Capítulo Sete
Ouço o bing eletrônico, me viro e
vejo um garoto entrando. Naturalmente, não lhe pedem a identidade, e, embora
ele esteja no lado peludo da puberdade, não existe a menor chance de ele ter 18
anos. Pequeno, de olhos arregalados, muito louro e absolutamente apavorado —
tão assustado quanto eu provavelmente estaria se já não tivesse sido levado ao
limite pela conspiração anti-Will Grayson envolvendo A. Jane, B. Tiny, C. O
espécime cheio de piercings atrás do balcão e D. O Sr. McCópia chapadão.
Mas, de qualquer forma, o garoto
está me olhando com um nível de intensidade que acho muito perturbador,
sobretudo levando-se em conta o fato de eu estar segurando um exemplar da Mano
a Mano. Tenho certeza de que existem várias maneiras fantásticas de indicar ao
estranho menor de idade de pé ao lado da Grande Muralha de Vibradores que eu,
na verdade, não sou fã da Mano a Mano, mas a estratégia particular que escolho
é murmurar: “É, hã, para um amigo.” O que é verdade, mas A. Não é uma desculpa muito
convincente, e B. Ela sugere que sou o tipo de cara que é amigo do tipo de cara
que gosta da Mano a Mano, e sugere ainda que C. Sou o tipo de cara que compra
revistas pornô para os amigos. Logo depois de dizer “É para um amigo”, me dou
conta de que deveria ter dito: “ Estou tentando aprender espanhol.”
O garoto continua a me olhar, e,
após alguns instantes, estreita os olhos, forçando a visão. Sustento o olhar
dele por alguns segundos, mas em seguida desvio. Por fim, ele passa por mim e
entra no corredor dos vídeos. Parece que está procurando por alguma coisa
específica, e que essa coisa específica não está relacionada a sexo, e, nesse
caso, suspeito que não vai encontrá-la aqui. Ele serpenteia na direção dos
fundos da loja, onde se vê uma porta aberta, a qual acredito que deva estar de
alguma forma ligada às “ fichas”. Tudo que quero é dar o fora daqui com meu
exemplar de Mano a Mano, então vou até o cara dos piercings e digo:
— É só isso, por favor.
Ele registra na caixa.
— Nove e oitenta e três — diz.
— Nove DÓLARES? — pergunto,
incrédulo.
— E oitenta e três centavos —
acrescenta ele.
Balanço a cabeça. Essa
brincadeira está ficando extraordinariamente cara, mas não vou voltar para o
bizarro rack de revistas e procurar uma pechincha. Vasculho os bolsos e reúno
algo perto de quatro dólares. Suspiro, e então levo a mão ao bolso traseiro e
entrego ao cara meu cartão de débito. Meus pais olham o extrato, mas não vão
distinguir Frenchy’s de Denny’s.
O sujeito olha o cartão. Olha pra
mim. Olha o cartão. Olha pra mim. E um segundo antes de ele falar, eu me dou
conta: meu cartão diz William Grayson. Minha identidade diz Ishmael J. Biafra.
Bem alto, o cara diz:
— William. Grayson. William.
Grayson. Onde foi que eu vi esse nome antes? Ah, certo. NÃO foi na sua carteira
de motorista.
Pondero minhas opções por um
instante e então digo, bem baixinho:
— O cartão é meu. Eu sei a senha.
Apenas... registre.
Ele passa o cartão pela máquina e
diz:
— Não tô nem aí, garoto. O
dinheiro é o mesmo.
E, nesse exato momento, sinto o
garoto logo atrás de mim, me olhando outra vez, e então eu faço meia-volta, e
ele diz:
— O que você disse?
Só que não está falando comigo,
está falando com o Piercings.
— Eu disse que não tô nem aí pra
identidade dele.
— Você não me chamou?
— De que porra você tá falando,
garoto?
— William Grayson. Você falou
William Grayson? Alguém aqui me chamou?
— Hã? Não, garoto. William
Grayson é esse cara aqui — diz ele, me apontando com a cabeça. — Bem, há duas
correntes de pensamento, creio, mas é o que diz neste cartão.
E o garoto me olha confuso por um
instante e por fim pergunta:
— Qual é o seu nome?
Isso está me apavorando. A
Frenchy’s não é um lugar para conversas. Assim, digo simplesmente para o
Piercings:
— Você pode me dar a revista? — E
Piercings a entrega a mim em uma sacola plástica de um preto completamente
opaco e sem identificação, pela qual me sinto muito grato, e em seguida me dá o
cartão e a nota fiscal. Saio pela porta, corro meia quadra pela Clark e então
me sento no meio-fio e espero meu pulso desacelerar.
O que está começando a acontecer
quando meu companheiro menor de idade e peregrino na Frenchy’s vem correndo até
mim e pergunta:
— Quem é você?
Eu me levanto e respondo:
— Hã, eu sou Will Grayson.
— W-I-L-L G-R-A-Y-S-O-N? —
pergunta, soletrando impossivelmente rápido.
— Hã, sim — digo. — Por que a
pergunta?
O garoto me olha por um segundo,
a cabeça inclinada, como se pensasse que eu poderia estar passando um trote
nele. Então finalmente diz:
— Porque eu também sou Will
Grayson.
— Tá de sacanagem? — pergunto.
— Não — diz o cara.
Não consigo decidir se ele é
paranoico ou esquizofrênico, ou ambos, mas nesse momento ele puxa uma carteira
emendada com silver tape do bolso traseiro e me mostra uma carteira de
motorista do Illinois. Nossos nomes do meio, pelo menos, são diferentes, mas...
sim.
— Bem — digo —, foi bom te
conhecer. — E começo a me afastar, porque, nada contra o cara, mas não quero
puxar assunto com alguém que frequenta lojas pornôs, mesmo que, tecnicamente
falando, eu mesmo seja um cara que frequenta lojas pornôs. Mas ele toca o meu
braço, e parece pequeno demais pra ser perigoso, então torno a me virar e ele
pergunta:
— Você conhece Isaac?
— Quem?
— Isaac?
— Não conheço nenhum Isaac, cara
— digo.
— Era para eu encontrá-lo naquele
lugar, mas ele não está lá. Você não se parece com ele, mas pensei... Eu não
sei o que pensei. Como é que... Que diabos está acontecendo? — O garoto gira em
um círculo rápido, como se estivesse procurando um cameraman ou coisa parecida.
— Foi Isaac quem mandou você fazer isso?
— Acabei de dizer, cara: não
conheço nenhum Isaac.
Ele se vira outra vez, mas não
tem ninguém atrás dele. Ele ergue os braços para o ar e diz:
— Eu não sei nem sobre o que
surtar agora.
— Esse está sendo um dia maluco
pra Will Graysons por toda parte — observo.
Ele balança a cabeça e então se
senta no meio-fio, e eu o acompanho, pois não há mais nada a fazer. Ele me
examina com atenção, então desvia os olhos, e depois me olha de novo. E aí dá
um beliscão de verdade no próprio braço.
— É claro que não. Meus sonhos
não são tão estranhos assim.
— É — digo. Não consigo descobrir
se ele quer que eu fale com ele, e também não consigo descobrir se quero falar
com ele, mas, passado um minuto, digo: — Então, hã, como você conheceu o Isaac
me-encontre-na-sex-shop?
— Ele é só... um amigo. Nos
conhecemos na internet faz muito tempo.
— Na internet?
Se é que é possível, Will Grayson
consegue encolher-se ainda mais. Com os ombros curvados, fita com intensidade a
sarjeta da rua. Eu sei, naturalmente, que existem outros Will Graysons. Já
joguei meu nome no Google suficientes vezes pra saber disso. Mas nunca pensei
que fosse ver um. Por fim, ele diz:
— É.
— Você nunca viu esse cara
pessoalmente? — insisto.
— Não — confirma ele —, mas já o
vi, assim, numas mil fotos.
— Ele é um homem de 50 anos —
digo assertivamente. — Um pervertido.
De um Will pra outro: não tem a
menor chance de Isaac ser quem você pensa que ele é.
— Ele provavelmente só... Eu não
sei, talvez tenha encontrado outra droga de Isaac no ônibus e esteja preso no
Mundo Bizarro.
— Por que diabos ele te pediria
que fosse para a Frenchy’s?
— Boa pergunta. Por que alguém
iria a uma sex shop? — Ele me dirige um sorriso um pouco presunçoso.
— Boa pergunta — observo. — Sim,
é verdade. Mas tem uma história por trás disso.
Espero um segundo para que Will
Grayson me pergunte sobre a minha história, mas ele não pergunta. Então começo
a contar assim mesmo. Conto a ele sobre Jane, Tiny Cooper e os Maybe Dead Cats
e “ Annus Miribalis”, e o segredo do armário de Jane e o atendente da loja
copiadora que não sabia contar, e arranco dele algumas risadas ao longo da
história, mas na maior parte do tempo ele fica lançando olhares para a
Frenchy’s, à espera de Isaac. O rosto dele parece alternar entre esperança e
raiva. Na verdade, ele presta muito pouca atenção em mim, o que eu acho ok, de
verdade, porque só estou contando minha história para ele por contar, falando
com um estranho porque essa é a única maneira segura de falar, e o tempo
inteiro mantenho a mão no bolso, segurando o celular, porque quero ter certeza
de que vou senti-lo vibrando se alguém ligar.
E então ele me conta sobre Isaac,
que são amigos há um ano, e que ele sempre quis encontrá-lo porque não existe
ninguém igual a Isaac no subúrbio onde ele mora, e logo me ocorre que Will
Grayson gosta de Isaac de uma maneira não-completamente-platônica.
— Então eu pergunto: que
pervertido de 50 anos faria isso? — diz Will. —
Que pervertido passaria um ano de
sua vida conversando comigo, me contando tudo sobre seu eu falso, enquanto
conto a ele tudo sobre meu eu real? E se um pervertido de 50 anos fez isso, por
que não apareceu na Frenchy’s pra me estuprar e matar? Mesmo numa noite
totalmente impossível, isso é totalmente impossível.
Reflito sobre isso por um
segundo.
— Não sei — respondo, por fim. —
As pessoas são estranhas pra cacete, caso você não tenha percebido.
— É. — Ele não está mais olhando
a todo instante para a entrada da Frenchy’s, apenas pra frente. Posso vê-lo com
o canto do olho, e tenho certeza de que ele pode me ver com o canto do seu, mas
na maior parte do tempo não estamos olhando um para o outro, e sim para o mesmo
ponto na rua, onde os carros passam, barulhentos, meu cérebro tentando dar um
sentido a todas as impossibilidades, todas as coincidências que me trouxeram
aqui, todas as coisas falsas-e-verdadeiras. E ficamos em silêncio por um tempo
tão longo que tiro o celular do bolso, olho pra ele e confirmo que ninguém
ligou, então torno a guardá-lo, e aí finalmente sinto Will desviando o olhar do
tal ponto na rua e voltando-o pra mim, até dizer:
— O que você acha que isso
significa?
— O quê? — pergunto.
— Não existem tantos Will
Graysons assim — diz. — Tem de significar alguma coisa, um Will Grayson
encontrar outro Will Grayson em uma sex shop aleatória que nenhum dos dois Will
Graysons frequenta.
— Você está sugerindo que Deus
levou dois Will Graysons de Chicagoland, menores de idade, até a Frenchy’s ao
mesmo tempo?
— Não, babaca — continua ele —,
mas quero dizer que isso deve significar alguma coisa.
— Sim — retruco. — É difícil
acreditar em coincidências, porém é ainda mais difícil acreditar em outra
coisa. — Nesse exato momento, o celular ganha vida na minha mão, e, quando o
estou tirando do bolso, o telefone de Will Grayson começa a tocar.
E, até mesmo pra mim, isso é
coincidência demais. Ele murmura: “ Meu Deus, é Maura” como se eu fosse saber
quem é Maura, e fica olhando o aparelho, parecendo não ter certeza se deve ou
não atender. Minha ligação é de Tiny. Antes de abrir o telefone, digo a Will:
— É meu amigo Tiny. — E estou
olhando pra Will; para o fofo e perdido Will.
Abro o telefone.
— Grayson! — berra Tiny acima do
barulho da música. — Estou apaixonado por esta banda! Vamos ficar mais umas
duas músicas e então vou aí pegar você. Onde você está, baby? Onde está meu
lindo bebezinho Grayson?
— Estou do outro lado da rua —
grito de volta. — E é melhor você se ajoelhar e agradecer ao doce Senhor,
porque, Tiny, eu tenho um cara pra você.
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