Capítulo 2 – Em que muitas pessoas estão loucas
– É muito gentil da parte de vocês, meninos, decidirem
visitar sua tia-avó — disse a mãe deles, sor-rindo para Jared e Simon pelo
espelho retrovisor. — Eu sei que ela vai adorar os biscoitos que vocês
prepararam.
Do lado de fora da janela do carro fileiras de
árvores passavam, manchas de folhas amarelas e vermelhas entre os galhos nus.
— Eles não fizeram nada — disse Mallory. — Só
espalharam a massa pronta numa assadeira.
Jared deu um chute forte por baixo do assento.
— Ei — disse Mallory, virando-se para tentar agarrar seus irmãos. Jared e
Simon se desviaram dela. Ela não conseguia alcançá-los porque usava o cinto de
segurança.
— Bem, isso é muito mais do que o que você fez — disse
a mãe deles. — Você ainda está de castigo, mocinha. Aliás, todos os três.
Ainda falta uma semana inteira.
— Eu estava treinando esgrima — disse Mallory,
afundando no assento e revirando os olhos. Jared não tinha certeza, mas parece
que tinha algo estranho no jeito que as orelhas dela ficaram vermelhas quando
disse isso.
Jared tocou sua mochila, distraído, sentindo o
contorno do Guia de campo, bem guardado, embrulhado nu-ma toalha.
Contanto que ele o mantivesse por perto, Mallory não conseguiria livrar-se do
Guia e os seres fantásticos não o roubariam de jeito nenhum. Além disso,
talvez tia Lucinda soubesse do Guia. Talvez ela fosse a pessoa que o trancara
no fundo falso do baú, deixando-o lá para que fosse encontrado. Se isso fosse
verdade, talvez ela conseguisse
convencer seu irmão e sua irmã de que era muito importante guardar o Guia.
O hospital onde morava sua tia-avó era enorme.
Parecia mais uma mansão que um sanatório, com muros maciços, de tijolos à
vista, dezenas de janelas, um gramado muito bem cuidado. Um
caminho largo, de pedregu-lhos brancos, ladeado por crisântemos bordos e
doura-dos, conduzia a um portal de pedra. Havia pelo menos dez chaminés saindo
do telhado preto.
— Uau, esse lugar parece ser mais antigo do que a
nossa casa — disse Simon.
— Pode ser mais velho — disse Mallory —, mas es-tá
menos detonado.
— Mallory! — repreendeu a mãe deles.
O cascalho rangeu sob os pneus do carro quando
entraram no estacionamento. A mãe deles escolheu um canto perto de um carro
verde batido e desligou o motor.
— A tia Lúcia sabe que viríamos? — perguntou Simon.
— Telefonei antes — disse a Sra. Grace enquanto abria
a porta do carro e procurava pela bolsa. — Eu não sei até que ponto eles lhe
falam as coisas, portanto, não fiquem decepcionados se ela não estiver nos
esperando.
— Aposto que somos as primeiras visitas que ela recebe em muito tempo —
disse Jared.
Sua mãe o olhou feio.
— Em primeiro lugar, isso não é coisa que se diga, em segundo, por que você está usando a camisa do lado do avesso?
Jared olhou para baixo e levantou os ombros.
— A vovó visita a tia Lúcia, não é? — perguntou Mallory.
A mãe assentiu com a cabeça
— Ela visita, mas é duro para ela. Lúcia era mais como uma irmã do que uma prima. E então quando ela começou a... deteriorar-se... Foi a vovó que teve que tomar conta de tudo.
Jared sentiu vontade de perguntar o que ela queria dizer, mas algo o fez hesitar.
Eles caminharam atravessando as portas da instituição, amplas, de madeira
castanha. Havia uma escrivani-nha no vestíbulo, onde um homem de uniforme
estava sentado lendo um jornal. Ele os viu e estendeu a mão para apanhar o
telefone amarelado ao lado.
— Assinem aqui, por favor. — Ele apontou com a cabeça
em direção a um livro aberto. — Quem vocês vieram visitar?
— Lucinda Spiderwick. — A mãe deles inclinou-se e
escreveu os nomes.
Ao ouvir o nome de Lucinda, o homem fez uma cara de
desprezo. Jared decidiu, imediatamente, que não gostava nem um pouco daquele
sujeito.
Em poucos minutos, apareceu uma enfermeira com uma
camisa cor-de-rosa estampada de bolinhas brancas. Ela os conduziu ao longo de
um labirinto de corredores brancos, o ar parado cheirava levemente a iodo. Eles
passaram por um quarto vazio com uma televisão que piscava, e de algum lugar
por perto vinha o som de uma risada esquisita. Jared começou a pensar nos
sanatórios dos filmes e imaginou pessoas de
olhos arregalados, mordendo as faixas das camisas de força. Olhou pelas portas
envi-draçadas enquanto passavam.
Num quarto, um jovem de roupão ria lendo um livro de
cabeça para baixo, enquanto em outro uma mulher soluçava perto de uma janela.
Jared tentou afastar os olhos da próxima porta, mas
ouviu alguém dizer:
— Minha parceira de dança chegou!
Espiando pela fresta, ele viu um homem descabela-do
apertar o rosto contra a janela.
— Sr. Byrne! — A enfermeira entrou afastando Jared da
porta.
— É tudo culpa sua — disse o homem, exibindo os dentes
amarelados.
— Você está bem? — perguntou Mallory.
Jared fez que sim com a cabeça, tentando fingir que
não tremia.
— Isso sempre acontece? — perguntou a Sra. Grace.
— Não — respondeu a enfermeira.
— Sinto muito. Geralmente ele é bem tranqüilo.
Antes que Jared pudesse decidir se fazer essa visita tinha sido uma boa ideia, a enfermeira parou diante de uma porta fechada bateu duas vezes e a abriu sem aguardar por uma resposta.
O quarto era pequeno com a mesma cor quase branca do corredor. No centro havia uma cama hospitalar com a cabeceira de metal e, sentada nela, com uma manta sobre as pernas,
estava uma das mulheres mais velhas que Jared já tinha visto. O cabelo era
longo, branco feito açúcar. A pele também era pálida, quase
transparente. As costas eram corcundas e tortas para um lado. Um suporte de
metal ao lado da cama mantinha uma bolsa cheia com um líquido claro e um tubo comprido
preso ao braço dela. Mas os olhos, quando se fixaram em Jared, eram brilhantes
e alertas.
— Por que não fecha aquela janela, Sra. S.? —
perguntou a enfermeira, passando por uma mesinha-de-cabeceira repleta de fotos
antigas e quinquilharias. — A senhora vai pegar gripe.
— Não! — gritou Lucinda, e a enfermeira parou no meio
do caminho. Então numa voz mais suave a tia-avó continuou: — Deixe como está.
Preciso tomar ar puro.
— Olá, tia Lúcia — disse a mãe deles hesitante. — A
senhora se lembra de mim? Sou a Helen.
A velha senhora fez que sim com a cabeça, parecendo
recuperar a compostura.
— Claro, você é a filha da Melvina. Meu Deus! Você
está bem mais velha desde a última vez em que a vi.
Jared reparou que sua mãe
não gostou muito da observação.
— Estes são meus filhos, Jared e Simon — disse ela. —
E esta é minha filha, Mallory. Estamos hospedados em sua casa e as crianças
queriam conhecê-la.
Tia Lúcia franziu a testa.
— A casa? Não é um lugar seguro para vocês.
— Nós já mandamos consertá-la — disse a mãe deles. —
E veja, as crianças trouxeram biscoitos para a senhora.
— Que beleza! — A velha senhora olhou para o prato
como se ele estivesse cheio de baratas.
Jared, Simon e Mallory trocaram olhares.
A enfermeira bufou.
— Não há nada a fazer — disse ela à sra. Grace, sem se
importar se tia Lúcia a ouvia. — Ela não come nada na frente de ninguém.
Tia Lúcia apertou os olhos.
— Eu não sou surda, você sabe.
— Quer provar um biscoito?
— perguntou a mãe deles, oferecendo o prato de doces à tia Lucinda.
— Acho que não — disse a velha senhora. — Estou bem
satisfeita.
— Talvez possamos conversar no corredor — sus-surrou a
mãe à enfermeira. — Eu não fazia a menor ideia que as coisas ainda estavam tão
mal. — Com uma cara preocupada, ela colocou o prato ao lado da cama e saiu do
quarto acompanhada da enfermeira.
Jared sorriu para Simon.
Isso era melhor do que ele esperava. Agora eles teriam a garantia de pelo menos
alguns minutos a sós com sua tia.
— Tia Lúcia — disse Mallory, falando rápido. — Quando
a senhora disse para mamãe que a casa era perigosa, a senhora não estava
falando da construção, não é?
— A senhora estava falando dos seres fantásticos
— disse Simon.
— Tudo bem contar pra gente. Nós já os vimos —
acrescentou Jared.
A tia sorriu, mas era um sorriso triste.
— Era justamente dos seres
fantásticos que eu falava — disse ela, batendo a mão na cama. — Venham.
Sentem-se aqui, os três. Contem-me o que está acontecendo.
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