pequeno tranco e balançando um pouco
o elevadorzinho começou a erguer Jared por dentro da parede.
— Você consegue ver alguma coisa?
— Não — respondeu Jared. Ele podia ouvir os arranhões, mas estavam
distantes. — Está totalmente escuro.
Mallory trouxe o elevador de volta.
— Há luz por aqui em algum lugar. — Ela abriu algumas gavetas até
que achou um punhado de velas brancas e um pires. Virando um botão do fogão ela
acendeu o pavio em uma das bocas, pingou a cera da vela no pires e pressionou-a
contra ele para prendê-la. — Aqui, Jared, leve isso.
— Mallory, eu não estou mais ouvindo a coisa — disse Simon.
— Talvez tenha se escondido — disse Mallory, e puxou com força a
corda.
Jared tentou se aconchegar mais fundo no elevadorzinho, mas não
havia lugar. Gostaria de falar para os irmãos que aquilo era uma estupidez e
que ele estava com medo, mas não disse nada. Ao contrário, deixou-se levar na
escuridão, segurando a lanterna improvisada.
A caixa de metal subiu alguns centímetros dentro da parede. A luz
da vela formava um pequeno halo, refletindo coisas de um jeito estranho. O
esquilo ou o que fosse podia estar muito perto dele, talvez até tocando-o e ele
nem perceberia.
— Não enxergo nada — disse ele lá para baixo, mas não teve certeza
de que alguém o estava ouvindo.
A subida era lenta. Jared sentia-se como se não pudesse respirar.
Os joelhos pressionavam seu peito e ele sentia câimbras nos pés por estarem
dobrados tanto tempo. Pensava se a vela poderia sugar todo o oxigênio
disponível.
Então, com uma sacudida, o elevadorzinho parou. Alguma coisa
arranhou a caixa de metal.
— Não sobe mais — gritou Mallory dentro do fosso.
— Você vê alguma coisa?
— Não — respondeu Jared —, acho que está preso.
Não havia arranhão agora, mas alguma coisa estava tentando unhar a
parte de cima do elevadorzinho. Jared grunhiu e tentou golpear o lado de fora,
tentando espantar o bicho.
Repentinamente, o elevadorzinho deslizou um pouco e deu outra
parada, desta vez em um cômodo turvamente iluminado pela luz da lua que vinha
de uma janela bem pequenininha.
Jared arrastou-se para fora da caixa.
— Eu consegui. Estou em pé.
O quarto tinha um forro baixo e as paredes estavam cheias de
prateleiras de livros. Olhando ao redor, ele achou que não houvesse porta.
Inesperadamente, Jared não tinha certeza de onde estava.
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