Capítulo Dezesseis

quatro dias antes da apresentação da peça, tiny me liga e diz que precisa tirar um dia pra sua saúde mental. não é só porque o espetáculo está um caos. o outro will grayson não está falando com ele. isto é, está falando com ele, mas não diz nada. parte de tiny está puto por o.w.g. estar “ fazendo essa merda tão perto da hora da estreia” e parte dele parece estar com muito, muito medo de que alguma coisa esteja muito, muito errada.

eu: o que eu posso fazer? sou o will grayson errado.
tiny: só preciso de uma dose de will grayson. estarei em sua escola daqui a uma hora. já estou na estrada.
eu: você o quê?
tiny: você só precisa me dizer onde fica sua escola. já coloquei no google maps, mas aqueles itinerários são uma merda. e a última coisa que meu dia de saúde mental precisa é que eu vá parar no iowa às 10h por causa do google maps.

penso que a ideia de um “ dia de saúde mental” é algo completamente inventado pelas pessoas que não têm a menor ideia do que é não ter saúde mental. a ideia de que sua mente pode ser arejada em 24 horas é meio como dizer que uma doença cardíaca pode ser curada se você comer o cereal matinal correto. dias de saúde mental só existem para as pessoas que podem se dar ao luxo de dizer “ não quero ter de enfrentar nada hoje” e então podem tirar o dia todo de folga enquanto o restante de nós se vê forçado a travar as batalhas que sempre travamos, sem que ninguém se importe com isso, a menos que a gente  decida trazer uma arma pra escola ou arruinar os comerciais da manhã com um suicídio.
não digo nada disso a tiny. finjo que quero que ele venha aqui. não o deixo saber o quanto me apavora deixá-lo ver mais da minha vida. me parece que ele confundiu seus will graysons. não tenho certeza de ser o que pode ajudá-lo. ficou tão intenso — mais do que com isaac. e não só porque tiny é real. Não sei o que me apavora mais — que ele se importe comigo ou que eu me importe com ele.
conto a gideon imediatamente sobre a vinda de tiny, principalmente porque ele é a única pessoa na escola com quem falei de fato sobre tiny.

gideon: uau, que fofo que ele queira ver você.
eu: eu não tinha nem pensado nisso.
gideon: a maior parte dos caras é capaz de dirigir mais de uma hora por sexo. mas poucos fazem isso só pra ver você.
eu: como você sabe disso?

é meio estranho que gideon tenha se tornado meu conselheiro para assuntos gays, posto que ele me contou que o máximo de experiência que já teve foi no acampamento de escoteiros no verão antes do nono ano. mas acho que ele já visitou um número suficiente de blogs, salas de bate-papo e coisas assim. ah, e ele assiste ao hbo-on-demand o tempo todo. vivo dizendo a ele que não sei se as leis de sex and the city se aplicam quando não há nenhum sexo e nenhuma cidade, mas então ele me olha como se eu estivesse atirando dardos pontiagudos nos balões em formato de coração que flutuam em sua mente, então deixo pra lá.
o engraçado é que a maior parte da escola — bem, a parte que se importa, que não é assim tão grande — pensa que gideon e eu formamos um casal. porque, sabe, eles veem o eu-gay andando pelos corredores com o ele-gay e imediatamente tiram suas conclusões.
vou dizer uma coisa, porém — eu meio que não me importo. porque gideon é muito gato, e muito legal, e as pessoas que não o desprezam parecem gostar muito dele. assim, se vou ter um namorado hipotético nessa escola, poderia ser muito pior.
no entanto, é estranho pensar em gideon e tiny finalmente se conhecendo. É estranho pensar em tiny andando pelos corredores comigo. é como convidar o godzilla pro baile de formatura.
não consigo visualizar… mas então recebo uma mensagem de texto dizendo que ele está a dois minutos daqui e preciso encarar os fatos. eu basicamente saio do laboratório no meio da aula de física do sr. jones — ele nunca nota minha presença mesmo, portanto, contanto que minha parceira de laboratório, lizzie, me dê cobertura, está tudo bem. digo a verdade a lizzie — que meu namorado está entrando furtivamente na escola pra me encontrar — e ela se torna minha cúmplice, porque mesmo que ela normalmente não fosse fazer isso por mim, definitivamente faria por AMOR. (bem, AMOR e direitos dos gays — três vivas pras garotas héteros que fazem o máximo para ajudar garotos gays.)
a única pessoa que me dá tristeza é maura, que bufa uma nuvem negra enquanto explico minha história a lizzie. ela vem tentando arruinar meu tratamento de silêncio me espionando sempre que pode. não sei se a nuvem negra é porque ela acha que estou inventando tudo ou porque está revoltada que eu esteja desprezando a aula de física no laboratório. ou talvez ela apenas esteja com ciúme de lizzie, o que é engraçado, porque lizzie tem um problema de acne tão grave que parecem picadas de abelha. mas que seja. maura pode bufar até que todo o muco de seu cérebro escorra da cabeça e forme uma poça aos seus pés. Eu não vou responder.
encontro tiny com facilidade diante da escola; ele fica mudando o peso do corpo de um pé pro outro. não vou começar a beijá-lo em território escolar, então lhe dou um abraço masculino (dois pontos de contato! dois apenas!) e digo a ele que se alguém perguntar, ele deve dizer que vai mudar pra cidade no outono e está visitando a escola com antecedência. ele parece um pouco diferente desde a última vez que o vi — cansado, acho. fora isso, porém, sua saúde mental parece perfeita.

tiny: então é aqui que a magia acontece?
eu: só se você considerar a cega escravidão aos testes padronizados e aos formulários de inscrição de faculdades como uma forma de magia.
tiny: vamos ver.
eu: como está a peça?
tiny: o que falta ao coro em voz, ele compensa em energia.
eu: mal posso esperar pra ver.
tiny: mal posso esperar pra que você veja.

o sinal pro almoço toca quando estamos a meio caminho da cantina. De repente, tem gente em toda a nossa volta, e notam a presença de tiny da mesma maneira que notariam alguém que resolvesse ir de sala em sala a cavalo. No outro dia eu estava rindo com gideon, dizendo que a razão de a escola fazer todos os nossos armários cinza era pra que gente como eu pudesse se misturar   passar pelos corredores com segurança. mas com tiny essa não é uma opção. As cabeças se viram.

eu: você sempre chama tanta atenção assim?
tiny: nem tanto. acho que as pessoas percebem mais meu tamanho extraordinário aqui. você se importa se eu segurar sua mão?

a verdade é que me importo. mas sei que, como ele é meu namorado, a resposta deveria ser que não me importo nem um pouco. ele provavelmente me carregaria pra aula no colo se eu lhe pedisse com carinho. pego a mão dele, grande e escorregadia. mas acho que não consigo esconder a preocupação no meu rosto, porque ele me olha uma vez e solta minha mão.

tiny: deixa pra lá.
eu: não é com você. eu só não sou do tipo de cara que anda de mãos dadas pelos corredores. nem mesmo se você fosse uma garota. nem se fosse uma líder de torcida peituda.
tiny: mas eu fui uma líder de torcida peituda.

eu paro e olho pra ele.

eu: você está brincando.
tiny: foi só por uns dias. eu arruinei totalmente a pirâmide. andamos um pouco mais.
tiny: suponho que pôr minha mão no seu bolso traseiro esteja fora de questão…
eu: *tosse*
tiny: foi só uma piada.
eu: posso pelo menos pagar seu almoço? talvez tenha até ensopado!

tenho de ficar me lembrando que era isso o que eu queria — isso é o que se supõe que todo mundo queira. aqui está um garoto que é carinhoso comigo. um garoto que pega o carro e vem me ver. um garoto que não tem medo do que os outros vão pensar quando nos virem juntos. um garoto que acredita que eu possa melhorar sua saúde mental.

uma das mulheres que servem o almoço até ri quando tiny fica todo animado por causa das empanadas que estão servindo em celebração à semana da herança latina (ou talvez seja o mês da herança latina). ela o chama de querido quando a entrega a ele, o que é muito engraçado, pois venho tentando durante os últimos três anos conquistá-la o suficiente pra não mais ganhar a menor fatia de pizza do tabuleiro.
quando chegamos à mesa, derek e simon já estão lá — gideon é o único que falta. como não os avisei sobre nosso convidado especial, eles parecem surpresos e petrificados quando nos aproximamos.

eu: derek e simon, este é tiny. tiny, estes são derek e simon.
tiny: prazer em conhecê-los!
simon: humm…
derek: muito prazer também. quem é você?
tiny: sou o namorado de will. da evanston.

ok, agora todos olham pra ele como se ele fosse uma besta mágica do world of warcraft. derek está com um ar divertido, de uma forma amigável. Simon olha pra tiny, depois pra mim, depois pra tiny, de uma forma que só pode significar que está se perguntando como alguém tão grande e alguém tão franzino podem fazer sexo.
sinto uma mão em meu ombro.

gideon: aí estão vocês!

gideon parece ser a única pessoa na escola que não se mostra chocado com a aparência de tiny. sem hesitar, estende a outra mão pro cumprimento.

gideon: você deve ser tiny.

tiny olha pra mão que gideon mantém em meu ombro antes de apertar a que ele oferece. não parece muito feliz ao dizer

tiny: … e você deve ser gideon.

seu aperto de mão deve ser um pouco mais firme que o de hábito, pois gideon estremece antes que o aperto chegue ao fim. então vai buscar uma cadeira extra para a mesa, oferecendo a tiny o lugar em que normalmente se senta.

tiny: ah, isso não é acolhedor?

bem, não. o cheiro da empanada de carne dele me faz sentir como se estivesse preso em um quarto pequeno e quente, cheio de comida de cachorro. simon, receio, encontra-se em vias de dizer alguma coisa errada, e derek parece pensar em como vai escrever sobre tudo isso em um blog. gideon começa a fazer perguntas amistosas a tiny, e as respostas de tiny são todas monossilábicas.

gideon: como estava o trânsito até aqui?
tiny: bom.
gideon: aqui é muito parecido com a sua escola?
tiny: nah.
gideon: soube que você está produzindo um musical.
tiny: sim.

por fim, gideon se levanta pra comprar um cookie, o que me permite me inclinar pra tiny e perguntar

eu: por que você está tratando ele como alguém que te deu um fora?
tiny: não estou!
eu: você nem o conhece.
tiny: conheço o tipo dele.
eu: que tipo?
tiny: o tipo pequeno e bonito. eles são encrenca.

acho que ele sabe que foi um pouco longe demais, porque imediatamente acrescenta

tiny: mas ele parece muito legal.

então corre os olhos pela cantina.

tiny: quem é maura?
eu: duas mesas à esquerda da porta. sentada sozinha, pobre cordeiro abatido. rabiscando no caderno.

como se pressentisse nosso olhar, ela ergue os olhos em nossa direção, então abaixa a cabeça e volta a rabiscar mais furiosamente.

derek: que tal a empanada de carne? em todos os meus anos aqui, você é a primeira pessoa que já vi terminar uma dessas.
tiny: não estava mal se você não liga pro fato de estar salgado. é como se alguém tivesse feito uma tortinha de carne-seca.
simon: e há quanto tempo vocês dois estão, assim, juntos?
tiny: não sei… quatro semanas, dois dias e 18 horas, eu acho.
simon: então você é o cara.
tiny: que cara?
simon: o cara que quase nos fez perder as olimpíadas de matemática.
tiny: se isso é verdade, então eu sinto muito mesmo.
simon: bem, você sabe o que dizem.
derek: simon?
simon: os gays sempre põem o pau na frente da matemática.
eu: em toda a história do mundo, ninguém jamais disse isso.
derek: você só está emburrado porque a garota de naperville…
simon: nem pense!
derek: … não quis sentar no seu colo quando você pediu.
simon: o ônibus estava cheio!
gideon volta com cookies pra todos nós.
gideon: é uma ocasião especial. o que eu perdi?
eu: paus na frente da matemática.
gideon: isso não faz o menor sentido.
eu: exatamente.

tiny está começando a parecer inquieto e não está nem tocando no cookie. É um cookie macio. com gotas de chocolate. devia estar em seu sistema digestivo a essa altura.
se tiny está perdendo o apetite, não tem a menor possibilidade de chegarmos ao fim do dia na escola. afinal, se eu não tenho a menor vontade de ir pra aula... por que tiny teria? se ele quer ficar comigo, eu devo ficar com ele. e essa escola nunca vai permitir isso.

eu: vamos embora.
tiny: mas acabei de chegar.
eu: você já conheceu as únicas pessoas com quem interajo. já provou nossa excelente cozinha. se quiser, posso te mostrar a vitrine de troféus na saída para você se deleitar com as conquistas de alunos que agora já têm idade pra sofrer de disfunção erétil, perda de memória e morte. eu nunca, jamais, vou ser capaz de demonstrar afeto por você aqui, mas se ficar sozinho comigo, vai ser bem diferente.
tiny: paus na frente da matemática.
eu: sim. paus na frente da matemática. embora eu já tenha tido aula de matemática hoje. vou matar aula retroativamente pra ficar com você.
derek: vão! vão!

tiny parece bem satisfeito com essa mudança de planos.

tiny: vou ter você todo pra mim?

está no limite do constrangedor admitir isso na frente de outras pessoas, então eu apenas faço que sim com a cabeça. pegamos nossas bandejas e nos despedimos. gideon parece um pouco desapontado, mas soa sincero quando diz a tiny que espera que tenhamos a chance de sair todos juntos mais tarde. tiny diz que também espera, mas não é como se esperasse mesmo.
quando estamos prestes a sair da cantina, tiny diz que precisa dar mais uma parada.

tiny: tem uma coisa que preciso fazer.
eu: o banheiro fica no corredor, à esquerda.

mas não é esse o seu destino. ele está seguindo direto pra mesa de maura.

eu: o que você está fazendo? nós não falamos com ela.
tiny: vocês podem não falar — mas tem uma ou duas coisinhas que eu gostaria de dizer.

ela agora está olhando pra gente.

eu: pare.

tiny: fique de fora, grayson. sei o que estou fazendo.

com gestos muitíssimo elaborados, ela põe de lado a caneta e fecha o caderno.

eu: não, tiny.

mas ele avança e paira acima dela. a montanha veio até maura, e tem algo para dizer. um lampejo de nervosismo passa pelo rosto de tiny antes de começar. Ele respira fundo. ela olha para ele com uma estudada expressão vazia.

tiny: só queria vir até aqui e te agradecer. eu sou tiny cooper, e estou namorando will grayson há quatro semanas, dois dias e 18 horas agora. se você não tivesse sido uma inimiga tão má, egoísta, enganadora e vingativa, nós nunca teríamos nos conhecido. isso só serve para mostrar que, se você tenta arruinar a vida de alguém, ela só fica melhor. você só acaba não fazendo mais parte dela.
eu: tiny, chega.
tiny: acho que ela precisa saber o que está perdendo, will. acho que ela precisa saber a felicidade…
eu: CHEGA!

muita gente ouve isso. tiny certamente sim, porque ele para. e maura também, porque ela deixa de olhar sem expressão pra ele e começa a olhar sem expressão pra mim, que estou muito furioso com ambos neste momento. pego tiny pela mão, mas desta vez é pra puxá-lo dali. maura sorri com deboche, em seguida abre o caderno e recomeça a escrever. sigo pra porta, então solto a mão de tiny, volto pra mesa de maura, pego o caderno e arranco a folha em que ela está escrevendo. nem mesmo leio o que está escrito. só a arranco e amasso e então jogo o caderno de volta na mesa, derrubando a coca diet dela. não digo uma só palavra. simplesmente vou embora.
estou com tanta raiva que não consigo falar. tiny está atrás de mim, dizendo

tiny: o que foi? o que eu fiz?

espero até estarmos fora do prédio. espero até chegarmos ao estacionamento. espero até ele me levar ao carro dele. espero até estarmos dentro do carro. Espero até sentir que posso abrir a boca sem gritar. e então digo:

eu: você não devia ter feito aquilo.
tiny: por quê?
eu: POR QUÊ? porque não estou falando com ela. porque consegui evitá-la por um mês, e agora você simplesmente me arrastou até ela e a fez pensar que ela é importante na minha vida.
tiny: ela precisava aprender uma lição.
eu: que lição? que se ela tentar arruinar a vida de alguém, ela só fica melhor? é uma ótima lição, tiny. agora ela pode tentar arruinar a vida de mais pessoas, porque pelo menos vai ter a satisfação de saber que está lhes fazendo um favor. talvez ela possa até começar um serviço de encontros. evidentemente, funcionou para nós.
tiny: pare com isso.
eu: parar com o quê?
tiny: pare de falar comigo como se eu fosse um idiota. não sou idiota.
eu: sei que você não é idiota. mas, sem a menor dúvida, você fez uma coisa idiota.

ele ainda nem ligou o carro. ainda estamos sentados no estacionamento.

tiny: não foi assim que planejei o dia.
eu: bem, sabe de uma coisa? muitas vezes não se tem controle de como vai ser o seu dia.
tiny: pare. por favor. quero que este seja um dia bom.

ele dá a partida no carro. é minha vez de respirar fundo. quem quer ser a pessoa a dizer a uma criança que papai noel não existe? é a verdade, não é? Mas ainda assim você é um babaca se disser.

tiny: vamos a algum lugar que você goste de ir. aonde podemos ir? me leve a algum lugar que seja importante para você.
eu: como o quê?
tiny: como… não sei. eu, se preciso me sentir melhor, vou sozinho pro super target. não sei por quê, mas ver aquelas coisas todas me deixa feliz. provavelmente é o design. eu nem preciso comprar nada. só de ver todas as pessoas juntas, ver todas as coisas que eu poderia comprar — todas as cores, corredor após corredor... às vezes, preciso disso. no caso de jane, é essa loja indie de discos à qual vamos pra que ela possa olhar vinis antigos enquanto olho todos os cds de boy bands na banca de dois dólares e tento decidir qual deles acho o mais bonito. ou pro outro will grayson — tem um parque na nossa cidade, onde todos os times da liga júnior jogam. e ele adora o banco de reservas, porque, quando não tem mais ninguém por perto, é muito silencioso lá. quando não tem jogo, você pode sentar lá, e então só as coisas que aconteceram no passado existem. acho que todo mundo tem um lugar assim. você deve ter um lugar assim.

penso intensamente no assunto por um segundo, mas concluo que, se tivesse um lugar assim, eu saberia na hora. mas nenhum lugar tem importância de verdade pra mim. nunca nem mesmo me ocorreu que eu devia ter um lugar que fosse importante pra mim.
respondo que não com a cabeça.

eu: nada.
tiny: vamos, anda. tem de haver algum lugar.
eu: não tem, está bem? só minha casa. meu quarto. é isso.
tiny: ok — então onde fica o balanço mais próximo?
eu: você está brincando, não é?
tiny: não. tem que haver um balanço por aqui.
eu: na escola primária, acho. mas as aulas ainda não acabaram. se nos pegarem lá, vão pensar que somos sequestradores. vai ficar tudo bem comigo, mas aposto que você seria julgado como adulto.
tiny: ok, fora a escola primária.
eu: acho que meus vizinhos têm um.
tiny: os pais trabalham?
eu: acho que sim.
tiny: e os filhos ainda estão na escola. perfeito! você me guia.

foi assim que terminamos estacionando na frente da minha casa e invadindo o quintal dos vizinhos do lado. o balanço é bastante triste, tanto quanto os balanços podem ser, mas, pelo menos, é feito para crianças mais velhas.

eu: você não vai sentar aí, vai?

mas ele senta, e juro que a estrutura de metal se curva um pouco. ele aponta o balanço perto do dele.

tiny: junte-se a mim.

faz provavelmente uns dez anos que não me sento em um balanço. só faço isso agora pra calar tiny por um segundo. nenhum dos dois balança de fato — não creio que a estrutura pudesse resistir a isso. ficamos simplesmente ali sentados, pendendo acima do chão. tiny se vira, ficando de frente pra mim. eu também me viro, pondo os pés no chão para evitar que a corrente me desvire.

tiny: agora, assim não está melhor?
e eu não me contenho. digo
eu: melhor que o quê?
tiny ri e sacode a cabeça.
eu: o que foi? por que está balançando a cabeça?
tiny: não é nada.
eu: me fale.
tiny: é só engraçado.
eu: O QUE é engraçado?
tiny: você. e eu.
eu: que bom que você acha isso engraçado.
tiny: queria que você achasse mais engraçado.
eu nem sei mais sobre o que estamos falando.
tiny: sabe uma ótima metáfora pro amor?
eu: tenho a sensação de que você está prestes a me falar.
ele se vira e faz uma tentativa de balançar mais alto. o balanço geme tanto que ele para e se vira novamente pra mim.
tiny: a bela adormecida.
eu: a bela adormecida?
tiny: sim, porque você precisa abrir caminho através desse incrível matagal cheio de espinhos a fim de chegar até a bela, e mesmo assim, quando chega lá, ainda tem de acordá-la.
eu: então eu sou um matagal?
tiny: e a bela que ainda não está totalmente desperta.

não ressalto que tiny também não é exatamente o que as garotinhas pensam quando ouvem as palavras príncipe encantado.

eu: é natural que você pense dessa forma.
tiny: por quê?
eu: bem, a sua vida é um musical. literalmente.
tiny: você está me vendo cantar agora?

quase. eu adoraria viver em seu mundo de desenho animado musical, onde bruxas como maura são derrotadas com uma palavra heroica, e todas as criaturas da floresta ficam felizes quando dois caras gays caminham de mãos dadas pela campina, e gideon é o pretendente bonito e burro com quem você sabe que a princesa não pode se casar, porque o coração dela pertence à fera. tenho certeza de que se trata de um mundo adorável, onde essas coisas acontecem. um mundo rico, mimado, colorido. talvez um dia eu faça uma visita, mas duvido. mundos assim não tendem a emitir vistos para caras fodidos como eu.

eu: me intriga que alguém como você possa percorrer toda essa distância pra ficar com alguém como eu.
tiny: isso de novo, não!
eu: como?
tiny: estamos sempre tendo essa conversa. mas, se você continuar se concentrando no porquê de tudo ser tão difícil pra você, nunca vai perceber como poderia ter sido fácil.
eu: fácil pra você falar!
tiny: o que você quer dizer com isso?
eu: exatamente isso. vou decompor pra você. fácil — sem absolutamente nenhuma dificuldade. pra você — o oposto de “ pra mim”. falar — vocalizar, às vezes, ad nauseam. você tem tudo tão fácil que não percebe que, quando é difícil, não é uma escolha que está fazendo.
tiny: eu sei disso. não estava dizendo...
eu: sim?
tiny: eu entendo.
eu: você NÃO entende. porque é tudo fácil pra você.

agora eu o irritei. ele desce do balanço e para bem na minha frente. tem uma veia em seu pescoço que chega a pulsar. ele não consegue parecer furioso sem também parecer triste.

tiny: PARE DE ME DIZER QUE É TUDO MUITO FÁCIL PRA MIM! você tem alguma ideia do que está falando? porque eu sou uma pessoa também. e também tenho problemas. e embora eles possam não ser os seus problemas, ainda assim são problemas.
eu: como o quê?
tiny: você pode não ter notado, mas eu não sou o que se chamaria convencionalmente de bonito. na verdade, pode-se até falar que sou o oposto disso. falar, sabe... vocalizar, às vezes, ad nauseam? você acha que se passa um só minuto, de qualquer dia, em que eu não tenha consciência do meu tamanho? acha que um só minuto se passa sem que eu esteja pensando em como as outras pessoas me veem? embora eu não tenha nenhum controle sobre isso? não me entenda mal, eu amo meu corpo. mas não sou tão idiota assim pra achar que todo mundo ama. o que realmente me aborrece, o que me chateia de verdade, é que ele é tudo que as pessoas veem. desde quando eu era uma criança não-tãopequena. ei, tiny, quer jogar futebol? ei, tiny, quantos hambúrgueres você comeu hoje? ei, tiny, já perdeu o pinto aí embaixo? ei, tiny, você vai entrar pro time de basquete quer queira quer não. só não tente olhar pra gente no vestiário! isso parece fácil pra você?

estou prestes a dizer alguma coisa, mas ele ergue a mão.

tiny: sabe de uma coisa? estou totalmente em paz com o fato de ser grande. e eu já era gay muito antes de saber o que era sexo. é assim que eu sou, e isso é ótimo. não quero ser magro nem convencionalmente bonito nem heterossexual nem brilhante. não, o que eu quero de verdade, e jamais consigo, é ser apreciado. você sabe o que é se esforçar ao máximo pra se certificar de que todos estejam felizes e não ter uma só pessoa que reconheça isso? posso me matar pra juntar o outro will grayson e jane... nenhum reconhecimento, só mágoa. Escrevo um musical inteiro que fala basicamente de amor, e o principal personagem nele, depois de mim, é claro, é phil wrayson, que precisa entender algumas coisas, mas no geral é um cara maravilhoso. e will compreende isso? não. ele surta. faço tudo que posso pra ser um bom namorado pra você... nenhum reconhecimento, só mágoa. tento fazer esse musical pra que ele possa criar alguma coisa, pra mostrar que todos nós temos alguma coisa pra cantar... nenhum reconhecimento, só mágoa. esse musical é um presente, will. Meu presente pro mundo. ele não é sobre mim. é sobre o que tenho pra compartilhar. tem uma diferença; eu vejo, mas receio que seja o único. você acha que é fácil pra mim, will? está mesmo morrendo de vontade de experimentar esses tamanhos GG? porque toda manhã quando acordo, tenho de me convencer que, sim, no fim do dia, serei capaz de fazer algo de bom. isso é tudo que peço: ser capaz de fazer algo de bom. não por mim, seu bebê chorão estúpido, de quem, por acaso, eu gosto muito, muito. mas pelos meus amigos. por outras pessoas.

eu: mas por que eu? quero dizer, o que você vê em mim?
tiny: você tem um coração, will. você até deixa ele aparecer de vez em quando. eu vejo isso em você. e vejo que precisa de mim.

balanço a cabeça.

eu: você não entende? eu não preciso de ninguém.
tiny: isso só significa que precisa ainda mais de mim.

está tão claro pra mim.

eu: você não está apaixonado por mim. está apaixonado pela minha carência.
tiny: quem disse que estou apaixonado por alguma coisa? eu disse “ gosto muito, muito”.

ele para. faz uma pausa.

tiny: isso sempre acontece. uma variação disso sempre acontece.
eu: eu sinto muito.
tiny: eles também sempre dizem “ eu sinto muito”.
eu: não posso fazer isso, tiny.
tiny: você pode, mas não vai. simplesmente não vai.

é como se eu não tivesse que terminar com ele, porque ele já teve essa conversa na própria cabeça. eu devia me sentir aliviado por não precisar dizer nada. mas, em vez disso, só me sinto pior.

eu: não é culpa sua. eu simplesmente não consigo sentir nada.
tiny: mesmo? você não está sentindo nada neste momento? Absolutamente nada?

quero dizer a ele: ninguém nunca me disse como lidar com coisas assim. abrir mão não devia ser indolor se você nunca aprendeu a segurar?
tiny: vou embora agora.

e eu vou ficar. vou ficar neste balanço enquanto ele se afasta. vou ficar em silêncio enquanto ele entra no carro. vou ficar imóvel enquanto ouço o carro dar a partida, depois se afastar. vou continuar errado, porque não sei como atravessar o matagal da minha própria cabeça a fim de alcançar o que quer que eu deva fazer. vou continuar o mesmo, e o mesmo, e o mesmo, até morrer disso. minutos se passam antes que eu possa admitir que, sim, embora diga a mim mesmo que não estou sentindo nada, isso é mentira. quero dizer que estou sentindo remorso ou arrependimento ou até mesmo culpa. mas nenhuma dessas palavras parece suficiente. o que estou sentindo é vergonha. vergonha pura, repugnante. não quero ser a pessoa que sou. não quero ser a pessoa que acabou de fazer o que fiz.
o problema não é nem mesmo tiny.
eu sou horrível.
sou insensível.
tenho medo de que essas coisas sejam mesmo verdade.
volto correndo pra casa. estou começando a soluçar — não estou nem mesmo pensando, mas meu corpo está se despedaçando. minha mão está tão trêmula que deixo o chaveiro cair antes de finalmente conseguir enfiar a chave na porta. A casa está vazia. eu estou vazio. tento comer. tento ir pra cama. nada funciona. Eu sinto as coisas, sim. sinto tudo. e preciso saber que não estou sozinho. assim, pego o telefone. sem nem mesmo pensar. digito o número e ouço o toque e assim que atendem, grito no aparelho:

eu: EU TE AMO. ESTÁ ME OUVINDO? EU TE AMO!

estou gritando, e meu grito parece tão furioso e tão assustado e tão patético e tão desesperado. do outro lado da linha, minha mãe me pergunta o que há de errado, onde estou, o que está acontecendo, e eu digo a ela que estou em casa e que tudo está confuso, e ela diz que em dez minutos estará em casa, eu vou ficar bem por dez minutos?, e quero dizer a ela que vou ficar bem, porque é isso que ela quer ouvir, mas então me dou conta de que talvez o que ela queira ouvir seja a verdade, então digo a ela que sinto as coisas, sinto de verdade, e ela me diz que é claro que sinto, sempre tive esses sentimentos, e é isso que faz com que às vezes a vida seja difícil pra mim.
só ouvir a voz dela já me faz sentir um pouco melhor, e percebo que, sim, aprecio o que ela está dizendo, aprecio o que ela está fazendo, e preciso que ela saiba disso. embora eu não diga imediatamente, pois acho que isso só vai deixá-la mais preocupada, mas quando ela chega em casa digo a ela, e ela diz que sabe disso.
conto a ela um pouco sobre tiny, e ela diz que parece que estávamos pondo pressão demais um no outro e que não precisa ser amor imediatamente, ou nem mesmo no fim. quero perguntar o que foi com meu pai e quando foi que tudo se transformou em ódio e tristeza. mas talvez eu não queira de fato saber. Não agora.

mãe: a carência nunca é uma boa base para um relacionamento. tem de ser

muito mais que isso.
é bom conversar com ela, mas ao mesmo tempo é estranho, porque ela é minha mãe, e não quero ser um daqueles garotos que acha que a mãe é sua melhor amiga. quando me recupero o suficiente, as aulas já terminaram faz tempo, e concluo que posso ficar on-line e ver se gideon também está. Então percebo que, em vez disso, posso mandar uma mensagem de texto pra ele. aí percebo que, na verdade, posso ligar pra ele. por fim, percebo que, na verdade, posso ligar pra ele e ver se ele quer fazer alguma coisa. porque ele é meu amigo, e é isso que os amigos fazem. eu ligo, ele atende. preciso dele, ele responde. vou até a casa dele e conto o que aconteceu, e ele responde. não é como com maura, que sempre queria tomar o caminho das trevas. não é como foi com tiny, porque com ele eu estava com todas essas expectativas de ser um bom namorado, o que quer que isso signifique. não, gideon está pronto pra acreditar tanto no melhor quanto no pior de mim. em outras palavras: pra acreditar na verdade. quando nossa conversa chega ao fim, ele me pergunta se vou telefonar pra tiny. digo a ele que não sei.
só mais tarde decido. estou on-line e vejo que ele também está. não creio que eu possa nos salvar como namorados, mas pelo menos quero dizer a ele que, mesmo que ele estivesse errado em relação a mim, não estava errado em relação a si mesmo. quer dizer, alguém devia estar tentando fazer o bem no mundo. então eu tento.

20h15
willupleasebequiet: bluejeansbaby?
willupleasebequiet: tiny?
20h18
willupleasebequiet: você está aí?
21h33
willupleasebequiet: você está aí?
22h10
willupleasebequiet: por favor?
23h45
willupleasebequiet: você está aí?
1h03
willupleasebequiet: você está aí?
willupleasebequiet: você está aí?
willupleasebequiet: você está aí?
willupleasebequiet: você está aí?
willupleasebequiet: você está aí?

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