Capítulo 4 – Em que os gêmeos descobrem uma árvore completamente diferente
Os meninos caíram sobre uma rede de metal.
Gemendo e chutando, Jared tentou levantar-se, mas
não conseguia equilibrar-se. De repente, ele parou de lutar e levou um cutucão
de seu gêmeo na orelha.
— Simon, pare! Olhe!
Fungos brilhantes cobriam as paredes formando manchas,
iluminando os rostos de três homenzinhos cuja pele tinha o mesmo tom
acinzentado das pedras. As roupas eram pardas feitas com tecidos rústicos, mas
os braceletes prateados, em formas de serpentes, eram tão elaborados que
pareciam vivos ao redor de seus braços finos; os colares eram confeccionados
com fios de ouro tão delicados que pareciam de seda e os anéis eram tão lindos
que seus dedos imundos pareciam brilhar.
— O que temos aqui? Prisioneiros! — disse uma voz
grossa. — Raramente temos prisioneiros vivos.
— Os anões — sussurrou Jared ao irmão.
— E eles não parecem estar muito alegrinhos — Simon
sussurrou de volta.
O segundo anão esfregou vários fios do cabelo de
Jared entre os dedos e virou-se para o que havia falado antes.
— Eles não são muito extraordinários, não é mesmo?
O negro dos cabelos é opaco e sem graça. A pele não é suave ou branca como
neve. Acho que eles têm defeito de fabricação. Nós faríamos criaturas muito melhores
do que estas.
Jared riu, sem muita certeza daquilo que o anão queria
dizer. Novamente, ele desejou ter o Guia. Lembrava-se apenas de que os anões
eram excelentes artesãos e o ferro, que tanto machucava os outros seres
fantásticos, não os incomodava.
O canivete seria inútil como arma, mesmo que não
tivesse sido confiscado.
— Viemos procurar nossa irmã! — disse Jared. —
Queremos fazer uma troca.
Um dos anões deu uma risadinha, mas Jared não
saberia dizer qual deles. Fazendo um ruído, outro anão colocou uma gaiola de
prata debaixo da rede.
— Korting disse que vocês viriam. Ele está muito
ansioso para conhecê-los.
— Ele é uma espécie de rei dos anões ou algo parecido?
— perguntou Simon.
Os anões não responderam. Um deles puxou uma maçaneta
esculpida e a rede se abriu. Os dois meninos despencaram dentro de uma grande
gaiola. As mãos de Jared e os joelhos doeram de novo. Ele deu um soco no chão
de metal.
Jared e Simon permaneceram em silêncio enquanto eram
conduzidos através das cavernas de ar frio e paredes úmidas. Eles podiam ouvir
o som de martelos cada vez mais alto e mais nítido agora que estavam debaixo da
terra, e o ruído de algo que deveria ser uma fogueira imensa. Acima deles, no
escuro, manchas fosforescentes e sombrias revelavam pontas de largas
estalactites que pendiam do teto formando uma floresta de pingentes de gelo.
Passaram por uma gruta onde morcegos guinchavam
do alto, cujo solo era escuro e fedido por causa dos dejetos. Jared tentou
conter um tremor.
Quanto mais se aprofundavam, mais fria ficava a caverna.
Às vezes Jared via sombras que se modificavam no escuro e ouvia batidas
erráticas. Enquanto se deslocavam por um corredor estreito, passando por
colunas que pingavam, Jared respirava umidade, um cheiro mineral que lhe dava
alívio depois do fedor dos morcegos. O próximo aposento parecia estar repleto
de pilhas de objetos de metal empoeirados.
Um rato dourado com olhos de safira saltou fora
de um cálice de malaquita para observá-los. Um coelho prateado estava ao lado
dele, com uma chave de dar corda pendurada no pescoço, enquanto um único botão
de lírio platinado se abriu, depois se fechou, abrindo-se novamente. Simon
olhou para o rato de metal com vontade de apanhá-lo.
Depois, os meninos foram levados até uma grande caverna
onde viram anões esculpindo estátuas de outros anões dentro de paredes de
granito. Uma luz súbita da lanterna feriu os olhos de Jared, mas, enquanto ele
ia passando pelos anões, pensou ter visto um dos braços esculpidos mover-se.
Dali, foram conduzidos a um espaço enorme onde uma
árvore maciça crescia. O tronco espesso subia até perder-se nas sombras, os
galhos formando uma copa imensa. O ar enchia-se de um estranho canto de passarinhos
metálicos.
— Isso não pode ser uma árvore — disse Simon. —
Não há sol. Sem sol não acontece a fotossíntese.
Jared deu uma espiada no tronco.
— Ela é de metal — disse ele, percebendo que as folhas
eram todas de um prateado metálico. No alto da árvore, um pássaro de cobre batia
suas asinhas mecânicas e os fitava com olhos frios, projetados para fora.
— A primeira árvore de ferro — disse um dos anões.
— Vejam, mortais, uma beleza que nunca será extinta.
Jared olhou para o alto da árvore com espanto, fascinado
com a quantidade de metal que teria sido necessária para forjá-la, com o tronco
tão espesso e os galhos entrelaçados com tanta delicadeza que pareciam filigranas.
Cada folha de metal era única, cheia de veias e curvada como um verdadeiro
vegetal.
— Por que vocês nos chamam de mortais? — perguntou
Jared.
— Vocês não conhecem o próprio idioma? — disse um
anão e riu. — Isso significa uma pessoa destinada a morrer. Do que mais
poderíamos chamá-los? A sua espécie morre num piscar de olhos. — Ele
aproximou-se das barras da gaiola e deu uma piscadinha.
Diversas passagens saíam da caverna dando em corredores
escuros demais para que Jared percebesse para onde os levavam. A gaiola foi
conduzida por um deles — um corredor amplo, cheio de colunas, que desembocava
numa sala menor. Sentado no trono apoiado numa enorme estalagmite havia outro
homem de pele acinzentada, uma barba negra e volumosa. Os olhos dele reluziam
como duas jóias verdes. Um cachorro de metal estava deitado sobre um tapete de
pele de veado colocado à frente do trono, a barriga do animal movimentava-se
soltando um zumbido mecânico exatamente como se ele estivesse realmente
dormindo.
Nas costas do cão, uma chave de corda girava lentamente.
Ao redor do trono havia outros anões, todos em silêncio.
— Meu senhor Korting — disse um dos anões. — É
como o senhor dissera. Eles vieram em busca da irmã.
Korting levantou-se.
— Mulgarath me disse que vocês viriam. Como vocês
têm sorte de estar aqui, que honra será assistir ao começo do fim das leis
humanas.
— Tudo bem — disse Jared. — Onde está Mallory?
Korting sorriu.
— Tragam a menina — disse ele, e vários anões saíram
correndo imediatamente. — É melhor que vocês prestem atenção às suas próprias
palavras. Mulgarath logo dominará o mundo e nós, seus leais servos, estaremos
ao seu lado. Ele limpará a terra para nós e então construiremos uma nova e
gloriosa floresta inteiramente formada por árvores de ferro. Nós reconstruiremos
o mundo com prata, cobre e ferro.
Simon engatinhou até a ponta da gaiola.
— Isso não faz o menor sentido. O que vocês vão comer?
Como vão respirar sem as plantas para fazer oxigênio?
Jared sorriu para Simon. Ás vezes não era tão
ruim ter um irmão gêmeo metido a sabe-tudo.
O sorriso de Korting alargou-se.
— Você nega o fato de que os anões são os
maiores artesãos que já existiram? Basta dar uma olhada em meu cão, aqui, para
constatar nossa superioridade. Seu corpo de prata é mais bonito do que qualquer
tipo de pelagem, ele corre mais rápido, não necessita de alimento, não baba nem
fica pulando em ninguém.
Korting acariciou o cão com o pé. O cachorro virou-se
e espreguiçou-se antes de voltar a dormir e roncar.
— Eu não acho que era isso que Simon estava tentando
lhe dizer — começou Jared, mas foi interrompido por seis anões que entraram na
sala, carregando uma caixa de vidro comprida nos ombros.
— Mallory! — gritou Jared com uma sensação de vazio
no estômago. A caixa parecia com um caixão.
— O que foi que vocês fizeram com nossa irmã? — perguntou
Simon. Seu rosto estava pálido. — Ela não está morta, não é?
— Pelo contrário — disse o senhor dos anões com um
sorriso. — Ela nunca morrerá. Venham vê-la de perto.
Os anões depositaram a caixa de vidro sobre um aparador
esculpido com ornamentos que estava ao lado da gaiola de Simon e Jared. O cabelo de Mallory fora arrumado e preso em
uma única longa trança que transcorria por seu rosto pálido e céreo. Sobre sua
testa havia uma tiara de folhas metálicas. Seus lábios e faces estavam tão corados
quanto os de uma boneca, e as mãos ainda empunhavam a espada prateada.
Puseram-na em um vestido branco com bordados frívolos. Os olhos dela estavam
fechados e Jared temia que, se ela os abrisse, fossem feitos de vidro.
— O que fizeram com ela? — perguntou Simon. — Não
está parecendo nem um pouco com a Mallory.
— Sua beleza e juventude nunca desbotarão — disse
Korting. — Fora desta caixa ela estaria condenada à velhice, à morte e à
deterioração... Ao destino de todos os mortais.
— Acho que Mallory preferiria ser condenada — disse
Jared.
O senhor dos anões bufou.
— Fique à vontade. O que você tem para me dar em
troca dela?
Jared colocou a mão dentro de sua mochila e
tirou o livro enrolado na toalha.
— O Guia de Campo de Artur Spiderwick — disse.
O menino sentiu uma pontinha de culpa pela mentira
mas reprimiu-a impiedosamente. Korting esfregou as mãos.
— Excelente. Foi isso o que esperava. Agora, entreguem
o livro.
— Você nos devolverá nossa irmã?
— Ela será de vocês.
Jared estendeu o falso Guia, e um dos anões o arrancou
enfiando a mão entre as barras da gaiola. O senhor dos anões nem sequer se deu
ao trabalho de abrilo.
— Levem essa gaiola até a sala dos tesouros e coloquem
a caixa de vidro ao lado dela!
— O quê? — perguntou Jared. — Mas vocês queriam
fazer uma troca!
— Nós já
fizemos a troca — Korting disse com uma
risadinha. — Vocês trocaram o livro por sua irmã, mas não por sua liberdade.
— Não! Vocês não podem fazer isso!
Jared bateu as mãos contra as barras, mas isso
não impediu que os anões empurrassem a gaiola ao longo de um corredor escuro.
Ele não podia olhar para Simon.
Depois de gritar tanto com seu irmão, ele tinha
sido estúpido, o que não fora suficientemente inteligente. Ele se sentiu
cansado, desanimado, pequeno e patético. Ele era só um menino. Como é que
conseguiria escapar de uma situação dessas?
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