Capítulo Dez

tiny cooper.
tiny cooper.
tiny cooper.
fico dizendo o nome dele sem parar na minha cabeça.
tiny cooper.
tiny cooper.
é um nome ridículo, e a coisa toda é ridícula, e eu não conseguiria parar se tentasse.
tiny cooper.

se eu o disser vezes suficientes, talvez aceite o fato de isaac não existir. começa naquela noite. diante da frenchy’s. ainda estou em choque. não sei dizer se é estresse pós-traumático ou trauma pós-estresse. o que quer que seja, uma boa parte da minha vida acabou de ser apagada, e não tenho a menor vontade de preencher o novo espaço. deixe-o vazio, digo. apenas me deixe morrer.
tiny, porém, não me deixa. ele está fazendo o jogo do já-passei-por-coisapior, que nunca funciona, porque ou a pessoa passou por algo que absolutamente não é pior (“ele não era louro natural”) ou diz alguma coisa que é tão pior que você tem a sensação de que seus sentimentos estão sendo completamente negados. (“ bem, uma vez um cara me deu um bolo num encontro… e acabou que ele tinha sido comido por um leão! a última palavra que ele disse foi o meu nome!”)
ainda assim, ele está tentando ajudar. e acho que devia aceitar, já que estou precisando.
de sua parte, o.w.g. também está tentando ajudar. tem uma garota rondando no fundo, e não tenho a menor dúvida de que se trata da (in)fame jane. A princípio, a tentativa de o.w.g. de ajudar é ainda pior que a de tiny.

o.w.g.: sei que é uma merda, mas num certo sentido é bom.

isso é tão inspirador quanto um filme de hitler transando com a namorada e se divertindo horrores. vai ao encontro do que eu chamo de a regra da bosta de passarinho. sabe, quando as pessoas te dizem que é sinal de boa sorte quando um pássaro caga em você? e acreditam nisso! eu tenho vontade de sacudi-las e dizer: “ cara, você não percebe que toda essa superstição foi criada porque ninguém pôde pensar em nada melhor pra dizer a alguém que tinha acabado de ser cagado?” e que as pessoas fazem isso o tempo todo — e não só com algo tão temporário quanto bosta de passarinho. perdeu o emprego? é uma grande oportunidade! fracassou na vida? só tem uma direção a seguir: pra cima! abandonado por um namorado que nunca existiu? sei que é uma merda, mas num certo sentido é bom! estou prestes a destituir o.w.g. de seu direito de ser um will grayson, mas então ele continua.

o.w.g.: o amor e a verdade ligados um ao outro, quero dizer. eles tornam um ao outro possível, sabe?

não sei o que me espanta mais — o fato de um estranho me dar ouvidos, ou o fato de ele, na técnica, estar absolutamente correto.
o outro will grayson se afasta, me deixando com minha nova companhia que tem o tamanho de uma geladeira e que me olha com tamanha sinceridade que tenho vontade de bater nele.

eu: você não precisa ficar. sério.
tiny: o quê? e deixar você aqui no desalento?
eu: isso está tão mais além de desalento. isso é desespero completo.
tiny: awwwww.

e então ele me abraça. imagine ser abraçado por um sofá. é essa a sensação.

eu (sufocando): estou sufocando.
tiny (acariciando meu cabelo): pronto, pronto.
eu: cara, você não está ajudando.

eu o empurro, afastando-o. ele parece magoado.

tiny: você me chamou de cara!
eu: desculpe. é só que, eu...
tiny: só estou tentando ajudar!

é por isso que eu devia carregar comprimidos extras. acho que nesse momento nós dois podíamos fazer uso de uma dose dupla.

eu (de novo): desculpe.

então ele olha pra mim. e é estranho, porque o que quero dizer é que ele está me olhando de verdade. o que me deixa completamente desconfortável.

eu: o que foi?
tiny: quer ouvir uma música de tiny dancer: a história de tiny cooper?
eu: como?
tiny: é um musical que estou produzindo. é baseado na minha vida. acho que uma das canções pode ajudar neste momento.

estamos numa esquina, diante de uma sex shop. há pessoas passando. moradores de chicago — não se pode ser menos musical que as pessoas de chicago. eu me encontro em um estado completamente destruído. minha mente está infartando. a última coisa que preciso é que a “ prima-dona” cante. No entanto, eu faço algum protesto? decido viver o resto da vida dentro do sistema do metrô, me alimentando de ratos? não. apenas faço que sim com a cabeça, mudo, porque ele quer tanto cantar a tal canção que eu me sentiria desprezível se dissesse não.
com uma inclinação da cabeça, tiny começa a cantarolar um pouco pra si mesmo. assim que encontra o tom, ele fecha os olhos, abre os braços e canta:

pensei que você dos meus sonhos realidade iria fazer
mas não era você, não era você
pensei que dessa vez em tudo novo iria crer
mas não era você, não era você
imaginei todas as coisas que a gente iria viver
mas não era você, não era você
e agora sinto em meu coração a calamidade
não é verdade, não é verdade
posso ser grandalhão e medroso parecer
mas a minha fé no amor não irei perder!
do curso com frequência eu resvalo
mas não vou desmontar de meu fiel cavalo!
não era você, agora eu sei
mas há mais na vida do que eu imaginei
pensei que você fosse um garoto com visão,
seu convencido, egoísta, megera aberração
você me chutou até que roxo me vi
mas com essa experiência eu cresci
é verdade, e eu quero mais é que vá se foder
existem caras melhores pra conhecer
não vai ser você, comprende vous?
nunca, jamais será tu.

tiny não se limita a cantar esses versos — ele os interpreta. é como um desfile saindo de sua boca. não tenho a menor dúvida de que as palavras atravessam o lago michigan e se espalham por quase todo o canadá, seguindo pro polo norte. os fazendeiros de saskatchewan estão chorando. papai noel está se virando pra sra. noel e dizendo: “ que porra é essa?” estou completamente mortificado, mas aí tiny abre os olhos e me olha com um carinho tão óbvio que não tenho ideia do que fazer. ninguém tenta me oferecer algo assim há séculos. exceto isaac, e ele não existe. não importa o que se possa dizer de tiny, ele decididamente existe.
ele me pergunta se quero dar uma volta. mais uma vez, faço que sim com a cabeça, mudo. não é como se eu tivesse algo melhor para fazer.

eu: quem é você?
tiny: tiny cooper!
eu: você não pode se chamar tiny de verdade.
tiny: não. isso é ironia.
eu: ah.
tiny (fazendo tsc): não precisa ficar fazendo “ ah” pra mim. não tenho problemas com isso. tenho ossos largos.
eu: cara, não são só os seus ossos.
tiny: isso só significa que tem mais de mim pra amar!
eu: mas isso requer muito mais esforço.
tiny: querido, eu valho a pena.

o bizarro é que preciso admitir que tem alguma coisa um pouco atraente nele. não consigo entender. é como, sabe quando às vezes você vê um bebê sexy? espere, isso soa péssimo. não é isso que quero dizer. mas é, assim, embora seja grande como uma casa (e também não estou falando de uma casa pobre), ele tem a pele superlisa e olhos muito verdes e tudo está em, assim, proporção. Por isso, não sinto a repulsa que esperaria sentir em relação a alguém com três vezes o meu tamanho. quero dizer a ele que eu deveria estar por aí matando pessoas agora, não dando uma volta com ele. mas tiny tira um pouco do homicídio da minha cabeça, o que não quer dizer que isso não vai estar lá mais tarde. enquanto andamos até o millennium park, tiny me conta tudo sobre tiny dancer e como ele batalhou para escrever, atuar, dirigir, produzir, coreografar, desenhar o figurino, projetar a iluminação, o cenário e buscar patrocínio. Ele parece fora de si e como estou me esforçando para sair de mim também, tento segui-lo. como era no caso com maura (porra de bruxa anta vadia mussolini alqaeda darth vader não entidade), eu não preciso dizer nada, o que pra mim está bom.
quando chegamos ao parque, tiny segue em linha reta pro feijão. por alguma razão, não me surpreendo.
o feijão é essa escultura verdadeiramente idiota que fizeram pro millennium park — creio que na virada do milênio —, e que originalmente tinha outro nome, mas todo mundo começou a chamá-la de feijão e o nome pegou. ela é basicamente um grande feijão de metal reflexivo sob o qual você pode andar e ver sua imagem distorcida. já estive aqui antes em excursões da escola, mas nunca com alguém tão imenso quanto tiny. em geral, é difícil a princípio localizar-se no reflexo, mas dessa vez sei que sou o graveto ondulante de pé perto da imensa bolha de humanidade. tiny dá uma risadinha enquanto se vê dessa forma. uma genuína risada hi-hi-hi. odeio quando as garotas fazem essa babaquice, porque é sempre tão falso. mas com tiny não é falso, nem um pouco. é como se a vida estivesse lhe fazendo cócegas.
depois de tiny tentar uma pose de bailarina, de batedor de baseball, de vou-incendiar- a-pista-de-dança e de noviça-rebelde no reflexo do feijão, ele me leva a um banco que dá pra lake shore drive. penso que ele vá estar todo suado porque, vamos combinar, a maioria dos gordos fica suada só de levantar o dedo mindinho até a boca. tiny, porém, é fabuloso demais pra suar.

tiny: então, conte seus problemas pro tiny.

não consigo responder, porque da maneira como ele fala, é como se você pudesse substituir a palavra “ tiny” pela palavra “ mamãe” e a frase ainda soaria a mesma.

eu: o tiny pode falar normalmente?
tiny (em sua melhor voz de anderson cooper): sim, ele pode. mas não é nem de perto tão divertido quando ele fala assim.
eu: é que você soa tão gay.
tiny: hum... tem um motivo pra isso?
eu: sim, mas... não sei. não gosto de gente gay.
tiny: mas certamente você deve gostar de si mesmo?

puta que o pariu, quero ser do planeta desse garoto. ele está falando sério? olho pra ele e vejo que, sim, está.

eu: por que eu deveria gostar de mim? ninguém mais gosta.
tiny: eu gosto.
eu: você não me conhece.
tiny: mas quero conhecer.

é tudo tão idiota, porque de repente eu estou gritando

eu: cale a boca! só cale a boca!

e ele parece tão magoado que eu tenho de dizer

eu: não, ah, não é você. ok? você é legal. eu não sou. eu não sou legal, entendeu? pare com isso!

porque agora ele não parece magoado; parece triste. triste por mim. ele me vê. cristo.

eu: isso é tão idiota.

é como se ele soubesse que, se me tocar, eu provavelmente vou me descontrolar e começar a bater nele e começar a chorar e nunca mais vou querer vê-lo. assim, em vez disso, ele simplesmente fica ali sentado enquanto eu apoio a cabeça entre as mãos, como se estivesse literalmente querendo pôr a cabeça no lugar. e a questão é que ele não precisa me tocar, porque quando alguém como tiny cooper está perto de você, você tem consciência disso. tudo que ele precisa fazer é ficar, e você sabe que ele está ali.

eu: merda merda merda merda merda merda merda

e aqui está a coisa doentia, deturpada: parte de mim acha que eu mereço isso. que talvez, se eu não fosse tão babaca, isaac teria sido real. se eu não fosse uma pessoa tão imperfeita, alguma coisa certa poderia me acontecer. não é justo, porque eu não pedi que meu pai fosse embora, e não pedi pra ser deprimido, e não pedi que não tivéssemos dinheiro, e não pedi pra querer trepar com garotos, e não pedi pra ser tão idiota, e não pedi pra não ter amigos de verdade, e não pedi pra que metade da merda que sai da minha boca saísse da minha boca. Tudo que eu queria era uma porra de uma folga, uma droga de uma coisa boa, e obviamente era demais pedir isso, era demais querer isso.
não entendo por que esse garoto que escreve musicais sobre si mesmo está sentado comigo. sou assim tão patético? por acaso ele ganha uma medalha de honra ao mérito por catar os pedaços de um ser humano destroçado? afasto a cabeça das mãos. isso não está ajudando. quando volto à tona, olho pra tiny e acho tudo estranho de novo. ele não só está me observando — ele está me vendo. os olhos dele estão praticamente reluzindo.

tiny: eu nunca beijo no primeiro encontro.

olho pra ele sem entender nada, e então ele acrescenta:

tiny: ... mas às vezes abro exceções.

e, agora meu choque de antes está se transformando em um tipo diferente de choque, porque naquele momento, embora seja enorme, e embora não me conheça absolutamente, e embora esteja ocupando aproximadamente três vezes mais espaço no banco que eu, tiny cooper é surpreendente e inegavelmente atraente. sim, a pele dele é suave, o sorriso gentil, e principalmente os olhos — os olhos têm essa louca esperança e louco anseio e ridícula vertigem, e embora eu ache completamente idiota e embora eu nunca vá sentir as coisas que ele sente, no mínimo não me importo com a ideia de beijá-lo e ver o que acontece. ele está começando a ficar vermelho por causa do que disse, e na verdade ele é tímido demais pra se inclinar pra mim, então eu me pego ficando de pé pra beijá-lo, mantendo os olhos abertos porque quero ver a surpresa dele e ver sua felicidade porque não tem como eu ver nem mesmo sentir a minha própria. não é como beijar um sofá. é como beijar um garoto. finalmente, um garoto. ele fecha os olhos. sorri quando paramos.

tiny: não foi assim que imaginei que a noite fosse terminar.
eu: eu que o diga.

tenho vontade de fugir. não com ele. só não quero voltar pra escola ou pra vida. se minha mãe não estivesse esperando por mim, eu provavelmente faria isso. tenho vontade de fugir porque perdi tudo. tenho certeza de que, se dissesse isso pra tiny cooper, ele ressaltaria que perdi tanto as coisas boas quanto as ruins. me diria que o sol vai nascer amanhã, ou alguma merda do gênero. Mas eu não acreditaria nele. não acredito em nada disso.

tiny: ei — eu nem sei o seu nome.
eu: will grayson.

com isso, tiny dá um pulo do banco, quase me jogando na grama.

tiny: não!
eu: hã... sim?
tiny: bem, isso não é a cereja do bolo?

com isso, ele começa a rir e a gritar.

tiny: eu beijei will grayson! eu beijei will grayson!

quando ele vê que isso me apavora mais que tubarões, volta a sentar e diz

tiny: fico feliz que tenha sido você.

penso no outro will grayson. me pergunto como ele está se saindo com jane.

eu: não é como se eu fosse material pra seventeen, né?

os olhos de tiny se iluminam.

tiny: ele te falou sobre isso?
eu: sim.
tiny: ele foi roubado. fiquei tão furioso que escrevi uma carta pro editor. Mas eles nunca a publicaram.

sinto essa profunda pontada de ciúme que o.w.g. tenha um amigo como tiny. não consigo imaginar alguém escrevendo uma carta pro editor por minha causa. não posso imaginar alguém sequer dando uma declaração pro meu obituário. penso em tudo que aconteceu, e como, quando eu chegar em casa, não vou ter ninguém pra quem contar. então olho pra tiny e, surpreendendo a mim mesmo, dou outro beijo nele. porque, afinal, que se foda. totalmente que se foda.
isso continua por algum tempo. estou ficando totalmente gigante por beijar alguém gigante. e no meio dos beijos ele me pergunta onde moro, o que aconteceu esta noite, o que quero fazer da minha vida, qual meu sorvete preferido. respondo às perguntas que posso (basicamente, onde moro e o sabor do sorvete) e digo a ele que não tenho a menor ideia em relação ao resto. não há ninguém observando a gente, mas estou começando a achar que tem. então paramos e não posso deixar de pensar em isaac, e em como, embora toda essa coisa do tiny seja um desenrolar interessante, no geral as coisas ainda são horríveis, do tipo um furacão-destruiu-a-minha-casa. tiny é tipo o único cômodo que restou de pé. sinto que lhe devo alguma coisa por isso, então digo:

eu: estou feliz que você exista.
tiny: estou feliz por existir neste momento.
eu: você não tem ideia do quanto está enganado a meu respeito.
tiny: você não tem ideia do quanto está enganado a respeito de si mesmo.
eu: pare com isso.
tiny: só se você parar.
eu: estou avisando você.

não tenho a menor ideia do que a verdade tem a ver com o amor, e viceversa. não estou nem pensando em termos de amor aqui. é muito, muito, muito cedo pra isso. mas acho que estou pensando em termos da verdade. quero que isso seja verdadeiro. e mesmo enquanto protesto com tiny e protesto comigo mesmo, a verdade está se tornando cada vez mais clara. é hora de descobrirmos como isso tudo vai funcionar.

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