Capítulo 5 - Capturado
Travis
Me enxuguei, escovei os dentes, vesti
uma camiseta e bermuda, e então meus Nikes. Pronto. Caramba, é bom ser um
homem. Eu não consigo imaginar ter que secar o cabelo por meia hora, e depois
queimá-lo com qualquer que fosse aqueles metais portáteis quentes que eu
pudesse encontrar, e em seguida passar quinze a vinte minutos me maquiando
antes de finalmente me vestir. Chave. Carteira. Telefone. Fora de casa. Abby
tinha dito que havia lojas no andar de baixo, mas ela sugeriu que nós não
devíamos nos ver até o casamento, então eu fui para a Strip.
Mesmo com pressa, se as fontes do
Bellagio estão dançando ao som da música, é anti-americano não parar e apreciar
em reverência. Acendi um cigarro e soprei sobre ela, descansando os braços em
uma grande laje de concreto que se alinhava à plataforma de observação.
Assistindo a água balançar e espirrar para a música, me lembrei da última vez
que eu estive aqui com Shepley, enquanto Abby chutava de forma eficiente a
bunda de quatro ou cinco veteranos do poker.
Shepley. Porra, eu estava tão feliz
que ele não estava naquela luta. Se eu o tivesse perdido, ou se ele tivesse
perdido a América, eu não tenho certeza se Abby e eu estaríamos aqui. Uma perda
como essa mudaria toda a dinâmica de nossas amizades. Shepley não poderia ficar
perto de Abby sem a América, e América não poderia ficar próxima a nós sem
Shepley. Abby não seria ninguém sem América. Se eles não tivessem decidido
ficar com seus pais durante as férias de primavera, eu poderia estar sofrendo a
perda de Shepley enquanto me preparava para o nosso casamento. Pensamentos de
ter que ligar para tio Jack e tia Deana com a notícia da morte de seu único
filho me fizeram sentir um frio na espinha.
Eu afastei o pensamento quando me
lembrei do momento em que telefonei para meu pai, de pé em frente à Keaton, com
a fumaça saindo pelas janelas. Alguns dos bombeiros seguravam a mangueira
jogando água dentro do prédio, outros traziam sobreviventes. Me lembrei de como
me sentia: sabendo que eu ia ter de dizer ao meu pai que Trent estava
desaparecido e provavelmente morto. Que meu irmão havia corrido para o lado
errado na confusão, e Abby e eu estávamos do lado de fora sem ele. Pensamentos
do que isso teria feito ao meu pai, à toda a nossa família, me fez sentir
enjoado. Meu pai era o homem mais forte que eu conhecia, mas ele não podia
perder mais ninguém.
Meu pai
e Jack dominaram a nossa cidade quando estavam no colégio. Eles foram a
primeira geração dos fodões irmãos Maddox. Em cidades universitárias, os locais
começavam as brigas ou pegavam no pé. Jim e Jack Maddox nunca experimentaram a
última luta e conheceram e se casaram com as duas únicas garotas da faculdade
que poderia lidar com eles: Deana e Diane Hempfling. Sim, irmãs, fazendo
Shepley e eu duplamente primos. Isso provavelmente deu tão certo, que Jack e
Deana pararam no primeiro, enquanto a mamãe tinha cinco meninos indisciplinados.
Estatisticamente, a nossa família esperava uma menina, mas eu não tenho certeza
se o mundo poderia lidar com uma Maddox do sexo feminino. Toda a luta e raiva,
somado ao estrogênio? Todo mundo poderia morrer.
Quando Shepley nasceu, o tio Jack
sossegou. Shepley era um Maddox, mas ele tinha o temperamento de sua mãe.
Thomas, Tyler, Taylor, Trenton, e eu, tínhamos todos os parafusos soltos como o
nosso pai, mas Shepley era calmo. Éramos os melhores amigos. Ele era um irmão
que vivia em uma casa diferente. Ele realmente era, mas ele se parecia mais com
Thomas do que com o resto de nós. Todos nós compartilhamos o mesmo DNA.
A fonte desligou e eu fui embora,
vendo o letreiro do Crystals. Se eu pudesse entrar e sair de lá rápido,
talvez Abby ainda estaria nas lojas de Bellagio e não me veria.
Apertei o passo, evitando os turistas
extremamente bêbados e cansados. Um curto passeio de escada rolante e uma ponte
mais tarde, eu estava dentro do imponente shopping. Tinha vidros retangulares
exibindo tornados de água coloridas, lojas de alta qualidade e pessoas de
classes estranhas. De famílias a strippers. Coisas que só se vê em Las Vegas.
Eu entrei e saí de uma loja de roupa
sem sorte, e então continuei andando até dar de cara com uma loja Tom Ford. Em
dez minutos eu encontrei e experimentei o terno cinza perfeito, mas tive
problemas para encontrar uma gravata. "Foda-se", eu disse, tirando o
terno e a abotoadura. Quem disse que o noivo tem que usar uma gravata?
Saindo do shopping, vi um par de
All-Star Converse preto na janela. Entrei, pedi o meu número, experimentei e
sorri. "Vou levá-los", eu disse para a mulher que me atendeu. Ela
sorriu com um olhar que teria me envolvido seis meses atrás. Uma mulher olhando
para mim desse jeito significava que todas as minhas tentativas de entrar em
sua calça haviam acabado de ficar mil vezes mais fáceis. Aquele olhar queria
dizer: me leve para casa!
"Uma ótima escolha", ela
disse com uma voz suave e sedutora. Seu cabelo escuro era comprido, grosso e
brilhante. Provavelmente metade de seus 1,50m. Ela tinha uma sofisticada beleza
asiática, envolvida em um vestido justo e altíssimos saltos. Seus
olhos
eram observadores e calculistas. Ela era exatamente o tipo de desafio que meu
antigo eu teria pegado alegremente. "Você vai ficar em Vegas por muito
tempo?"
"Apenas alguns dias."
"É a sua primeira vez
aqui?"
“Segunda”.
"Oh. Eu ia me oferecer para lhe
apresentar a cidade."
"Eu vou me casar com esses
sapatos em algumas horas."
Minha resposta apagou o desejo em
seus olhos, e ela sorriu agradavelmente, mas ela claramente perdeu o interesse.
"Parabéns".
"Obrigada," eu disse,
pegando meu recibo e a sacola com a caixa de sapato.
Saí me sentindo muito melhor sobre
mim mesmo do que eu teria se estivesse aqui em uma viagem de garotos, e a
levando para o meu quarto de hotel. Eu não sabia sobre o amor naquela época.
Era fodasticamente maravilhoso voltar para Abby toda noite, e ver seu olhar
acolhedor, carinhoso. Nada era melhor do que chegar em casa com novas maneiras
de fazê-la se apaixonar por mim mais uma vez. Eu vivia por essa merda agora, e
era muito mais satisfatório.
Uma hora após deixar o Bellagio, eu
tinha pego o terno e uma aliança de ouro para Abby, e estava de volta ao lugar
onde comecei: nosso quarto de hotel. Sentei na ponta da cama, peguei o controle
remoto e liguei a TV antes de me abaixar para desamarrar meu tênis. A cena
familiar iluminou a tela. Era Keaton, protegido com uma fita amarela, e ainda
pegando fogo. Os tijolos ao redor das janelas estavam carbonizados e o terreno
em volta do prédio estava cheio d’água.
O repórter estava entrevistando uma
menina chorando, descrevendo que sua colega de quarto não havia voltado ao
dormitório, e que ela ainda aguardava para confirmar se o seu nome estava entre
os mortos. Eu não podia aguentar mais isso. Eu cobri meu rosto com as mãos e
apoiei os cotovelos nos joelhos. Meu corpo tremia e eu lamentei por meus amigos
e todas as pessoas que eu não conhecia, mas que haviam perdido suas vidas. Pedi
desculpas repetidas vezes por ser a razão deles estarem lá, e por ser um filho
da puta por escolher Abby, em vez de eu mesmo, para entrar lá. Quando eu já não
podia mais chorar, entrei no chuveiro e fiquei embaixo da água fumegante até
que meu estado de espírito voltasse ao normal, como Abby precisava de mim.
Ela não
queria me ver até a hora do casamento, então eu mantive toda a merda na minha
cabeça, me vesti, espirrei alguma colônia, amarrei meu tênis novo, e saí. Antes
de fechar a porta dei uma última olhada no quarto. A próxima vez que eu
entrasse por esta porta eu seria o marido de Abby. Essa foi a única coisa que
me fez suportar a culpa. Meu coração começou a bater forte. O resto da minha
vida estava apenas a algumas horas de distância.
O elevador se abriu, e eu segui o
impetuoso e estampado tapete através do cassino. O terno fez eu me sentir como
um milionário, e as pessoas estavam olhando, se perguntando onde o bem vestido
imbecil com Converse estava indo. Quando eu estava na metade do caminho através
do cassino, notei uma garota sentada no chão com sacos de compras, chorando em
seu telefone celular. Eu parei subitamente. Era Abby.
Instintivamente eu dei um passo para
o lado, me escondendo parcialmente no final de uma fila de máquinas
caça-níqueis. Com a música, os sinais sonoros, e as conversas, eu não conseguia
ouvir o que ela estava dizendo, mas meu sangue gelou. Por que ela estava
chorando? Com quem ela estava falando? Será que ela não queria se casar comigo?
Eu devia falar com ela? Ou devia apenas esperar lá fora e ter fé em Deus que
ela não cancelaria tudo?
Abby levantou-se do chão, lutando com
suas malas. Eu queria correr para ela e ajudar, mas eu estava com medo. Eu estava
com medo de que me aproximando dela naquele momento, ela poderia me dizer a
verdade, e eu estava com medo de ouvir. O bastardo egoísta tomou conta de mim,
e eu a deixei ir embora.
Uma vez que ela estava fora de vista,
eu me sentei em um banquinho de uma máquina caça-níqueis vazia e puxei o maço
de cigarros do bolso. Acendendo o isqueiro, a ponta do meu cigarro chiou antes
de brilhar vermelho, enquanto eu puxava uma longa tragada. O que eu ia fazer se
Abby tivesse mudado de ideia? Poderíamos voltar de uma coisa como essa?
Independentemente da resposta, eu ia ter que descobrir uma maneira. Mesmo que
ela não pudesse continuar com o casamento, eu não podia perdê-la.
Eu fiquei sentado lá por um longo
tempo, fumando e deslizando notas de dólar na máquina caça-níqueis, enquanto
uma garçonete trazia bebidas gratuitas. Depois de quatro, acenei agradecendo.
Ficar bêbado antes do casamento não
resolveria nada. Talvez seja por isso que Abby estava tendo dúvidas. Amá-la não
era suficiente. Eu precisava crescer, arrumar um trabalho de verdade, parar de
beber, brigar, e controlar a minha maldita raiva. Sentei-me sozinho no cassino,
em silêncio, prometendo que iria fazer todas essas mudanças, e que iria começar
agora mesmo.
O
alarme do meu telefone tocou. Apenas uma hora havia passado para o horário do
casamento. Eu mandei uma mensagem para Abby, preocupado de como ela poderia
reagir:
“Estou com saudades”.
***
Abby
Sorri para o visor do telefone, vendo
que o texto era de Travis. Eu digitei uma resposta, sabendo que palavras não
poderiam transmitir o que eu estava sentindo.
Abby: “Estou com saudades também.”
Travis: “Menos uma hora... Já está
pronta?”
Abby: “Ainda não. E você?”
Travis: “Caramba, sim. Eu estou
dodidamente incrível. Quando me ver vai querer casar comigo com certeza”.
Abby: “Dodidamente?”
Travis: “Fodidamente* maldito
auto-corretor. Foto?”
Abby: “Não! Dá azar!”
Travis: “Você é sortuda treze. Você
tem boa sorte.”
Abby: “Você está se casando comigo.
Então, claramente, você não tem. E não me chame assim”.
Travis: “Eu te amo baby”.
Abby: “Eu também te amo. Te vejo em
breve”.
Travis: “Nervosa?”
Abby: “Claro. Você não está?”
Travis: “Somente sobre você estar com
os pés frios”.
Abby: “Pés queimando de quentes”.
Travis:
“Eu gostaria de poder explicar a você como estou feliz agora”.
Abby: “Você não precisa. Eu posso
imaginar”.
Travis: :)
Abby: <3
Coloquei o telefone na bancada do
banheiro e olhei para o espelho passando o bastão do brilho labial mo meu lábio
inferior. Após prender a última mecha do meu cabelo para trás, eu fui até a
cama, onde eu havia colocado o vestido. Não era o que eu escolheria aos dez
anos de idade, mas era bonito, e o que nós estávamos prestes a fazer era lindo.
Mesmo o motivo de eu estar fazendo era bonito. Eu podia pensar em motivos menos
nobres para se casar. E, além disso, nós nos amávamos. Se casar jovem era tão
terrível? As pessoas costumavam fazer isso o tempo todo.
Eu balancei minha cabeça, tentando me
livrar das dezenas de emoções conflitantes que rondavam minha mente. Por que
ficar em dúvida? Isso estava acontecendo e nós estávamos apaixonados. Era
louco? Sim. Mas errado? Não.
Coloquei o vestido e em seguida puxei
o zíper em frente ao espelho. "Muito melhor", eu disse. Na loja, que
era tão linda quanto o vestido, sem cabelo e maquiagem prontos o vestido não
parecia certo. Com os meus lábios vermelhos e cílios pintados, o look estava
completo.
Eu prendi uma borboleta de diamante
na base dos cachos bagunçados que compunham o meu coque lateral, e coloquei
meus pés na minha sandália de tiras nova. Bolsa. Telefone. Anel do Trav. A
capela teria todo o resto. O táxi estava esperando.
Mesmo que a cada ano milhares de
mulheres se casassem em Las Vegas, isso não afastou os olhares para mim
enquanto eu caminhava pelo cassino em meu vestido de noiva. Alguns sorriram,
outros só assistiram, mas tudo me deixou desconfortável. Quando meu pai perdeu
o último jogo profissional depois de quatro jogadas, e ele anunciou
publicamente que a culpa era minha, eu tinha recebido a atenção suficiente para
durar duas vidas. Por causa de algumas palavras faladas em frustração, ele
criou o "treze da sorte" e me deu um fardo inacreditável para
suportar. Mesmo quando a minha mãe finalmente decidiu deixar Mick e nós nos mudamos
para Wichita três anos depois, começar de novo parecia impossível. Eu
aproveitei duas semanas inteiras como uma desconhecida antes do primeiro
repórter local descobrir quem eu era e se aproximar de mim no gramado da frente
da minha escola. Bastou uma única hora de pesquisa em uma noite de sexta-feira
para uma garota odiosa descobrir por que a imprensa se importava o suficiente
para tentar conseguir a chamada "Onde ela está agora?".
A segunda metade da minha experiência no colegial foi arruinada. Mesmo com a
companhia de um melhor amigo desconexo tagarela.
Quando a América e eu saímos para a
faculdade, eu queria ser invisível. Até conhecer o Travis, eu estava gostando
muito do meu anonimato.
Eu olhei para baixo encontrando o
centésimo par de olhos me observando atentamente, e eu me perguntei se estar
com Travis sempre me faria me sentir tão visível.
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Nada de spoilers! :)