Capítulo 44
O rei. O coração de Celaena soltou um guincho e se escondeu atrás
da espinha.
Cada uma das cicatrizes da mão da assassina palpitou. O rei de
Adarlan caminhou em direção a Celaena e Chaol, sua forma monstruosa preencheu o
corredor diminuto, e os olhos do rei e os de Celaena se encontraram. Ela ficou fria
e quente ao mesmo tempo. Chaol se deteve e fez uma acentuada reverência.
Vagarosamente, desejando não ir parar na forca tão cedo, Celaena
também se curvou. O rei a encarou com olhos de ferro. Os pelos dos braços dela
se eriçaram. Celaena o sentia observá-la, procurando por alguma coisa dentro
dela.
O rei sabia que algo estava errado, que algo mudara no castelo –
algo que tinha a ver com ela. Celaena e Chaol se ergueram e saíram do caminho.
A cabeça do rei girou para examinar a assassina ao prosseguir. Será
que podia enxergar o que havia por dentro de Celaena? Saberia que Cain tinha a habilidade
de abrir portais reais para outros mundos? Que, mesmo tendo banido a magia, as
marcas de Wyrd ainda comandavam um poder que lhes era próprio? Um poder que o
rei poderia dominar, caso aprendesse a invocar demônios como o ridderak...
Havia uma escuridão nos olhos do rei que parecia fria e
estrangeira, como os espaços entre as estrelas. Um homem seria capaz de
destruir um mundo? Sua ambição o consumia tanto assim? Celaena conseguia
escutar os ruídos de uma guerra. A cabeça do rei voltou-se para a frente.
Algo perigoso pairava ao redor dele. Era um ar mortal que Celaena
sentira ao se deparar com o vazio negro invocado por Cain. Era o fedor de outro
mundo, de um mundo morto. Qual era o objetivo de Elena ao exigir que Celaena se
aproximasse dele?
Celaena conseguiu andar, um passo de cada vez, afastando-se do
rei. Os olhos dela estavam distantes, e, embora não olhasse para Chaol, sentiu
o rosto ser estudado pelo capitão. Felizmente, ele não falou uma palavra
sequer. Era bom ter alguém que compreendesse.
Chaol tampouco falou quando Celaena se aproximou dele durante o
restante da caminhada.
***
Chaol caminhava no próprio quarto. O tempo com Celaena havia
terminado até o treino com outros campeões naquela tarde. Após o almoço, o
capitão voltou a seus aposentos para ler o relatório que detalhava a jornada do
rei. E, nos últimos dez minutos, ele o havia lido três vezes. Chaol amassou o
papel no punho. Por que o rei havia chegado sozinho? Ainda mais importante:
como todos que o acompanhavam haviam morrido? Não ficara claro por que ele
partira. O rei mencionara as montanhas Canino Branco, mas... Por que estavam
todos mortos?
O rei insinuara vagamente que havia algum tipo de problema
relacionado a rebeldes envenenando seus depósitos de comida, mas os detalhes
eram obscuros o suficiente para sugerir que a verdade estava escondida em algum
outro lugar.
Talvez o rei não tivesse explicado completamente porque isso
causaria uma comoção entre os súditos. Mas Chaol era o capitão da Guarda Real.
Se o rei não confiava nele...
O relógio soou, e os ombros de Chaol se curvaram. Pobre Celaena.
Será que sabia que ficava com a aparência de um animal acuado quando o rei
surgia? O capitão quase tinha vontade de dar um tapinha nas costas da jovem. E
o efeito do rei sobre a assassina durou por muito tempo após o encontro;
Celaena ficara distante durante o almoço.
A jovem tornara-se incrível – tão rápida que Chaol tinha
dificuldades em acompanhá-la. Celaena podia escalar uma parede com facilidade e
até mesmo o demonstrou ao subir até a varanda do quarto usando apenas as próprias
mãos.
Aquilo causava temor em Chaol, principalmente quando se lembrava
de que a assassina tinha apenas 18 anos. Ele se perguntou se ela seria assim
antes de ir para Endovier. Celaena nunca hesitava quando lutava com Chaol, mas
parecia afundar dentro de si mesma, para um lugar que simultaneamente era
calmo, tranquilo, colérico e ardente. A assassina era capaz de matar qualquer
um, inclusive Cain, em questão de segundos.
Mas, se ela se tornasse a campeã, será que a deixariam solta em
Erilea novamente? Chaol gostava de Celaena, mas não sabia dizer se conseguiria dormir
à noite sabendo que havia retreinado e libertado a maior assassina do mundo. Se
Celaena vencesse, entretanto, ficaria ali no castelo por quatro anos.
O que pensara o rei ao vê-los juntos e dando risadas? Certamente,
aquele não fora o motivo pelo qual deixara de contar a Chaol o que acontecera
com seus homens. Não... o rei não se importaria com esse tipo de coisa,
principalmente se Celaena, em breve, pudesse se tornar sua campeã.
Chaol massageou os ombros. A assassina pareceu tão frágil quando
viu o rei.
Desde o retorno de suas viagens, o rei não parecia diferente e
continuava tão rude com Chaol como sempre fora. Mas o desaparecimento repentino
e depois o retorno sem uma alma viva... Algo estava sendo preparado e a viagem
do rei servira para misturar os ingredientes desse caldeirão. E, de alguma
forma, Celaena também sabia disso.
O capitão da guarda se apoiou contra uma parede e contemplou o
teto. Não deveria se intrometer nos assuntos do rei. No momento, seu foco era
resolver os assassinatos dos campeões e garantir que Celaena vencesse. Já não
se tratava mais do orgulho de Dorian; Celaena não sobreviveria outro ano em
Endovier.
Chaol esboçou um sorriso. A assassina havia causado problemas o
bastante nos meses que estivera no castelo. Ele podia apenas imaginar o que
aconteceria ao longo dos próximos quatro anos.
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