Capítulo Sete

Stuart e eu passamos vários minutos quietos, nos empanturrando com muita satisfação, depois que Debbie foi embora. Mas tive a impressão de que ela não tinha ido embora de verdade – não a ouvi andando. Acho que Stuart também teve essa sensação, pois ficava se virando.
– Esta sopa está realmente incrível – falei, porque parecia uma boa observação para ser espionada. –
Nunca comi nada assim. São essas bolinhas...
– Você não deve ser judia, é por isso – disse ele, levantando-se e fechando a porta sanfonada da cozinha.
– São bolinhas de matzá.
– Você é judeu?
Stuart ergueu um dedo, indicando que eu deveria esperar. Ele abriu um pouquinho a porta, e ouvimos uma série de passos rápidos e estalos, como alguém tentando subir as escadas às pressas e em silêncio.
– Foi mal – disse ele. – Achei que tínhamos companhia. Devem ter sido ratos. Sim, minha mãe é judia, então, tecnicamente, também sou. Mas ela tem essa coisa com o Natal. Acho que faz isso para se encaixar. Só que exagera um pouco.
A cozinha havia sido completamente convertida para a ocasião. As toalhas de mão, o pano que cobria a torradeira, os ímãs de geladeira, as cortinas, a toalha de mesa, o arranjo de centro... quanto mais eu olhava, mais natalino ficava.
– Reparou no visco elétrico falso na entrada? – perguntou Stuart. – Nossa casa nunca aparecerá na capa da revista Judeus Sulinos desse jeito.
– Então por que...
Ele deu de ombros.
– Porque é o que as pessoas fazem – disse ele, pegando mais um pedaço de peru, dobrando e enfiando na boca. – Principalmente por aqui. Não existe o que se chamaria exatamente de uma comunidade judaica bem-sucedida. Minha aula de hebreu tinha só eu e outra garota.
– Sua namorada?
Algo passou pelo rosto dele, uma rápida onda de enrugamento da testa e torção da boca que suspeitei ser uma gargalhada reprimida.
– Só porque há apenas dois de nós não significa que temos que ficar juntos – respondeu ele. – Não é como se alguém dissesse “Tudo bem... dois judeus! Dancem!”. Não, ela não é minha namorada.
– Desculpa – falei rapidamente. Era a segunda vez que eu mencionava a namorada, tentando mostrar minha habilidade de observação, e ele apenas ignorava. Chega. Não a mencionaria mais. Ele obviamente não queria falar sobre ela, o que era um pouco estranho... Stuart parecia o tipo que rapidamente começaria a tagarelar sobre a namorada por umas sete horas. Ele dava essa impressão.
– Tudo bem. – Stuart pegou mais peru, parecendo já ter se esquecido de como eu poderia ser idiota às vezes. – Costumo pensar que as pessoas gostam de nos ter por perto. Como se acrescentássemos algo à vizinhança. Temos um playground, um sistema de reciclagem eficiente e duas famílias judias.
– Mas não é estranho? – perguntei, pegando o saleiro em formato de boneco de neve. – Todas essas decorações de Natal.
– Talvez. Mas é apenas um grande feriado, entende? Tudo parece tão falso que fica bem. Minha mãe gosta de comemorar tudo, na verdade. Nossos parentes acham estranho nós termos uma árvore, mas árvores são legais. Não é como se fossem religiosas.
– Verdade – falei. – O que o seu pai acha?
– Não tenho ideia. Ele não mora aqui.
Stuart não pareceu muito incomodado com esse fato. Ele batucou na mesa para afastar o assunto, depois se levantou.
– Vou preparar as coisas para você dormir – disse ele. – Volto já.
Levantei-me para olhar em volta. Havia duas árvores de Natal: uma pequenininha próxima à janela panorâmica e uma enorme, de uns dois metros e meio, no canto. Estava praticamente dobrada devido ao peso de todos os enfeites artesanais, os múltiplos fios de luzes e o que deveriam ser dez caixas de fios prateados.
Havia um piano na sala repleto de páginas abertas de uma música, algumas com comentários escritos à caneta. Não toco nenhum instrumento, então todas as músicas parecem complicadas para mim – mas essa parecia ainda mais complicada do que o normal. Alguém ali sabia o que estava fazendo. Não era apenas um caso de “piano como mobília”.
Mas o que realmente chamou minha atenção foi o que estava apoiado sobre o piano. Era muito menor e bem menos complexa, tecnicamente, do que a nossa, mas era uma Cidade do Papai Noel Flobie, emoldurada em uma pequena cerca de festão.
– Você deve saber o que é – falou Stuart, descendo as escadas com uma pilha enorme de cobertores e travesseiros, que ele jogou no sofá.
Eu sabia, é claro. Eles tinham cinco peças: o Café Homens Alegres, a loja de jujubas, a Loja de Suprimentos Festivos do Frank, a Elfateria e a sorveteria.
– Imagino que vocês tenham mais desses do que nós – disse ele.
– Nós temos cinquenta e seis peças.
Ele assobiou com espanto e esticou o braço para ligar a cidade na energia. Diferentemente de nós, eles não tinham um sistema chique para ligar todas as casas ao mesmo tempo. Precisavam ligar o botão de cada casa, dando vida à cidade.
– Minha mãe acha que valem alguma coisa – contou ele. – Trata as casas como se fossem o precioso.
– Todos pensam assim – falei em solidariedade.
Olhei para as peças com olhar de especialista. Não costumo espalhar por aí, mas na verdade sei muito sobre a Cidade do Papai Noel Flobie, por razões óbvias. Eu me garanto em qualquer exposição.
– Bem – comecei, apontando para o Café Homens Alegres –, este meio que vale alguma coisa. Está vendo como é feito de tijolos, com a moldura da janela em verde? É uma peça de primeira geração. No segundo ano, fizeram as molduras das janelas pretas.
Eu a peguei com cuidado e verifiquei a base.
– Não é uma peça numerada – disse eu, examinando a base. – Mas ainda assim... qualquer peça de primeira geração com uma diferença notável é boa. E aposentaram o Café Homens Alegres há cinco anos, então isso faz com que valha um pouquinho mais. Venderia por cerca de quatrocentos dólares, mas parece que a chaminé foi quebrada e depois colada de volta.
– Ah, sim. Minha irmã fez isso.
– Você tem uma irmã?
– Rachel – falou Stuart. – Tem cinco anos. Não se preocupe. Você vai conhecê-la. E isso aí que você fez foi tipo incrível.
– Não acho que incrível seja a palavra certa. Talvez deprimente.
Ele desligou todas as casas de novo.
– Quem toca piano? – perguntei.
– Eu. É meu talento. Acho que todos temos um.
Stuart fez uma careta meio ridícula, o que me fez rir.
– Você não deveria desdenhar assim – falei. – As faculdades adoram pessoas com habilidades musicais. Nossa, eu soei tão... bem, tão como aquelas pessoas que fazem as coisas só porque acham que assim as faculdades gostarão delas. Fiquei chocada quando percebi que estava citando Noah. Nunca tinha pensado em como isso era irritante.
– Foi mal – acrescentei. – Estou cansada.
Ele fez um aceno para esquecer, como se não precisasse de explicação ou desculpas.
– Mães também gostam – observou Stuart. – E vizinhos. Sou tipo o macaco artista desta subdivisão de casas. Felizmente, também gosto de tocar, então está tudo certo. E... os lençóis e travesseiros são para você e...
– Estou bem – falei. – Isso é demais. É muito legal de sua parte me deixar ficar.
– Como eu disse, não é problema algum.
Ele se virou para ir embora, mas parou no meio da escada.
– Ei – falou Stuart. – Desculpa se fui um idiota mais cedo, quando estávamos andando. Foi só...
– A caminhada na neve. Eu sei. Estava frio, estávamos rabugentos. Não se preocupe. Sinto muito também. E obrigada.
Ele parecia prestes a dizer uma coisa, mas apenas assentiu e começou a subir as escadas novamente. Ouvi-o chegar ao topo, depois descer alguns degraus. Olhou pelo corrimão.
– Feliz Natal – acrescentou Stuart antes de desaparecer.
Foi quando eu me dei conta. Meus olhos se encheram d’água. Sentia falta da minha família. Sentia falta de Noah. Sentia falta de casa. Aquelas pessoas haviam feito tudo o que podiam, mas não eram minha família. Stuart não era meu namorado. Fiquei ali por um longo tempo, virando-me no sofá, ouvindo um cachorro roncar em algum lugar no andar de cima (acho que era um cachorro), vi duas horas se passarem no relógio que fazia tic-tac muito alto.
Simplesmente não consegui aguentar.
Meu telefone estava no bolso do casaco, então fui descobrir onde minhas roupas tinham ido parar. Encontrei-as na área de serviço. O casaco havia sido pendurado sobre uma saída do aquecedor. Pelo visto, meu telefone não tinha gostado de ser totalmente mergulhado em água fria. A tela estava apagada. Por isso não tinha recebido notícias dele.
Havia um telefone no balcão da cozinha. Fui até lá silenciosamente na ponta dos pés, tirei-o do gancho e disquei o número de Noah. Tocou quatro vezes antes de ele atender. A voz parecia cansada e profunda.
– Sou eu – sussurrei.
– Leu? – Noah engasgou. – Que horas são?
– Três da manhã – respondi. – Você não ligou de volta.
Sons diversos de respiração, enquanto Noah tentava organizar os pensamentos.
– Desculpa. Foi um dia cheio. Sabe como é minha mãe e o Smörgåsbord. Podemos nos falar amanhã? Ligo assim que terminarmos de abrir os presentes.
Fiquei em silêncio. Eu tinha desbravado a maior nevasca do ano – de muitos anos –, caído em um riacho congelado, e meus pais estavam na cadeia... e, mesmo assim, ele não podia falar comigo?
Mas... Noah teve uma noite cheia, e parecia um desperdício obrigá-lo a ouvir minha história quando estava quase inconsciente. As pessoas não conseguem ser devidamente solidárias com você quando as acorda, e eu precisava de Noah cem por cento para isso.
– Claro – falei. – Amanhã.
Subi novamente para a caverna de cobertores e travesseiros. Tinham um cheiro forte e pouco familiar. Não era ruim... só de sabão muito forte que eu jamais havia sentido.
Às vezes eu simplesmente não entendia Noah. Às vezes até sentia como se ele me namorasse como parte do plano, como apresentar um checklist nos documentos de inscrição e uma das coisas para marcar seria: “Você tem uma namorada razoavelmente inteligente que compartilha suas aspirações e está pronta para aceitar sua disponibilidade limitada? Uma namorada que gosta de ouvir você falar sobre suas realizações durante horas seguidas?”
Não. Eram o medo e o frio falando. Era por estar em um lugar estranho, longe da família. Era o estresse pelo fato de meus pais terem sido presos em um tumulto por umas casas de cerâmica. E, se eu apenas dormisse, meu cérebro voltaria ao normal.

Fechei os olhos e senti o mundo inteiro girando com a neve. Fiquei tonta por um momento e um pouco enjoada, depois caí em um sono bem profundo, sonhei com sanduíches de waffles e líderes de torcida fazendo abertura de pernas sobre as mesas.

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