Capítulo Nove
Você só
pode ficar durante certo tempo em um banheiro sem levantar suspeitas. Depois de
meia hora, as pessoas
começam a encarar a porta, imaginando como você está. Fiquei lá dentro por pelo
menos isso, sentada
no boxe com a porta fechada, soluçando em uma toalha de mão em que estava
escrito DEIXE A NEVE
CAIR!
É, deixe a neve cair. Deixe nevar e nevar e me
enterre. Muito engraçado, Vida.
Eu estava meio que morrendo de medo de sair, mas,
quando saí, vi que a cozinha estava vazia. No entanto, havia sido um pouco
alegrada. Tinha uma vela de Natal acesa no meio do fogão, músicas do Bing Crosby
estavam tocando, e uma chaleira fumegante de café fresco e bolo esperavam no
balcão. Debbie surgiu da área de serviço que ficava ao lado do fogão.
– Pedi que Stuart fosse até o vizinho para pegar
uma roupa de neve emprestada para Rachel – falou.
– Ela cresceu, e a outra não cabe mais, e o vizinho
tem uma bem do tamanho dela. Ele voltará logo.
Debbie acenou com a cabeça para mim como se
dissesse Sei que você precisava de um tempo sozinha. Eu dou cobertura.
– Obrigada – respondi, sentando-me à mesa.
– E falei com seus avós – acrescentou ela. – Sua
mãe me deu o número. Estavam preocupados, mas os acalmei. Não se preocupe,
Jubileu. Sei que as festas podem ser difíceis, mas tentaremos tornar esta
especial para você.
Obviamente, minha mãe havia contado a ela qual era
meu nome verdadeiro. Ela o pronunciou com cuidado, como se quisesse me dizer
que havia tomado nota. Que estava sendo sincera.
– Elas costumam ser ótimas – falei. – Nunca tive um
Natal ruim antes.
Debbie se levantou e me serviu um pouco do café,
colocando a xícara à minha frente junto com uma garrafa de leite e um enorme
açucareiro.
– Sei que deve ser uma experiência muito ruim para
você – disse ela –, mas acredito em milagres. Sei que parece brega, mas
acredito. E acho que sua vinda para cá foi um pequeno milagre para nós.
Olhei para ela conforme colocava o leite no café e
quase fiz a caneca transbordar. Eu tinha reparado em uma placa no banheiro que
dizia ABRAÇOS DE GRAÇA AQUI! Não havia nada de errado com isso –
Debbie era claramente uma boa pessoa –, mas talvez
ela tendesse para o lado mais bobalhão do sentimentalismo.
– Obrigada? – respondi.
– O que quero dizer é... Stuart parece mais feliz
hoje do que em... Bem, eu provavelmente não deveria dizer isso, mas... Bem,
talvez ele já tenha contado. Ele conta a todo mundo, e vocês dois parecem já se
dar muito bem, então...
– Contou o quê?
– Sobre Chloe – falou ela com os olhos arregalados.
– Ele não contou?
– Quem é Chloe?
Debbie precisou se levantar e me servir uma fatia
grossa de bolo antes de responder. E digo grossa de verdade. Tipo o sétimo
livro do Harry Potter. Eu conseguiria derrubar um assaltante com aquela fatia
de bolo. Assim que provei, no entanto, pareceu ser bem do tamanho certo. Debbie
não brincava quando o assunto era manteiga e açúcar.
– Chloe – repetiu ela, baixando a voz – era a
namorada de Stuart. Eles terminaram há três meses, e ele... bem, ele é um
garoto tão doce... foi difícil para ele. Chloe era horrível com Stuart.
Horrível. A noite passada foi a primeira em muito tempo em que vi uma chama do
velho Stuart, quando você estava sentada com ele.
– Eu... o quê?
– Stuart tem um coração tão bom – continuou ela,
ignorando o fato de que eu estava imóvel, com uma fatia de bolo a meio caminho
da boca. – Quando o pai dele e de Rachel, meu ex-marido, foi embora, ele só tinha
doze anos. Mas você devia ter visto como me ajudou e como era com Rachel. É um
garoto tão bom.
Eu não sabia por onde começar. Havia algo chocante
e esquisito em discutir o fim do namoro de Stuart com a mãe dele. A expressão
diz que: o melhor amigo de um garoto é a mãe. Não é: o melhor cafetão de um
garoto é a mãe dele. É assim por um motivo.
O pior, se é que poderia ficar pior, o que aparentemente
havia acontecido... é que eu era o bálsamo que havia curado as feridas do filho
dela. O milagre de Natal de Debbie. Ela me manteria ali para sempre, me
enchendo de bolo e me vestindo em moletons grandes demais. Eu seria a Noiva de
Flobie.
– Você mora em Richmond, não é? – continuou ela. –
Fica a quê? Umas duas ou três horas de carro...
Eu estava pensando em me trancar no banheiro de
novo quando Rachel entrou saltitando pela porta e escorregou até mim de
pantufas. Ela subiu até metade do meu colo e observou meus olhos de perto. A menina
ainda precisava de um banho.
– O que foi? – perguntou ela. – Por que está
chorando?
– Ela está com saudade dos pais – respondeu Debbie.
– É Natal, e ela não pode vê-los por causa da neve.
– Vamos cuidar de você – disse Rachel, pegando
minha mão e usando aquela adorável voz do tipo “deixa eu lhe contar um segredo”
que só as crianças podem usar. Mas, à luz dos comentários recentes da mãe dela,
parecia um pouco ameaçador.
– Que gracinha, Rachel – falou Debbie. – Por que
não vai escovar os dentes como uma garota crescida? Jubileu sabe escovar os
dentes.
Sabe, mas não tinha escovado. Não havia escova de
dente na minha mochila. Eu não estava no meu melhor estado quando fiz as malas.
Ouvi a porta da frente se abrir, e, um momento
depois, Stuart entrou na cozinha com a roupa de neve.
– Precisei ver duzentas fotos em um porta-retratos
digital – contou ele. – Duzentas. A sra. Henderson queria muito que eu soubesse
como era incrível ele conseguir armazenar duzentas fotos. Mencionei que havia
duzentas delas? Enfim.
Ele apoiou a roupa de neve, depois pediu licença
para trocar a calça jeans, que estava ensopada de neve.
– Não se preocupe – falou Debbie quando ele saiu. –
Vou levar a menininha para brincar lá fora para você poder relaxar. Você e
Stuart passaram um frio terrível ontem à noite. Fique aqui e se aqueça pelo menos
até descobrirmos algo sobre seu trem. Prometi a sua mãe que cuidaria de você.
Portanto, você e Stuart fiquem aqui e façam alguma coisa. Tomem um bom
chocolate quente, comam alguma coisa, fiquem aninhados debaixo de um
cobertor...
Sob quaisquer outras circunstâncias, eu teria
presumido que a última frase significava “Fiquem aninhados debaixo de dois
cobertores separados, a muitos metros de distância, possivelmente com um lobo preso
a uma corrente frouxa entre vocês”, porque é isso que os pais sempre querem
dizer. Debbie me passou a sensação de não se importar com a situação do modo
como a quiséssemos levar. Se quiséssemos nos sentar no sofá e compartilhar um
cobertor para conservar a temperatura corporal, ela não se oporia. Na verdade,
era possível que diminuísse a temperatura do aquecedor e escondesse todos os
cobertores menos um.
Ela pegou a roupa de neve e foi atrás de Rachel. Era
tão alarmante que por um momento me esqueci do meu trauma.
– Você parece assustada – disse Stuart ao voltar. –
Minha mãe andou assustando você?
Gargalhei um pouco alto demais e tossi o bolo, e
Stuart me lançou o mesmo olhar que havia lançado na Waffle House na noite
anterior, quando eu estava tagarelando a respeito dos tangencialmente suecos e da
falta de sinal no celular. Mas, como na noite anterior, ele não fez comentários
sobre meu comportamento. Simplesmente se serviu de uma xícara de café e me
observou pelo canto do olho.
– Ela vai sair um pouquinho com minha irmã – falou
ele. – Então seremos apenas nós. O que quer fazer?
Coloquei mais bolo na boca e fiquei
em silêncio.
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