Capítulo 6 – Em que Jared cumpre a profecia do phooka
Do outro lado do bosque, os galhos se abriram e três seres saíram de
dentro das árvores. Eles eram do tamanho de Mallory, com uma pele sardenta e
bronzeada. O primeiro era uma mulher com olhos verde-maçã e um brilho
esverdeado nos ombros e têmporas. Folhas se misturavam aos seus cabelos longos.
O segundo era um homem que tinha algo que se parecia com pequenos chi-fres que
saíam da testa. A pele dele tinha um tom de ver-de mais escuro do que a tez da
mulher e ele segurava um bastão retorcido. O terceiro elfo tinha cabelos
ruivos, espessos, trançados com amoras-vermelhas, e uma
coroa feita com duas vagens grossas. A pele era marrom, salpicada de vermelho
na altura da garganta.
— Eles são elfos? — perguntou Simon.
— Ninguém percorre esse caminho há muito tempo — disse a elfa de
olhos verdes como se ninguém ti-vesse dito nada. Ela ergueu a cabeça, como se
estivesse habituada a ser obedecida. — Todos aqueles que por a-caso entraram na
floresta se perderam. Mas vocês chegaram até aqui. Que coisa curiosa.
— A grama — sussurrou Jared ao irmão.
— Eles devem estar com o Guia — declarou o elfo ruivo aos
companheiros. — De que outro modo teriam caminhado nesta direção? De que outro
modo consegui-riam descobrir como prosseguir no caminho? — Ele se voltou para
os três irmãos. — Sou Lorengorm. Queremos fazer uma troca com vocês.
— Para quê? — perguntou Jared, esperando que sua voz não tremesse. Os
elfos eram lindos, mas a única emoção que ele conseguia ver em seus rostos era uma cobiça estranha que o enervava.
— Vocês desejam libertar-se — disse o elfo que tinha algo que se parecia com chifres.
Jared percebeu que não eram chifres, mas folhas.
— E nós queremos o livro de Artur.
— Nós queremos nos libertar do quê? — perguntou Mallory.
O elfo de chifre-folha apontou para a cerca formada pelas árvores e
deu um sorriso frio.
— Nós abrigaremos vocês até que se cansem de nossa hospitalidade.
— Se Artur não lhes deu o livro, por que deveríamos entregá-lo a vocês? — Jared esperava que não
percebessem que ele estava blefando.
O elfo de chifre-folha fungou.
— Há muito tempo sabemos que a humanidade é brutal. Antes, pelo
menos, os seres humanos eram ignorantes. Agora precisamos manter segredo sobre
nossa existência para nos protegermos. Vocês não são confiáveis. Vocês destroem nossas florestas.
Lorengorm fez uma cara horrível, seus olhos faiscaram.
— Os humanos envenenam os rios, caçam os grifos dos céus e as serpentes dos mares. Imagine o que vocês fariam se descobrissem nossas fragilidades.
— Mas nós nunca fizemos nada! — disse Simon.
— E ninguém nem acredita mais em seres
fantásticos — disse Jared. Ele pensou em Lucinda. — Pelo menos, não em sã
consciência.
A risada de Lorengorm soou cínica.
— Ainda restam seres fantásticos em número sufi-ciente. Estão ocultos
nas poucas florestas que sobraram. Logo esses também vão desaparecer.
A elfa de olhos verdes ergueu uma mão na direção da cerca de arvores trançadas.
— Vou mostrar tudo a vocês.
Jared reparou em todos os tipos de seres fantásticos, sentados no
círculo de árvores, espiando pelos buracos entre os troncos. Seus olhos
negros brilhavam, as asas zumbiam e as bocas se mexiam, mas nenhum deles
entrava no bosque. Era como se estivessem num tribunal, com os elfos atuando
tanto como juízes quanto como júris. Então, alguns galhos se abriram e surgiu
outra criatura.
Era branca, do tamanho de uma gazela. O pelo era prateado e a longa
crina caía em trancas. De sua testa saía um chifre torcido cuja ponta parecia
afiada. A criatura ergueu o focinho úmido e farejou o ar. Á medida que ela se
aproximava deles, um silêncio se espalhava no vale. Até mesmo os passos da
criatura eram silenciosos. Ela não parecia nada mansa.
Mallory deu um passo adiante, virando a cabeça levemente, e estendeu
a mão.
— Mallory — alertou Jared. — Não...
Mas ela não conseguia mais ouvi-lo e já esticava os dedos para
acariciar o flanco da criatura. O ser ficou totalmente imóvel, e Jared sentiu
medo de respirar enquanto Mallory acariciava o dorso do unicórnio,
depois enfiava a mão dentro de sua crina. Quando a garota fez esse gesto, o
chifre de osso tocou sua cabeça e os olhos dela se fecharam. Em seguida seu
corpo inteiro começou a tremer.
— Mallory! — disse Jared.
Sob as pálpebras fechadas, os olhos de Mallory reviravam, como se
ela estivesse sonhando. Depois ela caiu de joelhos.
Jared correu para agarrá-la. Simon veio logo depois. Quando Jared
tocou Mallory, penetrou em sua visão.
Tudo era silêncio.
Nódulos de arbusto de amoras-pretas. Homens a cavalo. Cães esbeltos
de línguas vermelhas. Um brilho alvo, e um unicórnio surge na clareira, as
pernas já sujas de lama. Flechas voam, cra-vando-se na carne branca. 0
unicórnio grita e cai dobre uma mon-tanha de folhas. Dentes de cães
arrebentam-lhe o couro. Um ho-mem com uma faca arranca o chifre de sua testa
enquanto o unicór-nio ainda se move.
As imagens vinham cada vez mais rapidamente,
mais desconexas.
Uma garota com um vestido desbotado, perseguida por caça-dores, atrai
o unicórnio para si. Uma flecha perdida a lança contra o solo. Ela cai, o
pálido braço sobre o pálido flanco. Ambos ficam imóveis. Então, centenas de
chifres sangrentos, no formato de cáli-ces, esmagados em poções mágicas e pós
encantados. Retalhos de couro branco manchado de sangue, amontoados numa pilha
repleta de moscas.
Jared libertou-se do sonho, com o estômago embrulhado. Para sua
surpresa, Mallory chorava, as lágrimas escureciam a pelagem alva do unicórnio.
Simon colocou a mão no dorso da criatura, timidamente.
O unicórnio levantou a cabeça, farejou os cabelos de Mallory.
— Ele realmente gosta de você — disse Simon. Ele parecia um pouco
aborrecido. Os animais geralmente o preferiam.
Mallory deu de ombros.
— Sou uma garota.
— Nós sabemos o que foi que você viu — disse o elfo de chifre-folha.
— Entreguem-nos o Guia. Ele pre-cisa ser destruído.
— E quanto aos goblins? — perguntou Jared.
— O que há com eles? Os goblins amam o mundo de vocês — disse
Lorengorm. — Suas máquinas e venenos são um paraíso para a espécie deles.
— Vocês pareciam muito tranquilos quando os usaram para tentar tirar
o livro de nós — disse Jared.
— Nós? — perguntou a elfa arregalando os olhos verdes e abrindo a
boca. — Vocês acham que enviaría-mos esses mensageiros? É Mulgarath quem os
comanda.
— Quem é Mulgarath? — Mallory levantou-se, a mão ainda acariciando o
unicórnio, distraidamente.
— Um ogro — disse Lorengorm. — Ele vem reunindo goblins à sua volta
e fazendo pactos com os anões. Nós achamos que ele quer o Guia de Artur
Spiderwick para si.
— Por quê? — perguntou Jared. — Vocês já não
sabem tudo o que ele contém?
Os elfos trocaram olhares, inquietos. Finalmente, o elfo de
chifre-folha falou:
— Nós fazemos arte. Não sentimos necessidade de cortar as coisas ao
meio para ver do que são feitas. Aqui-lo que Artur Spiderwick fez nenhum de nós
jamais faria.
A elfa de olhos verdes colocou uma mão no ombro do outro elfo.
— Ele quer dizer que podem existir coisas naquele Guia que
desconhecemos.
Jared parou um pouco para pensar.
— Então vocês não estão realmente preocupados com a possibilidade dos
seres humanos pegarem o Guia de campo de Artur. Vocês não querem é que o
Mulgarath o tenha!
— O livro é perigoso nas mãos de qualquer um — disse a elfa de olhos
verdes. — Muitas informações foram registradas nele. Entregue-nos o livro. Ele
será destruído e vocês serão recompensados.
Jared levantou a mão.
— Nós não estamos com o Guia — disse ele. — Mesmo que quiséssemos
entregá-lo a vocês, não poderíamos.
O elfo de chifre-folha balançou a cabeça e bateu a bengala no chão.
— É mentira!
— Nós não estamos com o Guia — disse Mallory. —
Verdade.
Lorengorm ergueu uma única sobrancelha avermelhada.
— Então, onde é que ele está?
— Nós achamos que o gnomo da nossa casa está com ele — acrescentou
Simon. — Mas não temos certeza.
— Vocês o perderam? — disse a elfa de olhos verdes, boquiaberta.
— É provável que ele esteja com o Tibério — disse Jared, em voz
baixa.
— Nós tentamos ser razoáveis — disse o elfo de chifre-folha. — Os
humanos não têm palavra.
— Não têm palavra? — repetiu Jared. — Como podemos saber se dá para
confiar em vocês? — Ele arrancou o mapa de Simon e o ergueu para que os
elfos pu-dessem vê-lo. — Nós encontramos isto. Era de Artur. Parece que ele
veio até aqui e eu imagino que os conheceu. Quero saber o que foi que fizeram com ele.
— Nós conversamos com Artur — disse o elfo de chifre-folha. — Ele
pensou que podia nos enganar. Ele jurou que destruiria o Guia e saiu de nossa
reunião com uma sacola cheia de papel queimado e cinzas. Mas ele mentiu. Ele
tinha queimado outro livro. O Guia continuou ileso.
— Nós honramos nossa palavra — disse a elfa de olhos verdes. — Embora
seja difícil, nós cumprimos nossas promessas. Não gostamos de quem nos engana.
— O que foi que vocês fizeram? — perguntou Jared.
— Nós o impedimos de cometer mais erros no fu-turo — disse a elfa.
— Agora apareceram vocês — disse o elfo de chifre-folha. — E vocês
nos trarão o Guia.
Lorengorm balançou a mão e raízes brancas saíram da terra. Jared
gritou, mas sua voz se perdeu no ruído de galhos quebrando e folhas se movendo.
As árvores desentrelaçaram os galhos e seus troncos voltaram
à sua forma natural. Mas as raízes sujas, felpudas, enroscaram-se nas pernas de
Jared e o aprisionaram.
— Tragam-nos o Guia ou seu irmão ficará preso para sempre em nosso
mundo encantado — disse o elfo de chifre-folha.
Jared não duvidou
da palavra dele.
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