Capítulo 46
A floresta estava quieta e congelada ao redor de Dorian, e a neve
caía das árvores em grandes amontoados conforme o príncipe passava. Os olhos
dele desviavam de galhos para arbustos. Precisava sair para uma caçada naquele
dia, somente para deixar o ar congelante lhe percorrer o corpo.
Dorian via o rosto dela sempre que fechava os olhos. Ela
assombrava seus pensamentos, fazia-o desejar fazer coisas grandiosas e
maravilhosas em seu nome, fazia-o desejar ser um homem que merecia usar uma
coroa.
Mas Celaena – Dorian não sabia como ela se sentia. Ela o beijara –
com desejo, até –, mas as mulheres que o príncipe amara no passado sempre foram
desejosas. Elas o olhavam de modo adorável, enquanto Celaena olhava para ele como
se fosse um gato observando um rato. Dorian se endireitou, detectou movimentos
próximos. Um veado estava a 9 metros de distância, alimentando-se de cascas de árvores.
O príncipe parou o cavalo e pegou um arco da aljava.
Mas se atrapalhou com o arco. Ela duelaria no dia seguinte.
Se algum mal lhe acontecesse... Não, ela conseguiria se proteger;
era forte, inteligente e ágil. Dorian tinha ido longe demais; jamais deveria tê-la
beijado.
Porque agora, não importava como poderia ter, algum dia, contemplado
o próprio futuro ou com quem achava que passaria a vida, não podia mais imaginar
ficar com qualquer outra pessoa – querer qualquer outra pessoa.
A neve começou a cair. Dorian olhou para o céu cinzento e cavalgou
pelo parque de caça silencioso.
***
Celaena estava diante das portas da varanda, encarando Forte da
Fenda, abaixo.
Os telhados ainda estavam cobertos de neve, e as luzes piscavam em
todas as casas. Poderia ter parecido lindo, se ela não soubesse que tipo de
corrupção e de sujeira vivia ali. E que monstruosidade governava a tudo. A
assassina esperava que Nox estivesse muito, muito longe. Ela tinha dito aos
guardas que não queria visitas naquela noite e pedira que dispensassem até
mesmo Chaol ou
Dorian, caso eles aparecessem. Alguém batera uma vez, mas Celaena
não abriu e a pessoa logo saiu sem tentar de novo. A jovem apoiou a mão em um
painel de vidro, aproveitando a queimadura de frio. O relógio soou meia-noite.
No dia seguinte – ou será que já havia chegado? – enfrentaria
Cain. Jamais lutara com o competidor nos treinos. Os outros campeões estavam
ansiosos demais para conseguir um pedaço dele. Embora Cain fosse forte, não era
tão rápido quanto Celaena. Mas tinha resistência. Ela teria de se esquivar do adversário
durante um tempo. Apenas rezava para que toda a corrida com Chaol a impedisse
de se cansar antes de Cain. Se perdesse...
Nem se dê essa opção.
Celaena recostou a testa no vidro. Seria mais honroso morrer no
duelo do que retornar para Endovier? Ou seria mais honroso morrer do que se
tornar campeã do rei? Quem ele a mandaria matar?
Celaena tivera escolha quando fora a Assassina de Adarlan. Mesmo
que Arobynn Hamel comandasse sua vida, ela sempre tivera escolha com relação
aos empregos que aceitava. Nenhuma criança. Ninguém de Terrasen. Mas o rei poderia
ordenar que ela matasse qualquer um. Será que Elena esperava que
Celaena dissesse não ao rei quando fosse campeã? O estômago da
jovem subiu até a garganta. Não era hora para aquilo. Celaena precisava se
concentrar em Cain, em cansá-lo.
Por mais que tentasse, a jovem só conseguia pensar na assassina
faminta e sem esperanças que fora arrastada de Endovier em um dia de outono por
um mal-humorado capitão da guarda. O que teria dito diante do acordo do príncipe
se soubesse que arriscaria perder tanta coisa? Teria rido se soubesse que
outras coisas – que outras pessoas – passariam a significar tanto quanto a
liberdade?
Celaena engoliu em seco. Talvez houvesse outros motivos para lutar
no dia seguinte. Talvez alguns meses no castelo não tivessem sido o bastante. Talvez...
Talvez ela quisesse ficar ali por motivos diferentes da esperada liberdade. Isso
era algo em que a assassina sem esperanças de Endovier jamais teria
acreditado.
Mas era verdade. Celaena queria ficar.
E isso
tornaria o dia seguinte muito mais difícil.
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