Capítulo 23
Celaena olhou para o chão. Conhecia aquelas pedras pontiagudas e
cinzas – sabia como se esfarelavam sob os pés, como cheiravam após a chuva,
como poderiam facilmente cortar sua pele quando fosse jogada no chão. As pedras
se estendiam por quilômetros, erguendo-se em montanhas afiadas como dentes que perfuravam
o céu nublado. Exposta ao vento gélido, tinha poucas roupas para protegê-la das
lufadas cortantes. Quando tocou os retalhos sujos, seu estômago subiu até a
garganta. O que havia acontecido?
Celaena deu meia-volta, os grilhões tilintando, e observou o
deserto desolador que era Endovier.
Havia falhado, falhado e sido enviada de volta para lá. Não havia
chance de escapar. Provara a liberdade, chegara tão perto e agora... Celaena
gritou quando uma dor insuportável irradiou em suas costas, anunciada pelo
estalar do chicote. Ela caiu no chão, e as pedras cortaram seus joelhos nus.
– Levante-se – gritou alguém.
Lágrimas queimavam-lhe os olhos, e o chicote estalou quando foi
erguido mais uma vez. Celaena seria morta dessa vez. Morreria com a dor.
O chicote desceu, partindo o osso, reverberando pelo corpo da
assassina e fazendo com que tudo desabasse e explodisse em agonia,
transformando o corpo dela em um cemitério, algo morto...
***
Os olhos de Celaena se abriram. Ela ofegava.
– Você está... – disse alguém ao lado dela, e Celaena se virou.
Onde estava?
– Foi um sonho – disse Chaol.
Celaena o encarou, então olhou ao redor do quarto, passou uma das
mãos pelos cabelos. Forte da Fenda. Forte da Fenda – era onde estava. No
castelo de vidro – não, no castelo de pedra abaixo.
Estava suada, e o suor das costas parecia, desconfortavelmente,
ser sangue. Ela se sentiu tonta, enjoada, pequena e grande demais ao mesmo
tempo. Embora as janelas estivessem fechadas, uma corrente de ar esquisita
vinda de algum lugar no quarto beijou-lhe o rosto, com um cheiro incomum de
rosas.
– Celaena. Foi um sonho – falou novamente o capitão da guarda. –
Você estava gritando. – Ele deu um sorriso trêmulo. – Achei que estivesse sendo
assassinada.
Celaena esticou a mão para tocar as costas, sob a camisola.
Conseguia sentir as três cicatrizes – e algumas menores, mas nada, nada...
– Eu estava sendo chicoteada. – Celaena balançou a cabeça para
afastar a lembrança. – O que está fazendo aqui? Nem mesmo amanheceu. – Ela
cruzou os braços e corou levemente.
– É Samhuinn. Não vou treinar com você hoje, mas queria saber se planejava
comparecer à cerimônia.
– Hoje é... o quê? Hoje é Samhuinn? Por que ninguém mencionou? Há
um banquete esta noite? – Será que ficara tão envolvida com a competição que perdera
a noção do tempo?
Chaol franziu a testa.
– É claro, mas você não está convidada.
– É claro. E vocês invocarão os mortos nesta noite assombrada ou
acenderão uma fogueira com os companheiros?
– Não participo de tais besteiras supersticiosas.
– Cuidado, meu amigo cínico! – avisou Celaena, levando uma das
mãos para o alto. – Os deuses e os mortos estão mais próximos da terra hoje,
podem ouvir cada comentário maldoso que faz!
Chaol revirou os olhos.
– É um feriado idiota para celebrar a chegada do inverno. As
fogueiras apenas produzem cinzas para cobrir os campos.
– Como uma oferta aos deuses para mantê-los a salvo!
– Como um modo de fertilizá-los.
Celaena empurrou as cobertas para longe.
– É o que você diz – falou ela, enquanto se levantava para arrumar
a camisola ensopada. Fedia a suor.
Chaol riu com escárnio e seguiu a assassina conforme ela
caminhava.
– Jamais a tomei por uma pessoa supersticiosa. Como isso se
encaixa em sua carreira?
Celaena o encarou por cima do ombro antes de caminhar até o
banheiro, com Chaol no encalço. Ela parou sob o batente da porta.
– Vai se juntar a mim? – disse a jovem, e Chaol se enrijeceu,
percebendo o erro. Ele bateu a porta em resposta.
Celaena o encontrou à espera na sala de jantar quando emergiu, os
cabelos pingando água no chão.
– Não tem o próprio café da manhã?
– Você ainda não me deu uma resposta.
– Uma resposta a quê? – Celaena se sentou do outro lado da mesa e
serviu mingau dentro de uma tigela. Só era preciso uma colherada, não, três
colheradas de açúcar e um pouco de creme quente e...
– Vai ao templo?
– Tenho permissão para ir ao templo, mas não ao banquete? – Ela
comeu uma colher do mingau.
– Práticas religiosas não deveriam ser negadas a ninguém.
– E o banquete é...?
– Um espetáculo de frescuras.
– Ah, entendo. – Celaena engoliu mais uma colherada. Ah, como amava
mingau! Mas talvez precisasse de mais uma colher de açúcar.
– Bem? Você vai? Precisamos sair em breve se você for.
– Não – disse ela, com comida na boca.
– Para alguém tão supersticioso, arrisca irritar os deuses ao
faltar. Imagino que uma assassina se interesse mais pelo dia dos mortos.
Celaena fez uma expressão de idiotice e continuou comendo.
– Pratico do meu próprio modo. Talvez faça um sacrifício ou dois
por conta própria.
Chaol se levantou, dando tapinhas na espada.
– Cuide-se enquanto eu estiver fora. Não se incomode em se vestir
de modo muito elaborado... Não estarei, mas Brullo me disse que você vai
treinar esta tarde. Tem uma prova amanhã.
– De novo? Não tivemos uma três dias atrás? – reclamou a jovem. A
última prova fora lançamento de dardo enquanto montavam cavalos, e um ponto do punho
de Celaena ainda estava sensível.
Mas Chaol não disse mais nada e os aposentos dela ficaram
silenciosos. Embora tivesse tentado esquecer, o som do chicote ainda estalava
em seus ouvidos.
***
Feliz porque a cerimônia tinha finalmente acabado, Dorian
Havilliard caminhava sozinho pela propriedade do castelo. Religião não o
convencia, nem emocionava, e depois de horas sentado em um banco do templo,
murmurando oração após oração, estava precisando desesperadamente de ar fresco.
E de solidão.
O príncipe suspirou entre os dentes trincados, esfregando um lugar
na têmpora, e se dirigiu ao jardim. Ele passou por um aglomerado de jovens,
cada uma fez uma reverência e deu risinhos atrás do leque. Dorian lançou um
curto aceno de cabeça para elas ao passar. A mãe dele usara a cerimônia como
uma chance de indicar todas as moças casadouras ao filho. Dorian passara o
tempo todo tentando não gritar a todo pulmão.
O príncipe virou em uma cerca-viva e quase se chocou contra uma
figura que vestia veludo azul-esverdeado. Era da cor do lago da montanha –
aquele tom como o de uma gema que não tem um nome exato. Sem falar que o
vestido estava cerca de cem anos desatualizado. O olhar dele se ergueu até o
rosto da figura, e Dorian sorriu.
– Olá, Lady Lillian – disse o príncipe, e fez uma reverência,
então se virou para as duas companhias da moça. – Princesa Nehemia, capitão
Westfall. – Dorian olhou mais uma vez para o vestido da assassina. As dobras de
tecido, como as águas correntes do rio, eram bem atraentes. – Você parece
festiva. –
Celaena abaixou as sobrancelhas.
– Os criados de Lady Lillian estavam na cerimônia quando ela se
vestiu – disse Chaol. – Não havia mais nada para ela vestir. – É claro que
corseletes requeriam assistência para vestir e tirar, e os vestidos eram um
labirinto de presilhas e laços secretos.
– Minhas desculpas, meu senhor príncipe – falou Celaena. Os olhos
dela brilhavam de raiva, e as bochechas ficaram coradas. – Sinto muitíssimo por
minhas roupas não agradarem seu gosto.
– Não, não – disse Dorian, rapidamente, olhando para os pés de
Celaena.
Estavam calçados em sapatos vermelhos, vermelhos como as frutas de
inverno que começavam a surgir nos arbustos. – Você está muito bonita. Só um pouco...
deslocada. – Séculos deslocada, na verdade. Celaena lançou ao príncipe um olhar
exasperado. Ele se virou para Nehemia. – Perdoe-me – falou Dorian, em seu
melhor eyllwe, o qual não era nada impressionante. – Como está?
Os olhos da princesa brilharam com diversão diante do eyllwe tosco
do príncipe, mas ela assentiu em reconhecimento.
– Estou bem, Vossa Alteza – respondeu Nehemia, na língua de
Dorian.
A atenção dele se voltou para os dois guardas da princesa, os
quais espreitavam às sombras, próximos, aguardando, observando. O sangue de Dorian
latejou nas veias.
Há semanas, duque Perrington insistia na ideia de levar mais
forças para Eyllwe – para esmagar os rebeldes com tanta eficiência que não
ousariam desafiar o domínio de Adarlan novamente. No dia anterior, o duque
apresentara um plano: deslocariam mais legiões e manteriam Nehemia no castelo
para desencorajar qualquer retaliação dos rebeldes. Não muito disposto a
acrescentar sequestro ao repertório de habilidades, Dorian passara horas
discutindo contra tal estratégia. Embora alguns integrantes do conselho também
tivessem expressado sua reprovação, a maioria parecia pensar que a tática do
duque seria bemsucedida.
Mesmo assim, Dorian convencera-os a recuar até que seu pai retornasse.
Isso lhe daria mais tempo para convencer alguns dos apoiadores do duque.
Agora, diante de Nehemia, Dorian rapidamente desviou o olhar da
princesa. Se ele fosse outra pessoa que não o príncipe herdeiro, avisaria a
princesa de Eyllwe. Mas se Nehemia partisse antes do previsto, o duque saberia
quem a havia informado e contaria ao rei. As coisas já estavam bastante ruins
entre
Dorian e o rei; o príncipe não precisava ser tachado de
simpatizante dos rebeldes.
– Vai ao banquete esta noite? – perguntou Dorian à princesa,
obrigando-se a olhar para ela e manter as feições do rosto naturais.
Nehemia olhou para Celaena.
– Você vai?
Celaena deu a ela um sorriso que só significava problemas.
– Infelizmente, tenho outros planos. Não é, Vossa Alteza? – A
assassina não se incomodou em esconder a irritação subjacente.
Chaol tossiu, repentinamente muito interessado nas frutinhas e na
sebe. Dorian estava por conta própria.
– Não me culpe – falou o príncipe, com suavidade. – Você aceitou o
convite para aquela festa em Forte da Fenda há semanas. – Os olhos de Celaena pareceram
confusos, mas Dorian não cederia. Não podia levá-la ao banquete, não com tantos
assistindo. Haveria perguntas demais. Pessoas demais. Vigiá-la seria difícil.
Nehemia franziu a testa na direção de Celaena.
– Então você não vai?
– Não, mas tenho certeza de que você se divertirá bastante –
respondeu Celaena, então passou a falar eyllwe e disse outra coisa. O eyllwe de
Dorian era competente o bastante para compreender que a ideia geral do que ela
dissera fora: “Sua Alteza com certeza sabe divertir as mulheres”.
Nehemia gargalhou, e o rosto de Dorian ficou quente. As duas
faziam um par incrível, pelos deuses.
– Bem, somos muito importantes e estamos muito ocupadas – disse Celaena
a ele, e deu o braço à princesa. Talvez permitir que as duas fossem amigas
fosse uma ideia horrorosa e perigosa. – Então, precisamos ir. Um bom dia para
você, Vossa Alteza. – Celaena fez uma reverência, as gemas vermelhas e azuis em
seu cinto reluziram sob o sol. Ela olhou por cima do ombro e fez uma careta
para Dorian enquanto levava a princesa para o jardim.
Dorian encarou Chaol.
– Obrigado por sua ajuda?
O capitão deu tapinhas no ombro do príncipe.
– Acha que foi ruim? Deveria vê-las quando se empenham. – Com
isso, o capitão seguiu as mulheres.
Dorian queria gritar, arrancar os cabelos. Gostara de ver Celaena
naquela noite – gostara imensamente. Mas durante as últimas semanas, ficara
ocupado com reuniões do conselho e com a corte, e não pudera visitá-la. Não
fosse pelo banquete, visitaria a assassina novamente. Não quisera irritá-la com
o comentário sobre o vestido – embora fosse ultrapassado – nem soubera que ela ficaria
tão chateada por não ter sido convidada para o evento, mas...
Dorian fez uma expressão de irritação e caminhou até os canis.
***
Celaena sorriu consigo mesma e passou um dos dedos por uma bainha perfeitamente
costurada. Ela achava o vestido lindo. Festivo, de fato!
– Não, não Vossa Alteza – dizia Chaol para Nehemia, devagar o
bastante para que ela pudesse entender. – Não sou um soldado. Sou um guarda.
– Não há diferença – replicou a princesa, o sotaque pesado e um
pouco difícil. Mesmo assim, Chaol entendeu o bastante para bufar, e Celaena mal
conseguiu controlar a alegria.
Conseguiu ver Nehemia bastante nas últimas duas semanas – na maior
parte, não somente para caminhadas rápidas e jantares; nos quais discutiam como
tinha sido para Nehemia crescer em Eyllwe, o que ela achava de Forte da Fenda e
quem na corte conseguira irritar a princesa naquele dia. Isso, para a
satisfação de Celaena, era feito, normalmente, por todos.
– Não sou treinado para lutar em batalhas – respondeu Chaol, com
os dentes trincados.
– Você mata a mando de seu rei.
Seu rei. Nehemia podia não ser completamente
versada na língua deles, mas era esperta o bastante para entender o poder de
dizer aquelas duas palavras. “ Seu rei”, não o dela. Embora Celaena pudesse
ouvir Nehemia reclamar do rei de Adarlan durante horas, estavam em um jardim –
outras pessoas poderiam estar ouvindo. Um estremecimento passou pelo corpo de
Celaena, e ela interrompeu antes que Nehemia pudesse dizer mais.
– Acho que é inútil discutir com ela, Chaol – falou Celaena,
cutucando o capitão da guarda com o cotovelo. – Talvez não devesse ter dado seu
título a Terrin. Pode pedi-lo de volta? Evitaria muita confusão.
– Como se lembra do nome de meu irmão?
Celaena deu de ombros, sem entender muito bem o brilho nos olhos
dele.
– Você me disse. Por que não me lembraria? – Chaol estava bonito
naquele dia. Era o modo como os cabelos tocavam a pele dourada, nos espaços minúsculos
entre as mechas, no modo como caía sobre as sobrancelhas dele.
– Acho que vai se divertir no banquete... sem minha presença lá,
quero dizer – falou Celaena, chateada.
Ele riu com escárnio.
– Está chateada porque vai perdê-lo?
– Não – respondeu a assassina, e jogou os cabelos soltos sobre um
dos ombros. – Mas... Bem, é uma festa, e todos amam festas.
– Devo levar-lhe uma lembrança da festividade?
– Somente se consistir em uma porção generosa de cordeiro assado.
O ar estava claro e limpo ao redor deles.
– O banquete não é tão animador assim – apaziguou Chaol. – É igual
a qualquer jantar. Posso assegurar-lhe de que o cordeiro estará seco e duro.
– Como meu amigo, você deveria me levar ou me fazer companhia.
– Amigo? – perguntou ele.
Celaena corou.
– Bem, “acompanhante emburrado” é uma descrição melhor. Ou “colega
relutante”, se preferir. – Para a surpresa da jovem, ele sorriu.
A princesa agarrou a mão de Celaena.
– Você me ensinará! – disse ela, em eyllwe. – Como falar melhor
sua língua, e me ensinará como escrever e ler melhor do que faço agora. Assim
não terei de sofrer com aqueles velhos terrivelmente chatos a quem chamam de tutores.
– Eu... – Celaena começou a falar na língua comum, então se
encolheu. Ela se sentia culpada por deixar Nehemia de fora da conversa por
tanto tempo, e se a princesa fosse fluente nas duas línguas, seria muito
divertido. Mas convencer Chaol a deixá-la ver Nehemia era sempre uma chateação,
pois o capitão insistia em ficar junto para observar. Ele jamais concordaria em
assistir aulas. – Não sei como ensiná-la minha língua de maneira apropriada –
mentiu Celaena.
– Besteira – falou Nehemia. – Você me ensinará. Depois... do que
quer que você faça com esse aí. Durante uma hora, todos os dias antes do
jantar.
Nehemia ergueu o queixo de modo que sugeria que recusar não era
uma opção. Celaena engoliu em seco e fez o melhor que pôde para parecer
agradável quando se virou para Chaol, que observava as duas com as sobrancelhas
erguidas.
– Ela quer que eu a ensine todos os dias antes do jantar.
– Creio que não seja possível – respondeu o capitão. Celaena
traduziu.
Nehemia lançou a Chaol seu olhar desencorajador, o qual costumava
fazer as pessoas começarem a suar.
– Por que não? – Ela voltou a falar Eyllwe. – Lady Lillian é mais inteligente
do que a maioria das pessoas neste castelo.
Chaol, ainda bem, entendeu a ideia geral.
– Não acho que...
– Não sou a princesa de Eyllwe? – interrompeu Nehemia na língua
comum.
– Vossa Alteza – começou Chaol, mas Celaena o silenciou com um
gesto da mão. Estavam se aproximando do relógio da torre, negro e ameaçador
como sempre. Mas, ajoelhado diante do monumento, estava Cain. A cabeça dele estava
inclinada e o competidor se concentrava em algo no chão.
Ao ouvir as passadas do grupo, a cabeça de Cain se ergueu. Ele
abriu um sorriso largo e ficou de pé. Estava com as mãos cobertas de terra, mas
antes que Celaena pudesse observá-lo melhor ou observar o comportamento
esquisito, o campeão assentiu para Chaol e saiu andando para trás da torre.
– Brutamontes nojento – disse Celaena, com um suspiro, ainda
olhando na direção em que Cain desaparecera.
– Quem é ele? – perguntou Nehemia, em eyllwe.
– Um soldado do exército do rei – falou Celaena –, embora agora
sirva o duque Perrington.
Nehemia olhou para Cain, e seus olhos castanhos se semicerraram.
– Algo a respeito dele me faz querer acertar-lhe o rosto.
Celaena gargalhou.
– Que bom que não sou a única.
Chaol não disse nada quando começou a andar de novo. Celaena e
Nehemia seguiram atrás do capitão, e, quando atravessaram o pequeno pátio no
qual se erguia o relógio da torre, Celaena olhou para o lugar em que Cain
estivera ajoelhado. Ele havia cavado a terra alojada nos sulcos da marca
esquisita na pedra, tornando o símbolo mais visível.
– O que acha que é isto? – perguntou Celaena à princesa, e apontou
para a marca na pedra. E por que Cain a estava limpando?
– A marca de Wyrd – respondeu a princesa, proferindo o nome na
língua de
Celaena.
As sobrancelhas da assassina se ergueram. Era apenas um triângulo
dentro de um círculo.
– Consegue ler esses símbolos? – perguntou ela. Marca de Wyrd...
que estranho!
– Não – respondeu Nehemia, rapidamente. – São parte de uma
religião antiga que morreu faz muito tempo.
– Que religião? – perguntou Celaena. – Olhe, tem outra. – Ela
apontou para outra marca, a poucos metros de distância. Era uma linha vertical
com uma seta invertida que se estendia para cima a partir do meio.
– Você deveria esquecer isso – disse Nehemia, bruscamente, e
Celaena piscou. – Tais coisas foram esquecidas por um motivo.
– Do que vocês estão falando? – perguntou Chaol, e Celaena
explicou a ideia geral da conversa. Quando terminou, o capitão comprimiu o
lábio, mas não disse nada.
O grupo continuou, e Celaena viu outra marca. Era de uma forma
estranha: um pequeno losango com duas pontas invertidas que se projetavam de
lados opostos. Os vértices do topo e da base do losango pareciam ser
simetricamente perfeitos. Será que o rei os havia mandado entalhar quando
construiu a torre do relógio ou seriam de antes disso?
Nehemia olhava para a testa de Celaena, e a assassina perguntou:
– Tem sujeira no meu rosto?
– Não – respondeu Nehemia, um pouco distante, franzindo as
sobrancelhas enquanto estudava as de Celaena. A princesa, de súbito, encarou os
olhos de Celaena com uma ferocidade que fez a assassina se recolher levemente.
– Você não sabe nada sobre as marcas de Wyrd?
O relógio da torre soou.
– Não – replicou Celaena. – Não sei nada sobre elas.
– Você está escondendo alguma coisa – falou a princesa, baixinho,
em eyllwe, embora não em tom acusatório. – Você é muito mais do que parece, Lillian.
– Eu... bem, espero que seja mais do que uma dama da corte afetada
– respondeu Celaena, com o máximo de coragem que conseguiu reunir. Ela abriu um
sorriso largo, esperando que Nehemia parasse de encará-la de modo tão estranho
e parasse de olhar para as sobrancelhas dela. – Pode me ensinar a falar eyllwe
direito?
– Se você puder me ensinar mais da sua língua ridícula – falou a
princesa, embora alguma cautela ainda pairasse nos olhos dela. O que Nehemia
vira que lhe fizera agir daquela forma?
– Fechado – disse Celaena, com um sorriso fraco. – Apenas não
conte a ele. O capitão Westfall me deixa sozinha no meio da tarde. A hora antes
do jantar é perfeita.
– Então irei amanhã às 17 horas – replicou Nehemia. A princesa
sorriu e começou a caminhar mais uma vez, um brilho surgiu em seus olhos
castanhos.
Celaena só conseguiu segui-la.
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