Capítulo Dezenove

Jane e eu passamos as horas antes da Noite de Estreia criando a playlist préshow perfeita, composta — como solicitado — de canções pop punk para as ímpares e temas de musicais para as pares. “ Annus Miribalis” faz uma aparição; até incluímos a música mais punk do decididamente não punk Neutral Milk Hotel. Quanto às canções de musicais, escolhemos nove diferentes versões de “Over the Rainbow”, incluindo uma em ritmo de reggae.
Assim que terminamos a seleção e o download, Jane vai pra casa se arrumar. Estou ansioso para chegar ao auditório, mas parece injusto com Tiny usar um simples jeans e uma camiseta de Willy, o Wildkit, no evento mais importante da vida dele. Assim, ponho um dos casacos esportivos do meu pai sobre a camiseta do Wildkit, ajeito o cabelo e me sinto pronto.
Espero até minha mãe chegar em casa, pego as chaves com ela antes mesmo que possa abrir totalmente a porta, e sigo pra escola. Entro no auditório quase vazio — falta ainda mais de uma hora para as cortinas subirem — e sou recebido por Gary, cujo cabelo está pintado mais claro, cortado bem curto e bagunçado como o meu. Além disso, ele está usando minhas roupas, que entreguei a ele ontem: calça cáqui, a camisa xadrez de mangas curtas e botões que eu adoro, e meu tênis de cano alto preto. O efeito todo seria surreal, exceto pelo fato de as roupas estarem ridiculamente amarrotadas.
— Puxa, Tiny não conseguiu um ferro de passar? — pergunto.
— Grayson — diz Gary —, olhe pra sua calça, cara.
Eu olho. Hã. Eu nem sabia que jeans podia amarrotar. Ele passa o braço ao redor do meu ombro e diz:
— Sempre pensei que isso fizesse parte do seu look.
— Agora faz — observo. — Como estão as coisas? Você está nervoso?
— Estou um pouco, mas não tanto quanto Tiny. Na verdade, você pode ir lá atrás e, hã, tentar ajudar? Isto — diz ele, apontando a roupa —, era pro ensaio geral. Tenho de colocar meu traje do White Sox.
— Feito — concordo. — Onde ele está?
— Banheiro dos bastidores — responde Gary.
Entrego a ele o CD do pré-show, saio em disparada pelo corredor e passo por trás da pesada cortina vermelha. Sou recebido por um bando de atores e técnicos em vários estágios da caracterização e, pelo menos dessa vez, eles estão quietos, ocupados em maquiar uns aos outros. Todos os caras do elenco usam uniformes do White Sox, complementados por tênis e meias altas puxadas sobre as calças justas. Digo oi para Ethan, o único que conheço de fato, e então estou prestes a procurar o banheiro quando noto o cenário. É o banco de reservas de um campo de beisebol, muito realista, o que me surpreende.
— Este é o cenário da peça inteira? — pergunto a Ethan.
— Meu Deus, não — diz ele. — Tem um diferente pra cada ato.
Ouço a distância um rugido seguido por uma série apavorante de golfadas, e meu primeiro pensamento é: Tiny incluiu um elefante na peça, e o dito cujo acabou de vomitar, mas então percebo que o elefante é Tiny.
Contra todo e qualquer bom-senso, sigo o som até o banheiro, o que prontamente se repete. Posso ver os pés dele aparecendo pela base do boxe.
— Tiny — chamo.
— BLLLLAAARRRRGGGGH — responde ele, e então puxa o ar com desespero antes de dar outra golfada. O cheiro é sufocante, mas dou um passo à frente e entreabro a porta. Tiny, usando o maior uniforme do Sox do mundo, está abraçado ao vaso sanitário.
— Nervoso ou passando mal?
— BLLLLLAAAAAAUUUU.
Não posso deixar de ficar surpreso pelo simples volume do que jorra pela boca aberta de Tiny. Identifico uns pedaços de alface, mas gostaria de não ter identificado, porque aí começo a me perguntar: Tacos? Sanduíche de peru? E me vem a sensação de que talvez vá imitá-lo.
— Ok, companheiro, ponha tudo pra fora e você vai ficar bem.
Nick entra intempestivamente no banheiro, gemendo:
— Que cheiro, que cheiro... — E então diz: — Não estraga a porra do cabelo, Cooper! Mantenha a cabeça fora do vaso. Levamos horas com esse cabelo!
Tiny cospe e tosse um pouco e então emite um grasnido:
— Minha garganta. Em carne viva.
Ele e eu percebemos ao mesmo tempo: a voz central do show está arruinada. Eu o pego por uma axila e Nick pela outra, nós o levantamos e o afastamos dali. Dou a descarga, tentando não olhar o indizível horror dentro do vaso.
— O que foi que você comeu?
— Um burrito de frango e um de carne do Burrito Palace — responde ele. Sua voz está toda estranha, o que ele percebe e então tenta cantar. — O que é a segunda base pra um... merda, merda, merda, merda, merda, estraguei a minha voz. Merda.
Com Nick ainda debaixo de um braço de Tiny e eu embaixo do outro, voltamos até onde está a equipe, e grito:
— Preciso de um chá quente com muito mel e um pouco de Pepto-Bismol imediatamente, pessoal!
Jane se aproxima correndo, usando uma camiseta branca masculina de gola V com as palavras Estou com Phil Wrayson escritas à mão.
— Deixe comigo — diz. — Tiny, precisa de mais alguma coisa?
Ele levanta uma das mãos pra nos silenciar, e então geme:
— O que é isso?
— O que é o quê? — pergunto.
— Esse barulho. Distante. Isso é... isso é... porra, Grayson, você colocou
“Over the Rainbow” no CD do pré-show?
— Ah, sim — digo. — Repetidamente.
— TINY COOPER ODEIA “OVER THE RAINBOW”! — Sua voz soa aguda e dissonante quando ele grita. — Merda, minha voz já era. Merda.
— Fique quieto — recomendo. — Vamos dar um jeito nisso, cara. Só não vomite mais.
— Não tenho mais burrito pra vomitar — responde ele.
— FIQUE QUIETO — insisto.
Ele faz que sim com a cabeça. E, por alguns minutos, enquanto todos correm de um lado pro outro abanando o rosto supermaquiado e sussurrando uns para os outros o quanto estarão maravilhosos, fico sozinho com um Tiny Cooper calado.
— Eu não sabia que você podia ficar nervoso. Fica nervoso antes de um jogo de futebol? — Ele balança a cabeça, dizendo que não. — Ok, só faça que sim com a cabeça, se eu estiver certo. Você está com medo de que a peça não esteja boa de fato. — Ele assente. — Preocupado com sua voz. — Assente. — O que mais? Isso é tudo? — Ele sacode a cabeça, dizendo que não. — Hã, está preocupado que ela não vá mudar mentes homofóbicas. — Não. — Está com medo de vomitar no palco. — Não. — Não sei, Tiny, mas o que quer que esteja te preocupando, você é maior que essas preocupações. Você vai arrasar lá no palco. Os aplausos vão durar horas. Mais que a própria peça.
— Will — sussurra ele.
— Cara, poupe sua voz.
— Will — repete.
— Sim?
— Não. Will.
— Você está falando do outro Will — digo, e ele se limita a erguer as sobrancelhas e sorrir tolamente.
— Vou dar uma olhada — digo. Faltam vinte minutos para as cortinas subirem, e o auditório está quase cheio. Paro na beirada do palco, olhando para a frente por um segundo, me sentindo um pouco famoso. Então desço correndo os degraus e lentamente ando pelo corredor à direita do palco.
Eu também quero Will aqui. Quero que seja possível que pessoas como Will e Tiny sejam amigas, não apenas erros resultados de tentativas.
Embora sinta que conheço Will, mal me lembro de sua aparência. Tento passar por cada rosto em cada fileira. Mil pessoas enviando mensagens em seus celulares, rindo e se remexendo em seus assentos. Mil pessoas lendo o programa no qual, fico sabendo mais tarde, Jane e eu recebemos agradecimentos especiais por “ serem incríveis”. Mil pessoas esperando pra ver Gary fingindo que sou eu por algumas horas, sem a menor ideia do que estão prestes a ver. Assim como eu também não sei, claro — só sei que a peça mudou desde que a li há alguns meses.
Tanta gente, e tento olhar para cada uma delas. Vejo o Sr. Fortson, o orientador da AGH, sentado com seu companheiro. Vejo dois de nossos diretores assistentes. E então, quando chego ao meio, meus olhos examinando os rostos à procura de algum que pareça o de um Will Grayson, vejo dois rostos mais velhos me olhando do corredor. Meus pais.
— O que vocês estão fazendo aqui?
Meu pai dá de ombros.
— Você vai ficar surpreso de saber que não foi ideia minha.
Mamãe o cutuca.
— Tiny me escreveu uma mensagem muito simpática no Facebook nos convidando pessoalmente, e achei que foi muito doce da parte dele.
— Você é amiga do Tiny no Facebook?
— Sim. Ele solicitou minha amizade — diz minha mãe, falhando epicamente em linguagem Facebook.
— Bem, obrigado por virem. Eu vou estar nos bastidores, mas, hã, vejo vocês depois.
— Diga oi a Jane por nós — fala minha mãe, toda sorridente e com ar de conspiração.
— Farei isso.
Termino de percorrer o corredor e então volto pelo lado esquerdo. Nenhum Will Grayson. Quando volto aos bastidores, vejo Jane segurando um frasco gigante de Pepto-Bismol.
Ela o vira de cabeça pra baixo e diz:
— Ele bebeu tudo.
Tiny salta de trás do cenário e canta:
— E agora eu me sinto PErrrrrFEITO! — Sua voz parece boa.
— Rock ’n’ roll — digo a Tiny. Ele vem até mim e me olha, inquiridor. — Tem umas mil e duzentas pessoas na plateia, Tiny — observo.
— Você não o viu — fala ele, concordando de leve com um aceno. — Ok. Sim. Ok. Está ok. Obrigado por me fazer calar a boca.
— E dar descarga em seus dez mil litros de vômito.
— Claro, por isso também. — Ele respira fundo e infla as bochechas, seu rosto se tornando quase perfeitamente circular. — Acho que está na hora. Tiny reúne o elenco e a equipe técnica à sua volta. Ele se ajoelha no centro de uma compacta massa de gente, todos se tocando, afinal uma das leis da natureza é que gente de teatro ama se tocar. O elenco está no primeiro círculo em torno de Tiny, todos — homens e mulheres — vestidos como jogadores do White Sox. Em seguida o coro, vestido todo de preto no momento. Jane e eu nos inclinamos também. Tiny diz:
— Eu só quero dizer obrigado a todos vocês e que são todos incríveis, e que tudo é uma questão de saber cair. E também que lamento ter vomitado. E que vomitei de envenenamento por estar cercado por tanta gente incrível.
Isso provoca alguns risos nervosos.
— Sei que vocês estão apavorados, mas acreditem em mim: vocês são fabulosos. E, seja como for, não são vocês que estão na berlinda. Vamos lá tornar alguns sonhos realidade.
Todos meio que gritam e fazem essa coisa em que erguemos uma das mãos na direção do teto e a agitamos no ar. A luz sob as cortinas é apagada. Três jogadores de futebol empurram o cenário até o lugar correto. Saio do caminho, ficando parado no breu ao lado de Jane, cujos dedos se entrelaçam com os meus.
Meu coração bate violentamente e só posso imaginar o que é ser Tiny nesse momento, rezando para que um litro de Pepto-Bismol crie um revestimento em suas cordas vocais, que ele não esqueça nenhum verso nem caia, nem desmaie, nem vomite. Já é difícil nos bastidores, e me dou conta da coragem que é preciso pra subir no palco e dizer a verdade. Pior, pra cantar a verdade.
Uma voz incorpórea diz:
— Para evitar interrupções ao fabuloso, por favor, desliguem seus celulares.
Levo a mão livre ao bolso e passo o meu para o modo vibratório. Sussurro para Jane: “ Acho que eu estou com vontade de vomitar”, e ela diz: “ Shh”, e eu sussurro: “ Ei, as minhas roupas estão sempre superamarrotadas?”, e ela sussurra: “ Sim. Shh”, e aperta minha mão. A cortina se abre. Aplausos educados.
Todos no elenco se sentam no banco de reservas, exceto Tiny, que anda, nervoso, de um lado para o outro na frente dos jogadores.
— Vamos, Billy. Tenha paciência, Billy. Espere a sua vez de arremessar. — Percebo que Tiny não está representando Tiny, e sim o treinador.
Um calouro gorducho representa Tiny. Ele não consegue parar de agitar as pernas; não sei dizer se está atuando ou nervoso. Ele diz, exageradamente afeminado:
— Ei, rebatedor, rebatedor, BALANCE, rebatedor.
Parece que ele está flertando com o rebatedor.
— Idiota — diz alguém no banco. — Nosso jogador está rebatendo.
Gary diz:
— Tiny é feito de borracha. Você, de cola. O que você diz quica nele e volta pra sua cachola.
Posso ver pelos ombros caídos e o olhar submisso que Gary sou eu.
— Tiny é gay — diz alguém.
O treinador gira na direção do banco e grita.
— Ei! EI! Nada de insultar os companheiros.
— Isso não é insulto — diz Gary.
Mas ele não é mais Gary. Não é Gary falando. Sou eu.
— É só uma coisa, tipo, algumas pessoas são gays, assim como outras têm olhos azuis.
— Cale a boca, Wrayson — diz o treinador.
O garoto representando Tiny olha agradecido pro garoto me representando, e então um dos valentões finge sussurrar:
— Vocês são tão gays um com o outro.
E eu digo:
— Não somos gays. Temos oito anos.
Isso aconteceu mesmo. Eu tinha esquecido, mas, vendo o momento ressuscitado, lembro.
E o garoto diz:
— Você quer ir pra segunda base... COM TINY.
O eu no palco apenas revira os olhos. Então o garoto gorducho representando Tiny se levanta, dá um passo à frente, parando diante do treinador, e canta:
— O que é a segunda base pra um gay?
E então Tiny dá um passo à frente e se junta a ele, em harmonia, e eles se lançam na melhor canção de musical que já ouvi. O coro canta:

O que é a segunda base pra um gay?
Seria brincar com peitinhos?
Não posso ver como isso possa ser bom
Tem mesmo que ser esse o caminho?

Atrás dos dois Tinys cantando de braços dados, os caras do coro — inclusive Ethan — apresentam uma dança coreografada com passos altos, antiquada e hilariantemente elaborada, seus tacos usados como bengalas e os bonés de beisebol como cartolas. No meio da performance, metade dos caras brande os tacos na direção da cabeça dos outros, e, embora de minha visão lateral, dê pra ver que é pura representação, quando os outros garotos caem dramaticamente pra trás e a música é interrompida, solto uma exclamação com a plateia. Momentos mais tarde, todos eles se põem de pé com um salto em um movimento único, e a música recomeça. Quando chega ao fim, Tiny e o garoto saem dançando do palco sob gritos estrondosos da multidão, e, quando as luzes se apagam, Tiny quase aterrissa em meus braços, banhado em suor.
— Nada mau — diz ele.
Eu simplesmente balanço a cabeça, estupefato. Jane o ajuda a tirar o sapato e diz:
— Tiny, você é uma espécie de gênio. — Ele arranca o uniforme de beisebol, revelando uma camisa polo roxa, típica de Tiny, e shorts cáqui.
— Eu sei, né? — responde. — Ok, hora de sair do armário pro povo — diz, e volta correndo pro palco. Jane agarra minha mão e me dá um beijo no pescoço.
É uma cena tranquila, Tiny contando aos pais que é “ provavelmente meio gay”. O pai fica sentado em silêncio, enquanto a mãe canta sobre o amor incondicional. A canção só é engraçada porque Tiny fica interrompendo com outras revelações a cada vez que a mãe canta “ Nós vamos sempre amar nosso Tiny”, tipo: “ Além disso, colei na prova de álgebra” e “ Tem uma razão pra sua vodca parecer aguada” e “ Eu dou as ervilhas do meu prato pro cachorro”.
Quando a canção termina, as luzes voltam a se apagar, mas Tiny não deixa o palco. Quando as luzes se acendem novamente, não há nenhum cenário, mas, a julgar pelas fantasias elaboradas do elenco, deduzo que estamos em uma Parada do Orgulho Gay. Tiny e Phil Wrayson encontram-se no centro do palco enquanto as pessoas passam por eles, entoando seus cantos e acenando exageradamente. Gary está tão parecido comigo que é esquisito. Ele parece mais com o eu calouro do que Tiny parece o Tiny calouro.
Eles conversam por um minuto, e então Tiny diz:
— Phil, eu sou gay.
Aturdido, respondo:
— Não!
E ele diz:
— É verdade.
Balanço a cabeça.
— Você quer dizer, tipo, que está se sentindo gay, tipo, alegre?
— Não, quero dizer gay do tipo, aquele cara — aponta pra Ethan, que está usando uma camiseta amarela colada ao corpo — é um gato e, se eu conversasse com ele por um tempo e ele fosse legal e me respeitasse como pessoa, eu o deixaria me beijar na boca.
— Você é gay? — pergunto, aparentemente incapaz de compreender.
— Sim. Eu sei. Sei que é um choque. Mas eu queria que você fosse o primeiro a saber. Depois dos meus pais, quero dizer.
E então Phil Wrayson começa a cantar, mais ou menos exatamente o que eu disse quando isso aconteceu de fato:
— Agora você vai me dizer que o céu é azul, que você usa shampoo de mulher, que os críticos não gostam de Blink 182. Ah, em seguida, vai me dizer que o papa é católico, que prostitutas fazem sexo por dinheiro, que Elton John é brega.
E então a canção se transforma em um dueto, com Tiny cantando sua surpresa com o fato de eu saber que ele é gay e eu cantando que era óbvio.
— Mas eu jogo futebol.
— Cara, você não podia ser mais gay.
— Pensei que minha atuação como hétero merecesse um Tony.
— Mas, Tiny, e a sua coleção de mil My Little Ponies?
E assim por diante. Não consigo parar de rir, porém, mais que isso, não consigo acreditar que ele lembre de tudo tão bem, o quanto sempre fomos bons
— apesar dos maus momentos — um pro outro. E eu canto:
— Você não me quer, não é?
E ele responde:
— Preferiria um canguru, poisé.
E atrás da gente o coro jogando as pernas pro alto como dançarinas de cancan.
Jane põe a mão no meu ombro, me fazendo inclinar, e sussurra:
— Está vendo? Ele te ama também.
E eu me viro pra ela e a beijo no rápido momento sem luz entre o fim da canção e o começo dos aplausos. Quando a cortina se fecha para uma troca de cenário, não posso ver a ovação de pé, mas posso ouvi-la.
Tiny deixa correndo o palco, gritando:
— UUUUUUUHUL!
— Vocês podiam mesmo ir pra Broadway — digo a ele.
— Ficou muito melhor quando mudei o tema pra amor. — Ele me olha, com seu meio sorriso, e eu sei que é o mais perto que ele vai chegar. Tiny é o gay, mas eu sou o sentimental. Faço que sim com a cabeça e sussurro obrigado.
— Desculpe se você se mostra um pouco irritante na próxima parte.
Tiny leva a mão ao cabelo e Nick surge do nada, mergulhando por cima de um amplificador para agarrar o braço de Tiny e gritando: “ NÃO TOQUE EM SEU CABELO PERFEITO.” A cortina se ergue e o cenário é um corredor em nossa escola. Tiny está colando cartazes. Eu o estou irritando, aquele tremor em minha voz. Não me incomodo, ou pelo menos não me incomodo muito — o amor está ligado à verdade, afinal. Logo após essa cena, vem uma de Tiny bêbado em uma festa, na qual o personagem Janey faz sua única aparição no palco — um dueto com Phil Wrayson, cantado de lados opostos de um Tiny desmaiado, a canção culminando com a voz de Gary repentinamente ganhando confiança e então Janey e eu debruçando sobre o balbuciante corpo semiconsciente de Tiny e nos beijando. Eu só consigo ver parcialmente a cena, porque fico querendo ver o sorriso de Jane enquanto ela assiste.
As músicas ficam cada vez melhores a partir dali, até que, na última canção antes do intervalo, a plateia inteira canta junto enquanto Oscar Wilde entoa acima de um Tiny adormecido:

A verdade pura e simples.
Raramente é pura e nunca simples de fato.
O que um garoto pode fazer
Quando mentira e verdade são ambas pecado?

Quando essa termina, a cortina se fecha e as luzes da casa se acendem para o intervalo. Tiny corre até nós, coloca uma mão gigante no ombro de cada um e solta um grito de alegria.
— É hilário — digo a ele. — De verdade. É simplesmente... incrível.
— Uhuul! Mas o segundo ato é bem mais triste. É a parte romântica. Ok, ok, ok, ok, vejo vocês depois — avisa ele, e então corre pra felicitar, e provavelmente criticar, seu elenco. Jane me leva pra um canto isolado atrás do cenário, nos bastidores, e pergunta:
— Você fez mesmo tudo aquilo? Você cuidava dele na Liga Júnior?
— Ah, ele cuidava de mim também — respondo.
— A compaixão é excitante — diz ela, e nos beijamos. Minutos depois, vejo as luzes diminuírem e então reacenderem. Jane e eu seguimos pro nosso ponto de observação ao lado do palco. As luzes se apagam novamente, sinalizando o fim do intervalo. E, depois de um instante, uma voz vinda do alto diz: “ O amor é o milagre mais comum.”
A princípio penso que Deus está, tipo, falando com a gente, mas rapidamente percebo que é a voz de Tiny soando pelos alto-falantes. O segundo ato está começando.
Tiny se senta na beira do palco, no escuro, falando: “ O amor é sempre um milagre, em todo lugar, sempre. Mas, para nós, é um pouco diferente. Não quero dizer que seja mais milagroso”, diz ele, e as pessoas riem um pouco. “ No entanto, é.” As luzes se acendem lentamente, e só agora vejo que atrás de Tiny há um balanço de verdade que parece ter sido literalmente arrancado de um playground e transportado pro palco. “ Nosso milagre é diferente porque as pessoas afirmam que é impossível. Como está dito em Levítico: ‘Homem não se deitará com homem.’” Ele olha para baixo, e em seguida para a plateia, e posso ver que procura o outro Will Grayson e não o encontra. Então ele se levanta.
“ Mas ali não diz que homem não deve se apaixonar por homem, porque isso é simplesmente impossível, certo? Os gays são animais, satisfazendo seus desejos animais. É impossível para os animais se apaixonarem. E no entanto...”
De repente, os joelhos de Tiny fraquejam e ele desaba no chão. Eu me assusto e começo a correr para levantá-lo, mas Jane agarra minha camisa enquanto Tiny ergue a cabeça na direção da plateia e diz: “ Eu me apaixono e me apaixono e me apaixono e me apaixono e me apaixono.”
E, nesse mesmo momento, meu telefone vibra em meu bolso. Eu o pego. Na tela, a identificação da chamada diz: Will Grayson.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trono de Vidro

Os Instrumentos Mortais

Trono de Vidro