Capítulo Dois

vivo constantemente dividido entre me matar e matar todos à minha volta essas parecem ser as duas opções. tudo o mais é só pra matar o tempo neste momento, estou atravessando a cozinha em direção à porta dos fundos.

mãe: toma o café da manhã.

não tomo café da manhã. nunca tomo café da manhã. não tomo café da manhã desde que pude sair pela porta dos fundos sem tomar o café antes.

mãe: aonde você vai?

à escola, mãe. você devia experimentar um dia.

mãe: não deixe o cabelo cair no seu rosto assim — não consigo ver seu olhos.

mas veja, mãe, é justamente essa a porra do propósito eu me sinto mal por ela — sinto, sim. é uma pena, mesmo, que eu tenha que ter mãe. não deve ser fácil ter um filho como eu. nada pode preparar uma pessoa pra esse tipo de decepção.

eu: tchau.

não digo “ bom-dia”. acredito que essa seja uma das expressões mais imbecis já inventadas. afinal, você não tem a opção de dizer “ mau-dia” ou “ horríveldia” ou “ não-dou-a-mínima-pro-seu-dia”. todas as manhãs, espera-se que seja o início de um bom dia. bem, eu não acredito nisso. acredito contra isso.

mãe: tenha um bom d...

a porta meio que se fecha no meio da frase, mas não que eu não possa adivinhar como termina. ela costumava dizer “ até mais tarde!” até que numa manhã eu estava tão cansado daquilo que disse a ela: “ não, até nunca”.
ela tenta, e é isso que torna tudo tão patético. eu só queria dizer: “ sinto muito por você, sinto mesmo.” mas isso pode dar início a uma conversa, e uma conversa pode dar início a uma briga, e então eu me sentiria tão culpado que talvez tivesse que me mudar pra portland ou algo assim. preciso de café.
toda manhã, rezo pra que o ônibus escolar bata, e que todos morramos nos destroços pegando fogo. então minha mãe vai poder processar a empresa que fabrica ônibus escolares por não fazer ônibus escolares com cintos de segurança e conseguir mais dinheiro com minha trágica morte do que eu jamais conseguiria ganhar em minha trágica vida. a menos que os advogados da fábrica de ônibus possam provar para o júri que eu seria um fracasso garantido. então eles se livrariam do processo dando à minha mãe um ford fiesta usado e considerando a questão resolvida.
maura não está exatamente à minha espera antes da escola, mas eu sei, e ela sabe, que vou procurar por ela onde estiver. em geral recorremos a isso para que possamos dar algumas risadas ou algo assim antes de irmos embora. é como aquelas pessoas que se tornam amigas na prisão, embora nunca fossem nem mesmo se falar se não estivessem ali. é assim que eu e maura somos, acho.

eu: me dá um gole de café.
maura: compra uma porra de um café pra você.

então ela me entrega o cocôccino XXG do dunkin donuts e tomo tudo de um gole só. se pudesse pagar meu próprio café, juro que compraria, mas a maneira como vejo a coisa é: a bexiga dela não está pensando que sou um babaca, mesmo que o restante dos órgãos esteja. é assim comigo e maura, desde que me lembro, o que dá mais ou menos um ano. acho que a conheço há um pouco mais de tempo que isso, mas talvez não. em algum momento do ano passado, a melancolia dela encontrou minha desgraça, e maura achou que a combinação era boa. não tenho tanta certeza assim, mas, pelo menos me rende um café.
derek e simon estão se aproximando agora, o que é bom, porque isso vai me poupar algum tempo no almoço.

eu: me dá seu dever de casa de matemática.
simon: claro. aqui.

que amigo.
o primeiro sinal toca. como todos os sinais em nossa excelente instituição de ensino inferior, o sinal é um longo bipe, como se você estivesse prestes a deixar uma mensagem de voz dizendo que está tendo o dia mais escroto do mundo. e ninguém jamais vai ouvi-la.
não tenho a menor ideia do motivo por que alguém iria querer ser professor. isto é, você tem de passar o dia com um grupo de garotos que ou o odeiam profundamente ou puxam seu saco pra conseguir uma nota boa. isso deve afetar a pessoa depois de algum tempo — viver cercado por gente que nunca vai gostar de você por uma razão sincera. eu teria pena dessas pessoas, se elas não fossem umas sádicas e fracassadas. no que diz respeito aos sádicos, é tudo uma questão de poder e controle. eles ensinam pra ter uma razão oficial pra dominar outras pessoas. e os fracassados consistem em praticamente todos os outros professores, dos que são incompetentes demais pra fazer qualquer outra coisa aos que querem ser os melhores amigos dos alunos porque nunca tiveram amigos quando estavam na escola. e tem aqueles que sinceramente acreditam que vamos lembrar de alguma coisa que nos dizem depois que as provas finais acabarem. tá bom.
de vez em quando, a gente tem uma professora como a sra. grover, que é uma sádica fracassada. mas também não deve ser fácil ser professora de francês, porque, na real, ninguém mais precisa saber falar francês. e, enquanto ela beija os derrières dos alunos nota dez, quando se trata dos alunos normais, ela se ressente do fato de que estamos tomando seu tempo. então reage nos dando testes todos os dias e projetos gays como “ desenhe sua própria atração para a euro disney” e então fingindo-se de toda surpresa quando digo: “ sim, minha atração para a euro disney é a minnie usando uma baguete como vibrador para se divertir com o mickey.” como não tenho a menor ideia de como dizer “vibrador” em francês (vibrrradorrr?), digo apenas “ vibrador”, ela finge não ter a menor ideia do que estou falando e diz que a minnie e o mickey comendo baguete não são uma atração. sem dúvida, ela me desconta um ponto naquele dia. sei que devia me importar, mas é realmente difícil imaginar alguma coisa com que eu pudesse me importar menos do que minha nota em francês.
a única coisa que faço, e que vale a pena em todos os tempos — a manhã toda, na verdade — é escrever isaac, isaac, isaac no meu caderno e então desenho o homem aranha escrevendo-o em uma teia. o que é totalmente idiota, mas que seja. não estou fazendo isso pra ser legal eu me sento com derek e simon no almoço. do jeito que nos comportamos, é como se estivéssemos em uma sala de espera. de vez em quando, dizemos alguma coisa, mas na maior parte do tempo nos limitamos ao espaço da nossa cadeira. às vezes lemos revistas. se alguém se aproxima, levantamos os olhos.
mas isso não acontece com frequência. ignoramos a maioria das pessoas que passam, mesmo aquelas que supostamente deveríamos desejar. não que derek e simon sejam muito de garotas. basicamente, eles gostam de computadores.

derek: você acha que o software X18 vai ser lançado antes das férias?
simon: li no blog do trustmaster que deve ser lançado, sim. seria legal.
eu: toma aqui o seu dever de casa de volta.

quando olho os caras e as garotas nas outras mesas, me pergunto o que possivelmente eles têm pra dizer uns aos outros. são todos tão chatos e estão todos tentando compensar isso falando alto. prefiro me sentar aqui e comer. tenho esse ritual, que é quando dá duas horas e me permito ficar animado com a hora de ir embora. é tipo: se eu chegar a esse ponto posso ter o resto do dia de folga.
acontece na aula de matemática, e maura está sentada ao meu lado. Em outubro ela descobriu esse meu ritual e assim, todos os dias às duas agora ela me passa um pedaço de papel com alguma coisa escrita. tipo “ parabéns” ou
“podemos ir agora?” ou “ se essa aula não terminar logo, vou partir meu próprio crânio ao meio”. eu sei que devia escrever de volta, mas na maioria das vezes faço um gesto com a cabeça. acho que ela quer sair comigo ou algo assim, e não sei o que fazer em relação a isso.
todo mundo na nossa escola tem atividades extraclasse. a minha é ir pra casa. às vezes, paro e ando de skate por um tempo no parque, mas não em fevereiro, não neste subúrbio frio-de-congelar-o-cu de chicago (conhecido pelos moradores como naperville). se eu for pra lá agora, vou congelar até os ovos.
não que eu esteja usando os ditos-cujos pra alguma coisa, nada perto disso, mas ainda assim gosto de tê-los, por via das dúvidas. além disso, tenho coisas melhores pra fazer do que ficar ouvindo o pessoal que largou a faculdade me dizer quando posso usar a rampa (que, em geral, é... nunca) e ver os skatepunks da nossa escola me olharem com desprezo porque não sou descolado o bastante pra fumar e beber com eles, nem descolado o bastante pra ser straight edge. não o bastante pra coisa nenhuma no que diz respeito a eles. parei de tentar fazer parte desse grupo fechado que-não-admite-que- é-um-grupo-fechado quando terminei o nono ano. afinal, não é como se o skate fosse a minha vida nem nada.
gosto de ter a casa só pra mim depois da escola. não preciso ficar me sentindo culpado por ignorar minha mãe quando ela não está por perto. primeiro, ligo o computador pra ver se isaac está on-line. não está, então preparo um sanduíche de queijo (sou muito preguiçoso pra fazer queijo-quente) e toco uma punheta. isso leva uns dez minutos, não que eu esteja cronometrando.
isaac ainda não está on-line quando volto. ele é a única pessoa na minha “ buddy list”, que é a porra do nome mais idiota pra uma lista de amigos. significa “ lista de amiguinhos” — o que somos, crianças de 3 anos?

eu: oi, isaac, quer ser meu amiguinho!?
isaac: claro, amiguinho! vamos brincar!

isaac sabe o quanto acho essas coisas idiotas, e ele também acha. como o termo lol. olha, se existe alguma coisa mais idiota que buddy lists, é lol. Se alguém usar lol comigo, eu arranco o computador da parede e o acerto na cabeça mais próxima. afinal, as pessoas não estão laughing out loud, ou seja, rindo alto das coisas para as quais elas põem lol. eu acho que deviam escrever loló, que é o que parece que essas pessoas andaram cheirando já que não conseguem mais pensar. ou ttyl [talk to you later — falo com você mais tarde]. você não está falando de verdade, sua vaca. pra isso, seria preciso fazer contato vocal de verdade. Ou <3. você acha que isso parece um coração? se sim, é porque nunca viu um escroto.
(rofl [rolling on the floor laughing]! o quê? você está mesmo rolando no chão de tanto rir? bem, então por favor fique aí deitado um instante enquanto EU DOU UM PÉ NA TUA BUNDA.)
tive de dizer a maura que minha mãe me obrigou a cancelar meu instant messenger pra que ela parasse de entrar todas as vezes que eu estava tentando fazer alguma coisa.

sanguegotico4567: coé?
finalwill: trabalhando.
sanguegotico4567: em quê?
finalwill: meu bilhete de suicídio. não consigo decidir como terminar.
sanguegoticod4567: lol

assim, matei meu nome de usuário e ressuscitei com outro. isaac é a única pessoa que o conhece, e vai continuar assim. verifico meu e-mail e é quase tudo spam. o que eu quero saber é o seguinte: existe mesmo alguém no mundo todo que recebe um e-mail de hlyywkrrs@hothotmail.com, lê e diz pra si mesmo: “ sabe, o que eu preciso mesmo é aumentar meu pênis em 33%, e a maneira de fazer isso é enviar $ 69,99 àquela simpática senhora ilena da VIRILIDADE MÁXIMA CORP através deste conveniente link da internet!” se as pessoas caem mesmo nessa, não é com o pau que deviam estar preocupadas.
tenho uma solicitação de amizade de um estranho no facebook e a deleto sem nem olhar o perfil, porque tal coisa não me parece natural. porque a amizade não deve ser tão fácil assim. é como se as pessoas acreditassem que tudo que você precisa para serem almas gêmeas é gostar das mesmas bandas. ou livros. omg... vc gosta de outsiders 2... é como se fôssemos a mesma pessoa! não, não somos. é como se tivéssemos o mesmo professor de inglês. é diferente.
são quase quatro horas e isaac costuma estar on-line a essa hora. faço aquela coisa idiota da recompensa com meu dever de casa — é assim: se eu procurar a data em que os maias inventaram o palito de dentes, posso verificar se isaac já está on-line. depois, se eu ler mais três parágrafos sobre a importância da cerâmica nas culturas indígenas, posso verificar minha conta do yahoo. E, finalmente, se eu terminar de responder essas três perguntas e isaac ainda não estiver on-line, então posso tocar outra punheta.
estou ainda na metade da resposta da primeira pergunta, uma besteira sobre por que as pirâmides maias são tão mais legais que as egípcias, quando trapaceio, olho minha lista de amigos e vejo o nome de isaac ali. estou prestes a pensar por que ele não me mandou uma mensagem? quando a caixa aparece na tela. como se ele tivesse lido minha mente.

amarradopelopai: vc está aí?
grayscale: sim!
amarradopelopai:
grayscale: x 100
amarradopelopai: pensei em você o dia todo
grayscale: ???
amarradopelopai: só coisas boas
grayscale: isso é muito mau
amarradopelopai: depende do que você considera bom

é assim desde o começo. ficando cada vez mais agradável. fiquei um pouco assustado no início com o nome de usuário dele, mas rapidamente ele me contou que era porque o nome dele era isaac, e nofimmeupaisacrificouocordeiroenaoamim era longo demais pra ser um bom nome de usuário. ele me perguntou sobre meu antigo nome, finalwill e contei que meu nome era will, e foi assim que começamos a nos conhecer. Estávamos em uma daquelas salas de bate-papo entediantes onde se fica em completo silêncio a cada dez segundos até alguém escrever “ alguém aí?” e outras pessoas respondem “ sim” “ ok” “ aqui!”, sem dizer coisa nenhuma. Estávamos supostamente em um fórum sobre um cantor de quem eu gostava, mas não havia muito a dizer sobre ele, exceto quais músicas eram melhores que outras. era realmente chato, mas foi assim que isaac e eu nos conhecemos, então acho que vamos ter de contratar o cantor pra tocar em nosso casamento ou algo assim.
(isso não tem nenhuma graça.)
logo estávamos trocando fotos e mp3s, e falando sobre como tudo é uma merda, mas é claro que a ironia estava no fato de que enquanto falávamos sobre isso o mundo não era assim tão merda. exceto, naturalmente, pela parte final, quando tínhamos de voltar ao mundo real. é tão injusto ele morar em ohio, porque isso não devia ser assim tão longe, mas, como nenhum de nós dirige e nenhum de nós nem em um milhão de anos diria: “ ei, mãe, não quer me levar até o outro lado de indiana pra eu encontrar um garoto?”, estamos num beco sem saída.

grayscale: estou lendo sobre os maias.
amarradopelopai: angelou?
grayscale: ???
amarradopelopai: deixa pra lá. pulamos os maias. agora só estudamos história “ americana”.
grayscale: mas eles não viveram nas américas?
amarradopelopai: não, segundo a minha escola. **gemidos**
grayscale: então, quem você quase matou hoje?
grayscale: e com “ matar” quero dizer “ quis que desaparecesse”, no caso de essa conversa estar sendo monitorada por administradores...
amarradopelopai: contagem de corpos potencial em 11. doze, se você incluir o gato.
grayscale: ... ou pela segurança interna
grayscale: maldito gato!
amarradopelopai: maldito gato!

não contei a ninguém sobre isaac, porque ninguém tem nada com isso. Adoro que ele saiba quem todo mundo é, mas que ninguém saiba quem ele é. se eu tivesse amigos de verdade com quem achasse que podia falar, isso poderia causar algum conflito. mas como agora bastaria um único carro pra levar as pessoas ao meu enterro, acho que está tudo bem.
algum tempo depois, isaac precisa sair, porque ele não pode usar o computador na loja de música onde trabalha. sorte minha que não parece ser uma loja muito movimentada, e que o chefe dele seja um traficante de drogas ou algo do gênero já que está sempre deixando isaac responsável pela loja enquanto sai pra “ encontrar umas pessoas”.
eu me afasto do computador e termino o dever de casa rapidamente. Então posso ir pra sala de tv e ligar em law & order, pois a única coisa certa mesmo nessa vida é que sempre que eu ligar a tv haverá um episódio de law & order. desta vez é o do cara que estrangula uma loura atrás da outra, e embora eu tenha certeza de já ter visto aquilo umas dez vezes, fico assistindo como se não soubesse que a repórter bonita com quem ele está falando está prestes a ter o cordão da cortina enrolado no pescoço. não assisto a essa parte, porque é muito idiota, mas assim que a polícia pega o cara e o julgamento começa, o negócio fica tipo:

promotor: cara, o cordão tirou esse pedacinho microscópico de pele da sua mão enquanto você a estrangulava, e nós o examinamos no microscópio e descobrimos que você está totalmente fodido.

você tem de saber que ele gostaria de ter usado luvas, embora elas provavelmente teriam deixado fibras, e ele estaria totalmente fodido de qualquer jeito. quando tudo isso acaba, vem outro episódio que eu não acho que tenha visto antes, até que uma celebridade atropela um bebê com sua Hummer, e eu penso: ah, é aquele em que a celebridade atropela o bebê com a Hummer. Assisto de qualquer forma, porque não tenho nada melhor pra fazer. então mamãe chega em casa e me encontra lá, e é como se fôssemos uma reprise também.

mãe: como foi o seu dia?
eu: mãe, estou assistindo tv.
mãe: você vai estar pronto para o jantar em 15 minutos?
eu: mãe, estou assistindo tv!
mãe: bem, arrume a mesa no intervalo.
eu: TÁ BOM.

simplesmente não entendo isso — existe coisa mais chata e patética que pôr a mesa quando só tem duas pessoas? quero dizer, com jogo americano e garfos pra salada e tudo. quem ela está enganando? eu daria qualquer coisa pra não ter de passar os próximos vinte minutos sentado na frente dela, uma pessoa que não acredita em deixar o silêncio reinar. não, ela tem de preenchê-lo com conversa. tenho vontade de dizer a ela que é pra isso que servem as vozes na cabeça da gente, pra ajudar a passar por todas as partes silenciosas. mas ela não quer ficar com seus pensamentos, a menos que os diga em voz alta.

mãe: se eu tiver sorte esta noite, talvez a gente tenha mais uns dólares pra poupança do carro.
eu: você não precisa fazer isso.
mãe: não seja bobo. é um motivo pra eu ir à noite do pôquer das garotas.

queria mesmo que ela parasse com isso. ela se sente pior que eu com o fato de eu não ter um carro. quer dizer, não sou um daqueles imbecis que acredita que assim que se faz 17 anos é um direito dado por deus aos americanos ter um chevrolet novinho em folha na entrada da garagem. sei qual é a nossa situação, e sei que ela não gosta que eu tenha de trabalhar numa farmácia nos fins de semana para pagar as coisas que precisamos comprar na própria farmácia. vê-la constantemente triste com isso não faz com que eu me sinta melhor. e, é claro, há outra razão pra ela ir jogar pôquer além do dinheiro. ela precisa de mais amigos.
ela me pergunta se tomei meu remédio antes de sair correndo de manhã e digo, sim, caso contrário, eu não estaria me afogando na banheira? ela não gosta disso, então digo “ brincadeirinha, brincadeirinha” e faço uma anotação mental de que as mães não são o melhor público pra piadas sobre remédios. decido não comprar pra ela o suéter de melhor mãe do mundo de um bosta depressivo no dia das mães como vinha planejando. (ok, na verdade não existe um suéter assim, mas, se existisse, teria gatinhos nele, colocando meias nas patas.) a verdade é que pensar em depressão me deprime horrores, então volto pra sala de tv e assisto a mais law & order. isaac nunca volta ao computador antes das oito, então espero até lá. maura me liga, mas não tenho energia pra dizer nada exceto o que está acontecendo em law & order, e ela odeia quando faço isso. então deixo o correio de voz atender.

eu: aqui é o will. qual é o motivo dessa porra de ligação? deixe uma mensagem e talvez eu te ligue de volta. [BIPE]
maura: ei, perdedor. estou tão entediada que estou te ligando. pensei que, se você não estivesse fazendo nada, eu poderia gerar seus filhos. bem... sendo assim, acho que vou ligar pra josé e pedir a ele que me coma na manjedoura e conceba outra criança santa.

quando me dou ao trabalho de ouvir são quase oito. e, mesmo assim, não me dou ao trabalho de ligar de volta pra ela. temos essa coisa em relação a ligar de volta pro outro; o que significa não fazer muito isso. em vez de ligar, sigo pro computador e é como se eu me transformasse em uma garotinha que vê seu primeiro arco-íris. fico todo animado e nervoso, cheio de esperança e desesperado, e digo a mim mesmo pra não ficar olhando obsessivamente a lista de amigos, mas parece que ela se projeta na parte interna das minhas pálpebras.
às 20h05 o nome dele aparece e eu começo a contar. chego apenas ao 12 antes que a mensagem dele surja na tela.

amarradopelopai: meus cumprimentos!
grayscale: e saudações!
amarradopelopai: muito feliz por vc estar aqui.
grayscale: muito feliz por estar aqui
amarradopelopai: trabalho hoje = o dia! mais entediante! de todos os tempos! uma garota tentou furtar e não foi nem um pouco sutil. eu costumava ter alguma simpatia por ladrões de lojas
amarradopelopai: mas agora só quero vê-los atrás das grades. disse a ela para devolver o objeto e ela reagiu toda do tipo: “ colocar o que de volta?” até eu meter a mão no bolso dela e pegar o disco. e o que ela disse então? “ ah”
grayscale: nem mesmo “ desculpa”?
amarradopelopai: nem isso.
grayscale: garotas são um saco.
amarradopelopai: e os garotos são uns anjos? seguimos assim por cerca de uma hora. queria que pudéssemos falar pelo telefone, mas os pais dele não deixam que ele tenha um celular, e sei que minha mãe às vezes checa as minhas chamadas quando estou no banho. mas isso é legal. é a única parte do meu dia em que o tempo parece valer.
passamos nossos costumeiros dez minutos nos despedindo.

amarradopelopai: preciso mesmo ir.
grayscale: eu também.
amarradopelopai: mas não quero.
grayscale: nem eu.
amarradopelopai: amanhã?
grayscale: amanhã!
amarradopelopai: eu quero você.
grayscale: quero você também.

isso é perigoso, pois como regra não me permito querer coisas. muitas vezes quando eu era criança, juntava as mãos ou fechava os olhos bem apertado e me dedicava a esperar por alguma coisa. eu até achava que havia alguns lugares no meu quarto que eram melhores pra pedir que outros — debaixo da cama era ok, mas na cama não era; o fundo do armário servia, desde que a caixa de sapatos com cartões de beisebol estivesse no meu colo. nunca, jamais na minha mesa, mas sempre com a gaveta de meias aberta. ninguém tinha me dito essas regras — eu as havia descoberto sozinho. podia passar horas nutrindo um desejo particular — e toda vez deparava com um gigantesco muro de total indiferença.
fosse pra desejar um hamster de estimação ou pra que minha mãe parasse de chorar — a gaveta de meias estaria aberta, e eu estaria sentado atrás do meu baú de brinquedos com três bonecos em uma das mãos e uma miniatura de carro na outra. nunca esperava que tudo ficasse melhor — apenas que uma única coisa melhorasse. e nunca funcionou. assim, finalmente, desisti. eu desisto todo santo dia.
mas não com isaac. às vezes isso me assusta. desejar que dê certo. mais tarde naquela noite recebo um e-mail dele. tenho a sensação de que minha vida está muito dispersa neste momento. como se fosse um monte de pedacinhos de papel e alguém ligasse o ventilador. mas falar com você me faz sentir como se o ventilador tivesse sido desligado por um tempo. como se as coisas pudessem de fato fazer algum sentido. Você junta todos os meus pedacinhos, e sou muito grato por isso.
DEUS, ESTOU TÃO APAIXONADO.

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