Capítulo Oito
estou surtando tanto que se
tirassem um palhaço do meu rabo eu não ficaria nada surpreso.
talvez tudo fizesse um pouco de
sentido se esse OUTRO WILL GRAYSON que se encontra bem ao meu lado não fosse
absolutamente um will grayson, mas em vez disso o campeão medalha de ouro das
olimpíadas da loucura. não que ao vê-lo pela primeira vez eu tivesse pensado
comigo mesmo: ei, o nome daquele garoto deve ser will grayson também. não, a
única coisa que pensei foi: ei, esse não é isaac. a idade certa, mas o rosto
completamente errado. então o ignorei.
voltei-me para o dvd que fingia
examinar, de um filme pornô intitulado o som e a fera. era sobre “ sexo
animal”, com umas pessoas na capa usando fantasias de vaca (um úbere). fiquei
feliz que nenhuma vaca de verdade houvesse sido machucada (ou saciada) durante
as filmagens. ainda assim. não é a minha praia. ao lado dele estava um dvd
intitulado transando no leito de morte, que tinha uma cena de hospital na capa.
era como grey’s anatomy, só que com menos grey e mais anatomy. pensei por um
instante: mal posso esperar pra contar isso a isaac, esquecendo, é claro, que
ele deveria estar aqui comigo.
não que eu pudesse não tê-lo
visto entrar; o lugar estava vazio, exceto por mim, o.w.g., e o atendente, que
parecia o pillsbury doughboy, o bonequinho de massa da pillsbury company, se a
massa tivesse ficado fora da geladeira por uma semana inteira. creio que todas
as outras pessoas usavam a internet para obter seus produtos pornôs. e a
frenchy’s não era exatamente convidativa — tinha a iluminação de uma loja de
conveniências, que fazia todo o plástico parecer muito mais plástico e o metal
parecer muito mais metálico, e as pessoas nuas nas capas dos dvds parecerem
ainda menos sensuais e mais com pornografia barata. passando por boquete em
moisés e deleite vespertino em agosto, eu me vi nessa bizarra seção de itens em
formato de pênis. como minha mente é, no fundo, cheia de merda, comecei
imediatamente a imaginar uma sequência de toy story intitulada sex toy story,
na qual todos esses consolos e vibradores subitamente ganham vida e têm de
fazer coisas como atravessar a rua a fim de voltar pra casa.
mais uma vez, enquanto todos
esses pensamentos me ocorriam, eu também pensava em dividi-los com isaac. esse
era o meu ponto fraco. minha atenção só foi desviada quando ouvi meu nome ser
dito pelo cara atrás do balcão. que foi como encontrei o.w.g. portanto, é isso:
vou a uma sex shop para encontrar isaac e, em vez disso, o que consigo é outro
will grayson. deus, você é uma porra de um babaca.
naturalmente, nesse momento isaac
está galgando os degraus da babaquice também. minha esperança é de que, na
verdade, ele seja um filho da puta dominado pelo nervosismo — tipo, quem sabe
ele apareceu e descobriu que o lugar que seu amigo recomendou era uma sex shop
e ficou tão mortificado que fugiu dali, chorando. isso é possível. ou talvez
ele esteja apenas atrasado. Tenho de dar a ele pelo menos uma hora. o trem pode
ter ficado preso em um túnel ou alguma coisa assim. não seria a primeira vez.
ele está vindo de ohio, afinal. As pessoas de ohio se atrasam o tempo todo.
meu telefone toca praticamente ao
mesmo tempo que o de o.w.g... embora seja pateticamente improvável que vá ser
isaac, minhas esperanças ainda se elevam. então vejo que é maura.
eu: meu deus, é maura.
a princípio, decido não atender,
mas então o.w.g. atende o dele.
o.w.g.: é meu amigo tiny.
se o.w.g. vai atender o dele,
concluo que é melhor eu atender o meu também. além disso, lembro que maura me
fez um favor hoje. se mais tarde eu souber que a competição das olimpíadas de
matemática foi atacada por um esquadrão de nerds de humanas frustrados
brandindo uzis, vou me sentir culpado por não ter atendido o telefone e dado a
chance de maura dizer adeus.
eu: rápido — qual a raiz quadrada
da minha cueca?
maura: oi, will.
eu: essa resposta lhe concede
zero ponto.
maura: como está chicago?
eu: absolutamente sem vento!
maura: o que você está fazendo?
eu: ah, estou de papo com will
grayson.
maura: foi o que pensei.
eu: como assim?
maura: cadê a sua mãe?
uh-oh. isso cheira a armadilha.
será que maura ligou pra minha casa? será que falou com minha mãe? movimento do
pedal, marcha ré!
eu: por acaso sou babá da minha
mãe? (rá rá)
maura: pare de mentir, will.
eu: ok, ok. eu meio que precisava
dar uma escapada sozinho. pra ir a um show mais tarde.
maura: que show?
porra! não consigo lembrar a que
show o.w.g. disse que ia. e ele ainda está
ao telefone, então não posso
perguntar.
eu: uma banda da qual você nunca
ouviu falar.
maura: experimenta me dizer.
eu: hã, é esse o nome deles. “uma
banda da qual você nunca ouviu falar”.
maura: ah, eu já ouvi falar
deles.
eu: aham.
maura: acabei de ler uma resenha
do álbum deles na spin.
eu: legal.
maura: é, o nome do álbum é “isaac
não vem, seu filho da puta mentiroso”.
isso não é bom.
eu: esse é um nome bem idiota pra
um disco.
como? como como como?
maura: desista, will.
eu: minha senha.
maura: o quê?
eu: você hackeou a minha senha.
você vem lendo meus e-mails, não é?
maura: do que você está falando?
eu: de isaac. como você sabe do
meu encontro com isaac?
ela devia ter espiado enquanto eu
verificava meu e-mail na escola. devia ter visto as teclas que digitei. ela
roubou a droga da minha senha.
maura: eu sou isaac, will.
eu: não seja idiota. ele é um
cara.
maura: não é não. ele é um
perfil. eu o criei.
eu: tá, sei.
maura: fui eu quem o criou.
não. não não não não não não não
não não não não não não.
eu: o quê?
não por favor nada de o quê não
não por favor não porra não NÃO.
maura: isaac não existe. nunca
existiu.
eu: você não pode...
maura: você cai tão fácil.
EU CAIO tão fácil?!?
PUTA QUE PARIU.
eu: diga que você está brincando.
maura: ...
eu: isto não está acontecendo.
o outro will grayson encerrou a
ligação e está me olhando.
o.w.g.: você está bem?
está chegando. aquele momento de
“ uma bigorna acabou mesmo de cair na minha cabeça?” passou e estou sentindo.
ah senhor estou sentindo a bigorna.
eu: sua. puta. desprezível.
sim, as sinapses estão
transmitindo a informação agora. atualizações: isaac nunca existiu. era só sua
amiga se fazendo passar por ele. era tudo uma mentira. tudo uma mentira.
eu: sua. piranha. horrorosa.
maura: por que garotas nunca são
chamadas de bundões?
eu: não vou insultar as bundas
assim. elas pelo menos servem a um propósito.
maura: olhe, eu sabia que você ia
ficar com raiva...
eu: você SABIA que eu ia ficar
com RAIVA!?!
maura: eu ia te contar.
eu: nossa, obrigado.
maura: mas você não me contou.
o.w.g. está parecendo muito
preocupado agora. então cubro o telefone com a mão por um segundo e falo com
ele.
eu: na verdade, eu não estou nada
bem. provavelmente estou vivendo o pior minuto da minha vida. não vá embora.
o.w.g. faz que sim com a cabeça.
maura: will? olhe, desculpe.
eu: ...
maura: você não achou de fato que
ele ia te encontrar em uma sex shop, achou?
eu: ...
maura: foi uma piada.
eu: ...
maura: will?
eu: é só meu respeito pelos seus
pais que vai me impedir de te assassinar imediatamente. mas por favor entenda
uma coisa: eu nunca, jamais vou falar com você, passar bilhetinhos, mandar
mensagem ou falar por nenhuma porra de linguagem de sinais outra vez. prefiro
comer merda de cachorro cheia de gilete do que ter alguma coisa a ver com você.
termino a ligação antes que ela
possa dizer mais alguma coisa. desligo o telefone. me sento no meio-fio. fecho
os olhos. e grito. se todo o meu mundo vai despencar à minha volta, então vou
fazer o barulho correspondente. Quero gritar até todos os meus ossos se
partirem. uma vez. duas. mais outra.
então paro. sinto as lágrimas, e
torço para que, se eu mantiver os olhos fechados, possa contê-las dentro de
mim. estou tão além do patético que quero abrir os olhos e ver isaac ali,
ouvi-lo dizer que maura está maluca. ou ouvir o outro will grayson me dizer que
isso, também, pode ser descartado como coincidência. é ele de fato o will
grayson para quem maura vem enviando emails. ela confundiu os will graysons.
mas a realidade. bem, a realidade
é a bigorna. respiro fundo e, pelo som, pareço entupido.
o tempo todo.
o tempo todo era maura.
não isaac.
não isaac.
nunca.
tem mágoa. tem dor. e tem
mágoa-e-dor-ao-mesmo-tempo.
estou sentindo
mágoa-e-dor-ao-mesmo-tempo.
o.w.g.: hã... will?
pela cara dele, a
mágoa-e-dor-ao-mesmo-tempo pode ser vista muito claramente em meu rosto.
eu: sabe aquele cara que eu ia
encontrar?
o.w.g.: isaac.
eu: pois é, isaac. bem, acabou
que ele não era um cara de 50 anos. era minha amiga maura, fazendo uma
brincadeira.
o.w.g.: uma puta de uma piada
maldosa.
eu: sim. estou sentindo isso.
não tenho a menor ideia se estou
falando com ele porque ele também se chama will grayson ou se porque me contou
um pouco do que está acontecendo com ele ou se porque ele é a única pessoa no
mundo disposta a me ouvir neste momento. todos os meus instintos estão me
dizendo para me enrolar numa bola bem pequena e rolar para o esgoto mais
próximo — mas não quero fazer isso com o.w.g... sinto que ele merece mais do
que ser uma testemunha ocular de minha autodestruição.
eu: alguma coisa assim já
aconteceu com você?
o.w.g. faz que não com a cabeça.
o.w.g.: receio que estejamos em
terreno novo aqui. meu melhor amigo, tiny, uma vez ia me inscrever no concurso
garoto do mês da revista seventeen sem me contar, mas não creio que seja a
mesma coisa.
eu: como você descobriu?
o.w.g.: ele achou que o texto
precisava ser revisado, então me pediu pra fazer isso.
eu: você ganhou?
o.w.g.: eu disse a ele que
enviaria para a revista e então guardei. ele ficou arrasado por eu não ter
ganhado... mas acho que teria sido pior se isso tivesse acontecido.
eu: você poderia ter conhecido a
miley cyrus. jane teria morrido de ciúme.
o.w.g.: acho que antes jane teria
morrido de rir.
não posso evitar — imagino isaac
rindo também.
e então tenho que matar essa
imagem.
porque isaac não existe.
tenho a sensação de que vou
perder o controle outra vez.
eu: por quê?
o.w.g.: por que jane morreria de
rir?
eu: não, por que maura faria
isso?
o.w.g.: sinceramente, não sei.
maura. isaac.
isaac. maura.
bigorna.
bigorna.
bigorna.
eu: sabe o que é uma merda no
amor?
o.w.g.: o quê?
eu: o fato de estar tão ligado à
verdade.
as lágrimas estão começando a
voltar. porque essa dor — sei que estou desistindo de tudo. isaac. esperança. o
futuro. aqueles sentimentos. Aquela palavra. estou desistindo de tudo, e isso
dói.
o.w.g.: will?
eu: acho que tenho de fechar os
olhos por um minuto e sentir o que preciso sentir.
fecho os olhos, fecho meu corpo,
tento excluir tudo mais. percebo o.w.g. se levantando. queria que ele fosse
isaac, embora saiba que ele não é. queria que maura não fosse isaac, embora
saiba que ela é. queria ser outra pessoa, embora saiba que nunca, jamais vou
conseguir escapar do que fiz e do que foi feito comigo.
senhor, me mande amnésia. me faça
esquecer cada momento que na verdade eu jamais tive com isaac. me faça esquecer
que maura existe. deve ter sido isso que minha mãe sentiu quando meu pai disse
que estava tudo acabado. agora eu entendo. eu entendo. as coisas que você mais
quer são aquelas que te destroem no fim.
ouço o.w.g. falando com alguém.
uma recapitulação sussurrada de tudo queacabou de acontecer.
ouço passos se aproximando. tento
me acalmar um pouco, então abro os olhos... e vejo esse cara gigantesco de pé
na minha frente. quando ele vê que o estou vendo, dá um sorriso enorme. ele tem
covinhas do tamanho da cabeça de um bebê, eu juro.
cara gigantesco: olá. eu sou o
tiny.
ele estende a mão. não estou
exatamente no estado de espírito para apertos de mão, mas vai ser desagradável
se eu simplesmente deixá-lo ali, então estendo a minha mão também. no entanto,
em vez de apertá-la, ele me puxa e me faz ficar de pé.
tiny: alguém morreu?
eu: sim, eu.
ele sorri outra vez.
tiny: bem, então... bem-vindo à
vida após a morte.
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