Capítulo Quatro

estou arrumando o metamucil nas prateleiras do corredor sete quando maura chega furtivamente. ela sabe que meu chefe é um babaca quando me pega conversando na hora do trabalho, então ela finge olhar as vitaminas enquanto conversa comigo. está me dizendo que tem alguma coisa muito perturbadora na palavra “ mastigável” e então, de repente, o relógio marca 17h12 e ela deduz que está na hora de me fazer perguntas pessoais.

maura: você é gay?
eu: que porra é essa?
maura: tudo bem por mim, se você for.
eu: ah, ótimo, porque o que mais me preocupa é se está tudo bem pra você.
maura: só estou dizendo.
eu: anotado. agora, por favor, dá pra calar a boca e me deixar trabalhar? Ou você quer que eu use meu desconto de empregado pra comprar alguma coisa pra sua cólica?

acho que deveria mesmo haver um regulamento contra questionar a sexualidade de um cara quando ele está trabalhando. e, de qualquer forma, não quero falar sobre isso com maura, independentemente de onde estivermos. porque, eis a questão — nós não somos tão íntimos assim. maura é o tipo de amiga com quem gosto de trocar ideias de cenários apocalípticos. no entanto, não é alguém que me faz querer evitar que o apocalipse aconteça. durante o ano ou quase isso em que somos amigos, esse sempre foi um problema. sei que se contasse a ela que gosto de garotos, ela provavelmente pararia de querer ficar comigo, o que seria uma imensa vantagem. mas também sei que imediatamente me tornaria seu bichinho de estimação gay, e esse é o último tipo de coleira que quero. e não é como se eu fosse assim tão gay. eu odeio a porra da madonna.

eu: devia haver um cereal pra quem tem prisão de ventre chamado metamüslix.
maura: estou falando sério.
eu: estou seriamente mandando você se foder. não devia me chamar de gay só porque não quero dormir com você. um monte de caras héteros também não quer dormir com você.
maura: vai se foder.
eu: ah, mas a questão é: não vai ser com você.

ela se aproxima e bagunça todos os frascos que eu vinha arrumando em fileiras. quase pego um deles e jogo na cabeça dela quando ela vai embora, mas a verdade é que se eu acertasse, o gerente me faria limpar tudo, e isso seria um saco. a última coisa que preciso é de massa encefálica nos meus sapatos novos.
você sabe como é difícil fazer aquela merda sair? de qualquer forma, preciso muito deste emprego, o que significa que não posso fazer coisas como gritar ou prender meu crachá idiota de cabeça pra baixo ou usar jeans rasgado ou sacrificar cachorrinhos no corredor dos brinquedos. não me importo, de verdade, exceto quando o gerente está por perto ou quando pessoas que conheço vêm aqui e agem todas estranhas só porque eu estou trabalhando, e elas não.
penso que maura vai voltar, mas ela não volta, e eu sei que vou ter de ser legal com ela (pelo menos não ser cruel) pelos próximos três dias. faço uma anotação mental pra comprar um café ou alguma coisa pra ela, mas meu bloco de notas mental é uma piada, porque assim que coloco alguma coisa ali, ela desaparece. e a verdade é que da próxima vez que nos falarmos, maura vai pôr em prática todo seu modo de mágoa, e isso só vai me irritar ainda mais. afinal, foi ela quem abriu a boca. não é culpa minha se ela não aguenta a resposta.
a farmácia fecha às oito nos sábados, o que significa que saio às nove. eric, mary e greta estão todos falando de festas às quais estão indo, e até roger, o gerente certinho, nos diz que ele e a mulher vão “ ter aquela noite em casa” — pisca-pisca, cutuca-cutuca, trepa-trepa, vomita-vomita. prefiro imaginar uma ferida purulenta com larvas rastejando em cima. roger é gordo e careca e a mulher provavelmente também é gorda e careca, e a última coisa que quero ouvir é sobre eles fazendo sexo gordo e careca. principalmente porque a gente sabe que ele está fazendo a coisa parecer todo esse pisca-cutuca quando a verdade é que provavelmente ele vai chegar em casa, os dois vão assistir a um filme do tom hanks e então um deles vai ficar deitado na cama ouvindo o outro mijar, aí vão trocar de lugar e, quando o segundo terminar no banheiro, as luzes vão se apagar e eles vão dormir.
greta me pergunta se quero ir junto, mas ela tem uns 23 anos ou quase isso e o namorado dela, vince, age como se fosse me estripar se eu uso alguma palavra um pouco mais difícil na presença dele. assim, eu só pego uma carona até em casa. minha mãe está lá, isaac não está on-line, e odeio que ela nunca tenha programa pra sábado à noite e isaac sempre tenha programas pra noite de sábado.
isto é, não quero que ele fique em casa esperando que eu volte e mande uma mensagem, porque uma das coisas legais nele é que isaac tem uma vida. Tem um e-mail dele dizendo que vai ao cinema porque é aniversário da kara, e digo a ele que deseje feliz aniversário a ela por mim, mas naturalmente, quando ele receber a mensagem, o aniversário dela já vai ter acabado e, de qualquer forma, não sei se ele falou de mim pra ela. mamãe está em nosso sofá verde-limão, assistindo à minissérie orgulho & preconceito pela sétima zilionésima vez, e sei que vou acabar ficando histérico se me sentar lá e assistir com ela. o estranho é que ela também gosta mesmo da saga kill bill e eu nunca pude perceber uma diferença em seu humor quando assiste uma coisa ou outra. é como se ela fosse sempre a mesma pessoa, independentemente do que acontece. o que não pode estar certo.
acabo assistindo a orgulho & preconceito porque dura umas 15 horas, então sei que, quando acabar, isaac provavelmente já vai estar em casa. meu telefone continua tocando e continuo não respondendo. essa é uma coisa boa de saber que ele não pode me ligar — nunca preciso me preocupar se é ele ou não.
a campainha toca exatamente quando o cara está prestes a dizer à garota toda a merda que ele precisa dizer, e a princípio eu ignoro o toque da mesma forma que ignoro o celular. o único problema é que as pessoas na porta não caem na caixa postal, então a campainha soa outra vez e mamãe está prestes a se levantar, então digo que vou atender, imaginando que deve ser o equivalente à porta de um engano ao telefone. só que quando chego lá é maura quem está do outro lado e ela ouviu meus passos, portanto, sabe que estou aqui.

maura: preciso falar com você.
eu: não é meia-noite ou perto disso?
maura: só abra a porta.
eu: você vai ficar bufando?
maura: vamos lá, will. só abra.

é sempre um pouco assustador quando ela fala toda objetiva comigo. assim, enquanto estou abrindo a porta, já tento imaginar como me livrar dela. é como se algum instinto entrasse em ação.

mãe: quem é?
eu: é só a maura.

e, ah merda, maura vai levar o “ só” pro lado pessoal. eu só quero que ela recolha a lágrima debaixo do olho e passe por cima disso. ela usa delineador preto suficiente para delinear um cadáver, e a pele dela é tão pálida que parece que acabou de virar vampira. só que sem os dois pontos de sangue no pescoço.
ficamos ali parados no vão da porta porque eu sinceramente não sei aonde deveríamos ir. não creio que maura já tenha entrado na minha casa, exceto talvez na cozinha. definitivamente ela nunca esteve no meu quarto, porque é lá que fica o computador, e maura é o tipo de garota que, no momento em que você a deixa sozinha, vai direto para o diário ou o computador. além disso, você sabe, chamar alguém pro seu quarto pode ser interpretado como outra coisa e certamente não quero que maura pense que vou falar algo do tipo “ ei-por-que-agente- não-senta-na-minha-cama-e-ei-já-que-estamos-sentados-na-minha-cama-quetal-se-eu-colocar-meu-pau-dentro-de-você?”. no entanto, a cozinha e a sala agora são zonas proibidas por causa da minha mãe, e o quarto dela é zona proibida porque é o quarto dela. e é por isso que me vejo perguntando a maura se ela quer ir até a garagem.

maura: a garagem?
eu: olha, não vou te pedir que entre por um cano de descarga, ok? se eu quisesse fazer um pacto suicida com você, optaria pela eletrocussão numa banheira. você sabe, com um secador de cabelo. como os poetas fazem.
maura: está bem.

a maxissérie da minha mãe ainda não chegou ao auge da baboseira romântica, então sei que maura e eu poderemos conversar sem sermos perturbados. ou, pelo menos, seremos os únicos perturbados na garagem. parece muito idiota sentarmos no carro, então abro espaço pra nós perto das coisas do meu pai que mamãe nunca foi capaz de jogar fora.

eu: então, o que foi?
maura: você é um imbecil.
eu: esta é a notícia urgente?
maura: cale a boca por um segundo.
eu: só se você calar a boca também.
maura: pare com isso.
eu: foi você quem começou.
maura: pare, por favor.

eu decido, ok, vou calar a boca. e o que é que ganho? quinze malditos segundos de silêncio. e isso é tudo.

maura: sempre digo pra mim mesma que você não tem a intenção de me machucar, o que faz com que seja menos doloroso, sabe? mas hoje — estou tão de saco cheio disso. de você. só pra você saber, eu também não quero dormir com você. eu jamais dormiria com alguém de quem não posso nem ser amiga.
eu: espera um segundo — agora não somos mais amigos?
maura: não sei o que somos. você sequer me conta que é gay.

essa é uma clássica manobra de maura. se ela não obtém uma resposta que quer, vai criar um beco sem saída pra encurralar você. como daquela vez em que vasculhou minha mochila quando eu estava no banheiro e encontrou meu remédio — eu não o havia tomado de manhã, e por isso o levara pra escola. Ela esperou uns bons dez minutos antes de me perguntar se eu estava tomando algum medicamento. isso me pareceu um pouco despropositado, e eu não queria falar sobre o assunto, assim disse a ela que não. e o que ela faz então? enfia a mão na minha mochila, tira o frasco de comprimidos e me pergunta para que eles servem. ela teve sua resposta, mas aquilo não inspirou exatamente confiança. ficou me dizendo que eu não precisava sentir vergonha da minha “condição mental”, e fiquei dizendo a ela que não sentia vergonha — só não queria falar sobre o assunto com ela. maura não conseguia entender a diferença.
então aqui estamos nós de volta a outro beco sem saída, e, desta vez, é a coisa de ser gay.

eu: opa, calma aí, mesmo que eu fosse gay, não seria uma decisão minha? a de te contar?
maura: quem é isaac?
eu: porra.
maura: você acha que não consigo ver o que você desenha no caderno?
eu: você está brincando comigo. então o problema é isaac?
maura: só me diga quem é ele.

essencialmente não quero dizer a ela. ele é meu, não dela. se eu lhe der um pedacinho que seja da história, ela vai querer tudo. de alguma maneira distorcida eu sei que ela está fazendo isso porque acha que é o que eu quero — falar de tudo, deixá-la saber de tudo sobre mim. mas não é isso que quero. não é o que ela pode ter.

eu: maura, maura, maura... isaac é um personagem. ele não existe de verdade. porra! é só uma coisa em que estou trabalhando. esta — eu não sei — ideia. tenho essas ideias todas na cabeça. estreladas por esse personagem, isaac.

não sei de onde veio essa merda. é como se tivesse sido me dada por alguma força divina de criação. maura parece querer acreditar, mas não acredita de fato.

eu: como o pogo dog. só que não é um cachorro, e não está em um espeto.
maura: meu deus, tinha esquecido totalmente do pogo dog.
eu: você está brincando? ele ia deixar a gente rico!

e ela está caindo na história. está se encostando em mim e, juro por deus, se fosse um cara daria pra ver o pau duro na calça dela.

maura: eu sei que é horrível, mas estou meio aliviada que você não esteja escondendo algo tão importante de mim.

imaginei que este seria um mau momento pra observar que, na verdade, eu nunca disse que não era gay. só mandei ela se foder. não sei se existe nada mais horrível que uma garota gótica ficando toda dengosa. maura não está só se encostando; agora está examinando minha mão como se alguém houvesse carimbado ali o significado da vida. em braille.

eu: é melhor eu voltar para ficar com minha mãe.
maura: diz pra ela que estamos conversando.
eu: prometi que assistiria a esse programa com ela.

o importante aqui é dispensar maura sem que ela perceba que eu a estou dispensando. porque realmente não quero magoá-la, não quando acabei de trazê-la de volta da beira da última mágoa que supostamente lhe infligi. sei que assim que maura chegar em casa ela vai mergulhar em seu caderno de poesia macabra, e estou fazendo o possível pra não obter uma avaliação ruim. uma vez maura me mostrou um de seus poemas.

me pendure
como uma rosa morta
me conserve
e minhas pétalas não vão cair
até você tocá-las
e eu dissolver

e eu escrevi um poema de volta pra ela

eu sou como
uma begônia morta
pendurada de cabeça pra baixo
porque
como uma begônia morta
eu estou cagando

ao qual ela retrucou

nem todas as flores
dependem da luz
pra crescer

então talvez esta noite eu inspire

pensei que seu solo fosse gay
mas talvez haja uma chance
pra eu me divertir, não sei
e tirar dele algum romance

tomara que eu nunca tenha de lê-lo ou saber dele, ou mesmo voltar a pensar nele.
eu me levanto e abro a porta da garagem pra que maura possa sair. digo a ela que nos vemos na segunda, na escola, e ela responde “ não se eu o vir primeiro” e eu solto um rá rá rá até que ela esteja a uma distância segura e eu possa tornar a fechar a porta.
o grotesco nisso tudo é que tenho certeza de que um dia isso vai voltar pra me assombrar. que um dia ela vai dizer que dei corda pra ela, quando a verdade é que eu estava apenas mantendo-a a distância. preciso encontrar um namorado pra ela. logo. não sou eu que ela quer — ela só quer alguém pra quem ela seja tudo. e eu não posso ser esse cara.
quando volto pra sala, orgulho & preconceito já está quase chegando ao fim, o que significa que todo mundo sabe bem em que pé está sua relação com todos os outros. em geral, a essa altura, minha mãe se encontra mergulhada em lenços de papel amassados, mas dessa vez não há sequer um olho úmido. Ela praticamente confirma isso quando desliga o dvd.

mãe: eu realmente preciso parar com isso. preciso trocar de vida.

penso que ela está falando com ela mesma, ou com o universo, e não especificamente comigo. no entanto, não posso deixar de pensar que “ trocar de vida” é algo em que somente um completo idiota pode acreditar. como se você pudesse pegar o carro, ir até uma loja e comprar uma vida nova. vê-la em sua caixa brilhante, olhar pela tampa de plástico, vislumbrar a si mesmo em uma nova vida e dizer: “uau, pareço muito mais feliz — acho que esta é a vida de que preciso!”, levá-la até o caixa, pagar no cartão de crédito. se trocar de vida fosse fácil assim, seríamos uma raça em êxtase. mas não somos. então, mãe, sua vida não está lá fora à sua espera, portanto, não pense que tudo que você precisa fazer é encontrá-la e trocar pela atual. não, sua vida é essa mesma. e, sim, ela é uma merda. a vida costuma ser assim. portanto, se quer que as coisas mudem, não precisa trocar de vida. você precisa tirar a bunda da cadeira.
é claro que não digo nada disso. as mães não precisam ouvir esse tipo de merda dos filhos, a menos que estejam fazendo algo muito errado, como fumar na cama, ou usar heroína, ou usar heroína enquanto fumam na cama. se minha mãe fosse uma garota da minha escola, todos os amigos dela diriam: “ cara, você só precisa ser comida.” mas, sinto muito, gênios, não existe essa coisa de trepada terapêutica. a trepada terapêutica é a versão adulta do papai noel. é meio doentio que minha mente tenha ido da minha mãe pra uma trepada, então fico feliz quando ela se queixa um pouco mais sobre si mesma.

mãe: isto está virando rotina, não é? sua mãe em casa num sábado à noite, esperando que darcy apareça.
eu: não existe uma resposta pra essa pergunta, não é?
mãe: não. provavelmente não.
eu: você já chamou esse tal darcy pra sair?
mãe: não. na verdade, ainda não o encontrei.
eu: bem, ele não vai aparecer até você o convidar.

eu dando conselho romântico à minha mãe é meio como um peixinho de aquário dando conselho a uma lesma sobre como voar. eu poderia lembrar a ela que nem todos os caras são canalhas como meu pai, mas ela contraditoriamente odeia quando falo mal dele. ela provavelmente só está preocupada com o dia em que vou acordar e perceber que metade dos meus genes são tão orientados pra ser um filho da puta que vou desejar ser um filho da puta. bem, mãe, adivinhe só? esse dia aconteceu há muito tempo. e eu gostaria de dizer que é aí que entram os comprimidos, embora eles lidem apenas com os efeitos colaterais.
deus abençoe os estabilizadores de humor. e todos os humores serão criados iguais. eu sou a porra do movimento dos direitos civis do humor.
já está tarde o bastante pra que isaac esteja em casa, então digo a minha mãe que estou indo pra cama e, pra ser agradável, digo a ela que, se vir algum cara bonito, assim, de cueca e cavalgando sensualmente a caminho do shopping, vou passar o número do telefone dela. ela me agradece por isso, e diz que é uma ideia melhor que qualquer uma das que suas amigas do pôquer já tiveram. Me pergunto se logo ela estará pedindo a opinião do carteiro.
tem uma mensagem pendente à minha espera quando tiro o protetor de tela.

amarradopelopai: vc está aí?
amarradopelopai: estou torcendo
amarradopelopai: e esperando
amarradopelopai: e rezando

todos os tipos de comemoração inundam meu cérebro. o amor é muito uma droga.

grayscale: por favor, seja a voz da sanidade que resta no mundo.
amarradopelopai: vc está aí!
grayscale: exato.
amarradopelopai: se vc está contando comigo pra sanidade, a coisa deve estar feia.
grayscale: é, bem, maura foi até a farmácia fazer uma audição pro papel de
bruxa, e quando eu disse a ela que os testes estavam cancelados, ela resolveu que aceitava
grayscale: uma trepadinha no lugar. e então minha mãe começou a dizer que
não tinha vida. ah, e ainda tenho dever de casa pra fazer. ou não.
amarradopelopai: é difícil ser você, hein?
grayscale: sem dúvida.
amarradopelopai: você acha que maura sabe a verdade?
grayscale: tenho certeza de que ela pensa que sabe.
amarradopelopai: que vaca intrometida.
grayscale: na verdade, não. não é culpa dela eu não querer falar disso. Prefiro dividir com você.
amarradopelopai: e você está. enquanto isso, nenhum programa no sábado à noite? passando mais tempo agradável com sua mãe?
grayscale: você, querido, é meu programa de sábado à noite.
amarradopelopai: sinto-me honrado.
grayscale: deveria mesmo. como foi o aniversário?
amarradopelopai: simples. kara só queria ver um filme comigo e janine. Boa companhia, filme fraco. aquele do cara que descobre que a garota com quem ele casa é um sucubo.
amarradopelopai: súcubo?
amarradopelopai: súcobo?
grayscale: súcubo
amarradopelopai: é, isso. começou muito idiota. depois ficou muito chato. depois ficou barulhento e idiota. depois teve uns dois minutos em que, de tão idiota, ficou engraçado. então voltou a ser idiota, e finalmente terminou sem pé nem cabeça.
amarradopelopai: muito bacana, muito bacana
grayscale: como está kara?
amarradopelopai: se recuperando.
grayscale: como assim?
amarradopelopai: ela fala muito dos problemas do passado, é uma forma de nos convencer de que estão no passado. e talvez estejam mesmo.
grayscale: você falou pra ela que mandei um oi?
amarradopelopai: sim. acho que o que eu disse foi: “ will diz que quer você dentro dele”, mas o efeito foi o mesmo. ela disse oi de volta.
grayscale: **suspiro triste** queria estar lá.
amarradopelopai: eu queria estar aí com você agora.
grayscale: mesmo?
amarradopelopai: sinsenhor.
grayscale: e se estivesse aqui...
amarradopelopai: o que eu faria?
grayscale:
amarradopelopai: deixa eu te dizer o que eu faria.

essa é uma brincadeira nossa. na maior parte do tempo não falamos a sério. assim, são vários os caminhos que podemos seguir. o primeiro consiste basicamente em zombarmos das pessoas que fazem sexo pela internet inventando nosso próprio e ridículo diálogo desdenhográfico.

grayscale: quero que você lamba minha clavícula.
amarradopelopai: estou lambendo sua clavícula.
grayscale: aah, como isso é gostoso.
amarradopelopai: clavícula safadinha.
grayscale: hummmmm
amarradopelopai: wwwwwwww
grayscale: rrrrrrrrrrrrrrrr
amarradopelopai: ttttttttttttttttttt

outras vezes optamos pela abordagem ficção romântica. pornô piegas.

amarradopelopai: empurre seu mastro feroz e trêmulo em mim, garanhão
grayscale: seu apêndice ignóbil me enche com o fogo do inferno
amarradopelopai: minha equipe de busca está rastejando em direção à sua terra de ninguém
grayscale: me regue como um peru de natal!!!

e então há noites, como a de hoje, quando o que se segue é a verdade, porque é o que mais precisamos. ou talvez apenas um de nós dois mais precise dela, mas o outro sabe a hora certa de dá-la.
como agora, quando o que mais desejo no universo é tê-lo ao meu lado. Ele sabe disso, e diz

amarradopelopai: se eu estivesse aí, pararia atrás da sua cadeira e colocaria minhas mãos em seus ombros, de leve, e os massagearia delicadamente até que você terminasse sua última frase
amarradopelopai: então eu me inclinaria pra frente e deslizaria as mãos pelos seus braços e encaixaria meu pescoço no seu e deixaria você se virar para mim e descansar ali por algum tempo
amarradopelopai: descanso
amarradopelopai: e quando você estivesse pronto, eu o beijaria uma vez e me afastaria, então me sentaria em sua cama e esperaria por você ali, só pra ficarmos deitados, e você poderia me abraçar, e eu poderia abraçá-lo de volta
amarradopelopai: e sentiríamos tanta paz. ficaríamos completamente em paz. como a sensação de ter sono, só que com nós dois acordados juntos.
grayscale: isso seria tão maravilhoso.
amarradopelopai: eu sei. eu adoraria também.

não consigo imaginar nós dois dizendo essas coisas em voz alta um pro outro, mas mesmo que eu não consiga imaginar essas palavras, posso imaginar vivê-las. nem sequer visualizo a cena. em vez disso, estou nela. como me sentiria com ele aqui. aquela paz. seria tamanha felicidade que fico triste por ela só existir em palavras.
logo no início, isaac deixou claro pra mim que ele acha as pausas incômodas — se passasse muito tempo sem que eu respondesse, ele pensaria que eu estava digitando outra coisa em outra janela, ou que havia saído do computador, ou que estava mandando mensagens pra outros 12 garotos além dele. e tenho de admitir que eu sentia os mesmos medos. assim, agora fazemos essa coisa sempre que estamos numa pausa. simplesmente digitamos

grayscale: estou aqui
amarradopelopai: estou aqui
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: estou aqui até que venha a próxima frase.
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: estou aqui
grayscale: estou aqui
amarradopelopai: o que estamos fazendo?
grayscale: ???
amarradopelopai: acho que já está na hora
amarradopelopai: de a gente se encontrar
grayscale: !!!
grayscale: é sério?
amarradopelopai: delirantemente
grayscale: está dizendo que eu teria uma chance de ver você
amarradopelopai: abraçar de verdade
grayscale: de verdade
amarradopelopai: sim
grayscale: sim?
amarradopelopai: sim.
grayscale: sim!
amarradopelopai: estou maluco?
grayscale: sim!
amarradopelopai: vou ficar maluco, se não fizermos isso.
grayscale: devíamos.
amarradopelopai: devíamos.
grayscale: ahmeudeusuau
amarradopelopai: vai acontecer, não é?
grayscale: agora não podemos mais voltar atrás.
amarradopelopai: estou tão animado...
grayscale: e apavorado
amarradopelopai: ... e apavorado
grayscale: ... mas principalmente animado?
amarradopelopai: principalmente animado.

vai acontecer. sei que vai acontecer.
tontos e assustados, escolhemos uma data.
sexta-feira. daqui a seis dias
apenas seis dias.
em seis dias, talvez minha vida comece de fato.
isso é tão louco.
e a coisa mais louca de todas é que estou tão animado que quero imediatamente contar tudo a isaac, embora ele seja a pessoa que já sabe disso. nem maura, nem simon, nem derek, nem minha mãe — ninguém neste mundo inteirinho, com exceção de isaac. ele é, ao mesmo tempo, a fonte da minha felicidade e a pessoa com quem quero partilhá-la. tenho de acreditar que isso é um sinal.

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