Capítulo Dois
Eu nunca tinha estado em um trem
antes. Era mais alto do que eu imaginava, com janelas no segundo “andar” que
supus serem dos vagões-leitos. O lado de dentro era pouco iluminado, e a
maioria das pessoas entulhadas ali parecia catatônica. Esperei que o trem
soltasse fumaça e fizesse tchu-tchu e depois disparasse como um foguete, pois
assisti a muitos desenhos durante a minha infância perdida, e era assim que os
trens dos desenhos funcionavam. Esse trem deslizou com indiferença, como se
tivesse ficado cansado de estar parado.
Obviamente, liguei para Noah
assim que partimos. Era uma pequena violação da política “não ligue porque
ficarei atolado até as dezoito então vejo você na festa”, mas as circunstâncias
nunca foram mais compreensíveis. Quando ele atendeu, havia um clamor alegre ao
fundo. Eu conseguia ouvir canções de Natal e louças batendo, o que era um
contraste deprimente com o abafamento claustrofóbico do trem.
– Leu! – disse ele. – É um
momento um pouco ruim. Vejo você daqui a uma hora?
Noah soltou um leve gemido.
Parecia que levantava algo pesado, talvez um dos presuntos assustadoramente
grandes que a mãe sempre conseguia arranjar para o Smörgåsbord. Imagino que os
compre em uma fazenda experimental onde os porcos são criados com lasers e
superdrogas até atingirem dez metros de comprimento.
– Hã... esse é o problema –
falei. – Não vou.
– Como assim não vem? O que
houve?
Expliquei a situação
pais-na-cadeia/eu-no-trem-na-nevasca/vida-não-saiu-como-planejado da melhor
maneira que pude. Tentei manter as coisas leves, como se achasse engraçado,
mais para evitar chorar dentro de um trem escuro com estranhos aturdidos.
Outro gemido. Parecia que ele
estava mudando alguma coisa de lugar.
– Vai ficar tudo bem – falou Noah
depois de um momento. – Sam está cuidando de tudo, certo?
– Bem, se quer dizer que ele não
os tirará da cadeia, então sim. Ele nem parece preocupado.
– Deve ser só uma cadeia pequena
de condado – respondeu Noah. – Não será tão ruim. E, se Sam não está
preocupado, vai ficar tudo bem. Sinto muito que isso tenha acontecido, mas
verei você daqui a um ou dois dias.
– Sim, mas é Natal – falei. Minha
voz ficou mais grossa, e eu engasguei para conter uma lágrima.
Noah me deu um minuto.
– Sei que é difícil, Leu – disse
ele depois de uma pausa –, mas vai ficar tudo bem. Vai, sim. É só uma daquelas
coisas.
Eu sabia que ele estava tentando
me acalmar e, de modo geral, me consolar, mas ainda assim. Uma daquelas coisas?
Não era uma daquelas coisas. Uma daquelas coisas é quando o seu carro quebra,
você tem uma infecção estomacal, ou pisca-piscas com defeito produzem uma
faísca e queimam a cerca viva. Eu disse isso, e ele suspirou, percebendo que eu
estava certa. Depois gemeu de novo.
– O que foi? – perguntei enquanto
fungava.
– Estou segurando um presunto
enorme – respondeu Noah. – Precisarei desligar em um minuto.Olha, faremos outro
Natal quando você voltar. Prometo. Arranjaremos tempo. Não se preocupe. Ligue
quando chegar, está bem?
Eu
prometi que ligaria, e ele desligou e foi embora com o presunto. Encarei o
telefone agora silencioso. Às vezes, por namorar Noah, eu simpatizava com as
pessoas que eram casadas com políticos. Dá para ver que elas têm as próprias
vidas, mas, como amam a pessoa com quem estão, acabam sugadas por aquela força
inexorável – e logo estão acenando e sorrindo de maneira apática para a câmera,
com balões caindo sobre as cabeças delas e funcionários as empurrando do
caminho para chegar até a Toda-Importante Cara- Metade, que é Perfeita.
Eu sei
que ninguém é perfeito, que por trás de toda fachada de perfeição há uma confusão
distorcida de subterfúgios e arrependimentos secretos... mas, mesmo
considerando isso, Noah é basicamente perfeito. Nunca ouvi ninguém falar mal
dele. A reputação de Noah é tão inquestionável quanto a gravidade. Ao me
transformar em namorada, ele demonstrou que acreditava em mim, e eu embarquei
nessa convicção. Passei a andar mais reta. Senti-me mais confiante, mais
positiva, consistente, mais importante. Ele gostava de ser visto comigo; por
conseguinte, eu gostava de ser vista comigo, se é que isso faz algum sentido.
Então,
sim, o excesso de compromissos de Noah às vezes era um saco. Mas eu entendia.
Quando ele precisa levar um enorme presunto para a mãe, por exemplo, porque
sessenta pessoas estão prestes a aportar na sua casa para um Smörgåsbord.
Simplesmente precisa ser feito. Ele está lá para o melhor e para o pior.
Peguei
meu iPod e usei o resto da bateria para ver algumas fotos dele. E a bateria
acabou. Senti-me tão sozinha naquele trem... um “sozinha” esquisito, meio
antinatural, que cresceu em mim. Era algo um pouco além do medo, em algum lugar
à esquerda da tristeza. Cansada, mas não o tipo de cansaço que o sono conserta.
Estava escuro e deprimente, mas não parecia que as coisas melhorariam se as luzes
fossem acesas. Isso só serviria para eu visualizar melhor a situação desagradável.
Pensei
em ligar para meus avós. Eles já sabiam que eu estava indo. Sam me contou que
havia ligado para eles. Ficariam felizes em falar comigo, mas eu não estava
bem-disposta. Meus avós são pessoas ótimas, mas se afobam com facilidade. Por
exemplo, se o mercado anunciou no folheto uma pizza congelada ou sopa, mas os
produtos se esgotam, e meus avós foram até lá só para comprar isso, eles ficam ali,
de pé, debatendo o que farão durante meia hora. Se eu ligasse para eles, cada
aspecto da minha visita teria que ser discutido até o mínimo detalhe. De que
cobertor eu precisaria? Eu ainda comia biscoitos? O vovô deveria comprar mais
xampu? Era sempre fofo, mas um pouco demais para a minha cabeça naquele momento.
Gosto
de pensar que sou uma solucionadora de problemas. Eu me distrairia no meio
daquela bagunça. Enfiei a mão na bolsa para ver o que tinha conseguido reunir
mesmo sendo apressada para sair de casa. Descobri que estava deploravelmente
preparada para a viagem que se seguiria. Tinha reunido os mais essenciais –
roupa de baixo, jeans, dois casacos, algumas camisetas, meus óculos. O iPod
estava sem bateria. Tinha apenas um livro comigo. Era A abadia de Northanger,
parte da lista de leituras da aula de inglês para o recesso de inverno. Era
bom, mas não exatamente o que se quer quando se sente a mão iminente do
destino.
Então,
por mais ou menos duas horas, eu apenas olhei pela janela conforme o sol se
punha, o céu rosa como um algodão-doce se tornava prateado, e os primeiros
flocos de neve começavam a cair. Eu sabia que eram lindos, mas saber que algo é
lindo e se importar com aquilo são duas coisas muito diferentes, e eu não me
importava. A neve ficou mais forte e rápida, até tomar a vista e não haver mais
nada além de branco. Veio de todas as direções ao mesmo tempo, até soprou de
baixo. Assistir a isso me deixou tonta e um pouco enjoada.
As
pessoas caminhavam pelo corredor com caixas de comida – batatas fritas,
refrigerante e sanduíches embalados. Claramente havia uma fonte de comida em
algum lugar naquele trem. Sam havia colocado cinquenta dólares na minha mão na
estação de trem, e cada dólar desses cinquenta seria extraído dos meus pais
assim que voltassem a respirar ar livre. Eu não tinha mais o que fazer, então
me levantei e fui até o carrinho de lanches, onde fui prontamente informada de
que tudo havia acabado a não ser uma pizza de micro-ondas molenga, dois
muffins, alguns chocolates, um saco de castanhas e umas frutas de aparência deprimente.
Eu queria parabenizá-los por estarem tão bem-preparados para o frenesi de
Natal, mas o cara que trabalhava no balcão parecia muito exausto. Ele não
precisava do meu sarcasmo. Comprei a pizza, dois chocolates, os muffins, as
castanhas e um chocolate quente. Parecia inteligente armazenar um pouco para o
restante da viagem, já que as coisas estavam acabando com aquela velocidade.
Coloquei uma nota de cinco dólares na jarra do homem, e ele assentiu em
agradecimento.
Ocupei
um dos assentos vazios junto às mesas presas à parede. O trem sacudia muito
agora, mesmo quando diminuía a velocidade. O vento nos açoitava dos dois lados.
Deixei a pizza intocada e queimei os lábios no chocolate. Era o máximo de ação
que eles conseguiriam, no fim das contas.
– Posso
me sentar aqui? – perguntou uma voz.
Olhei
para cima, e um cara excepcionalmente lindo estava de pé ao meu lado. Reparei
de novo e, de novo, não me importava muito. Mas ele causou mais impacto do que
a neve. O cabelo era tão escuro quanto o meu, quero dizer, preto. Mas era mais
longo. Meu cabelo só vai até um pouquinho além do queixo. O dele estava preso
num rabo de cavalo. Parecia ser de ascendência nativo-americana, com maçãs do
rosto definidas. A jaqueta de brim fina que vestia não dava proteção nenhuma
contra o mau tempo. Havia algo nos olhos dele, no entanto, que realmente
chamava atenção – ele parecia perturbado, como se estivesse com dificuldade
para mantê-los abertos. Tinha acabado de comprar uma xícara de café, a qual segurava
com força, como se temesse deixá-la cair.
– Claro
– respondi.
Ele
manteve a cabeça baixa quando se sentou, mas percebi que olhava para a comida
que eu tinha na caixa. Algo me disse que estava com muito mais fome do que eu.
– Coma
alguma coisa – falei. – Só comprei para o caso de acabarem. Não estou com tanta
fome. Nem toquei na pizza. – Houve um momento de resistência, mas empurrei a
pizza para a frente. – Sei que parece mais um descanso de copo em forma de pizza
– acrescentei. – Era tudo o que tinham. Sério. Pode pegar.
Ele
sorriu de leve.
– Sou
Jeb – falou.
– Sou
Julie – respondi. Não estava no clima para passar por toda aquela conversa “Jubileu?
Seu nome é Jubileu? Diga-me, o que você usa no seu número: óleo de bebê ou
algum tipo de óleo de castanha? Alguém limpa o pole depois de cada uso?”. Tudo
aquilo que expliquei a você no início. A maioria das pessoas me chama de Julie.
Noah me chamava de Leu.
– Para
onde vai? – perguntou ele.
Eu não
tinha uma história para encobrir meus pais ou explicar por que eu estava ali. A
verdade toda era um pouco demais para jogar em um estranho.
– Vou
ver meus avós – falei. – Mudança de planos de última hora.
– Onde
eles moram? – perguntou Jeb, olhando para a neve rodopiante que batia na janela
do trem.
Era
impossível dizer onde acabava o céu e começava o chão. A nuvem de neve tinha caído
sobre nós.
– Flórida
– respondi.
– É
longe. Vou só até Gracetown, a próxima parada.
Assenti.
Eu tinha ouvido falar de Gracetown, mas não tinha ideia de onde ficava. Em
algum lugar nesse longo e nevado caminho entre mim e lugar nenhum. Ofereci a
caixa de comida a ele de novo, mas Jeb recusou.
– Tudo
bem – falou. – Mas obrigado pela pizza. Eu estava meio morto de fome.
Escolhemos um dia ruim para viajar. Mas acho que não há muita escolha. Às vezes
é preciso fazer coisas sobre as quais não se tem certeza...
– Quem
você vai visitar? – perguntei.
Ele
voltou a olhar para baixo e dobrou o prato no qual a pizza tinha sido servida.
– Vou
ver minha namorada. Bem, meio que namorada. Estou tentando ligar para ela, mas
não consigo sinal.
– Eu
tenho – falei e tirei o telefone da bolsa. – Use o meu. Não estou nem perto do
limite de minutos este mês.
Jeb
pegou o telefone com um sorriso amplo. Quando levantou, reparei o quanto era
alto e de ombros largos. Se eu não fosse completamente dedicada a Noah, teria
ficado muito apaixonada. Ele andou um pouco, apenas até um ponto do outro lado.
Observei enquanto Jeb tentava ligar, mas ele fechou o flip do telefone sem
falar nada.
– Não
consegui – disse ele, sentando-se de novo e me devolvendo o telefone.
– Então
– falei com um sorriso. – Essa é meio que a sua namorada? Ainda não tem certeza
se estão namorando?
Eu me
lembrava bem dessa época, assim que Noah e eu ficamos pela primeira vez, e eu não
tinha certeza se era namorada dele. Eu ficava tão deliciosamente nervosa o
tempo todo.
– Ela
me traiu – disse Jeb de uma vez.
Ah, eu
interpretei errado. Muito. Senti a dor dele, bem no meio do peito. Senti mesmo.
– Não
foi culpa dela – falou ele depois de um momento. – Não completamente. Eu...
Jamais
ouvi o que tinha acontecido, pois a porta do vagão se escancarou, e houve um
apito agudo, como o som que Beaker – a cacatua horrível de penas oleosas que tínhamos
como mascote no quarto ano – costumava fazer. Beaker era o pássaro ao qual
Jeremy Rich ensinou a gritar a palavra bunda. Beaker adorava ganir e gritar
bunda e o fazia muito bem. Dava para ouvi-lo do fim do corredor, no banheiro das
meninas. Beaker acabou sendo transferido para a sala dos professores, onde acho
que é permitido esticar as penas oleosas e gritar bunda o quanto quiser.
Mas não
era Beaker, o gritador de bunda. Eram catorze garotas vestindo roupas de ginástica
justas e combinando – em todas podia-se ler RIDGE CHEERLEADING na traseira da
calça. (Uma forma de ser gritador de bunda, imagino.) Cada uma tinha o próprio
nome estampado na parte de trás do casaco justo. Elas se aglomeraram ao redor
da lanchonete, gritando o mais alto que conseguiam. Esperei e rezei de verdade
para que não gritassem todas “Ai, meu Deus” ao mesmo tempo, mas minhas preces não
foram atendidas, talvez porque Deus estivesse ocupado ouvindo as garotas.
– Não
tem proteína magra. – Ouvi uma delas dizer.
– Eu
falei, Madison. Devia ter comido aquele wrap de alface quando teve a
oportunidade.
– Achei
que pelo menos teria peito de frango!
Para
aumentar meu desapontamento, notei que as duas que conversavam se chamavam
Madison. Pior: três das outras se chamavam Amber. Senti como se estivesse presa
em uma experiência social que deu errado – talvez algo envolvendo réplicas.
Algumas
do grupo se viraram contra nós. Quer dizer, para nós. Elas se viraram para Jeb
e eu.
– Ai,
meu Deus! – falou uma das Ambers. – Esta não é a pior viagem do mundo? Viram a
neve?
Garota
esperta, essa Amber. O que perceberia a seguir? O trem? A lua? As reviravoltas
hilariantes da existência humana? A própria cabeça?
Não
falei nada disso porque morte por líder de torcida não é a forma como quero
passar desta para melhor. Amber não tinha direcionado a pergunta a mim, de
qualquer forma. Ela nem fazia ideia de que eu estava ali. Seus olhos estavam
sobre Jeb. Quase dava para ver as pupilas robóticas nas córneas fazendo todos
os ajustes de foco, alinhando-o com a mira.
– Está
bem ruim – respondeu ele educadamente.
– Nós
vamos para a Flórida?
Ela
falou dessa forma, como uma pergunta.
– Deve
estar melhor por lá – falou Jeb.
– É. Se
conseguirmos chegar lá. Estamos todas participando do campeonato regional de
torcida? O que é difícil, porque é o período de festas? Mas todas comemoramos o
Natal mais cedo? O nosso foi ontem?
Foi
quando percebi que todas pareciam carregar coisas bem novas. Telefones
brilhantes, pulseiras e cordões chamativos com os quais elas brincavam, unhas
recém-feitas, iPods que eu jamais tinha visto. Amber Um sentou-se conosco – uma
sentada cuidadosa, com os joelhos no mesmo ângulo e os calcanhares voltados
para fora. Uma pose sentada animadinha de uma pessoa que estava acostumada a
ser a mais adorável da vizinhança.
– Esta é
Julie – falou Jeb, apresentando-me gentilmente a nossa nova amiga. Amber me
disse que se chamava Amber, então recitou os nomes de todas as Ambers e
Madisons. Havia outros nomes, mas, para mim, eram todas Ambers e Madisons.
Parecia seguro pensar dessa forma. Eu tinha ao menos uma chance de estar certa.
Amber
começou a tagarelar, falando sobre o campeonato. Ela fazia uma coisa incrível:
me incluía na conversa e me ignorava ao mesmo tempo. Além disso, estava me
enviando uma mensagem mental – profundamente subliminar – de que queria que eu
me levantasse e cedesse meu assento para a tribo dela.
As
garotas ocupavam cada espaço disponível no vagão do jeito que estavam. Metade
delas ao telefone, a outra metade esgotando o estoque de água, café e Coca
Diet.
Decidi
que eu não precisava daquilo para tornar minha vida completa.
– Vou
voltar para a minha poltrona – falei.
Assim
que me levantei, no entanto, o trem reduziu drasticamente a velocidade, jogando
todos nós para a frente com uma enorme onda de líquidos quentes e frios. As rodas
emitiram um guincho de protesto enquanto se arrastavam sobre os trilhos por
mais ou menos um minuto, e então paramos subitamente.
Ouvi
malas por todos os cantos do trem caírem dos compartimentos, depois pessoas
caindo no lugar onde estavam. Pessoas como eu. Aterrissei numa Madison e bati
com o queixo e a bochecha em alguma coisa. Não tenho certeza do que era, porque
as luzes se apagaram na mesma hora, o que provocou um gritinho maciço de decepção.
Senti as mãos de alguém me ajudando a me levantar e não precisava enxergar para
saber que era Jeb.
– Está
bem? – perguntou ele.
– Sim.
Acho.
As
luzes piscaram e começaram a voltar uma a uma. Várias Ambers estavam agarradas
ao balcão da lanchonete para salvar as próprias vidas. Havia comida por todo o
chão. Jeb se abaixou e pegou o que uma vez fora seu celular e agora era um negócio
de dois pedaços perfeitamente quebrado. Ele o aninhou na mão como um filhote de
passarinho machucado.
O
alto-falante emitiu um estalo, e a voz que falou parecia genuinamente estarrecida:
não era o tom frio e mandão que usavam para anunciar as paradas pelo caminho.
–
Senhoras e senhores – disse a voz –, por favor, permaneçam calmos. Um
supervisor verificará as cabines para ver se alguém se machucou.
Colei o
rosto na janela para ver o que acontecia. Tínhamos parado ao lado do que
parecia ser uma estrada larga com muitas pistas, como uma rodovia
interestadual. Do outro lado havia uma placa amarela brilhando, suspensa bem
acima da estrada. Era difícil ver através da neve, mas reconheci a cor e o
formato. Era de uma Waffle House. Do lado de fora do trem, um dos membros da
tripulação seguia aos tropeços pela neve, verificando abaixo da locomotiva com
uma lanterna. Uma supervisora escancarou a porta do nosso vagão e começou a
observar todo mundo. Estava sem o chapéu.
– O que
houve? – perguntei quando ela chegou até nós. – Parece que estamos bem
atolados.
Ela se
abaixou e olhou para fora da janela, depois assobiou baixinho.
– Não
vamos a lugar nenhum, querida – disse ela em voz baixa. – Estamos quase em
Gracetown. A pista começa a submergir a partir deste ponto e está completamente
coberta. Talvez possam mandar alguns veículos de emergência para nos buscar de
manhã. Mas sinceramente não sei. Não contaria com isso. De qualquer forma, está
ferida?
– Estou
bem – assegurei a ela.
Amber
Um segurava o punho.
–
Amber! – exclamou outra Amber. – O que aconteceu?
– Eu
torci – gemeu Amber Um. – Feio.
– Esse é
o seu punho de apoio no lançamento em cesta!
Seis líderes
de torcida indicaram (não de modo subliminar) que queriam que eu saísse do
caminho para que elas chegassem até a colega machucada e a sentassem. Jeb ficou
preso na multidão. As luzes ficaram mais fracas, o aquecedor foi audivelmente
reduzido, e o alto-falante voltou a comunicar.
–
Senhoras e senhores – disse a voz –, vamos cortar parte da eletricidade para
economizar energia.
Caso
tenham cobertores ou agasalhos, podem usá-los agora. Se algum de vocês precisar
de aquecimento extra, tentaremos ceder o que pudermos. Quem tiver agasalhos a
mais, pedimos que compartilhe.
Olhei
para a placa amarela de novo e de volta para o aglomerado de líderes de
torcida. Eu tinha duas escolhas: poderia ficar ali no trem descarrilhado frio e
escuro ou poderia fazer alguma coisa de fato. Poderia tomar as rédeas daquele
dia que havia fugido de mim tantas vezes. Não seria difícil atravessar a estrada
até a Waffle House. Provavelmente tinham aquecimento e muita comida. Valia a
pena tentar e era um plano que senti que Noah teria aprovado. Proativa. Abri
caminho gentilmente entre as Ambers até alcançar Jeb.
– Tem
uma Waffle House do outro lado da rua – contei a ele. – Vou até lá ver se estão
abertos.
– Uma
Waffle House? – respondeu Jeb. – Devemos estar a pouca distância da cidade,
beirando a estrada I-40.
– Não
seja louca – disse Amber Um. – E se o trem partir?
– Não
vai – respondi. – A supervisora acabou de me dizer. Ficaremos presos aqui a
noite toda. Lá eles devem ter aquecimento, comida e um lugar onde as pessoas
podem se mexer. O que mais podemos fazer?
– Poderíamos
praticar as rimas de entusiasmo – sugeriu uma das Madisons com a voz fininha.
– Você
vai sozinha? – perguntou Jeb. Dava para ver que ele queria ir junto, mas Amber
estava apoiada nele no momento, como se a vida dela dependesse de Jeb.
–
Ficarei bem – falei. – É ali do outro lado da rua. Passe o número do seu
telefone e...
Ele
ergueu o celular quebrado como um lembrete agourento. Assenti e peguei a
mochila.
– Não vou demorar – ponderei. –
Preciso voltar, certo? Para onde mais posso ir?
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