Capítulo 1
Depois de um ano de escravidão nas Minas de Sal de Endovier,
Celaena Sardothien estava acostumada a ser conduzida a todos os lugares em
grilhões e com espadas apontadas para si. A maioria dos milhares de escravos de
Endovier era tratada da mesma forma – mas meia dúzia de guardas adicionais
sempre escoltava Celaena para dentro e para fora das minas. Isso era esperado
pela assassina mais famosa de Adarlan. O que Celaena não esperava, porém, era
um homem encapuzado, todo vestido de preto ao seu lado – como havia naquele momento.
Ele segurava-lhe o braço enquanto a conduzia pelo prédio reluzente
onde a maior parte dos oficiais e capatazes de Endovier estavam lotados. Eles
seguiram por corredores, subiram lances de escada e deram voltas e mais voltas
até não haver mais a mínima chance de Celaena encontrar o caminho da saída.
Pelo menos essa era a intenção do seu acompanhante, pois Celaena
percebeu que eles subiram e desceram a mesma escadaria dentro de poucos
minutos. Ela também não deixou de notar que, apesar de o prédio ser uma
estrutura padronizada de corredores e escadarias, tinham ziguezagueado entre os
andares.
Como se Celaena fosse se perder assim, com tanta facilidade. Se o
homem não estivesse se esforçando tanto, talvez ela tivesse se sentido
insultada.
Entraram em um corredor bem longo, silencioso exceto pelo som dos passos.
O homem que lhe segurava o braço era alto e forte, mas ela não conseguia ver as
feições do rosto escondido sob o capuz. Outra tática para confundir e
intimidá-la. As roupas negras também deviam fazer parte da estratégia. Ele se
virou na direção de Celaena, e ela lhe lançou um sorriso. O homem olhou para a
frente de novo e apertou mais o braço da assassina.
Celaena imaginou que deveria se sentir lisonjeada, mesmo sem saber
o que estava acontecendo ou por que o homem ficara à sua espera na saída da
mina.
Depois de um dia inteiro extraindo sal grosso das entranhas da
montanha, encontrá-lo parado lá fora com outros seis guardas não melhorara seu
humor. Mas Celaena ficara mais alerta quando o homem se apresentou ao seu
capataz como Chaol Westfall, capitão da Guarda Real. O céu, de súbito, pareceu
desabar sobre sua cabeça, as montanhas foram empurradas na direção dela e até a
terra, por um momento, pareceu inchar na direção de seus joelhos. Há algum
tempo Celaena não sentia medo – não se permitia sentir medo. Todas as
manhãs, quando acordava, repetia as mesmas palavras: Eu não terei medo.
Durante um ano, essas palavras significaram a diferença entre se partir e
ceder; evitaram que
Celaena se despedaçasse na escuridão das minas. Mas ela não
deixaria o capitão desconfiar de nada daquilo.
Celaena examinou a mão enluvada que apertava seu braço. O couro
escuro era quase da mesma cor da sujeira que cobria-lhe a pele. Celaena ajustou
a túnica rasgada e suja com a mão livre e prendeu um suspiro. Como entrava nas
minas antes da aurora e saía depois do crepúsculo, quase nunca conseguia ver o
sol. Por baixo de toda aquela sujeira, estava assustadoramente pálida. É
verdade, porém, que um dia já fora atraente, até mesmo bela, mas agora já não
fazia mais diferença, não é?
Eles chegaram a outro corredor, e Celaena estudou a espada
bem-trabalhada do estranho. O punho dourado tinha o formato de uma águia de
asas abertas. Percebendo o olhar de Celaena, a mão enluvada do homem desceu e
repousou sobre a cabeça de ouro da águia. A prisioneira sorriu novamente.
– Você está bem longe do Forte da Fenda, capitão – disse ela,
pigarreando.
– Veio com o exército que escutei chegar mais cedo?
Celaena tentou ver o que havia sob o capuz, mas não enxergou nada.
Sentiu, porém, os olhos do homem sobre seu rosto, julgando-a, avaliando-a,
testando a assassina. Celaena encarou de volta. O capitão da Guarda Real seria
um adversário interessante. Talvez até digno de algum esforço da parte dela.
O homem finalmente ergueu a mão da espada, e as dobras da capa
voltaram a esconder a lâmina. Quando o tecido se moveu, Celaena viu uma
serpente alada bordada na túnica. O selo real.
– Qual o seu interesse no exército de Adarlan? – replicou ele.
Como era bom escutar uma voz como a dela, calma e bem-articulada, mesmo
que fosse a voz de um brutamontes.
– Nenhum – respondeu Celaena, dando de ombros. O capitão emitiu um
pequeno rosnado de irritação.
Seria bom ver o sangue dele derramar-se no chão de mármore. A
assassina já perdera o controle uma vez quando seu primeiro capataz escolhera o
dia errado para provocá-la. Ainda se lembrava da sensação de fincar a picareta
no estômago dele e do sangue pegajoso em suas mãos e rosto. Celaena podia
desarmar dois daqueles guardas em menos de um segundo. Será que o capitão se
sairia melhor que o capataz falecido? Imaginando os possíveis resultados do
confronto, ela sorriu novamente para ele.
– Não olhe assim para mim – avisou o capitão, e sua mão voltou à
espada.
Celaena escondeu o sorriso dessa vez.
Eles passaram por uma série de portas de madeira que a prisioneira
vira há alguns minutos. Se quisesse escapar, era só virar à esquerda no próximo
corredor e descer três lances de escada. A única coisa que aquela tentativa de confundi-la
conseguiu foi familiarizá-la melhor com a estrutura do prédio.
Imbecis.
– Para onde vamos mesmo? – disse ela, com doçura, tirando o cabelo
do rosto. Quando o capitão não respondeu, Celaena trincou os dentes.
Os corredores ecoavam alto demais para que Celaena conseguisse
atacá-lo sem chamar a atenção do prédio inteiro. Além do mais, ela não sabia
onde estava a chave das correntes e os seis guardas que os seguiam seriam um
grande empecilho. Isso sem falar dos grilhões.
Eles entraram em um corredor repleto de candelabros de ferro. Do
lado de fora das janelas enfileiradas já era noite; as tochas brilhavam tanto
que mal havia sombras onde se esconder.
Celaena conseguia escutar os outros escravos no pátio se
deslocando em direção ao prédio de madeira onde dormiam. Os gemidos de agonia e
o retinir das correntes eram um coro tão familiar quanto o das monótonas
canções de trabalho que eles entoavam o dia todo. O ocasional estalar dos
chicotes contribuía para a sinfonia de brutalidade que Adarlan criara para seus
piores criminosos, seus mais pobres cidadãos e suas mais recentes conquistas.
Embora alguns prisioneiros fossem pessoas acusadas de tentar
praticar magia – não que isso fosse possível, pois há muito a magia
desaparecera do reino –, mais e mais rebeldes chegavam a Endovier naqueles
dias. A maioria era de Eyllwe, um dos últimos países que ainda combatiam o
imperialismo de Adarlan. Mas quando Celaena os importunava em busca de
notícias, eles a olhavam com olhos vazios. Sem esperanças. Ela se arrepiava ao
pensar no que teriam sofrido nas mãos das tropas de Adarlan. Às vezes, se
perguntava se não teria sido melhor para eles se tivessem morrido no campo de
abate. E se não teria sido melhor para ela também ter morrido na noite em que
fora traída e capturada.
Mas Celaena tinha outras coisas em que pensar enquanto caminhava.
Será que seria finalmente enforcada? Seu estômago embrulhou. Ela era importante
o suficiente para merecer ser executada pelo próprio capitão da Guarda Real.
Mas então para que levá-la primeiro para dentro do prédio?
Finalmente, pararam diante de portas de vidro vermelhas e
douradas, tão grossas que Celaena não conseguia ver o que havia além. O capitão
Westfall fez um sinal com o queixo para os dois guardas ao lado das portas, e
eles bateram a lança no chão em um cumprimento.
O capitão apertou dolorosamente o braço da prisioneira. Puxou-a
mais para perto, mas os pés de Celaena pareciam feitos de chumbo e ela fez
força na direção oposta.
– Prefere ficar nas minas? – perguntou ele, parecendo divertir-se
com a ideia.
– Talvez se me contassem do que isso tudo se trata, eu não me
sentiria tão inclinada a resistir.
– Você logo vai saber.
As palmas das mãos de Celaena estavam úmidas. Sim, ela realmente
estava prestes a morrer. A hora finalmente chegara.
As portas rangeram ao abrir, revelando o salão do trono imperial.
Um candelabro de vidro no formato de um cacho de uvas ocupava a maior parte do teto,
refletindo prismas de fogo nas janelas do outro lado do aposento.
Comparada à aridez do lado de fora das janelas, a opulência ali
era como um tapa na cara. Mais uma evidência do lucro que o trabalho de Celaena
lhes proporcionara.
– Por aqui – rosnou o capitão da guarda, e finalmente a soltou,
empurrandoa com a mão livre.
Celaena tropeçou, e seus pés calejados escorregaram no chão liso
enquanto ela se endireitava. A prisioneira olhou para trás e viu outros seis
guardas aparecerem.
Catorze guardas, mais o capitão. O emblema dourado real bordado no
peitoral dos uniformes negros. Aqueles eram membros da guarda pessoal da família
real: impiedosos, rápidos como raios, treinados desde pequenos para proteger e
matar. Celaena engoliu em seco, nervosa.
Desorientada e sentindo-se estranhamente pesada, ela postou-se no
salão. Em um trono ornamentado, feito de madeira de sequoia, sentava-se um belo
jovem. O coração de Celaena parou enquanto os outros se curvavam em reverência.
Estava
diante do príncipe herdeiro de Adarlan.
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