Capítulo 4 – Em que os irmãos Grace procuram por um amigo
Jared apertou o rosto contra a janela do carro e tentou fingir que
não estava chorando. As lágrimas caíam, quentes, em sua face. Deixou que
escorressem pelo vidro frio.
Ele não tinha realmente atingido Mallory com os socos. Simon agarrou
seus braços enquanto Mallory continuava insistindo que não tinha apanhado o
Guia. Aquela gritaria toda chamou a mãe deles de volta ao quarto. Ela os
arrancou para fora, pedindo muitas desculpas à enfermeira e até mesmo à tia
Lúcia, que teve que ser sedada. A caminho do carro a mãe deles disse a
Jared que ele teve sorte de não ter sido internado no sanatório também.
— Jared — sussurrou Simon, colocando a mão nas costas de seu irmão
gêmeo.
— O quê? — murmurou Jared sem se virar.
— E se o Tibério pegou o Guia?
Jared mexeu-se no assento. Seu corpo inteiro ficou tenso. Na hora em
que ele ouviu isso, percebeu que tinha que ser verdade. Seria a última
brincadeira de Tibério e também sua maior vingança.
Ele sentiu como se tivesse levado um balde de água fria. Por que ele
mesmo não tinha pensado nisso? Às vezes ele ficava tão bravo que isso o
assustava. Era como se desse um branco em sua mente e seu corpo assumisse o
controle da situação.
Quando chegaram em casa, em vez de entrar com sua mãe, ele escorregou
para fora do carro e sentou-se nas escadas do fundo. Mallory sentou-se ao seu
lado.
— Eu não peguei o livro — disse ela. — Lembra
quando acreditamos em você? Agora você precisa acreditar em mim.
— Eu sei — respondeu Jared, olhando para baixo. — Eu acho que foi o
Tibério. Me... me desculpa.
— Você acha que o Tibério roubou o Guia? — perguntou ela.
— Foi o Simon que percebeu isso — disse Jared. —
Faz sentido. Tibério vive pregando peças em mim. Esta foi a pior de todas.
Simon sentou-se ao lado de Jared, nas escadas.
— Vai dar tudo certo. A gente vai encontrar o livro.
— Olhem — disse Mallory, mostrando a barra do suéter de onde um fio
tinha escapado. — Provavelmente foi melhor assim.
— Não foi, não — disse Jared. — Até você devia perceber isso. Não
podemos devolver uma coisa que não temos! Os seres fantásticos não acreditaram
na tia Lucinda quando ela lhes disse que não estava com o livro... Por que
acreditariam em nós?
Mallory bufou e não respondeu.
— Eu estava pensando — disse Simon. — Tia Lúcia disse que o pai dela
abandonou a família, certo? Mas se o Guia de campo ainda estava
escondido na casa, talvez ele não o tenha deixado lá de propósito. Ela disse
que ele nunca partiria sem levar o livro. ~ 60 ~
— Então como é que o livro ainda estava
escondi-do? — perguntou Jared. — Se os seres fantásticos o capturaram, ele
lhes teria dito onde estava escondido o Guia.
— Talvez ele tenha fugido antes que os seres o prendessem — disse Mallory.
— Deixando tia Lúcia sozinha para enfrentá-los. Talvez ele soubesse da
existência do gigante.
— Artur não faria isso — disse Jared. E assim que ele disse isso,
ficou imaginando se era verdade.
— Vamos — disse Simon. — Nunca descobriremos isso. Vamos visitar o
Byron. É provável que ele es-teja com fome de novo e assim a gente pára de
pensar um pouco no Guia.
Mallory bufou.
— É, visitar um grifo que vive no estábulo realmente vai nos ajudar
a esquecer um livro sobre criaturas sobrenaturais.
Jared sorriu vagamente. Ele não conseguia parar de pensar no livro,
na tia Lúcia e no Artur, nele mesmo e Mallory, e na raiva que sentia sem saber o que
fazer com ela.
Jared olhou para Mallory.
— Desculpe porque tentei bater em você.
Mallory arrumou o cabelo e levantou-se.
— De qualquer jeito, você bateu feito uma mulherzinha.
— Eu não bati não — disse Jared, mas ele se levantou e seguiu
Mallory e Simon com um sorriso.
Uma folha de papel amarelada, velha, estava em cima da mesa da
cozinha. Jared deu um passo em sua direção. Um poema estava rabiscado no
papel.
— Tibério — disse Jared.
Menino malcriado que se acha espertinho.
Está preocupado com seu livro incrível?
Talvez eu o pique inteirinho
ou o esconda num lugar impossível.
— Uau, o cara está zangado! — disse Simon.
Jared ficou dividido entre o alívio e o horror.
O livro estava com Tibério, mas o que será que ele tinha feito dele?
Será que o livro tinha sido destruído?
— Ei, eu sei! — sugeriu Mallory esperançosa. — Lembram do saquinho de
bola de gude da tia Lúcia? Nós poderíamos deixá-lo de presente para o Tibério.
— Eu escrevo um bilhete. — Simon virou a folha e rabiscou algumas
palavras.
— O que você escreveu? — perguntou Mallory.
— Nós pedimos desculpas — leu Simon. Jared olhou o bilhete, cético.
— Não sei se a nota e um monte de brinquedo velho serão suficientes.
Simon deu de ombros.
— Ele não pode
ficar zangado para sempre. Jared temia que isso realmente acontecesse.
***
Byron estava dormindo quando eles
foram vê-lo, as asas moviam-se cada vez que ele inspirava. Os olhos reviravam
sob as pálpebras fechadas. Simon disse que eles provavelmente não deveriam
acordá-lo, então deixaram outro prato de carne perto de seu bico e voltaram
para casa. Mallory sugeriu um jogo, mas Jared estava nervoso demais para fazer
qualquer coisa além de ficar imaginando
onde o Tibério teria escondido o Guia. Ele caminhava pela sala de estar
tentando pensar.
Talvez fosse uma charada e houvesse
um jeito de desvendá-la. Ele pensou no bilhete de novo, examinando as palavras
em busca de pistas.
— O Guia não pode estar dentro das
paredes. — Mallory sentou-se de pernas cruzadas no sofá. — É grande demais.
Como é que ele conseguiria enfiá-lo ali?
— Há muitos quartos nos quais ainda
não entramos — disse Simon, sentando-se ao lado dela. — Muitos lu-gares que não
examinamos.
Jared parou no meio de um passo.
— Esperem. E se ele estiver bem na
nossa cara?
— O quê? — perguntou Simon.
— Na biblioteca do Artur! Existem
tantos livros lá que nós nunca iríamos reparar.
— Ei, isso é verdade! — disse
Mallory.
— É isso — disse Simon. — E mesmo se
o Guia não estiver lá, sabe-se lá o que mais poderíamos encontrar.
Os três subiram até o andar superior
e abriram a porta do armário. Engatinhando, Jared passou pela passagem secreta
debaixo da prateleira mais baixa de livros e entrou na biblioteca de Artur. As
paredes estavam cobertas de prateleiras, exceto uma onde ficava uma pintura
enorme de seu tio-avô. Apesar de todas as visitas que tinham feito à
biblioteca, a poeira cobria a maioria das prateleiras, atestando como tinham
sido poucos os títulos examinados de perto.
Mallory e Simon espremeram-se atrás
dele.
— Por onde começamos? — perguntou
Simon, olhando ao seu redor.
— Você começa pela escrivaninha —
disse Mallory. — Jared, pegue essa prateleira, e eu fico com essa outra aqui.
Jared concordou com a cabeça e
tentou espanar um pouco da poeira na primeira prateleira. Os livros eram tão
estranhos quanto os que ele se lembrava em suas idas anteriores
à biblioteca: A fisiologia das asas, O impacto das escalas na musculatura,
Venenos de todo o mundo e Detalhes de dragonite. Da primeira vez em
que Jared os viu, sentiu um espanto que agora tinha desaparecido. Ele se sentia
en-torpecido. O livro desaparecera, Tibério o odiava e Artur não fora a pessoa
que ele tinha imaginado. Era tudo tru-que — toda aquela magia. Ela parecia tão
grandiosa, mas, por baixo de tudo, era tão decepcionante quanto todo o resto.
Jared lançou um olhar para o quadro
de Artur na parede. Ele nem parecia ser legal. O Artur na parede tinha
os lábios finos e um sulco entre as sobrancelhas que agora Jared atribuía a
uma irritação. Provavelmente ele já estava pensando em abandonar a família.
A vista de Jared ficou turva e os
olhos queimaram. Era estúpido chorar por causa de uma pessoa que ele nunca
tinha encontrado, mas não dava para evitar.
— Foi você que desenhou isso? —
perguntou Simon da escrivaninha.
Jared
limpou o rosto com a manga, esperando que o irmão não tivesse reparado em suas
lágrimas.
— Jogue fora.
— Não — disse Simon. — Está bom.
Parece mesmo com o papai.
Aprender a desenhar tinha sido outra
ideia estúpida. Só tinha feito com que ele se desse mal na escola porque ficava
rabiscando no lugar de estudar. Jared caminhou até a escrivaninha e rasgou o
desenho no meio, amassando o papel.
— Jogue fora, eu disse!
— Meninos — disse Mallory. — Venham
aqui.
Mallory estava segurando vários
rolos de papel e dois tubos longos de metal.
— Olhem! — Ela se ajoelhou e começou
a desenrolar as páginas no chão.
Os meninos se agacharam ao lado
dela. Nas folhas, desenhado a lápis e pintado com aquarela, estava o mapa da
vizinhança. Alguns lugares não pareciam certos — havia
mais casas e mais estradas agora —, mas há via muitos lugares que eles ainda reconheciam. Mas as observações foram uma surpresa.
Havia um leve círculo em volta do desenho da floresta atrás da casa, contendo letras que diziam:
— TERRITÓRIO DE CAÇA DOS TROLLS — leu Simon.
Mallory grunhiu.
— Se nós tivéssemos descoberto este mapa antes!
Ao longo de uma estrada perto de uma velha mina estava marcado ANÕES?, enquanto numa árvore não
muito longe da casa estava escrito NINFAS. Mas a coisa mais estranha de todas
era uma observação na beira das colinas, perto da
casa deles. Parecia que ela tinha sido escrita com muita pressa, e a letra
estava ruim. Ela dizia: “14 de setembro. Cinco horas. Traga o resto do livro.”
— O que será que isso quer dizer? —
perguntou Simon.
— Será que “o livro” quer dizer Guia
de campo? — disse Jared, pensando em voz alta.
Mallory balançou a cabeça.
— Pode ser, mas o Guia ainda estava
aqui.
Eles se entreolharam por um momento
em silêncio.
Quando foi que Artur desapareceu? —
perguntou Jared finalmente.
Simon deu de ombros.
— Provavelmente, só tia Lúcia
consegue se lembrar disso.
— Ou ele foi a essa reunião e nunca
voltou ou ele foi embora e nunca apareceu nessa reunião — disse Mallory.
— Precisamos mostrar isto para a tia
Lucinda! — disse
Jared.
Sua irmã fez que não com a cabeça.
— Isso não prova nada. Só vai
deixá-la mais triste.
— Mas talvez ele não tivesse a
intenção de ir embora — disse Jared bravo. — Você não acha que ela merece
saber disso?
— Vamos até lá ver, nós mesmos —
disse Simon. — Podemos seguir o mapa e ver para onde ele nos leva. Talvez
exista uma pista sobre o que realmente aconteceu.
Jared hesitou. Ele queria ir. Estava
quase sugerindo isso quando Simon falou. Mas agora ele não conseguia parar de
pensar se isso não seria uma espécie de armadilha.
— Seguir este mapa seria uma coisa
realmente idio-ta — disse Mallory. — Especialmente se pensamos que algo
aconteceu com ele por lá.
— Este mapa é velho demais, Mallory
— disse Simon. — O que poderia acontecer?
— E essas foram as famosas últimas
palavras — disse
Mallory, mas ela traçou as colinas do mapa cuidadosamente com os dedos.
— É a única maneira de um dia
descobrirmos alguma coisa — disse Jared.
Mallory suspirou.
— Eu acho que poderíamos dar uma
olhada. Contanto que seja durante o dia. Mas na primeira coisa esqui-sita que
encontrarmos, voltamos. Concordam?
— Concordo — disse Jared com um
sorriso.
Simon começou a enrolar o mapa.
—
Concordo — disse ele.
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