Capítulo 16 – Segunda-Feira De Manhã
Segunda-Feira, 15 de Julho de 2002
Belsize
Park
Como sempre, o rádio-relógio toca às 7h05. Já está claro e
brilhante lá fora, mas nenhum dos dois se move. Continuam deitados, o braço
dele em torno da cintura dela, as pernas entrelaçadas pelos tornozelos, na cama
de casal de Dexter em Belsize Park, no que já foi, muitos anos atrás, um
apartamento de solteiro.
Faz algum tempo que está acordado, ensaiando na cabeça um tom de
voz e um fraseado ao mesmo tempo casual e importante, e, ao sentir que ela se
move, ele fala:
— Posso dizer uma coisa? — pergunta com a boca encostada nela, os
olhos ainda fechados, a boca grudada de sono.
— Vai fundo — ela responde um pouco cansada.
— Acho uma loucura você manter o seu apartamento.
Emma abre um sorriso, sem se virar.
— Certo.
— Afinal, você dorme aqui quase todas as noites.
Ela abre os olhos.
— Mas não precisa ser assim.
— Não, mas eu quero que você fique.
Emma se vira na cama, olha para ele e vê que ainda está de olhos
fechados.
— Dex, você...?
— O quê?
— Está me pedindo para morar com você?
Ele sorri e, sem abrir os olhos, segura a mão dela debaixo do
lençol e aperta.
— Emma, você quer morar comigo?
— Finalmente! — ela resmunga. — Dex, é o que eu mais quero na
vida.
— Então é um sim?
— Vou pensar a respeito.
— Então diga logo, tá? Porque, se não estiver interessada, eu
posso arrumar outra pessoa.
— Eu disse que vou pensar.
Dexter abre os olhos. Ele esperava um sim.
— O que há para pensar?
— Não sei, não. Morar juntos.
— Nós moramos juntos em Paris.
— Eu sei, mas foi em Paris.
— Nós mais ou menos moramos juntos agora.
— Eu sei, é que...
— É loucura continuar pagando aluguel, é dinheiro jogado no ralo
do mercado imobiliário atual.
— Você fala como se fosse meu consultor financeiro. É muito
romântico. — Fecha os lábios e dá um beijo nele, um cauteloso beijo matinal. —
Não é só uma questão de planejamento financeiro, é?
— Principalmente, mas eu também acho que seria... legal.
— Legal.
— Você morar aqui.
— E quanto a Jasmine?
— Ela se acostuma. Além disso, Jasmine só tem dois anos e meio,
não precisa decidir nada. Nem a mãe dela.
— E não seria um pouco...?
— O quê?
— Apertado. Nós três aqui nos fins de semana.
— A gente dá um jeito.
— E onde eu vou trabalhar?
— Você pode trabalhar aqui enquanto eu estiver fora.
— E aonde você vai levar suas amantes?
Dexter dá um suspiro, um pouco chateado com a piada depois de um
ano de fidelidade quase maníaca.
— A gente pode ir a um hotel durante a tarde.
Ficam em silêncio enquanto o rádio continua falando, e Emma fecha
os olhos de novo, tentando se imaginar desempacotando caixas de papelão,
encontrando espaço para suas roupas, seus livros. Na verdade, prefere a
atmosfera de seu apartamento atual, um agradável sótão meio boêmio na Hornsey
Road. Belsize Park é um tanto chique e elegante demais, e apesar das suas
tentativas e da gradual invasão de seus livros e roupas, o apartamento de
Dexter ainda mantém um clima dos anos de solteiro: o console de jogos, a
televisão imensa, a cama ostensiva. Continuava achando que poderia de repente
abrir um guarda-louça e ser soterrada por uma avalanche de calcinhas ou
algo assim. Mas ele fez a proposta, e Emma sente que deve retribuir de alguma
forma.
— Talvez a gente possa comprar um apartamento juntos — sugere. —
Um lugar maior. — Mais uma vez eles se veem diante do grande assunto não
discutido. Segue-se um longo silêncio, Emma se pergunta se Dexter pegou no sono
outra vez, até ele dizer:
— Tudo bem. Vamos conversar sobre isso à noite.
E assim começa outro dia da semana, igual ao anterior e aos que
ainda virão. Os dois se levantam para se arrumar, Emma recorrendo ao estoque
limitado de roupas que mantém amontoado no armário emprestado. Dexter toma
banho primeiro, ela em seguida, enquanto ele sai para comprar jornal e leite,
se necessário. Dexter lê as páginas de esportes, Emma lê as notícias. Depois do
café da manhã, transcorrido quase todo em um confortável silêncio, ela pega a
bicicleta no corredor e sai andando com ele na garupa em direção ao metrô.
Todos os dias dão um beijo de despedida por volta das 8h25.
— Sylvie vai deixar Jasmine às quatro — diz Dexter. — Eu devo
voltar às seis. Tem certeza de que não tem problema você esperar?
— Claro que não.
— E tudo bem ficar com Jasmine?
— Tudo bem. A gente vai ao zoológico ou algo assim.
Os dois se beijam outra vez, ela vai trabalhar, ele também, e
assim os dias passam, mais depressa do que nunca.
***
Trabalho. Dexter voltou a trabalhar, agora em seu próprio negócio,
embora “negócio” soe grandioso demais para seu pequeno café e delicatéssen numa
rua residencial entre Highgate e Archway.
A ideia surgiu em Paris, durante aquele longo e estranho verão em
que a vida dele foi desmantelada e remontada de novo. Foi ideia de Emma, os
dois sentados do lado de fora de um café perto do Parc des Buttes Chaumont, no
nordeste da cidade.
— Você gosta de comida — ela disse. — Entende de vinhos. Poderia
servir um bom café, queijos importados, todas essas coisas chiques que as
pessoas querem hoje em dia. Sem pretensão ou luxo, só uma lojinha simpática,
com mesas do lado de fora no verão.
De início ele fez restrições à palavra “loja”, não conseguia se
ver como um “lojista” ou, ainda pior, como um merceeiro. Mas “especialista em
alimentos importados” era diferente. Melhor pensar na coisa como um
café-restaurante que também vendesse comida.
Dexter seria um empresário.
Assim, no final de setembro, quando Paris tinha finalmente
começado a perder parte de seu brilho, eles voltaram juntos de trem.
Ligeiramente bronzeados e de roupas novas, os dois caminharam de
braços dados pela plataforma como se estivessem chegando a Londres pela
primeira vez, com planos e projetos, resoluções e ambições.
Os amigos anuíram de modo sábio e sentimental, como se soubessem
daquilo o tempo todo. Emma foi apresentada mais uma vez ao pai de Dexter:
— É claro que me lembro. Você me chamou de fascista. — E eles
levaram adiante a ideia do novo negócio, na esperança de que o pai ajudasse no
financiamento. Quando Alison morreu, fizeram um acordo segundo o qual algum
dinheiro iria para Dexter na hora certa, e aquele parecia ser o momento. No
fundo, Stephen Mayhew ainda achava que o filho poderia perder até o último
centavo, mas era um pequeno preço a ser pago para ele nunca mais aparecer na
televisão. E a presença de Emma ajudava. O pai de Dexter gostava dela e pela
primeira vez em alguns anos descobriu-se gostando do filho por causa dela.
Os dois encontraram o local juntos. Uma locadora de vídeos, já uma
anomalia com suas prateleiras cheias de fitas VHS empoeiradas, tinha dado
afinal seu último suspiro, e, com um empurrãozinho de Emma, Dexter decidiu-se e
alugou o imóvel por doze meses.
Durante um longo e úmido janeiro eles se livraram das prateleiras
de metal e distribuíram os vídeos restantes de Steven Seagal por instituições de
caridade das redondezas. Rasparam as paredes e as pintaram de um branco
amanteigado, instalaram painéis de madeira escura, conseguiram comprar de
restaurantes e cafés falidos uma boa cafeteira industrial, geladeiras e
freezers com portas de vidro; mas todos aqueles negócios fracassados lembravam
Dexter o que estava em jogo, que seu negócio também poderia dar errado.
Mas o tempo todo Emma estava lá, incentivando-o, convencendo-o de
estar fazendo a coisa certa. Os corretores de imóveis já perceberam o potencial
da região: cada vez mais procurada por jovens profissionais que conhecem o
valor da palavra “artesanal” e querem consumir patê de pato, clientes que não
se importam em pagar duas libras por uma fatia irregular de pão ou um pedaço de
queijo de cabra do tamanho de uma bola de squash. O café seria o tipo de
lugar aonde pessoas iriam escrever seus romances.
No primeiro dia da primavera os dois se sentaram ao sol na
calçada, do lado de fora da loja parcialmente reformada, e escreveram uma lista
de nomes possíveis: combinações batidas de palavras como magasin, vin,
pain, Paris pronunciado “Parri”, até se definirem pelo Belleville Café,
trazendo um sabor do 19ème Arrondissement para o sul da A1. Dexter abriu uma
companhia limitada, sua segunda empresa, contando com a Mayhem TV plc, com Emma
como secretária e acionista minoritária. O dinheiro dos dois primeiros livros Julie
Criscoll tinha começado a chegar, a série de desenho animado ia entrar em
sua segunda temporada, falava-se de merchandising: estojos, cartões de
aniversário e até uma revista mensal. Não havia como negar, agora Emma era o
que sua mãe chamaria de alguém “bem de vida”. Depois de muitos pigarros e
hesitações, ela se viu na estranha e até um pouco intimidante posição de poder
oferecer alguma ajuda financeira a Dexter. Depois de algumas evasivas, ele
aceitou.
A loja foi inaugurada em abril, e durante as primeiras seis
semanas Dexter ficou atrás do balcão de madeira escura vendo gente entrar, dar
uma olhada em volta, cheirar e sair de novo. Mas a notícia se espalhou, as
coisas começaram a melhorar, ele pôde até contratar ajudantes. O local começou
a ter uma clientela fixa, e Dexter passou até a gostar do que fazia.
E agora o lugar estava na moda, ainda que de uma forma mais serena
e civilizada do que Dexter estava acostumado. Sua fama é apenas local, por
conta de seus chás de ervas selecionados, mas Dexter ainda balança um pouco o
coração das animadas futuras mamães que vêm comer tortas depois de suas aulas
de ginástica: de uma forma mais modesta, ele é quase, quase um sucesso outra vez.
Ao chegar, destranca o pesado cadeado que mantém fechadas as
portas metálicas, já quentes demais para serem tocadas nessa radiante manhã de
verão. Suspende essas portas metálicas, destranca a porta de entrada e se
sente... como? Alegre? Satisfeito? Não, feliz. Secretamente, e pela primeira
vez em muitos anos, sente-se orgulhoso de si mesmo.
Claro que ainda acontecem longas e tediosas terças-feiras
chuvosas, quando Dexter tem vontade de fechar as portas e beber metodicamente todo
o seu estoque de vinho tinto, mas não é o caso de hoje. Está fazendo calor, ele
vai encontrar a filha à noite e passar a maior parte dos próximos oito dias com
ela, enquanto Sylvie e o canalha do Callum vão viajar em mais uma de suas
constantes férias. Por algum estranho mistério, Jasmine está agora com dois
anos e meio, linda e tranquila como a mãe; já pode vir à loja, brincar e ser
mimada pelos funcionários, e quando ele chegar em casa à noite Emma vai estar
lá. Pela primeira vez em muitos anos, Dexter sente que está mais ou menos onde
queria. Tem uma parceira que ama e deseja, e que é também sua melhor amiga. Tem
uma filha linda e inteligente. Está fazendo tudo certo. Tudo vai ficar bem,
desde que nada mude.
***
A três quilômetros dali, perto da Hornsey Road, Emma sobe um lance
de escadas, abre uma porta e sente o ar frio e viciado de um apartamento que
passou quatro dias vazio. Prepara um chá, senta à escrivaninha, liga o
computador e olha fixamente para a tela durante quase uma hora. Há muito o que
fazer — ler e aprovar os roteiros para a segunda temporada da série Julie
Criscoll, escrever quinhentas palavras para o terceiro volume, ilustrações
a serem trabalhadas. Precisa ler cartas e e-mails de jovens leitores, mensagens
sérias e às vezes muito pessoais às quais deve dar alguma atenção, sobre
solidão e ser vítima de bullying, ou sobre o menino de que eu gosto
muito.
Mas Emma não consegue parar de pensar na proposta de Dexter.
Durante o longo e estranho verão em Paris no ano anterior, os dois chegaram a
algumas resoluções sobre seu futuro — se é que eles tinham um futuro juntos —,
e uma importante decisão era que não morariam juntos: vidas separadas,
apartamentos separados, amigos separados. Eles se empenhariam para estar juntos
e ser fiéis, claro, mas não de uma forma convencional. Nada de perambular com
corretores de imóveis em finais de semana, nada de jantares festivos, nada de
flores no Dia dos Namorados, sem aquela parafernália de casal ou de vida
doméstica. Ambos já haviam tentado aquilo, e nenhum dos dois tinha conseguido
se dar bem.
Emma imaginou que esse arranjo seria sofisticado, moderno, um novo
projeto de vida. Mas era necessário tanto esforço para fingir que não queriam
ficar juntos que parecia inevitável que um deles iria ceder. Ela não esperava
que fosse Dexter. Havia um assunto que permanecia intocado, e agora parecia não
haver modo de evitá-lo. Emma precisava respirar fundo para dizer a palavra.
Filhos.
Não, não “filhos”, melhor não o assustar, melhor usar o singular.
Emma queria um filho.
Os dois já tinham conversado sobre isso, de uma maneira jocosa e
indireta, e Dexter deu a entender que talvez, no futuro, quando as coisas
estivessem um pouco mais assentadas. Mas quanto mais assentadas as coisas
poderiam ficar? O assunto continua no meio da sala, e eles acabam esbarrando
nele. Está lá quando os pais dela telefonam, sempre que ela e Dexter fazem amor
(menos do que durante aquela orgia do apartamento em Paris, mas ainda com
frequência). Chega até a mantê-la acordada durante a noite. Às vezes
Emma acha que pode mapear sua vida pelo que a preocupa às três
horas da manhã. Já foram rapazes, depois, por muito tempo, dinheiro, carreira,
sua relação com Ian, sua infidelidade. Agora é isso. Está com trinta e seis
anos e quer ter um filho, e, se ele não quiser, talvez fosse melhor que...
O quê? Terminar a relação? Parece melodramático e degradante
enunciar um ultimato desse tipo, e a ideia de levar a cabo aquela ameaça parece
inconcebível, ao menos no momento. Mas Emma resolve abordar o assunto naquela
noite. Não, não naquela noite, não com Jasmine lá, mas logo. Logo.
Depois de desperdiçar seu tempo numa manhã cheia de dúvidas, Emma
sai para nadar na hora do almoço, indo e voltando pela raia da piscina sem
conseguir desanuviar a cabeça. Com os cabelos ainda molhados, pedala de volta
até o apartamento de Dexter e ao chegar depara com um imenso 4x4 preto,
vagamente sinistro, esperando em frente. É um carro de gângster, com duas
silhuetas visíveis no para-brisa, uma baixa e atarracada, outra magra e alta:
Callum e Sylvie, ambos gesticulando enfaticamente no meio de mais uma
discussão. Mesmo do outro lado da rua, ela pode ouvir os dois e se aproxima de
bicicleta até ver o rosto contraído de Callum, e Jasmine no banco de trás,
olhos fixos num livro de gravuras, tentando ignorar o barulho. Emma bate na
janela mais próxima de Jasmine. E vê a menina olhar e sorrir, dentes pequenos e
brancos numa boca larga, puxando o cinto de segurança para sair.
Emma e Callum acenam da janela do carro. Há alguma coisa de
patético na etiqueta da traição, da separação e do divórcio, mas lealdades
foram declaradas, inimizades juradas e, embora conheça Callum há quase vinte
anos, Emma não pode mais falar diretamente com ele. Quanto à ex-mulher, Sylvie
e Emma estabeleceram uma relação cordial, inteligente e sem ressentimentos, mas
a antipatia entre as duas vibra no ar como uma névoa quente.
— Desculpe a cena! — diz Sylvie, desdobrando as longas pernas fora
do carro. — Uma pequena discordância sobre quanta bagagem levar!
— Férias podem ser estressantes — diz Emma num tom neutro. Jasmine
é desafivelada do assento e sobe nos braços de Emma, encostando o rosto no
pescoço dela, as pernas magrinhas envolvendo a cintura. Emma sorri, um pouco
sem graça, como se dissesse “o que eu posso fazer?”. Sylvie retribui com um
sorriso tão artificial que parece ter sido moldado com os dedos.
— Onde está o papai? — pergunta Jasmine no pescoço de Emma.
— No trabalho. Mas ele volta logo.
Emma e Sylvie sorriem mais um pouco.
— E como vai indo? — pergunta Sylvie. — O café?
— Vai bem, muito bem.
— Bem, pena ele não poder estar aqui. Mande um abraço.
Mais silêncio. Callum dá um cutucão e liga o motor.
— Vocês querem entrar? — pergunta Emma, já sabendo a resposta.
— Não, já está na hora.
— Para onde desta vez?
— México.
— México. Que ótimo.
— Você conhece?
— Não, mas já trabalhei num restaurante mexicano.
Sylvie não disfarça uma expressão de desprezo, e a voz de Callum
irrompe do assento dianteiro.
— Vamos! Eu quero evitar o trânsito!
Jasmine entra outra vez no carro para as despedidas e recomendações
de ser boazinha e não assistir muito à TV, enquanto Emma discretamente pega a
bagagem da garota dentro do carro, uma pequena mala de vinil cor-de-rosa com
rodinhas e uma mochila em forma de panda. Quando volta, Jasmine está esperando
na calçada um tanto formalmente, uma pilha de livros no peito. É uma garota bonita,
elegante, impecável e um pouco triste, bem parecida com a mãe, nada com Emma.
— Precisamos ir. O check-in nessa época é um pesadelo. —
Sylvie recolhe as longas pernas para dentro carro, parecendo um canivete.
Callum olha para a frente.
— Certo. Divirtam-se no México. Aproveitem os mergulhos de snorkel.
— Snorkel não, a gente mergulha com cilindro. Snorkel é
coisa de criança — diz Sylvie, ríspida mesmo sem querer.
Emma se corrige.
— Desculpe. Aproveitem os mergulhos com cilindros! E não se
afoguem! — Sylvie ergue as sobrancelhas, a boca formando um pequeno “o”, mas o
que mais Emma poderia dizer? “Foi o que eu disse, Sylvie, por favor não se
afoguem, não gostaria que vocês se afogassem.” Tarde demais, o estrago já está
feito, a ilusão de fraternidade foi despedaçada. Sylvie carimba um beijo no
topo da cabeça de Jasmine, bate a porta e vai embora.
Emma e Jasmine ficam paradas, acenando.
— Então, Min, seu pai só volta lá pelas seis. O que você quer
fazer?
— Não sei.
— Ainda é cedo, a gente não podia ir ao zoológico?
Jasmine concorda com entusiasmo. Emma pega um ticket de
entrada familiar para o zoológico e entra em casa para se preparar para passar
mais uma tarde com a filha de outra mãe.
***
Dentro do grande carro preto, a ex-senhora Mayhew está com os
braços cruzados, a cabeça repousando no vidro fumê e sentada sobre os pés,
enquanto Callum reclama do trânsito na Euston Road. Os dois raramente se falam
nos últimos tempos, só gritam e se repreendem, e aquelas férias, assim como as
outras, são uma tentativa de consertar as coisas.
O último ano de Sylvie não foi exatamente um sucesso. Callum
acabou se mostrando um homem grosseiro e egoísta. O que Sylvie interpretou como
energia e ambição acabou se revelando como falta de vontade de voltar para casa
à noite. Ela desconfia que ele tenha alguns casos. Callum parece se ressentir
da presença de Sylvie na casa dele, e também da presença de Jasmine;
grita com ela pelo simples fato de se comportar como uma criança, ou
simplesmente evita sua companhia. Vocifera frases absurdas:
— Quid pro quo, Jasmine, quid pro quo.
A menina tem dois anos e meio, pelo amor de Deus. Com toda a sua
inépcia e irresponsabilidade, ao menos Dexter mostrava interesse, às vezes até
demais. Callum, por outro lado, trata Jasmine como uma funcionária que não está
correspondendo às expectativas.
E, se a família dela já tinha alguma reserva em relação a Dexter,
despreza Callum completamente.
Agora, sempre que encontra o ex-marido ele está sorrindo,
anunciando sua felicidade como se pertencesse a alguma seita. Joga Jasmine para
o alto e a carrega nos ombros, sempre mostrando como se tornou um pai
maravilhoso. E essa tal de Emma. Jasmine fala dela o tempo todo: é Emma isso,
Emma aquilo, como Emma é o máximo, a melhor amiga da sua filha. Traz para casa
pedaços de massa colados em cartões coloridos e, quando Sylvie pergunta o que
é, diz que é Emma, depois fica falando sobre como as duas foram ao zoológico
juntas. Parece que eles têm ticket de entrada familiar. Deus, e a aquela
insuportável presunção do casal: Dex e Em, Em e Dex, ele com sua lojinha de
esquina cafona — aliás, Callum está agora com quarenta e oito filiais da
Natural Stuff — e ela com sua bicicleta, cintura grossa, aquele jeito de
estudante e os malditos olhares de esguelha. Para Sylvie existe também algo de sinistro
e calculado no fato de Emma ter sido promovida de madrinha a madrasta, como se
estivesse sempre espreitando por perto, fazendo um cerco, esperando para dar o
bote. “Não se afoguem!” Vaca atrevida.
Ao seu lado, Callum reclama do trânsito na Marylebone Road, e
Sylvie sente muita inveja da felicidade alheia, combinada com a infelicidade de
se encontrar no time errado dessa vez. Também sente tristeza por todos aqueles
pensamentos feios, desagradáveis e maldosos. Afinal, foi ela quem deixou
Dexter, que o magoou.
Agora
Callum reclama do trânsito na Westway. Sylvie quer ter outro filho logo, mas
como? A perspectiva é de uma semana de mergulhos e num hotel de luxo no México,
mas ela já sabe que isso não vai adiantar.
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