Capítulo Dez
Cinco minutos depois, estávamos na sala, e a minúscula
Cidade do Papai Noel Flobie piscava. Stuart e eu nos sentamos no sofá, mas não,
como Debbie provavelmente esperava, aconchegados sob o mesmo cobertor. Tínhamos
dois separados, e me sentei com as pernas para cima, formando uma barreira protetora
com os joelhos. No andar de cima, conseguia ouvir os gritinhos abafados de
Rachel conforme ela era enfiada em uma roupa de neve.
Observei Stuart com atenção. Ele ainda parecia
bonito. Não do mesmo modo que Noah. Noah não era perfeito. Não tinha nenhuma
característica incrível. Em vez disso, tinha uma confluência de aspectos harmônicos
que se aceitavam mutuamente e formavam um todo muito atraente, embalado com
perfeição nas roupas certas. Noah não esnobava com as roupas, mas tinha um
jeito esquisito de prever o que seria popular a seguir. Tipo, ele começava a
usar as camisas com um lado para dentro da calça e o outro para fora, e logo
depois a gente recebia um catálogo em que todos os caras usavam a camisa
daquele jeito. Ele estava sempre um passo à frente.
Não havia nada estiloso em Stuart. Devia ter apenas
um leve interesse em roupas e – eu imaginava – nenhuma ideia de que havia opções
de uso de camisetas e jeans. Ele tirou o suéter, revelando uma camiseta vermelha
lisa por baixo. Seria genérica demais para Noah, mas Stuart não tinha um pingo
de timidez, então parecia certa. E, ainda que estivesse larga, dava para ver
que ele era bem musculoso. Alguns garotos podem surpreender nesse sentido.
Se tinha qualquer conhecimento do que a mãe estava
tramando, Stuart não demonstrou sinais. Fazia comentários divertidos sobre os
presentes de Rachel, e eu mantinha um sorriso rígido, fingindo ouvir.
– Stuart! – gritou Debbie. – Pode subir aqui?
Rachel ficou presa.
– Já volto – disse ele para mim.
Subiu as escadas dois degraus por vez, e eu saí do
sofá pra examinar as peças Flobie. Talvez, se conseguisse conversar com Debbie
sobre o valor potencial das peças, ela parasse de falar comigo sobre Stuart.
Claro que esse plano poderia dar errado e fazer com que ela gostasse mais de
mim.
Havia uma conferência familiar abafada no andar de
cima. Eu não tinha certeza do que havia acontecido com Rachel e a roupa de
neve, mas parecia ser complexo.
– Talvez se a virarmos de cabeça para baixo – dizia
Stuart.
Eis aqui outra questão: por que ele não havia
mencionado a tal Chloe para mim? Não que fôssemos melhores amigos ou algo
assim, mas parecíamos nos dar bem, e ele se sentira confortável o bastante para
me encher o saco a respeito de Noah. Por que não dissera alguma coisa quando
mencionei a namorada, principalmente, se Debbie estivesse certa nesse ponto, se
ele contava a todos sobre isso?
Não que eu me importasse, claro. Não era da minha
conta. Stuart apenas queria manter a dor para si mesmo – provavelmente porque não
tinha intenção de chegar a lugar algum comigo. Éramos amigos. Novos amigos, mas
amigos. Eu, mais do que qualquer um, não poderia julgar alguém porque a mãe havia
se comportado de modo estranho e o colocado numa situação constrangedora. Eu,
com os pais na cadeia e a corrida pela nevasca à meia-noite. Se Debbie tinha o
gene assustador da casamenteira, o filho não poderia ser culpado por isso.
Quando os três desceram as escadas (Rachel nos braços
de Stuart, pois pelo visto ela não conseguia se mover na roupa de neve),
senti-me muito mais relaxada com a situação. Stuart e eu éramos vítimas dos comportamentos
de nossos pais. Ele era como um irmão para mim nesse aspecto.
Quando Debbie apressou Rachel, que estava enrolada
como uma múmia, para o lado de fora, eu tinha me acalmado. Teria por volta de
uma hora legal e amigável com Stuart. Gostava da companhia dele, e não havia
com o que me preocupar. Quando me virei para começar essa hora legal e amigável,
reparei que Stuart estava com uma expressão de dúvida no rosto. Ele me olhava
com cautela.
– Posso fazer uma pergunta? – disse ele.
– Hum...
Ele cruzou os dedos de modo nervoso.
– Não sei como dizer isso. Preciso perguntar. Eu
estava conversando com minha mãe e...
Não. Não, não, não, não.
– Seu nome é Jubileu? – disse ele. – Sério?
Caí no sofá aliviada, o que fez com que Stuart
quicasse um pouco. A conversa que eu geralmente detestava... agora era a coisa
mais bem-vinda e maravilhosa do mundo. Jubileu estava cheia de júbilo.
– Ah... sim. É. Ela ouviu certo. Recebi o nome em
homenagem ao Salão Jubileu.
– Quem é Salão Jubileu?
– Não quem. O quê. É uma das peças da Flobie. Você
não tem. Tudo bem. Pode rir. Eu sei que é idiota.
– Eu recebi o nome do meu pai – falou ele. – O
mesmo nome e o nome do meio. Isso é tão idiota quanto.
– É? – perguntei.
– Pelo menos você ainda tem sua peça – disse ele de
modo casual. – Meu pai nunca esteve muito por perto.
Era uma boa observação, precisei admitir. Ele não
parecia especialmente amargurado em relação ao pai. Parecia algo que havia
passado há muito tempo e não era mais relevante na vida dele.
– Não conheço nenhum Stuart – falei. – A não ser
por Stuart Little. E você.
– Exatamente. Quem chama o filho de Stuart?
– Quem chama o filho de Jubileu? Não é nem um nome.
Não é nem uma coisa. O que é um jubileu?
– É uma festa, não é? – perguntou ele. – Você é uma
grande festa itinerante.
– Ah, e eu não sei?!
– Aqui – disse ele, levantando-se e pegando um dos
presentes de Rachel. Era um jogo de tabuleiro chamado Armadilha. – Vamos jogar.
– É da sua irmãzinha – falei.
– E daí? Vou ter que jogar com ela mesmo. Posso ir
aprendendo. E parece que tem muitas peças. Uma boa maneira de matar o tempo.
– Eu nunca consigo apenas matar o tempo – falei. –
Sinto como se devesse estar fazendo alguma coisa.
– Como o quê?
– Como...
Não fazia ideia. Eu sempre estava a caminho de
alguma coisa. Noah não era de matar tempo. Como diversão, atualizávamos o site
do conselho do colégio.
– Entendo – disse Stuart, erguendo a caixa do
Armadilha e sacudindo a tampa até sair – que você provavelmente leva uma vida
chique na cidade grande. De onde quer que você seja.
– Richmond.
– A chique Richmond. Mas, aqui em Gracetown, matar
o tempo é uma arte. Agora... que cor você quer?
Não sei o que Debbie e Rachel faziam, mas elas
ficaram na neve durante duas boas horas ou mais – e Stuart e eu jogamos
Armadilha o tempo todo. Da primeira vez tentamos fazer do jeito certo, mas Armadilha
tem um monte de apetrechos e coisas que giram e deixam cair uma bolinha de
gude. É estranhamente complicado para um jogo de criança.
Da segunda vez que jogamos, criamos regras
totalmente novas, das quais gostamos muito mais. Stuart era uma ótima companhia
– tão boa que eu nem reparei (muito) que Noah estava demorando para ligar de
volta. Quando o telefone tocou, eu pulei.
Stuart atendeu, porque eu estava na casa dele, e
passou para mim com uma expressão meio estranha, como se estivesse descontente.
– Quem era esse? – perguntou Noah quando atendi.
– Stuart. Estou aqui na casa dele por um tempo.
– Achei que tinha dito que ia para a Flórida?
Ao fundo, dava para ouvir muito barulho. Música,
pessoas conversando. O Natal prosseguia normalmente na casa dele.
– Meu trem atolou – expliquei. – Batemos em um
banco de neve. Acabei saindo e andei até uma Waffle House e...
– Por que saiu?
– Por causa das líderes de torcida – respondi com
um suspiro.
– Líderes de torcida?
– De qualquer forma, acabei conhecendo Stuart e
estou ficando com a família dele. Caímos em um riacho congelado no caminho.
Estou bem, mas...
– Uau – disse Noah. – Isso parece bem complicado. –
Finalmente. Ele estava entendendo. – Olhe – continuou. – Vamos visitar os
vizinhos. Eu ligo de volta daqui a uma hora, e você me conta a história toda.
Precisei afastar o telefone da orelha, de tão
grande que foi meu choque.
– Noah – falei ao colocá-lo de volta no lugar. –
Você ouviu o que acabei de dizer?
– Ouvi. Você precisa me contar tudo. Não vou
demorar muito. Talvez uma hora ou duas.
E ele desligou de novo.
– Que rápido – disse Stuart ao entrar na cozinha e
seguir até o fogão. Ele acendeu o fogo da chaleira.
– Ele precisou ir a um lugar – falei com pouco
entusiasmo.
– E ele simplesmente saiu? Isso é meio idiota.
– Por que isso é idiota?
– Estou só dizendo. Eu ficaria preocupado. Sou
preocupado.
– Você não parece ser preocupado – murmurei. –
Parece bem feliz.
– Você pode ser feliz e preocupado. Eu
definitivamente me preocupo.
– Com o quê?
– Bem, a nevasca, por exemplo – disse, apontando
para a janela. – Meio que me preocupo com a possibilidade de o meu carro ser
destruído por uma escavadeira de neve.
– Isso é muito profundo – comentei.
– O que eu deveria dizer?
– Você não deveria dizer nada – respondi. – Mas e
quanto ao fato de essa nevasca ser prova da mudança climática? E quanto às
pessoas que ficam doentes e não podem ir ao hospital por causa da neve?
– É isso que Noah diria?
Essa menção inesperada a meu namorado não foi
bem-vinda. Não que Stuart estivesse errado. Eram exatamente as coisas que Noah
teria mencionado. Era estranhamente preciso.
– Você me fez uma pergunta – disse ele –, e eu dei
a resposta. Posso falar uma coisa que você realmente não quer ouvir? – perguntou
Stuart.
– Não.
– Ele vai terminar com você.
Assim que Stuart falou, senti uma pancada no estômago.
– Só estou tentando ser prestativo e sinto muito –
continuou ele, observando meu rosto. – Mas ele vai terminar com você.
Mesmo conforme ele falava, algo em mim sabia que
Stuart havia atingido um ponto terrível, um ponto... possivelmente verdadeiro.
Noah estava me evitando como se eu fosse uma obrigação – mas Noah não fugia das
obrigações. Ele as tomava para si. Eu era a única coisa da qual ele fugia. O
lindo, popular e fabuloso “em todos os sentidos” Noah estava me afastando. Essa
percepção ardia. Eu odiava Stuart por dizer isso e precisava que ele soubesse.
– Você só está dizendo isso por causa de Chloe? –
perguntei.
Funcionou. A cabeça de Stuart caiu um pouquinho
para trás. Ele empurrou o maxilar para trás e para a frente algumas vezes,
depois se acalmou.
– Deixe-me adivinhar – disse ele. – Minha mãe
contou tudo a você.
– Ela não me contou tudo.
– Isso não tem nada a ver com Chloe – falou Stuart.
– Ah, não? – respondi. Eu não tinha ideia do que
havia acontecido entre Stuart e Chloe, mas consegui a reação que queria.
Ele se levantou e pareceu bem alto de onde eu
estava.
– Chloe não tem nada a ver com isso – repetiu ele. –
Quer saber como eu sei o que vai acontecer?
Na verdade, não. Eu não queria. Mas Stuart ia me
contar de qualquer forma.
– Primeiro, ele está evitando você no Natal. Quer
saber quem faz isso? Pessoas que estão prestes a terminar com alguém. Sabe por
quê? Porque datas importantes fazem com que elas entrem em pânico. Feriados,
aniversários, aniversários de namoro... Sentem-se culpadas e não conseguem
embarcar nessa com você.
– Ele só está ocupado – falei com a voz fraca. –
Tem muito o que fazer.
– É, bem, se eu tivesse uma namorada e os pais dela
tivessem sido presos na véspera de Natal, e ela tivesse que fazer uma longa
viagem de trem no meio de uma nevasca... Eu ficaria com o telefone na mão a
noite toda. E o atenderia. No primeiro toque. Todas as vezes. Eu ligaria para
saber como ela estava.
Fiquei em silêncio pelo choque. Ele estava certo.
Era exatamente o que Noah deveria ter feito.
– Além disso, você acabou de dizer a ele que caiu
em um riacho congelado e ficou presa em uma cidade estranha. E ele desligou? Eu
faria alguma coisa. Viria até aqui, com ou sem neve. Talvez pareça idiota, mas
eu faria. E quer meu conselho? Se ele não terminar com você, você deveria dar
um chute na bunda dele.
Stuart falou tudo isso com pressa, como se as
palavras estivessem sendo sopradas por uma tempestade emocional bem no fundo
dele. Porque havia uma força nas palavras, e foi... tocante. Porque claramente
foi sincero. Disse tudo que eu desejava que Noah dissesse. Acho que se sentiu
mal, porque se mexeu para a frente e para trás depois disso, esperando para ver
que danos havia causado. Levei um ou dois minutos para conseguir falar.
– Preciso de um minuto – admiti finalmente. – Tem
algum lugar... aonde eu possa ir?
– Meu quarto – ofereceu ele. – O segundo à
esquerda. Está meio bagunçado, mas...
Levantei-me e deixei a mesa.
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