Capítulo Oito
A manhã
chegou na forma de uma menina de cinco anos pulando no meu estômago. Meus olhos
se arregalaram
com a força.
– Quem é você? – disse ela, animada. – Sou Rachel!
– Rachel! Pare de pular nela! Está dormindo!
Era a voz da mãe de Stuart. Rachel era um
ministuart cheio de sardas com um cabelo incrivelmente bagunçado, de quem
acabou de se levantar, e um sorriso enorme. Cheirava levemente a cereais e
precisava de um banho. Debbie também estava bem ali, segurando uma xícara de
café enquanto ligava a Cidade do Papai Noel Flobie. Stuart veio da direção da
cozinha.
Odeio quando acordo e vejo que as pessoas estavam andando
ao meu redor e me viram dormindo. Infelizmente, acontece muito. Eu durmo como
uma campeã. Certa vez dormi enquanto um alarme de incêndio disparava. Durante
três horas. Dentro do meu quarto.
– Vamos adiar a abertura dos presentes – falou
Debbie. – Esta manhã simplesmente comeremos alguma coisa e teremos uma boa
conversa!
Isso era obviamente para meu benefício, pois não
havia presentes para mim. O rosto de Rachel parecia prestes a se dividir ao
meio, como um pedaço de fruta madura. Stuart olhou para a mãe, como se perguntando
se era mesmo uma boa ideia.
– Menos Rachel – disse ela rapidamente.
É incrível como o humor de crianças pequenas se
altera rapidamente. Ela foi de desespero total para felicidade extrema no tempo
que se leva para dar um espirro.
– Não – falei. – Não, vocês também deveriam abrir.
Debbie sacudia a cabeça com firmeza e sorria.
– Stuart e eu podemos esperar. Por que não vai se
arrumar para tomarmos café?
Deslizei até o banheiro, com a cabeça baixa, para
tentar fazer alguns reparos matinais básicos. Meu cabelo parecia estar
concorrendo em um festival de comédia, minha pele estava queimada e rachada.
Fiz o melhor que pude com água fria e sabonetes para as mãos decorativos, o que
significa que não fiz muito progresso.
– Quer ligar para sua família? – perguntou Debbie
quando eu voltei. – Desejar feliz Natal a eles?
Percebi que olhava para Stuart para pedir ajuda.
– Vai ser difícil – interveio ele. – Eles são parte
dos Cinco da Flobie.
Bom trabalho escondendo o fato. Mas Debbie não
pareceu espantada. Em vez disso, ficou com um brilho nos olhos, como se tivesse
acabado de conhecer uma celebridade.
– Seus pais estavam lá? – perguntou ela. – Ah, por
que não disse antes? Eu amo a Cidade do Papai Noel Flobie. E foi uma besteira
colocá-los na cadeia. Os Cinco da Flobie! Ah, tenho certeza de que os deixarão
falar ao telefone com a filha! No Natal! Não é como se tivessem matado alguém.
Stuart olhou para mim de modo sábio, como se
dissesse Eu falei.
– Nem sei em que cadeia eles estão – expliquei.
Senti-me culpada assim que falei. Meus pais estavam mofando numa cela em algum
lugar, e eu nem sabia onde.
– Bem, isso é fácil de descobrir. Stuart, entre na
internet e descubra em que cadeia estão. Com certeza está nos noticiários.
Stuart já estava saindo da sala, dizendo para
deixar com ele.
– Stuart é um mago nessas coisas – falou Debbie.
– Que tipo de coisas?
– Ah, ele consegue encontrar tudo na internet.
Debbie era daquele tipo de mãe que ainda não tinha
entendido que usar a internet não é exatamente magia e que todos podíamos
encontrar qualquer coisa on-line. Não falei isso porque não é certo querer que as
pessoas sintam como se não compreendessem algo bem óbvio, ainda que não
compreendam.
Stuart voltou com a informação, e Debbie pegou o
telefone.
– Eu vou fazê-los permitir que você fale com seus
pais – disse ela com a mão no telefone. – Eles não têm ideia de como sou
persist... Ah, alô?
Parecia que estavam dificultando as coisas para
Debbie, mas ela os venceu. Sam teria ficado impressionado. Ela me passou o telefone
e saiu da cozinha, toda sorrisos. Stuart pegou Rachel, que se sacudia, e a
carregou para fora também.
– Jubileu? – falou minha mãe. – Querida! Você está
bem? Acabou de chegar à Flórida? Como estão a vovó e o vovô? Ah, querida...
– Não estou na Flórida. O trem não chegou. Estou em
Gracetown.
– Gracetown? – repetiu ela. – Só conseguiu chegar
até aí? Ah, Jubileu... onde você está? Está bem? Ainda está dentro do trem?
Eu não sentia vontade de contar toda a história das
últimas 24 horas, então a encurtei.
– O trem ficou preso – expliquei. – Precisamos
descer. Conheci umas pessoas. Estou na casa delas.
– Pessoas? – A voz dela se elevou um tom de
preocupação, o tipo que dizia que ela suspeitava de traficantes e molestadores.
– Que tipo de pessoas?
– Pessoas legais, mãe. A mãe e dois filhos. Têm uma
Cidade do Papai Noel Flobie. Não é tão grande quanto a nossa, mas algumas peças
são iguais. Têm a loja de jujubas, com o letreiro completo. E a padaria de
biscoito e pães de gengibre. Têm até um Café Homens Alegres da primeira
geração.
– Ah – respondeu ela, de alguma forma aliviada.
Acho que meus pais pensam que é preciso ter algum
caráter para fazer parte do grupo da Flobie. Degenerados sociais não
desperdiçam tempo para arrumar com dedicação os minúsculos homens de gengibre
na janela da padaria. E, ainda assim, muita gente tomaria isso como um sinal de
que a pessoa era desequilibrada. O que é loucura para um pode ser sanidade para
o outro, imagino. Além disso, achei que fui muito ardilosa ao descrever Stuart
como um de “dois filhos” em vez de “um cara que eu conheci na Waffle House que
estava com sacolas plásticas na cabeça”.
– Ainda está aí? – perguntou ela. – E quanto ao
trem?
– Acho que ainda está atolado. Ficou preso em um
banco de neve ontem à noite, e precisaram desligar a energia e o aquecimento.
Por isso descemos.
De novo, muito esperta ao dizer “descemos”, e não
“apenas eu, caminhando por uma interestadual de seis pistas durante a nevasca”.
Não era mentira também. Jeb e as Ambers e Madisons tinham feito a caminhada
sozinhos, logo depois que eu abandonei os trilhos. Ter dezesseis anos significa
precisar ser um genial editor de conversas.
– Como está... – Como se pergunta aos pais como
está a cadeia?
– Estamos bem – disse mamãe, corajosa. – Estamos...
ah, Julie. Ah, querida. Sinto muito por isso. Muito, muito mesmo. Não
queríamos...
Pelo que ouvi, ela estava prestes a perder a
compostura, e isso significava que eu também perderia em breve se não a
interrompesse.
– Estou bem – falei. – As pessoas aqui estão cuidando
muito bem de mim.
– Posso falar com elas?
Elas queria dizer Debbie, então a chamei. Ela pegou
o telefone e teve uma daquelas conversas de mãe para mãe nas quais exprimem
preocupação pelas crianças como um todo e fazem muitas expressões ansiosas.
Debbie estava bem no meio da tarefa de confortar minha mãe, de ouvi-la falar, e
eu descobri que ela não me deixaria ir a lugar nenhum por pelo menos um dia.
Ouvi-a mencionar a ideia de que meu trem não ia a lugar nenhum, que não havia
qualquer chance de eu conseguir chegar à Flórida.
– Não se preocupe – disse ela a mamãe. – Vamos
cuidar muito bem da sua filha aqui. Temos muita comida boa, e vamos mantê-la
contente e aconchegada e quentinha até as coisas melhorarem. Ela terá um bom
Natal, prometo. E a enviaremos de volta para você em seguida.
Uma pausa enquanto minha mãe fazia promessas
fraternas de gratidão em um tom agudo.
– Não é problema algum! – continuou Debbie. – Ela é
muito agradável. E não é para isso que serve o Natal? Apenas tomem conta de si
mesmos aí. Nós, fãs da Flobie, estamos torcendo por vocês.
Quando desligou, Debbie estava secando os olhos e
anotando um número no ímã “Lista do Elfo” na geladeira.
– Eu deveria ligar para perguntar do trem – falei.
– Se não tiver problema.
Não consegui falar com ninguém ao telefone,
provavelmente porque era Natal, mas uma gravação disse que havia “atrasos
substanciais”. Olhei pela janela enquanto ouvia a voz citar as escolhas do
menu.
Ainda nevava. Não era um fim do mundo como na noite
anterior, mas estava bem consistente. Debbie ficou por ali um tempo, mas depois
saiu. Liguei para Noah. Ele atendeu no sétimo toque.
– Noah! – falei, mantendo a voz baixa. – Sou eu!
Estou...
– Oi! – disse ele. – Olha, íamos todos nos sentar
para tomar café.
– Eu meio que tive uma noite ruim – falei.
– Ah, não. Sinto muito, Leu. Olha, ligo de volta
daqui a pouquinho, está bem? Tenho o número. Feliz Natal!
Nada de “Amo você”. Nada de “Meu Natal está
arruinado sem você”. Então eu senti que ia perder a calma. Fiquei toda chorosa,
mas não queria ser uma daquelas namoradas que choraminga quando o namorado não
pode falar... mesmo que minhas circunstâncias fossem um pouco além do normal.
– Claro – respondi, mantendo a voz firme. – Depois
a gente se fala. Feliz Natal.
E corri para o banheiro.
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