Capítulo Quatro
estou arrumando o metamucil nas
prateleiras do corredor sete quando maura chega furtivamente. ela sabe que meu
chefe é um babaca quando me pega conversando na hora do trabalho, então ela
finge olhar as vitaminas enquanto conversa comigo. está me dizendo que tem
alguma coisa muito perturbadora na palavra “ mastigável” e então, de repente, o
relógio marca 17h12 e ela deduz que está na hora de me fazer perguntas
pessoais.
maura: você é gay?
eu: que porra é essa?
maura: tudo bem por mim, se você
for.
eu: ah, ótimo, porque o que mais
me preocupa é se está tudo bem pra você.
maura: só estou dizendo.
eu: anotado. agora, por favor, dá
pra calar a boca e me deixar trabalhar? Ou você quer que eu use meu desconto de
empregado pra comprar alguma coisa pra sua cólica?
acho que deveria mesmo haver um
regulamento contra questionar a sexualidade de um cara quando ele está
trabalhando. e, de qualquer forma, não quero falar sobre isso com maura,
independentemente de onde estivermos. porque, eis a questão — nós não somos tão
íntimos assim. maura é o tipo de amiga com quem gosto de trocar ideias de
cenários apocalípticos. no entanto, não é alguém que me faz querer evitar que o
apocalipse aconteça. durante o ano ou quase isso em que somos amigos, esse
sempre foi um problema. sei que se contasse a ela que gosto de garotos, ela
provavelmente pararia de querer ficar comigo, o que seria uma imensa vantagem.
mas também sei que imediatamente me tornaria seu bichinho de estimação gay, e
esse é o último tipo de coleira que quero. e não é como se eu fosse assim tão
gay. eu odeio a porra da madonna.
eu: devia haver um cereal pra
quem tem prisão de ventre chamado metamüslix.
maura: estou falando sério.
eu: estou seriamente mandando
você se foder. não devia me chamar de gay só porque não quero dormir com você.
um monte de caras héteros também não quer dormir com você.
maura: vai se foder.
eu: ah, mas a questão é: não vai
ser com você.
ela se aproxima e bagunça todos
os frascos que eu vinha arrumando em fileiras. quase pego um deles e jogo na
cabeça dela quando ela vai embora, mas a verdade é que se eu acertasse, o
gerente me faria limpar tudo, e isso seria um saco. a última coisa que preciso
é de massa encefálica nos meus sapatos novos.
você sabe como é difícil fazer
aquela merda sair? de qualquer forma, preciso muito deste emprego, o que
significa que não posso fazer coisas como gritar ou prender meu crachá idiota
de cabeça pra baixo ou usar jeans rasgado ou sacrificar cachorrinhos no
corredor dos brinquedos. não me importo, de verdade, exceto quando o gerente
está por perto ou quando pessoas que conheço vêm aqui e agem todas estranhas só
porque eu estou trabalhando, e elas não.
penso que maura vai voltar, mas
ela não volta, e eu sei que vou ter de ser legal com ela (pelo menos não ser
cruel) pelos próximos três dias. faço uma anotação mental pra comprar um café
ou alguma coisa pra ela, mas meu bloco de notas mental é uma piada, porque
assim que coloco alguma coisa ali, ela desaparece. e a verdade é que da próxima
vez que nos falarmos, maura vai pôr em prática todo seu modo de mágoa, e isso
só vai me irritar ainda mais. afinal, foi ela quem abriu a boca. não é culpa
minha se ela não aguenta a resposta.
a farmácia fecha às oito nos
sábados, o que significa que saio às nove. eric, mary e greta estão todos
falando de festas às quais estão indo, e até roger, o gerente certinho, nos diz
que ele e a mulher vão “ ter aquela noite em casa” — pisca-pisca,
cutuca-cutuca, trepa-trepa, vomita-vomita. prefiro imaginar uma ferida
purulenta com larvas rastejando em cima. roger é gordo e careca e a mulher
provavelmente também é gorda e careca, e a última coisa que quero ouvir é sobre
eles fazendo sexo gordo e careca. principalmente porque a gente sabe que ele
está fazendo a coisa parecer todo esse pisca-cutuca quando a verdade é que
provavelmente ele vai chegar em casa, os dois vão assistir a um filme do tom
hanks e então um deles vai ficar deitado na cama ouvindo o outro mijar, aí vão
trocar de lugar e, quando o segundo terminar no banheiro, as luzes vão se apagar
e eles vão dormir.
greta me pergunta se quero ir
junto, mas ela tem uns 23 anos ou quase isso e o namorado dela, vince, age como
se fosse me estripar se eu uso alguma palavra um pouco mais difícil na presença
dele. assim, eu só pego uma carona até em casa. minha mãe está lá, isaac não
está on-line, e odeio que ela nunca tenha programa pra sábado à noite e isaac
sempre tenha programas pra noite de sábado.
isto é, não quero que ele fique
em casa esperando que eu volte e mande uma mensagem, porque uma das coisas
legais nele é que isaac tem uma vida. Tem um e-mail dele dizendo que vai ao
cinema porque é aniversário da kara, e digo a ele que deseje feliz aniversário
a ela por mim, mas naturalmente, quando ele receber a mensagem, o aniversário
dela já vai ter acabado e, de qualquer forma, não sei se ele falou de mim pra
ela. mamãe está em nosso sofá verde-limão, assistindo à minissérie orgulho
& preconceito pela sétima zilionésima vez, e sei que vou acabar ficando
histérico se me sentar lá e assistir com ela. o estranho é que ela também gosta
mesmo da saga kill bill e eu nunca pude perceber uma diferença em seu humor
quando assiste uma coisa ou outra. é como se ela fosse sempre a mesma pessoa, independentemente
do que acontece. o que não pode estar certo.
acabo assistindo a orgulho &
preconceito porque dura umas 15 horas, então sei que, quando acabar, isaac
provavelmente já vai estar em casa. meu telefone continua tocando e continuo
não respondendo. essa é uma coisa boa de saber que ele não pode me ligar —
nunca preciso me preocupar se é ele ou não.
a campainha toca exatamente
quando o cara está prestes a dizer à garota toda a merda que ele precisa dizer,
e a princípio eu ignoro o toque da mesma forma que ignoro o celular. o único
problema é que as pessoas na porta não caem na caixa postal, então a campainha
soa outra vez e mamãe está prestes a se levantar, então digo que vou atender,
imaginando que deve ser o equivalente à porta de um engano ao telefone. só que
quando chego lá é maura quem está do outro lado e ela ouviu meus passos,
portanto, sabe que estou aqui.
maura: preciso falar com você.
eu: não é meia-noite ou perto
disso?
maura: só abra a porta.
eu: você vai ficar bufando?
maura: vamos lá, will. só abra.
é sempre um pouco assustador
quando ela fala toda objetiva comigo. assim, enquanto estou abrindo a porta, já
tento imaginar como me livrar dela. é como se algum instinto entrasse em ação.
mãe: quem é?
eu: é só a maura.
e, ah merda, maura vai levar o “
só” pro lado pessoal. eu só quero que ela recolha a lágrima debaixo do olho e
passe por cima disso. ela usa delineador preto suficiente para delinear um
cadáver, e a pele dela é tão pálida que parece que acabou de virar vampira. só
que sem os dois pontos de sangue no pescoço.
ficamos ali parados no vão da
porta porque eu sinceramente não sei aonde deveríamos ir. não creio que maura
já tenha entrado na minha casa, exceto talvez na cozinha. definitivamente ela
nunca esteve no meu quarto, porque é lá que fica o computador, e maura é o tipo
de garota que, no momento em que você a deixa sozinha, vai direto para o diário
ou o computador. além disso, você sabe, chamar alguém pro seu quarto pode ser
interpretado como outra coisa e certamente não quero que maura pense que vou
falar algo do tipo “ ei-por-que-agente- não-senta-na-minha-cama-e-ei-já-que-estamos-sentados-na-minha-cama-quetal-se-eu-colocar-meu-pau-dentro-de-você?”.
no entanto, a cozinha e a sala agora são zonas proibidas por causa da minha
mãe, e o quarto dela é zona proibida porque é o quarto dela. e é por isso que
me vejo perguntando a maura se ela quer ir até a garagem.
maura: a garagem?
eu: olha, não vou te pedir que
entre por um cano de descarga, ok? se eu quisesse fazer um pacto suicida com
você, optaria pela eletrocussão numa banheira. você sabe, com um secador de
cabelo. como os poetas fazem.
maura: está bem.
a maxissérie da minha mãe ainda
não chegou ao auge da baboseira romântica, então sei que maura e eu poderemos
conversar sem sermos perturbados. ou, pelo menos, seremos os únicos perturbados
na garagem. parece muito idiota sentarmos no carro, então abro espaço pra nós
perto das coisas do meu pai que mamãe nunca foi capaz de jogar fora.
eu: então, o que foi?
maura: você é um imbecil.
eu: esta é a notícia urgente?
maura: cale a boca por um
segundo.
eu: só se você calar a boca
também.
maura: pare com isso.
eu: foi você quem começou.
maura: pare, por favor.
eu decido, ok, vou calar a boca.
e o que é que ganho? quinze malditos segundos de silêncio. e isso é tudo.
maura: sempre digo pra mim mesma
que você não tem a intenção de me machucar, o que faz com que seja menos
doloroso, sabe? mas hoje — estou tão de saco cheio disso. de você. só pra você
saber, eu também não quero dormir com você. eu jamais dormiria com alguém de
quem não posso nem ser amiga.
eu: espera um segundo — agora não
somos mais amigos?
maura: não sei o que somos. você
sequer me conta que é gay.
essa é uma clássica manobra de
maura. se ela não obtém uma resposta que quer, vai criar um beco sem saída pra
encurralar você. como daquela vez em que vasculhou minha mochila quando eu
estava no banheiro e encontrou meu remédio — eu não o havia tomado de manhã, e
por isso o levara pra escola. Ela esperou uns bons dez minutos antes de me
perguntar se eu estava tomando algum medicamento. isso me pareceu um pouco
despropositado, e eu não queria falar sobre o assunto, assim disse a ela que
não. e o que ela faz então? enfia a mão na minha mochila, tira o frasco de
comprimidos e me pergunta para que eles servem. ela teve sua resposta, mas
aquilo não inspirou exatamente confiança. ficou me dizendo que eu não precisava
sentir vergonha da minha “condição mental”, e fiquei dizendo a ela que não
sentia vergonha — só não queria falar sobre o assunto com ela. maura não
conseguia entender a diferença.
então aqui estamos nós de volta a
outro beco sem saída, e, desta vez, é a coisa de ser gay.
eu: opa, calma aí, mesmo que eu
fosse gay, não seria uma decisão minha? a de te contar?
maura: quem é isaac?
eu: porra.
maura: você acha que não consigo
ver o que você desenha no caderno?
eu: você está brincando comigo.
então o problema é isaac?
maura: só me diga quem é ele.
essencialmente não quero dizer a
ela. ele é meu, não dela. se eu lhe der um pedacinho que seja da história, ela
vai querer tudo. de alguma maneira distorcida eu sei que ela está fazendo isso
porque acha que é o que eu quero — falar de tudo, deixá-la saber de tudo sobre
mim. mas não é isso que quero. não é o que ela pode ter.
eu: maura, maura, maura... isaac
é um personagem. ele não existe de verdade. porra! é só uma coisa em que estou
trabalhando. esta — eu não sei — ideia. tenho essas ideias todas na cabeça.
estreladas por esse personagem, isaac.
não sei de onde veio essa merda.
é como se tivesse sido me dada por alguma força divina de criação. maura parece
querer acreditar, mas não acredita de fato.
eu: como o pogo dog. só que não é
um cachorro, e não está em um espeto.
maura: meu deus, tinha esquecido
totalmente do pogo dog.
eu: você está brincando? ele ia
deixar a gente rico!
e ela está caindo na história.
está se encostando em mim e, juro por deus, se fosse um cara daria pra ver o
pau duro na calça dela.
maura: eu sei que é horrível, mas
estou meio aliviada que você não esteja escondendo algo tão importante de mim.
imaginei que este seria um mau
momento pra observar que, na verdade, eu nunca disse que não era gay. só mandei
ela se foder. não sei se existe nada mais horrível que uma garota gótica
ficando toda dengosa. maura não está só se encostando; agora está examinando
minha mão como se alguém houvesse carimbado ali o significado da vida. em
braille.
eu: é melhor eu voltar para ficar
com minha mãe.
maura: diz pra ela que estamos
conversando.
eu: prometi que assistiria a esse
programa com ela.
o importante aqui é dispensar
maura sem que ela perceba que eu a estou dispensando. porque realmente não
quero magoá-la, não quando acabei de trazê-la de volta da beira da última mágoa
que supostamente lhe infligi. sei que assim que maura chegar em casa ela vai
mergulhar em seu caderno de poesia macabra, e estou fazendo o possível pra não
obter uma avaliação ruim. uma vez maura me mostrou um de seus poemas.
me pendure
como uma rosa morta
me conserve
e minhas pétalas não vão cair
até você tocá-las
e eu dissolver
e eu escrevi um poema de volta
pra ela
eu sou como
uma begônia morta
pendurada de cabeça pra baixo
porque
como uma begônia morta
eu estou cagando
ao qual ela retrucou
nem todas as flores
dependem da luz
pra crescer
então talvez esta noite eu
inspire
pensei que seu solo fosse gay
mas talvez haja uma chance
pra eu me divertir, não sei
e tirar dele algum romance
tomara que eu nunca tenha de
lê-lo ou saber dele, ou mesmo voltar a pensar nele.
eu me levanto e abro a porta da
garagem pra que maura possa sair. digo a ela que nos vemos na segunda, na
escola, e ela responde “ não se eu o vir primeiro” e eu solto um rá rá rá até
que ela esteja a uma distância segura e eu possa tornar a fechar a porta.
o grotesco nisso tudo é que tenho
certeza de que um dia isso vai voltar pra me assombrar. que um dia ela vai
dizer que dei corda pra ela, quando a verdade é que eu estava apenas mantendo-a
a distância. preciso encontrar um namorado pra ela. logo. não sou eu que ela
quer — ela só quer alguém pra quem ela seja tudo. e eu não posso ser esse cara.
quando volto pra sala, orgulho
& preconceito já está quase chegando ao fim, o que significa que todo mundo
sabe bem em que pé está sua relação com todos os outros. em geral, a essa
altura, minha mãe se encontra mergulhada em lenços de papel amassados, mas
dessa vez não há sequer um olho úmido. Ela praticamente confirma isso quando
desliga o dvd.
mãe: eu realmente preciso parar
com isso. preciso trocar de vida.
penso que ela está falando com
ela mesma, ou com o universo, e não especificamente comigo. no entanto, não
posso deixar de pensar que “ trocar de vida” é algo em que somente um completo
idiota pode acreditar. como se você pudesse pegar o carro, ir até uma loja e
comprar uma vida nova. vê-la em sua caixa brilhante, olhar pela tampa de
plástico, vislumbrar a si mesmo em uma nova vida e dizer: “uau, pareço muito
mais feliz — acho que esta é a vida de que preciso!”, levá-la até o caixa,
pagar no cartão de crédito. se trocar de vida fosse fácil assim, seríamos uma
raça em êxtase. mas não somos. então, mãe, sua vida não está lá fora à sua
espera, portanto, não pense que tudo que você precisa fazer é encontrá-la e
trocar pela atual. não, sua vida é essa mesma. e, sim, ela é uma merda. a vida
costuma ser assim. portanto, se quer que as coisas mudem, não precisa trocar de
vida. você precisa tirar a bunda da cadeira.
é claro que não digo nada disso.
as mães não precisam ouvir esse tipo de merda dos filhos, a menos que estejam
fazendo algo muito errado, como fumar na cama, ou usar heroína, ou usar heroína
enquanto fumam na cama. se minha mãe fosse uma garota da minha escola, todos os
amigos dela diriam: “ cara, você só precisa ser comida.” mas, sinto muito,
gênios, não existe essa coisa de trepada terapêutica. a trepada terapêutica é a
versão adulta do papai noel. é meio doentio que minha mente tenha ido da minha
mãe pra uma trepada, então fico feliz quando ela se queixa um pouco mais sobre
si mesma.
mãe: isto está virando rotina,
não é? sua mãe em casa num sábado à noite, esperando que darcy apareça.
eu: não existe uma resposta pra
essa pergunta, não é?
mãe: não. provavelmente não.
eu: você já chamou esse tal darcy
pra sair?
mãe: não. na verdade, ainda não o
encontrei.
eu: bem, ele não vai aparecer até
você o convidar.
eu dando conselho romântico à
minha mãe é meio como um peixinho de aquário dando conselho a uma lesma sobre
como voar. eu poderia lembrar a ela que nem todos os caras são canalhas como
meu pai, mas ela contraditoriamente odeia quando falo mal dele. ela
provavelmente só está preocupada com o dia em que vou acordar e perceber que
metade dos meus genes são tão orientados pra ser um filho da puta que vou
desejar ser um filho da puta. bem, mãe, adivinhe só? esse dia aconteceu há
muito tempo. e eu gostaria de dizer que é aí que entram os comprimidos, embora
eles lidem apenas com os efeitos colaterais.
deus abençoe os estabilizadores
de humor. e todos os humores serão criados iguais. eu sou a porra do movimento
dos direitos civis do humor.
já está tarde o bastante pra que
isaac esteja em casa, então digo a minha mãe que estou indo pra cama e, pra ser
agradável, digo a ela que, se vir algum cara bonito, assim, de cueca e
cavalgando sensualmente a caminho do shopping, vou passar o número do telefone
dela. ela me agradece por isso, e diz que é uma ideia melhor que qualquer uma
das que suas amigas do pôquer já tiveram. Me pergunto se logo ela estará
pedindo a opinião do carteiro.
tem uma mensagem pendente à minha
espera quando tiro o protetor de tela.
amarradopelopai: vc está aí?
amarradopelopai: estou torcendo
amarradopelopai: e esperando
amarradopelopai: e rezando
todos os tipos de comemoração
inundam meu cérebro. o amor é muito uma droga.
grayscale: por favor, seja a voz
da sanidade que resta no mundo.
amarradopelopai: vc está aí!
grayscale: exato.
amarradopelopai: se vc está
contando comigo pra sanidade, a coisa deve estar feia.
grayscale: é, bem, maura foi até
a farmácia fazer uma audição pro papel de
bruxa, e quando eu disse a ela
que os testes estavam cancelados, ela resolveu que aceitava
grayscale: uma trepadinha no
lugar. e então minha mãe começou a dizer que
não tinha vida. ah, e ainda tenho
dever de casa pra fazer. ou não.
amarradopelopai: é difícil ser
você, hein?
grayscale: sem dúvida.
amarradopelopai: você acha que
maura sabe a verdade?
grayscale: tenho certeza de que
ela pensa que sabe.
amarradopelopai: que vaca
intrometida.
grayscale: na verdade, não. não é
culpa dela eu não querer falar disso. Prefiro dividir com você.
amarradopelopai: e você está.
enquanto isso, nenhum programa no sábado à noite? passando mais tempo agradável
com sua mãe?
grayscale: você, querido, é meu
programa de sábado à noite.
amarradopelopai: sinto-me
honrado.
grayscale: deveria mesmo. como
foi o aniversário?
amarradopelopai: simples. kara só
queria ver um filme comigo e janine. Boa companhia, filme fraco. aquele do cara
que descobre que a garota com quem ele casa é um sucubo.
amarradopelopai: súcubo?
amarradopelopai: súcobo?
grayscale: súcubo
amarradopelopai: é, isso. começou
muito idiota. depois ficou muito chato. depois ficou barulhento e idiota.
depois teve uns dois minutos em que, de tão idiota, ficou engraçado. então
voltou a ser idiota, e finalmente terminou sem pé nem cabeça.
amarradopelopai: muito bacana,
muito bacana
grayscale: como está kara?
amarradopelopai: se recuperando.
grayscale: como assim?
amarradopelopai: ela fala muito
dos problemas do passado, é uma forma de nos convencer de que estão no passado.
e talvez estejam mesmo.
grayscale: você falou pra ela que
mandei um oi?
amarradopelopai: sim. acho que o
que eu disse foi: “ will diz que quer você dentro dele”, mas o efeito foi o
mesmo. ela disse oi de volta.
grayscale: **suspiro triste**
queria estar lá.
amarradopelopai: eu queria estar
aí com você agora.
grayscale: mesmo?
amarradopelopai: sinsenhor.
grayscale: e se estivesse aqui...
amarradopelopai: o que eu faria?
grayscale:
amarradopelopai: deixa eu te
dizer o que eu faria.
essa é uma brincadeira nossa. na
maior parte do tempo não falamos a sério. assim, são vários os caminhos que
podemos seguir. o primeiro consiste basicamente em zombarmos das pessoas que
fazem sexo pela internet inventando nosso próprio e ridículo diálogo
desdenhográfico.
grayscale: quero que você lamba
minha clavícula.
amarradopelopai: estou lambendo
sua clavícula.
grayscale: aah, como isso é
gostoso.
amarradopelopai: clavícula
safadinha.
grayscale: hummmmm
amarradopelopai: wwwwwwww
grayscale: rrrrrrrrrrrrrrrr
amarradopelopai:
ttttttttttttttttttt
outras vezes optamos pela
abordagem ficção romântica. pornô piegas.
amarradopelopai: empurre seu
mastro feroz e trêmulo em mim, garanhão
grayscale: seu apêndice ignóbil
me enche com o fogo do inferno
amarradopelopai: minha equipe de
busca está rastejando em direção à sua terra de ninguém
grayscale: me regue como um peru
de natal!!!
e então há noites, como a de
hoje, quando o que se segue é a verdade, porque é o que mais precisamos. ou
talvez apenas um de nós dois mais precise dela, mas o outro sabe a hora certa
de dá-la.
como agora, quando o que mais
desejo no universo é tê-lo ao meu lado. Ele sabe disso, e diz
amarradopelopai: se eu estivesse
aí, pararia atrás da sua cadeira e colocaria minhas mãos em seus ombros, de
leve, e os massagearia delicadamente até que você terminasse sua última frase
amarradopelopai: então eu me
inclinaria pra frente e deslizaria as mãos pelos seus braços e encaixaria meu
pescoço no seu e deixaria você se virar para mim e descansar ali por algum
tempo
amarradopelopai: descanso
amarradopelopai: e quando você
estivesse pronto, eu o beijaria uma vez e me afastaria, então me sentaria em
sua cama e esperaria por você ali, só pra ficarmos deitados, e você poderia me
abraçar, e eu poderia abraçá-lo de volta
amarradopelopai: e sentiríamos
tanta paz. ficaríamos completamente em paz. como a sensação de ter sono, só que
com nós dois acordados juntos.
grayscale: isso seria tão
maravilhoso.
amarradopelopai: eu sei. eu
adoraria também.
não consigo imaginar nós dois
dizendo essas coisas em voz alta um pro outro, mas mesmo que eu não consiga
imaginar essas palavras, posso imaginar vivê-las. nem sequer visualizo a cena.
em vez disso, estou nela. como me sentiria com ele aqui. aquela paz. seria
tamanha felicidade que fico triste por ela só existir em palavras.
logo no início, isaac deixou
claro pra mim que ele acha as pausas incômodas — se passasse muito tempo sem
que eu respondesse, ele pensaria que eu estava digitando outra coisa em outra janela,
ou que havia saído do computador, ou que estava mandando mensagens pra outros
12 garotos além dele. e tenho de admitir que eu sentia os mesmos medos. assim,
agora fazemos essa coisa sempre que estamos numa pausa. simplesmente digitamos
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: estou aqui
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: estou aqui até
que venha a próxima frase.
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: estou aqui
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: o que estamos
fazendo?
grayscale: ???
amarradopelopai: acho que já está
na hora
amarradopelopai: de a gente se
encontrar
grayscale: !!!
grayscale: é sério?
amarradopelopai: delirantemente
grayscale: está dizendo que eu
teria uma chance de ver você
amarradopelopai: abraçar de
verdade
grayscale: de verdade
amarradopelopai: sim
grayscale: sim?
amarradopelopai: sim.
grayscale: sim!
amarradopelopai: estou maluco?
grayscale: sim! ☺
amarradopelopai: vou ficar
maluco, se não fizermos isso.
grayscale: devíamos.
amarradopelopai: devíamos.
grayscale: ahmeudeusuau
amarradopelopai: vai acontecer,
não é?
grayscale: agora não podemos mais
voltar atrás.
amarradopelopai: estou tão
animado...
grayscale: e apavorado
amarradopelopai: ... e apavorado
grayscale: ... mas principalmente
animado?
amarradopelopai: principalmente
animado.
vai acontecer. sei que vai
acontecer.
tontos e assustados, escolhemos
uma data.
sexta-feira. daqui a seis dias
apenas seis dias.
em seis dias, talvez minha vida
comece de fato.
isso é tão louco.
e a coisa mais louca de todas é
que estou tão animado que quero imediatamente contar tudo a isaac, embora ele
seja a pessoa que já sabe disso. nem maura, nem simon, nem derek, nem minha mãe
— ninguém neste mundo inteirinho, com exceção de isaac. ele é, ao mesmo tempo,
a fonte da minha felicidade e a pessoa com quem quero partilhá-la. tenho de
acreditar que isso é um sinal.
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