Epílogo – Em que a história dos irmãos Grace chega ao final

Jared sentou-se sobre o assoalho brilhante da biblioteca de Artur, que tinha acabado de passar por uma faxina, e encostou-se na perna de tia Lúcia. Mallory ajoelhou-se ao lado dele, arrumando pilhas de cartas escritas em idiomas que nenhum deles falava. Simon folheava um livro antigo, com fotografias cor de sépia, enquanto a mãe deles os servia de chá. Tudo isso seria uma cena normal se o Gritalhão não estivesse sentado sobre um banquinho ao lado, jogando xadrez com o Tibério, de cara irritada, com uma atadura na cabeça.
Lucinda segurou a pintura de uma garotinha que estava na escrivaninha de Artur.
— Não acredito. Durante esse tempo todo, tanta coisa que eu desconhecia.
Três semanas tinham se passado desde a derrota de Mulgarath e Jared finalmente começava a pensar que todos ficariam bem. Os goblins tinham se dispersado em grupos desunidos entre si. Byron já tinha partido quando deixaram o palácio e parecia ter devorado o último filhote de dragão. Jared, Simon, Mallory e a mãe deles caminharam juntos de volta a casa. Era um longo caminho e eles estavam tão cansados que, assim que chegaram em casa, adormeceram entre as pilhas de penas e panos sobre as camas desarrumadas, sem reclamar. Estava escuro quando Jared finalmente despertou e reparou em Tibério enrolado sobre um travesseiro ao lado dele e o gatinho marrom de Simon aninhado ao lado do pequeno gnomo. Jared sorriu, respirou fundo e tossiu por causa das penas.
Lá embaixo, encontrou a mãe limpando a cozinha. Quando Jared entrou, ela o abraçou forte.
— Desculpe — disse ela.
Mesmo que Jared se sentisse feito um bebê, ele ficou muito tempo abraçado nela. 
Mais tarde, na mesma semana, a mãe deles tomou as providências necessárias para que Lucinda deixasse o sanatório e viesse ficar com eles. Jared estava espantado ao encontrar sua tia-avó, com o cabelo arrumado, de roupa nova, sentada na sala, quando ele chegou da escola. Após a morte de Mulgarath, sua magia deve ter se dispersado juntamente com o ogro, e, embora Lucinda agora precisasse andar de bengala, suas costas estavam perfeitas.
A sra. Grace não foi tão milagrosa na hora de resolver os problemas escolares de Jared: ele fora expulso. Sua mãe o matriculou, juntamente com Simon, numa escola nos arredores. Ela alegava que esse estabelecimento tinha um ensino de artes e ciências excelente. Mallory decidiu ficar na antiga escola. Só lhe restava um ano para concluir o ensino médio e ela gostava do time de esgrima.
De sua parte, Jared trancou o Guia de Artur no baú de metal, novamente. Mas, mesmo depois de tudo o que acontecera, ele não sabia direito o que pensar. Será que aquelas criaturas ainda continuavam atrás deles? Será que o ogro tinha sido a pior parte — ou o pior até aquele momento?
Uma brisa entrou no escritório, espalhando os papéis e tirando Jared de seus pensamentos. Simon deu um pulo, tentando apanhar as cartas.
— Você deixou a janela aberta? — perguntou a mãe deles à Lucinda.
— Eu não me lembro de ter feito isso — respondeu a tia-avó.
— Vou fechá-la — disse Mallory, caminhando em direção à janela.
Nisso, uma única folha entrou voando. Ela dançava no ar, rodopiando, até cair bem diante de Jared. A folha era verde amarelada e Jared pensou que caíra de um bordo. O nome de Jared estava escrito na folha com uma letra delicada. Ele virou a folha e leu do outro lado.
— A folha não diz onde devemos encontrá-los — disse Mallory, lendo o bilhete por cima dos ombros do irmão.
— Acho que é na floresta — disse Jared.
— Você não vai, não é? — perguntou Simon.
— Vou sim — disse Jared. — Eu prometi. Preciso entregar-lhes o Guia de Artur. Não quero que nada disso aconteça outra vez.
— Então nós iremos com você — disse Simon.
— Eu vou também — disse a mãe deles.
Os três irmãos olharam para ela surpresos, depois uns para os outros.
— Não se esqueçam de mim, folgadinhos — disse o Gritalhão.
— Não se esqueçam de nós — corrigiu Tibério.
Tia Lúcia apanhou a bengala.
— Espero que não tenha que andar muito, não é mesmo?
Naquela noite, eles deixaram a casa carregando lanternas e o Guia de Campo. Era estranho sair à procura de seres fantásticos com sua mãe ao lado e Simon ajudando tia Lúcia a caminhar. Subiram a colina e depois, cuidadosamente, desceram pelo outro lado.
Jared pensou ter ouvido um sussurro que dizia “Quem sabe, sabe”, mas podia ter sido só uma lembrança ou o barulho do vento.
A floresta estava iluminada por dúzias de ninfas, rodopiando no ar, brilhando como se fossem enormes vagalumes, espalhavam-se entre os galhos das árvores e sobre a grama. Elfos sentados no chão — em número muito maior do que os meninos tinham visto da primeira vez — trajavam roupas cora as cores escuras do outono como se quisessem camuflar-se na floresta.
Os elfos ficaram quietos quando o pequeno grupo de humanos entrou no centro da clareira. Ali, de pé entre os que estavam sentados, estava a elfa de olhos verdes, com uma expressão insondável no rosto. Ao lado dela, o elfo de orelhas de folha, sério, e o ruivo Lorengorm, que lhes sorria.
Pensando em Tibério, Jared os cumprimentou, desajeitado. Os outros seguiram seu exemplo.
— Nós lhes trouxemos o livro — disse Jared, entregando-o à elfa de olhos verdes. 
Ela sorriu.
— Muito bem. Precisamos cumprir nossa promessa. Caso vocês não tivessem cumprido a sua, manteríamos Simon conosco por muito tempo.
Simon estremeceu e aproximou-se de Mallory. Jared arrepiou-se.
— Mas já que tiveram palavra — prosseguiu ela — deixaremos o livro com vocês para que o mantenham em segurança.
— O quê? — perguntou Mallory. Jared estava espantado.
— Vocês provaram que os humanos podem usar o conhecimento que ele contém para o bem. Portanto, o Guia ficará com vocês.
Lorengorm deu um passo adiante.
— Também desejamos demonstrar-lhes nossa gratidão por terem devolvido a paz à nossa terra. Por isso nós lhes daremos uma bênção.
— Bênção? — Gritalhão estufou o peito. — E eu ganho o quê? Como é que esses molequinhos recebem uma recompensa enquanto fui eu quem derrotou Mulgarath?
Vários elfos começaram a rir, e Tibério lançou um olhar grave ao Gritalhão.
— Parece que ele não nos acompanhou só para nos dar apoio — disse Mallory.
— Então, pequeno trasgo, o que você gostaria de receber? — perguntou a elfa de olhos verdes.
— Bem — disse o Gritalhão, colocando o dedo na boca enquanto pensava. — Eu gostaria de ganhar uma medalha, é claro. Uma medalha de ouro com a seguinte inscrição “o grande caçador de ogros”. Não, espere, que tal algo como “o supremo exterminador de monstros”? Ou...
— E só isso? — perguntou Lorengorm.
— Eu colocaria assim: “o supremo cabeça de besouro” — sussurrou Simon para Jared.
— Eu acho que mudei de ideia — disse o trasgo. — Quero uma festa em minha homenagem para comemorar a vitória. E quero comer ovos de codorna, que eu adoro, torta de pombo assado e churrasco de...
— Levaremos seu pedido em consideração — disse a elfa de olhos verdes, mal ocultando o sorriso com a mão delicada. — Mas agora preciso perguntar aos meninos o que desejam receber.
Jared olhou para os irmãos. Primeiro, eles ficaram pensativos, e depois sorrisos começaram a surgir. Jared olhou para a mãe, que ainda parecia muito confusa, e para a tia-avó, cujo rosto estava cheio de esperança.
— Gostaríamos que nosso tataratio Artur Spiderwick pudesse escolher entre permanecer ou não no reino dos seres fantásticos.
— Vejam — disse Lorengorm —, se ele optar por voltar ao mundo mortal, assim que seu pé tocar a terra, ele será transformado em cinzas.
Jared fez que sim com a cabeça.
— Compreendo.
— Nós havíamos adivinhado seu pedido — disse a elfa de olhos verdes. Ela moveu as mãos e as árvores se abriram para que Byron aparecesse. Ele carregava Artur Spiderwick nas costas.
Jared ouviu quando os outros suspiraram atrás dele. Artur sorriu para Jared rapidamente e dessa vez Jared reparou que os olhos dele se pareciam com os de Lucinda, doces e inteligentes. Artur parecia desajeitado no dorso do grifo e o acariciava com um ar de espanto. Depois, ele olhou para Mallory e Simon, ajustando os óculos.
— Vocês são meus sobrinhos distantes, não é mesmo? — disse ele suavemente. — Jared não me disse que tinha irmãos.
Jared fez que sim com a cabeça. Ele ficava imaginando se encontraria um modo de desculpar-se pelas coisas que dissera antes. Preocupava-se com o que Artur pensava a seu respeito.
— Sou Simon — disse Simon. — Esta é a Mallory e esta é nossa mãe. — Simon olhou para Lucinda e hesitou.
— Prazer em conhecê-los — disse Artur. — Vocês três na certa têm a curiosidade no sangue, como eu. Pode ser que um dia vocês se arrependam disso. — Ele balançou a cabeça, tristemente. — Parece que eu os coloquei em perigo. Felizmente, vocês três parecem bem mais capazes de livrar-se de confusão do que eu. — Sorriu novamente, e dessa vez seu sorriso não era provocador. Era um sorriso largo que o deixava muito diferente do homem no retrato.
— Também gostamos de encontrá-lo — disse Jared. — Queremos devolver-lhe o livro.
— Meu Guia de Campo! — disse Artur. Ele o tirou das mãos de Jared e começou a folheá-lo. — Veja isso... Quem fez esses esboços?
— Fui eu — disse Jared, a voz quase um sussurro. — Eu sei que não estão muito bons.
— Bobagem! — disse Artur. — Este trabalho está excelente. Vejo que você será um grande artista, um dia.
— É mesmo? — disse Jared.
Artur fez que sim com a cabeça.
— De verdade.
Tibério caminhou até os sapatos de Artur.
— Bom ver você, meu velho amigo, mas preciso reparar algumas coisas. Esta é a Lucinda, que você conhece. Mas ela está diferente agora.
Artur perdeu o fôlego quando finalmente a reconheceu. Ela deve lhe parecer muito velha, pensou Jared. Ele tentou visualizar sua mãe enquanto jovem ou uma versão mais adulta de si mesmo, mas era difícil e triste demais.
Lucinda sorriu, e lágrimas escorreram em seu rosto.
— Papai! — disse ela. — O senhor está idêntico!
Artur fez como se fosse desmontar.
— Não! — disse Lucinda. — O senhor se transformará em pó. — Apoiando-se em sua bengala, ela aproximou-se o mais perto possível.
— Desculpe por toda tristeza que trouxe a você e a sua mãe — disse ele. — Desculpe-me por ter tentado enganar os elfos. Eu jamais deveria ter corrido esse risco. Eu sempre amei você, Lúcia. Eu sempre quis voltar para casa.
— O senhor está em casa agora — disse Lucinda.
Artur fez que não com a cabeça.
— Foi a magia élfica que me manteve vivo por tanto tempo. Passei de minha idade natural. Chegou a hora de partir, mas depois de vê-la, Lúcia, quero partir sem tristeza.
— Eu acabo de reencontrá-lo — disse ela. — O senhor não pode morrer agora.
Artur inclinou-se para falar com ela — com doçura, disse coisas que Jared não conseguia ouvir —, antes de desmontar do grifo e abraçá-la. Assim que os pés de Artur tocaram o solo, seu corpo virou pó e depois fumaça. A fumaça rodopiou a tia-avó de Jared, subiu pelos céus e desapareceu.
Jared voltou-se para tia Lúcia, esperando vê-la em prantos, mas os olhos dela estavam secos. Ela olhou para as estrelas e sorriu. Jared apertou-lhe a mão.
— Está na hora de voltar para casa — disse tia Lúcia.
Jared concordou. Pensou em tudo que acontecera, todas as coisas que vira e, repentinamente, percebeu quantos desenhos ainda teria que fazer. Afinal, isso era só o começo.

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