Capítulo 39

Ele estava perdido, perdido em um mundo com o qual sempre sonhou. O corpo dela era quente sob suas mãos, os dedos, macios em volta dos dele. Dorian rodopiava Celaena e a conduzia pela pista, valsando o mais suavemente que podia. Ela não errou um único passo nem pareceu se importar com as mulheres furiosas que os observavam enquanto dançavam música após música, sem trocar de par.
Claro que não era educado para um príncipe dançar apenas com uma dama, porém, ele não conseguia focar em mais nada além do par e da música que os embalava.
– Você definitivamente tem bastante energia – comentou Celaena. Quando tinham falado pela última vez? Poderia ter sido há dez minutos ou há uma hora. As máscaras em volta deles se misturavam em um único borrão.
– Enquanto alguns pais punem os filhos com surras, os meus me castigavam com aulas de dança também.
– Então você deve ter sido um menino bem levado. – Ela olhava em volta do salão, como se procurasse por alguma coisa ou alguém.
– Seus elogios estão muito amáveis esta noite. – Dorian a girou. A saia do vestido de Celaena brilhou sob o candelabro.
– É Yule – disse Celaena. – Todos são gentis durante o Yule. – Uma faísca de algo que Dorian poderia jurar ser dor apareceu no olhar dela, mas antes que o príncipe pudesse ter certeza, havia desaparecido.
Dorian abraçou-a pela cintura, seus pés se moviam no ritmo da valsa.
– E como vai seu presente?
– Ah, ela se escondeu debaixo da minha cama e depois na sala de jantar, onde a deixei.
– Você trancou sua cadela na sala de jantar?
– Deveria tê-la deixado no meu quarto para arruinar os tapetes? Ou na sala de jogos para roer as peças de xadrez e se engasgar?
– Você poderia deixá-la no canil, o lugar dos cachorros.
– No Yule? Nem pensaria em largá-la naquele lugar horroroso outra vez.
Dorian sentiu uma vontade repentina de beijá-la, forte, na boca. Mas aquilo, o que sentia, jamais poderia ser real. Porque assim que o baile terminasse, Celaena voltaria a ser uma assassina, e ele ainda seria um príncipe. Dorian engoliu em seco. Naquela noite, porém…
O príncipe puxou Celaena para perto. Os outros eram apenas sombras nas paredes.

***

De cara amarrada, Chaol observava o amigo valsar com a assassina. Ele não teria dançado com Celaena de qualquer forma. E ficou feliz por não ter tido coragem para convidá-la, depois de ver a cor no rosto do duque de Perrington quando descobriu o par.
Otho, um membro da corte, parou a seu lado.
– Pensei que ela estivesse com você.
– Quem? Lady Lillian?
– Então é esse o nome dela! Nunca a vi na corte antes. É recém-chegada?
– Sim – respondeu Chaol.
No dia seguinte, teria uma conversinha com os guardas de Celaena por terem deixado que a assassina saísse. Esperava que até lá estivesse menos inclinado a chocar as cabeças deles umas contra as outras.
– Como vai, capitão Westfall? – perguntou Otho, dando um tapinha um pouco forte demais nas costas de Chaol. Seu hálito cheirava a vinho. – Você nunca mais jantou conosco.
– Parei de jantar à sua mesa há três anos, Otho.
– Pois deveria voltar, sentimos falta das suas conversas.
Aquilo era mentira. Otho só queria informações sobre a jovem estrangeira. A reputação dele com as mulheres era famosa no castelo, tão famosa que tinha de abordar as damas assim que chegavam à corte ou ir até Forte da Fenda em busca de um tipo diferente de mulher.
Chaol observou Dorian inclinar Celaena e o jeito como os lábios dela se abriram em um sorriso e os olhos brilharam quando o príncipe herdeiro falou alguma coisa. Mesmo com a máscara, Chaol percebia a felicidade estampada no rosto dela.
Ele está com ela? – perguntou Otho.
– Lady Lillian não é de ninguém a não ser de si mesma.
– Então ela não está com ele?
– Não.
Otho deu de ombros.
– Isso é estranho.
– Por quê? – Chaol sentia uma necessidade repentina de estrangulá-lo.
– Porque parece que ele está apaixonado por ela – concluiu o homem, e se afastou.
A vista de Chaol embaçou por um instante. Então Celaena gargalhou e Dorian continuou admirando-a. O príncipe não desviara o olhar uma vez sequer. A expressão de Dorian transbordava... alguma coisa. Êxtase? Esperança? Os ombros dele estavam retos, as costas eretas. Ele parecia um homem. Um rei.
Era impossível que tal coisa tivesse acontecido; quando poderia ter acontecido? Otho era um bêbado mulherengo. O que sabia sobre o amor?
Com rapidez e destreza, Dorian girou Celaena, que caiu em seus braços, exibindo alegria ao estremecer os ombros. Mas ela não estava apaixonada por ele, não tinha sido isso que Otho dissera. Chaol não vira nenhum apego da parte dela. E Celaena não seria estúpida a esse ponto. Dorian era o tolo, Dorian, que teria o coração partido se, de fato, a amava.
Incapaz de olhar para o amigo, o capitão da guarda deixou o baile.

***

Furiosa e agoniada, Kaltain assistia Lillian Gordaina e o príncipe herdeiro de Adarlan dançarem e dançarem e dançarem. Mesmo com uma máscara menos reveladora, ela reconheceria aquela pretensiosa. Que espécie de pessoa veste cinza em um baile? Kaltain admirou o próprio vestido e sorriu. Com tons vivos de azul, esmeralda e marrom-claro, seu vestido e a máscara de pavão combinando tinham custado o preço de uma pequena casa. Presente de Perrington, claro, junto com as joias que enfeitavam seu pescoço e seus braços. Definitivamente não tinham nada a ver com aquela bagunça sem graça que a vadia golpista usava.
Perrington acariciou seu braço, e Kaltain se virou pra ele com os cílios tremulantes.
– Você está lindo esta noite, meu querido – disse a jovem, arrumando uma corrente dourada na túnica vermelha do duque.
O rosto dele rapidamente ficou no mesmo tom da roupa. Kaltain imaginava se conseguiria suportar a repulsa de beijá-lo. Ela poderia continuar recusando, como havia feito durante o último mês; mas quando Perrington estava bêbado daquele jeito...
A moça precisava pensar em uma saída assim que possível. Mas não estava mais próxima de Dorian do que no início do outono e, com certeza, não faria nenhum progresso com Lillian em seu caminho.
Um precipício se abriu diante de Kaltain. Sua cabeça latejou por um instante. Não existia outra opção. Lillian deveria ser eliminada.

***

Quando o relógio marcou 3 horas e a maioria dos convidados, incluindo a rainha e Chaol, já haviam se retirado, Celaena finalmente resolveu que já podia ir também. Então saiu de fininho quando Dorian foi buscar uma bebida e encontrou Ress esperando para escoltá-la de volta. Os corredores do castelo estavam silenciosos no caminho para o quarto, os dois usaram as passagens dos criados que estavam vazias para evitar que os curiosos membros da corte soubessem mais sobre Celaena. Mesmo indo ao baile pelos motivos errados, a jovem tinha se divertido um pouco dançando com Dorian. Mais que um pouco, na verdade. Ela sorriu consigo mesma, limpando as unhas enquanto entrava com Ress no corredor que levava a seus aposentos. A excitação de ter Dorian olhando apenas para ela, conversando apenas com ela, tratado-a como se fosse igual a ele e mais, ainda não passara. Talvez o plano não tivesse fracassado totalmente no fim das contas.
Ress pigarreou, e Celaena olhou para a frente e viu Dorian parado do lado de fora dos aposentos dela, conversando com os guardas. O príncipe não podia ter ficado muito mais tempo no baile se chegara ali antes dela. Mesmo com o coração disparado, Celaena conseguiu dar um sorriso tímido quando Dorian fez uma reverência, abriu a porta, e eles entraram. Que Ress e os guardas pensassem o que quisessem.
Celaena soltou a máscara do rosto, jogando-a em uma mesa no centro do saguão, e suspirou quando o ar fresco lhe acariciou o rosto.
– Sim? – perguntou ela, encostando na parede ao lado da porta do quarto.
Dorian se aproximou devagar, ficando a apenas um palmo de distância.
– Você foi embora sem se despedir – disse ele, e esticou o braço contra a parede ao lado da cabeça de Celaena. A assassina ergueu os olhos e observou o detalhe em preto da manga da roupa de Dorian que pendia logo abaixo dos cabelos dela.
– Estou impressionada por ter conseguido chegar aqui tão rápido, e sem um bando de damas em seu encalço, talvez deva tentar a carreira de assassino.
O príncipe tirou o cabelo de Celaena do rosto.
– Não estou interessado em damas da corte – disse Dorian, direto, e a beijou.
A boca dele era quente, os lábios, macios, e Celaena perdeu a noção de tempo e de espaço enquanto o beijava de volta, devagar. Dorian se afastou por um segundo, encarou Celaena no momento em que os olhos da jovem se abriam, então a beijou de novo. Dessa vez foi diferente, mais profundo, cheio de desejo.
Os braços de Celaena estavam pesados e leves ao mesmo tempo, e o aposento girava e girava. Ela não conseguia parar. Gostava daquilo, gostava de ser beijada por ele, do cheiro dele e do gosto e do toque dele.
Dorian envolveu a cintura da jovem com os braços e a abraçou forte enquanto a beijava. Celaena pôs uma das mãos no ombro do príncipe, os dedos dela apertavam os músculos da parte de trás. Como as coisas estavam diferentes desde que tinham se visto pela primeira vez em Endovier!
Os olhos de Celaena se abriram. Endovier. Por que estava beijando o príncipe herdeiro de Adarlan? A assassina soltou os dedos, e seu braço deslizou para o lado do corpo.
Dorian descolou a boca da dela e sorriu. Era contagiante. Dorian se inclinou para a frente mais uma vez, mas Celaena colocou dois dedos sobre os lábios do príncipe, delicadamente.
– Tenho de ir para a cama – disse ela. Ele levantou as sobrancelhas. – Sozinha – completou. Dorian tirou os dedos de Celaena da boca e tentou beijá-la novamente, mas a jovem escapou, deslizando com facilidade por debaixo do braço dele e segurando a maçaneta. Celaena abriu a porta do quarto e entrou tão rápido que Dorian não conseguiu detê-la. A assassina espiou o saguão, o príncipe continuava sorrindo. – Boa noite.
Dorian se recostou na porta, aproximando o rosto do dela.
– Boa noite – sussurrou, e Celaena não o impediu quando ele a beijou de novo. Dorian interrompeu o beijo antes que Celaena estivesse pronta, e ela quase caiu quando o príncipe se afastou da porta e riu com delicadeza.
– Boa noite – repetiu ela, corando. Então ele se foi.
Celaena foi até a varanda e escancarou as portas, recebendo o ar gelado. Ela colocou as mãos no quadril e olhou para as estrelas, sentindo o coração crescer, crescer e crescer.

***

Dorian voltou devagar para seus aposentos, o coração batia forte. Ainda sentia os lábios de Celaena nos seus, sentia o perfume do cabelo dela e via o dourado de seus olhos brilhando sob a luz dos candelabros.
Ao inferno com as consequências. Ele acharia um meio de aquilo dar certo; encontraria um modo de ficar com ela. Precisava encontrar.
Tinha pulado do penhasco. Só restava torcer pela rede de segurança.

***

No jardim, o capitão da guarda olhava para o balcão da jovem, que valsava sozinha, perdida em meio a sonhos. Mas ele sabia que Celaena não pensava nele.
Ela parou e olhou para cima. Mesmo longe, Chaol podia ver as bochechas coradas da moça. Celaena parecia jovem, não, renovada. Chaol sentiu um aperto no peito.
Ainda assim ele continuou olhando, até que ela suspirou e entrou. Celaena não se incomodou em olhar para baixo.

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