Capítulo 21 - June

Estou sonhando de novo. Tenho certeza disso porque Metias está aqui, e sei que ele está morto. Desta vez estou pronta, e controlo minhas emoções com rédea curta. Metias e eu estamos caminhando nas ruas de Pierra. A nossa volta, soldados da República correm em torno de entulhos e explosões, mas, para nós dois, tudo está tranqüilo e vagaroso, como se estivéssemos assistindo a um filme em câmera lenta.
Nuvens de poeira e fragmentos de granadas ricocheteiam e nos atingem sem causar nenhum mal. Sinto-me invencível, ou invisível. Um ou outro, talvez ambos.
- Alguma coisa não está certa - digo ao meu irmão. Meus olhos visualizam os telhados e depois voltam a observar as ruas caóticas. Onde está Anden?
Metias franze a testa e me examina, atento. Ele caminha com as mãos atrás das costas, elegante como deve ser todo capitão; as borlas douradas do seu uniforme refinem suavemente quando ele anda.
- Posso ver que algo a incomoda - ele comenta, coçando o queixo com a barba malfeita. Ao contrário de Thomas, Metias sempre havia sido meio desleixado quanto aos cuidados com a aparência. - Qual é o problema?
- Este lugar - respondo, apontando para o ambiente que nos rodeia. - Tudo isso. Alguma coisa não se encaixa.
Metias sobe numa pilha de entulhos de concreto e pergunta:
- O que não se encaixa?
- Ele. - Aponto para o telhado. Por alguma razão, Razor está lá em cima, em plena vista, observando tudo que acontece. Seus braços estão cruzados. - Tem alguma coisa errada com ele.
- Vamos, Joaninha, seja mais clara - diz Metias.
Uso os dedos para listar algumas coisas.
- Quando entrei no jipe que vinha atrás daquele em que o Primeiro Eleitor estava, as instruções dos motoristas eram claras. O Eleitor mandou que me levassem ao hospital.
- E então?
- E então Razor ordenou aos motoristas que se dirigissem pela rota do assassinato. Ele ignorou completamente a ordem de Anden. Ele deve ter dito a Anden que eu tinha insistido para seguir aquela rota. Só assim Anden concordaria com a mudança de trajeto.
Metias dá de ombros.
- Mas o que isso quer dizer? Que Razor simplesmente queria que o assassinato acontecesse de qualquer jeito?
- Não. Se o assassinato fosse levado a cabo, todo mundo saberia quem ignorou a ordem do Eleitor. Todo mundo saberia que foi Razor que ordenou que os jipes seguissem outro caminho. - Agarro o braço de Metias e continuo: - A República saberia que Razor tentou matar Anden.
Metias aperta os lábios.
- Por que Razor se entregaria dessa maneira? O que foi estranho?
Viro as costas para o caos em câmera lenta nas ruas.
- Bem, já no começo, ele conseguia levar os Patriotas para seu quartel em Vegas com uma facilidade impressionante. Ele colocou os Patriotas dentro daquele dirigível como se não fosse nada. Parece que ele tem uma habilidade sobre-humana para se esconder.
- Talvez ele tenha mesmo - diz Metias. - Afinal de contas, as Colônias o estão financiando, não é mesmo?
- E verdade - frustrada, passo uma das mãos no cabelo. Nesse estado de sonho, meus dedos estão entorpecidos, e não sinto os fios sob a pele.
- Não faz sentido. Eles deviam ter cancelado o ataque. Razor não teria dado continuidade ao plano de jeito nenhum depois que eu o estraguei.
Eles teriam voltado aos quartéis, repensado a situação, e depois feito outra tentativa, dali a um ou dois meses. Por que Razor colocaria sua posição em risco, se o assassinato corria o perigo de fracassar?
Metias observa um soldado da República passar correndo por nós. O soldado levanta a cabeça para Razor, que está no telhado, e lhe presta continência.
- Se as Colônias estão apoiando os Patriotas - diz meu irmão – e sabem quem é o Day, vocês dois não deveriam ter sido levados diretamente para quem estivesse no comando?
Encolho os ombros. Lembro o curto período que passei com Anden, com suas novas leis radicais, sua nova maneira de pensar. E lembro também sua tensão com o Congresso e os senadores.
E foi aí que o sonho se interrompeu. Meus olhos se abrem de repente. Já sei por que Razor me incomoda tanto.
As Colônias não estão financiando Razor - na verdade, as Colônias nem imaginam o que os Patriotas estão planejando. Essa é a razão pela qual Razor foi adiante com o plano; é claro que ele não temia que a República descobrisse que ele trabalhava para os Patriotas.
A República havia contratado Razor para assassinar Anden.

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