Capítulo 7 – Em que o destino dos ratos é solucionado

Eu não preciso mesmo da ajuda de vocês — disse Jared. Seu irmão e sua irmã estavam deitados no tapete em frente à televisão. Cada um tinha um controle remoto e, de onde ele estava, podia ver as cores movendo- se no rosto deles enquanto a tela mudava.
Mallory bufou mas não disse nada. Jared tomou isso como uma resposta positiva. Aquela altura, qualquer coisa que não envolvesse cacetadas era uma resposta positiva.
— Sei que vocês pensam que fui eu que fiz aquilo
— disse Jared, abrindo o livro na página sobre diabretes.
— Mas, de verdade, não fui eu. Vocês ouviram a coisa nas paredes. Havia a inscrição na mesa e as pegadas na farinha. E lembrem-se do ninho. Lembrem-se de como vocês tiraram tudo daquele ninho.
Mallory se levantou e tomou o livro das mãos dele.
— Me devolva — implorou Jared, tentando agarrálo.
Mallory ergueu o livro sobre a cabeça.
— Foi esse livro que deu início a toda essa confusão.
— Não! — reagiu Jared. — Não é verdade. Achei esse livro depois que seu cabelo tinha sido amarrado. Me devolva, Mallory. Me devolva, por favor.
Agora ela segurava o livro com as duas mãos, uma em cada lado das páginas abertas, pronta para rasgá-las em duas metades.
— Mallory, não! Não! — Jared estava quase sem fala por causa do pânico. Se ele não pensasse logo em alguma coisa, o livro ficaria em pedaços.
— Espere, Má — disse Simon, levantando-se do chão.
Mallory esperou.
— Que tipo de ajuda você quer, Jared?
Jared deu um suspiro profundo.
— Estou pensando se foi a bagunça que fizemos no ninho que chateou o diabrete, então talvez pudéssemos fazer um novo ninho para ele. Eu... eu peguei uma casinha de passarinho e coloquei alguma estofa dentro.
“Eu acho... bem... acho que talvez o diabrete esteja meio chateado, igual à gente, porque está preso aqui também. Acho que, talvez, ele nem quisesse estar aqui. Talvez esse lugar o deixe louco.”
— Certo, mas antes de eu dizer que acredito em você — falou Mallory, segurando o livro em uma posição menos ameaçadora —, diga-me exatamente o que você quer que a gente faça.
— Preciso de vocês para mover o elevadorzinho — disse Jared. — Então posso levar a casa até a biblioteca. Acho que seria seguro lá.
— Deixe-me ver essa tal casa — disse Mallory. Ela e Simon seguiram Jared no corredor e ele mostrou-a para eles.
 Era uma casa de pássaro feita de madeira, grande o suficiente para um corvo morar lá dentro. Jared tinha encontrado no meio de umas coisas no sótão. Trazendo- a para fora, ele mostrou como tinha organizado tudo, menos as baratas, direitinho lá dentro.
Ele tinha forrado as paredes com folha de jornal e também colocado pequenas fotografias de revistas.
— Você usou as coisas da mamãe para fazer isso? — perguntou Simon.
— Usei — respondeu Jared encolhendo os ombros.
— Você teve mesmo trabalho — observou Mallory.
— Então vocês vão me ajudar? — Jared esperou mais um pouco para pedir o livro de volta, pois não queria deixar sua irmã brava outra vez.
Mallory olhou para Simon e concordou com a cabeça.
— Eu vou primeiro, porém — disse Simon.
Jared hesitou um pouco, mas acabou respondendo.
— Claro.
Passando calmamente pelo lugar onde sua mãe estava telefonando para o pessoal da construção, eles foram para a cozinha.
Simon parou na frente do elevadorzinho.
— Você acha que os meus ratos estão vivos?
Jared não sabia o que dizer. Pensou nos girinos congelados. O menino desejava a ajuda de Simon mas não queria mentir.
Simon ajoelhou e entrou no elevadorzinho. Em poucos instantes, Mallory tinha-o erguido dentro da parede. Simon deu um pequeno suspiro quando começou a se mover, mas depois eles não ouviram nada, mesmo quando o elevadorzinho parou.
— Você disse que tinha uma mesa lá, e papéis — disse Mallory.
— Sim. — Jared não tinha certeza do que ela estava insinuando. Se não acreditasse nele, ela poderia perguntar a Simon quando ele voltasse.
— Bem, eles precisaram entrar lá em algum momento.
E a escrivaninha não era pequena, não? Então um adulto entrou lá, mas como um adulto chegou até lá? Jared ficou confuso por um instante, então entendeu:
— Uma porta secreta?
Mallory concordou.
— Talvez.
O elevadorzinho voltou e Jared entrou nele, com a pequenina casa cravada no seu colo. Mallory elevou-o dentro do túnel escuro. A viagem foi rápida e ele estava muito, muito feliz por ver a biblioteca.
Simon estava em pé no meio do cômodo, olhando tudo pasmo.
Jared sorriu.
— Está vendo?
— É tão legal aqui — disse Simon. — Olhe para esses livros sobre animais.
Pensando na porta secreta, Jared tentava imaginar onde ela poderia estar em relação ao resto dos cômodos acima. Ele tentou imaginar em que direção estava o corredor.
— Mallory acha que há uma porta secreta — comentou Jared.
Simon se aproximou. Havia uma estante de livros, um quadro enorme, e um armário em frente à parede que
Jared estava olhando.
— O quadro — disse Simon, e juntos retiraram a enorme pintura a óleo. Era de um homem magro com óculos sentado com elegância em uma cadeira verde. Jared pensou se aquele não seria o Artur.
Atrás do quadro não tinha nada, só a parede lisa.
— Talvez nós pudéssemos retirar alguns dos livros?
— disse Jared, pegando um, chamado Cogumelos misteriosos,
fungos fabulosos.
Simon abriu as portas do armário.
— Ei, olhe para isto. — Elas davam para a rouparia do andar de cima.
Poucos instantes depois, Mallory estava olhando o cômodo também.
— Esse lugar é assustador — disse Mallory.
Simon deu uma risadinha.
— Sim, e ninguém sabe sobre ele, só nós.
— E o diabrete — acrescentou Jared.
Ele pendurou a casinha de pássaro em um candelabro na parede. Mallory e Simon ajudaram-no a ter certeza de que os lados de dentro estavam arrumados, e então cada um deles enfiou alguma coisa na casa. Jared colocou uma de suas luvas de inverno, achando que o diabrete podia usá-la como um colchonete. Simon acrescentou um pequeno prato que ele uma vez usou para dar água para as suas lagartixas. E Mallory deve ter acreditado ao menos um pouco em Jared, pois devolveu sua medalha de prata de esgrima com a fita azul elegantemente para dentro.
Quando terminaram, pareciam satisfeitos. Todos achavam que era um boa casa.
— Vamos deixar um bilhete para ele — sugeriu Simon.
— Um bilhete? — perguntou Jared.
— É. — Simon mexeu nas gavetas da escrivaninha e achou alguns papéis, uma caneta-tinteiro, e uma garrafa de tinta.
— Ei, eu não tinha notado isso — disse Jared. O menino apontou para uma aquarela de um homem e uma menininha na escrivaninha. Debaixo dela em uma grafia desbotada estava a inscrição: “Minha querida filha Lúcia, 4 anos”.
— Então Artur era o pai dela? — perguntou Mallory.
— Acho que sim — disse Simon, arrumando espaço na mesa para escrever.
— Deixa que eu faço isso — disse Mallory. — Vocês, garotos, vão demorar uma eternidade. Apenas me diga o que escrever. — Ela abriu a tinta e mergulhou a caneta, que fez uma frase torta mas legível no papel.
— Caro Diabrete — começou Simon.
— Você acha que isso é educado? — questionou Jared.
— Eu já escrevi — disse Mallory.
— Caro Diabrete — falou Simon novamente —, nós estamos escrevendo para dizer que lamentamos a bagunça que fizemos na sua outra casa. Nós esperamos que goste dessa outra que fizemos e, mesmo que não goste muito, pedimos que pare de nos incomodar, e outras coisas, e que se estiver com Tomás e Jeferson, por favor cuide bem deles porque são bons ratinhos.
— Ótimo — disse Mallory.
— Então está certo - concordou Jared.
Os irmãos colocaram o bilhete no chão, perto da pequenina casa, e saíram da biblioteca.

***

Durante a semana seguinte, nenhum deles teve tempo para visitar a biblioteca, mesmo através da porta da rouparia. Os pedreiros e o pessoal da transportadora estiveram andando de um lado para outro ao redor da casa durante o dia, e a mãe deles estava de olho durante a noite, não dava para ir além dos corredores.
As aulas haviam finalmente começado, e não eram tão ruins quanto Jared temia. A nova escola era pequena, mas tinha uma equipe de esgrima para Mallory, e ninguém prestou atenção neles nos primeiros dois dias de aula. E até agora, Jared estava conseguindo se comportar.
O melhor de tudo, não aconteceu mais nenhum ataque noturno, nenhuma outra corrida nas paredes — nada, só os cabelos mais curtos de Mallory davam sinal de que tudo aquilo acontecera. Exceto por Simon e Mallory que estavam muito ansiosos para visitar aquele cômodo novamente, assim como Jared.
Eles tiveram sua chance no sábado, quando a mãe deles saiu para fazer compras e deixou Mallory cuidando de tudo. Tão logo o carro da mãe sumiu na estrada, eles correram para a rouparia.
Dentro da biblioteca, pouca coisa tinha mudado. O quadro estava pendurado direitinho na parede, a casa do pássaro estava no candelabro, tudo parecia estar do jeito que eles tinham deixado.
— O bilhete desapareceu! — anunciou Simon.
— Você o pegou? — Mallory perguntou a Jared.
— Não! — insistiu Jared.
Então ouviram o barulho de uma garganta tossindo e os três olharam para a mesa. Em cima dela, em um velho macacão e com um chapéu de brim velho, estava um homenzinho mais ou menos do tamanho de um lápis.
Seus olhos eram tão pretos quanto um besouro, o nariz era grande e vermelho, e ele se parecia muito com o desenho do Guia. Ele estava segurando um par de rédeas com dois ratos cinzentos choramingando na ponta da escrivaninha.
— Tomás! Jeferson! — gritou Jared.
— Tibério gosta à beça da nova casa — disse o homenzinho —, mas não é isso que ele veio dizer.
Jared fez que sim com a cabeça, sem saber exatamente o que dizer. Parecia que alguém tinha esbofeteado o rosto de Mallory, mas que ela ainda não tinha se dado conta.
O homenzinho continuou.
— O livro de Artur Spiderwick não é para sua raça. Há muito ali que pode causar desgraça. Todo mundo que encostou nele acabou em prantos. Ou por causa da violência, ou dos encantos. Joguem o livro fora, queimem na fogueira. Se vocês não fizerem isso, eles ficarão furiosos e não será de brincadeira.
— Eles? Quem são eles? — perguntou Jared, mas o homenzinho apenas puxou seu gorro e pulou para fora da escrivaninha. Ele caiu na corrente brilhante da luz do sol na janela aberta e desapareceu.
Mallory parecia estar com os cabelos em pé.
— Eu posso ver o livro? — perguntou ela.
Jared concordou. Ele levava o livro para todo lugar que ia.
Mallory ajoelhou-se e passeou pelas páginas com seus dedos, mais rápido do que Jared podia ler.
— Ei — disse Jared —, o que você está fazendo?
A voz de Mallory soava estranha.
— Eu só estava olhando. Eu acho... esse livro é um grande livro.
Não era um livro pequeno.
É, acho que é.
— E todas essas explicações... Todas essas coisas são de verdade, não é Jared? É tudo verdade. 
E então, de repente, Jared compreendeu o que ela estava falando. Se a gente olhar dessa forma, aquele era um livro grande, um livro absolutamente enorme, grande mesmo até para ser compreendido. E o pior de tudo é que eles estavam apenas no começo.

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