Capítulo Quatorze
minha mãe insiste que, antes de
eu ir a qualquer lugar com tiny, ele tem de vir jantar aqui em casa. tenho
certeza de que ela consulta todos os websites de predadores sexuais antes. não
acredita que eu o tenha conhecido na internet. e, dadas as circunstâncias, não
posso mesmo culpá-la. ela fica um pouco surpresa quando eu concordo com o
plano, mesmo que eu diga
eu: só não pergunte sobre os 43
ex-namorados dele, está bem? ou por que anda por aí carregando um machado.
mãe: ...
eu: estou brincando em relação ao
machado.
mas, na verdade, nada do que eu
possa falar consegue acalmar a mulher. É insano. ela coloca aquelas luvas de
borracha amarelas e começa a esfregar com a
intensidade que você em geral reserva para quando alguém vomita em cima
da mobília. digo que não precisa fazer aquilo, porque afinal tiny não vai comer
no chão. mas ela apenas faz um gesto com a mão me dispensando e me manda limpar
o quarto. eu tenho a intenção de limpar o quarto. tenho, de verdade, mas tudo
que consigo fazer é limpar o histórico do meu navegador da web, e então me
sinto totalmente exausto. não pense que não limpo a meleca da minha cama de manhã.
sou um cara bastante limpo. todas as roupas sujas estão enfiadas no fundo do
armário. ele não vai vê-las.
por fim, é a hora de ele chegar.
na escola, gideon me pergunta se estou nervoso com a visita de tiny, e digo a
ele que não. mas, claro, isso é mentira. estou nervoso principalmente por causa
da minha mãe e de como ela vai agir. estou esperando por ele na cozinha, e ela
corre de um lado para o outro feito louca.
mãe: eu devia arrumar a salada.
eu: por que você devia arrumar a
salada?
mãe: tiny não gosta de salada?
eu: eu disse pra você que acho
que tiny comeria bebês focas se a gente servisse isso. mas o que estou
perguntando é: por que você precisa arrumar a salada? quem a desarrumou? eu nem
cheguei perto. foi você quem bagunçou a salada, mãe? se foi você, É MELHOR
ARRUMAR!
estou fazendo piada, mas ela não
acha a menor graça. e eu penso: não era eu quem devia estar surtando aqui? tiny
vai ser o primeiro n-n-n- (não consigo) namor-r-r- (vamos lá, will)
namora-namora (aqui vamos nós) namorado meu que ela conhece. embora, se ela
continuar falando de salada, talvez eu tenha de trancá-la no quarto antes de
ele chegar.
mãe: tem certeza de que ele não é
alérgico a nada?
eu: fique. calma.
como se de repente eu tivesse
habilidades supercaninas, ouço um carro parando na entrada de casa. antes que
minha mãe possa me mandar pentear o cabelo e calçar sapatos, já estou saindo
pela porta e vendo tiny desligar a ignição.
eu: corra! corra!
mas o rádio está tão alto que
tiny não consegue me ouvir. ele apenas sorri. quando abre a porta, dou uma
olhada no carro dele.
eu: mas que...?!?
é um mercedes prata — o tipo de
carro que você esperaria ver dirigido por um cirurgião plástico — e não o tipo
de cirurgião plástico que conserta os rostos estragados de bebês africanos
famintos, mas o tipo de cirurgião plástico que convence as mulheres de que a
vida delas acabará se aparentarem mais de 12 anos.
tiny: saudações, terráqueo! venho
em paz. leve-me ao seu líder!
devia ser estranho tê-lo à minha
frente em nosso segundo encontro apenas, e devia ser muito excitante estar
prestes a ser arrebatado naqueles grandes braços, mas, na realidade, ainda
estou embasbacado com o carro.
eu: por favor, me diga que você
roubou isso.
ele parece um pouco confuso, e
ergue a bolsa de compras que está segurando.
tiny: isto?
eu: não. o carro.
tiny: ah. bem, de fato eu roubei.
eu: você roubou?
tiny: sim, da minha mãe. meu
carro estava quase sem gasolina.
que bizarro. todas as vezes em
que nos falamos, trocamos mensagens ou sei lá o quê, sempre imaginei tiny numa
casa como a minha, ou uma escola como a minha, ou num carro como o que eu
talvez ganhe um dia — um carro quase da minha idade, provavelmente comprado de
uma velha que não tenha mais permissão para dirigir. agora percebo que não é
nada disso.
eu: você mora num casarão, né?
tiny: grande o bastante pra me
caber!
eu: não é disso que estou
falando.
não tenho a menor ideia do que
estou fazendo. porque mudei totalmente nosso ritmo, e embora ele esteja bem
diante de mim agora, não é como deveria ser.
tiny: vem cá, vem.
e, com isso, ele põe a sacola no
chão e abre os braços pra mim, e seu sorriso é tão largo que eu seria um babaca
de fazer qualquer coisa que não fosse seguir direto para suas boas-vindas. uma
vez ali, ele se inclina e me beija de leve.
tiny: olá.
eu o beijo de volta.
eu: olá.
ok, então essa é a realidade: ele
está aqui. ele é real. nós somos reais. eu não deveria me importar com o carro
dele.
minha mãe já tirou o avental
quando entramos em casa. embora eu tenha avisado a ela que ele tem o formato de
utah, ainda há um breve momento de perplexidade quando ela vê tiny pessoalmente
pela primeira vez. ele deve estar acostumado a isso, ou talvez não se importe,
porque segue direto até ela e começa a dizer todas as coisas certas, sobre o
quanto está entusiasmado em conhecê-la, o quão incrível é ela preparar o jantar
e o quanto a casa é maravilhosa. mamãe indica a ele o sofá e pergunta se quer
beber alguma coisa.
mãe: temos coca, coca diet, limonada,
suco de laranja…
tiny: aah, eu adoro limonada.
eu: não é limonada de verdade. é
só refresco sabor limão.
tanto minha mãe quanto tiny me
olham como se eu fosse a porra do grinch.
eu: não queria que você ficasse
todo animado na expectativa de limonada de verdade!
não posso evitar — estou vendo
nosso apartamento através dos olhos dele, nossa vida toda pelos olhos dele — e
tudo parece tão… pobre. as manchas de infiltração no teto e o tapete de cor
entediante e a tv de décadas. a casa inteira cheira a dívida.
mãe: por que você não se senta
com tiny e eu pego uma coca pra você?
eu tomei meu remédio de manhã,
juro. mas é como se ele tivesse ido parar na minha perna e não no meu cérebro,
porque simplesmente não consigo me sentir feliz. eu me sento no sofá e assim
que minha mãe sai da sala, a mão de tiny está na minha mão, seus dedos
acariciando os meus.
tiny: está tudo bem, will. estou
adorando estar aqui.
sei que ele está tendo uma semana
ruim. sei que as coisas não têm saído do jeito dele e que ele está preocupado
que o show vá ser um fracasso. ele o está reescrevendo diariamente. (“ quem
diria que seria tão complicado introduzir o amor em 14 músicas?”) sei que ele
estava esperando esse encontro — e sei que eu estava esperando esse encontro.
mas agora tenho que parar de olhar adiante e começar a olhar para o lugar em
que estou. é difícil. recosto-me no ombro carnudo de tiny. não posso acreditar
que eu fique excitado com alguma coisa a qual me refiro como “ carnudo”.
eu: esta é a parte ruim, ok?
então foque na parte boa. prometo que virá logo.
quando minha mãe retorna, ainda
estou recostado ali. ela não hesita, não para, não parece se importar. pousa
nossas bebidas e então volta correndo pra cozinha. ouço o fogão abrir e fechar,
em seguida o ruído de uma espátula raspando em um tabuleiro. um minuto depois,
ela está de volta com uma travessa de minicachorros-quentes e minirrolinhos
primavera. tem até duas tigelinhas, uma com ketchup e a outra com mostarda.
tiny: hummm!
caímos dentro. tiny começa a
contar à mamãe sobre a semana que teve e dar tantos detalhes sobre me abrace
mais forte que eu vejo que ela está totalmente perdida. enquanto ele fala, ela
permanece acima de nós, até que finalmente digo que deveria se juntar a nós e
se sentar. assim, ela puxa uma cadeira e se põe a ouvir, até mesmo comendo um
ou dois rolinhos primavera. a situação começa a parecer mais normal. tiny aqui.
minha mãe vendo nós dois. eu sentado de modo que pelo menos uma parte do meu
corpo está sempre em contato com o dele. é quase como se eu estivesse de volta
ao millennium park com ele, continuando nossa primeira conversa, como se
manipulasse o tempo, e isso é o que se espera que aconteça. como sempre, a
única pergunta é se vou estragar tudo.
quando não tem mais comida pra
beliscar, minha mãe recolhe os pratos e avisa que o jantar vai estar pronto em
alguns minutos. assim que ela deixa a sala, tiny se vira pra mim.
tiny: amei sua mãe.
sim, penso, ele é o tipo de
pessoa que pode amar alguém assim facilmente.
eu: ela não é má.
quando ela volta pra nos dizer
que o jantar está pronto, tiny se levanta de um salto do sofá.
tiny: aah! eu quase esqueci.
ele pega a sacola de compras que
trouxe e a entrega à minha mãe.
tiny: um presente pra dona da casa!
mamãe parece surpresa de verdade.
tira uma caixa da sacola — tem um laço e tudo mais. tiny volta a se sentar pra
que ela não se sinta constrangida de se sentar pra abri-la. com muito cuidado,
ela desfaz o laço. então levanta a tampa da caixa delicadamente, abrindo-a.
vê-se um forro de espuma preta, e alguma coisa envolta em plástico bolha. com
mais cuidado ainda, ela retira o papel e ergue uma tigela simples de vidro.
a princípio, não entendo. quero
dizer, é uma tigela de vidro. mas mamãe prende o fôlego. ela pisca pra impedir
as lágrimas. porque não se trata apenas de uma simples tigela de vidro. é
perfeita. é tão lisa e perfeita que nós todos nos sentamos ali e a fitamos por
um momento, enquanto minha mãe gira o objeto lentamente nas mãos. mesmo em
nossa sala pobre, ela captura a luz. ninguém lhe dá nada parecido há séculos.
talvez nunca tenha dado. ninguém jamais lhe dá nada bonito assim.
tiny: eu mesmo escolhi!
ele não tem a menor ideia. não
tem a menor pista do que acaba de fazer.
mãe: ah, tiny…
ela está sem palavras. mas eu
posso ver. é a maneira como ela segura a tigela. é a maneira como olha pra ela.
eu sei o que o cérebro a está mandando fazer — dizer que é demais, que ela não
poderia aceitar tal coisa. mesmo que ela a queira muito. mesmo que a ame muito.
por isso, sou eu quem diz:
eu: é linda. muito obrigado,
tiny.
eu o abraço, transmitindo-lhe meu
obrigado dessa maneira também. Então minha mãe põe a tigela na mesinha de
centro que ela limpou até brilhar. ela está se levantando, e está abrindo os
braços, e então ele a abraça também. isso é o que eu nunca me permito precisar.
e, é claro, venho precisando disso o tempo todo.
pra falar a verdade, tiny come a
maior parte do frango à parmegiana no jantar, e conduz a maior parte da
conversa também. falamos principalmente sobre coisas idiotas — por que
minicachorros-quentes são mais saborosos que cachorros quentes de tamanho
normal, por que cachorros são melhores que gatos, por que o musical cats teve
tanto sucesso nos anos 1980 quando sondheim superou lloyd webber (na verdade,
nem minha mãe nem eu contribuímos muito pra esse tema). em determinado momento,
tiny vê o postal de da vinci que mamãe tem na geladeira e pergunta a ela se já
foi à itália. assim ela conta a ele da viagem que fez com três amigas de
faculdade no terceiro ano, e parece uma história interessante, pela primeira
vez. ele diz a ela que gosta de nápoles ainda mais que de roma porque as
pessoas em nápoles são intensamente de onde são. ele conta que escreveu uma
música sobre viagens em seu musical, mas acabou não incluindo a canção. e canta
alguns versos para a gente:
Uma vez tendo ido a Nápoles,
é difícil fazer compras em
Staples.
E uma vez tendo ido a Milão,
difícil fazer no Au Bon Pain a
refeição.
Uma vez tendo ido a Veneza,
você busca os prazeres da
mesa.
E foge da culinária enfadonha,
Quando experimenta rigatoni em
Bolonha.
Ser um gay transatlântico
acaba não sendo tão romântico.
Porque quando você a Roma
viaja,
é difícil voltar para casa.
pela primeira vez que me lembro,
minha mãe parece estar se divertindo totalmente. ela até cantarola um pouco,
acompanhando. quando tiny termina, os aplausos dela são genuínos. calculo que
seja hora de pôr um fim na confraternização deles, antes que tiny e minha mãe
fujam juntos para formar uma banda. eu me ofereço pra lavar a louça, e mamãe
age como se estivesse totalmente chocada com isso.
eu: eu lavo a louça o tempo todo.
ela olha séria para tiny.
mãe: é verdade, ele lava.
então cai na gargalhada. não
estou gostando muito disso, embora esteja ciente de que essa história poderia
ter rolado de muitas maneiras piores.
tiny: quero ver o seu quarto!
não se trata de um pedido do tipo
ei!-meu-zíper-está-comichando! quando tiny diz que quer ver o seu quarto, isso
significa que ele quer ver... o seu quarto.
mãe: vão lá. eu cuido da louça.
tiny: obrigado, sra. grayson.
mãe: anne. me chame de anne.
tiny: obrigado, anne!
eu: é, obrigado, anne.
tiny bate em meu ombro. creio que
sua intenção é fazer isso de leve, mas tenho a sensação de que alguém acabou de
passar com um volkswagen em cima do meu braço.
eu o levo pro meu quarto, e até
consigo fazer um tchantchantchan! ao abrir a porta. ele vai até o centro do
quarto e observa tudo, sorrindo o tempo todo.
tiny: peixinhos dourados!
ele vai direto ao aquário.
explico a ele que, se os peixinhos dourados um dia dominarem o mundo e decidirem realizar um
julgamento por crimes de guerra, estou condenado, porque a taxa de mortalidade
do meu pequeno aquário é muito, muito mais alta do que se eles vivessem no
fosso de um restaurante chinês.
tiny: qual o nome deles?
oh, deus.
eu: sansão e dalila.
tiny: mesmo?
eu: ela é uma vadia.
ele se inclina pra olhar mais de
perto a comida dos peixes.
tiny: você dá remédio tarja preta
pra eles?
eu: ah, não. esses são meus.
é a única maneira de eu lembrar
de alimentar os peixes e tomar meus remédios: deixá-los juntos. mas me ocorre
que eu devia ter arrumado o quarto melhor. porque é claro que agora tiny está
ficando vermelho e não vai perguntar mais nada, e embora eu não queira entrar
em detalhes, também não quero que ele pense que estou em tratamento contra
sarna nem nada no gênero.
eu: é pra depressão.
tiny: ah, eu também me sinto
deprimido. às vezes.
estamos chegando perigosamente
perto das conversas que tive com maura, quando ela dizia que sabia exatamente o
que eu estava passando, e eu tinha de explicar que, não, ela não sabia, porque
a tristeza dela nunca tinha sido tão profunda quanto a minha. não tinha a menor
dúvida de que tiny pensava que ficava deprimido, mas isso provavelmente era
porque ele não tinha nada com que comparar. no entanto, o que eu poderia dizer?
que eu não só me sentia deprimido — era como se a depressão fosse meu núcleo,
de cada pedaço meu, da mente aos ossos? que se às vezes o céu dele não parecia
azul, o meu estava sempre negro? que eu odiava tanto aqueles comprimidos porque
eu sabia o quanto dependia deles pra viver? não, eu não podia dizer nada disso.
porque, no fim das contas, ninguém quer ouvir isso. não importa o quanto a
pessoa goste de você ou te ame, ninguém quer ouvir isso.
tiny: qual deles é sansão e qual
é dalila?
eu: sinceramente? esqueci.
tiny examina minha estante de
livros, corre a mão pelo meu teclado, gira o globo que ganhei quando terminei o
quinto ano.
tiny: olhe! uma cama!
por um segundo, penso que ele vai
pular em cima dela, o que certamente acabaria com o estrado. mas, com um
sorriso quase tímido, ele se senta com cuidado na borda.
tiny: confortável!
como foi que acabei namorando
esse donut polvilhado que é essa pessoa? com um suspiro não hostil, eu me sento
perto dele. o colchão decididamente está afundando na direção dele. mas, antes
do inevitável passo seguinte, meu telefone vibra na mesa. Decido ignorá-lo, mas
ele toca de novo e tiny me diz pra checar. abro o aparelho e leio o que diz a
tela.
tiny: de quem é?
eu: é só gideon. ele quer saber
como tudo está indo.
tiny: gideon, é?
há um tom inconfundível de
suspeita na voz de tiny. fecho o aparelho e volto pra cama.
eu: você não está com ciúme de
gideon, está?
tiny: ora, porque ele é bonito,
jovem e gay, e encontra você todos os dias? que razão há pra eu ter ciúmes?
dou um beijo nele.
eu: você não tem motivo nenhum
pra ter ciúme. somos só amigos.
uma coisa me ocorre então, e eu
começo a rir.
tiny: o que foi?
eu: tem um garoto na minha cama!
trata-se de um pensamento tão gay
e tão idiota. tenho vontade de gravar “ EU ODEIO O MUNDO” no meu braço umas cem
vezes pra me redimir. a cama de fato não é grande o bastante pra nós dois. vou
parar no chão duas vezes. continuamos com as roupas — mas é quase como se isso
não tivesse importância. porque estamos nos beijando loucamente. ele é grande e
forte, mas eu o igualo no empurra-e-puxa. não demora para que estejamos
completamente desarrumados e com calor.
quando estamos exaustos, ficamos
simplesmente ali, deitados. o batimento cardíaco dele é muito forte. ouvimos
minha mãe ligar a tv. os detetives começam a conversar. tiny corre a mão por
baixo da minha camisa.
tiny: cadê seu pai?
estou totalmente despreparado
para a pergunta. fico tenso.
eu: não sei.
o toque de tiny tenta me
tranquilizar. sua voz tenta me acalmar.
tiny: está tudo bem.
mas não consigo lidar com isso.
então me sento, arrancando-nos de nosso ritmo de respiração sonhador, fazendo-o
afastar-se um pouco pra poder me ver claramente. o impulso em mim é alto e
claro: não posso fazer isso. não por causa do meu pai — não me importo tanto
assim com meu pai, de verdade —, mas por causa de todo esse processo de saber
tudo. brigo comigo mesmo. pare. fique aqui. fale.
tiny está esperando. tiny está
olhando pra mim. tiny está sendo gentil, porque ainda não sabe quem sou, o que
sou. nunca retribuirei a gentileza. O melhor que posso fazer é dar a ele razões
pra desistir.
tiny: me diga. o que você quer
falar?
não me pergunte, tenho vontade de
adverti-lo. mas já estou falando.
eu: olha, tiny, estou tentando me
comportar da melhor forma possível, mas você precisa entender, estou sempre à
beira de alguma coisa ruim. e às vezes alguém como você pode me fazer olhar pro
outro lado, de modo que eu não saiba o quanto estou perto de cair. mas eu
sempre acabo virando a cabeça. sempre. sempre caminho pela borda desse
precipício. e é uma merda o que enfrento todos os dias, e essa merda não vai
desaparecer tão cedo. é muito legal ter você aqui, mas quer saber? quer mesmo
que eu seja sincero?
ele devia ver isso como o aviso
que é. mas não. ele faz que sim com a cabeça.
eu: parecem umas férias. não
creio que você saiba como é isso. o que é bom — você não ia querer. você não
tem a menor ideia do quanto odeio isso. odeio o fato de que estou arruinando a
noite neste momento, arruinando tudo…
tiny: você não está.
eu: estou.
tiny: quem disse?
eu: eu digo.
tiny: eu não tenho voz?
eu: não. acabei de arruinar tudo.
você não tem voz.
tiny toca minha orelha de leve.
tiny: sabe, você fica todo sexy
quando está destrutivo.
os dedos dele descem pelo meu
pescoço, sob a gola.
tiny: eu sei que não posso mudar
seu pai, sua mãe ou seu passado. mas sabe que posso fazer?
sua outra mão sobe pela minha
perna.
eu: o quê?
tiny: outra coisa. é isso que
posso lhe dar. outra coisa.
estou tão acostumado a fazer
aflorar a dor nas pessoas. mas tiny se recusa a entrar nesse jogo. enquanto
trocamos mensagens o dia todo, e mesmo aqui pessoalmente, ele está sempre
tentando chegar ao coração das coisas. e isso significa que ele sempre supõe
que haja um coração aonde chegar. acho isso ridículo e admirável ao mesmo
tempo. quero a outra coisa que ele tem pra me dar, ainda que eu saiba que nunca
vai ser algo que eu possa de fato pegar e tomar posse.
sei que não é tão fácil quanto
tiny diz. mas ele está se esforçando tanto. então eu me rendo. eu me rendo à
outra coisa. mesmo que meu coração não acredite totalmente.
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