Capítulo 4 - Day
A
médica aparece numa agitação silenciosa pouco depois da meia-noite.
Ela
me prepara para a cirurgia. Razor arrasta uma mesa da sala de estar até um dos
quartos menores, onde caixas de provisões - alimentos, pregos, prendedores de
papel, cantis, pode escolher, aqui tem de tudo - estão empilhadas nos cantos.
Ela e Kaede colocam uma espessa folha plástica debaixo da mesa.
Eles
me prendem à mesa, com vários cintos. A médica prepara cuidadosamente seus
instrumentos de metal. Minha perna está à mostra e sangra. June fica ao meu
lado enquanto elas fazem isso tudo, observando a médica como se sua supervisão,
por si só, fosse garantir que ela não cometeria erros. Espero impaciente. Cada
momento que passa, leva-nos mais perto de encontrar Éden. As palavras de Razor
me animam toda vez que penso nelas. Eu me pergunto se não deveria ter me unido
aos Patriotas anos atrás.
Tess
se movimenta eficientemente na sala, como assistente da médica, vestindo luvas
depois de lavar bem as mãos, entregando-lhe instrumentos, observando todo o
processo intensamente, quando não tem mais nada que ela possa fazer. Ela
consegue evitar June. Deduzo, pela expressão de Tess, que ela está uma pilha de
nervos, mas ela não diz nada. Nós dois conversamos muito à vontade durante o
jantar, quando ela se sentou no sofá ao meu lado, mas alguma coisa mudou entre
nós, não sei bem o quê. Se fosse outra pessoa, acharia que Tess estava dando em
cima de mim, mas a idéia é tão absurda, que logo descarto essa possibilidade.
Logo Tess, que é praticamente minha irmã, a orfãzinha do setor Nima?
Só
que ela não é mais
apenas uma orfãzinha. Percebo sinais evidentes de maturidade no seu rosto:
menos gordura infantil, malares proeminentes, olhos que não são mais tão
grandes quanto eu lembrava. Pergunto-me por que não reparei antes nesses
indícios. Bastaram algumas semanas de separação para eles se tornarem óbvios.
Eu devo ser cego feito uma toupeira...
—
Respire — diz June, ao meu lado. Ela inala bastante ar, para me demonstrar como
se faz.
Paro
de martelar a cabeça por causa da Tess e me dou conta de que estou prendendo a
respiração.
—
Você sabe se vai demorar muito?
June
me dá um tapinha na mão para acalmar a tensão que deixo escapar na minha voz, e
sinto uma ponta de remorso. Se não fosse por mim, ela estaria a caminho das
Colônias neste instante.
—
Algumas horas.
June
se cala e observa quando Razor chama a médica num canto. O dinheiro troca de
mãos e depois eles se cumprimentam. Tess ajuda a médica a colocar a máscara, e
depois faz um gesto com os polegares para cima.
June
volta a olhar para mim.
—
Por que você não me disse que conhecia o Anden? — sussurro. — Você sempre falou
dele como se fosse um completo desconhecido.
—
Ele é um completo desconhecido — replica June. Ela hesita um pouco, como se
estivesse medindo suas palavras. — Só o vi uma vez. Não vi motivo para te
contar isso. Eu não o conheço, e não sinto nada especial por ele.
Penso
em nosso beijo no banheiro. Depois imagino o retrato do novo Eleitor, e uma
June mais velha de pé a seu lado, como a futura Primeira Cidadã do Senado. De
braço dado com o homem mais rico da República. E quem sou eu, um vigarista sujo
das ruas, com duas Notas no bolso, para pensar que vou ter alguma coisa mais
séria com essa garota só porque passei algumas semanas com ela?
Além
do mais, será que já esqueci que June vem de uma família da elite, e que
confraternizava com gente como o jovem Eleitor em festas e banquetes
requintados, enquanto eu vasculhava comida nos latões de lixo de Lake? E essa é
a primeira vez que
imagino a princesa com um homem da classe A? Estou me sentindo um idiota por
ter dito que a amava, como se ela fosse uma garota comum das ruas e pudesse
retribuir meu amor.
Ela não disse que também me amava.
Por
que estou perdendo tempo com isso? Não deveria doer tanto. Ou deveria? Será que
não tenho coisas mais importantes com que me preocupar?
A
médica vem até mim. June aperta minha mão, e eu reluto em deixá-la ir. Ela vem mesmo de um
mundo diferente do meu, mas desistiu de tudo por minha causa. Às vezes, é como
se não me desse conta do quanto isso é especial, e então me pergunto como ouso
duvidar dela, sempre disposta a se arriscar por minha causa. Ela poderia
facilmente me deixar para trás, mas não faz isso. "Eu escolhi isso" foi o
que ela disse.
—
Obrigado — é tudo que consigo dizer a ela.
June
olha bem para mim, e me beija levemente nos lábios.
—
Tudo vai acabar rapidinho, e então você vai poder voltar a escalar todos os
edifícios e todas as paredes que quiser.
Ela
permanece no quarto mais um instante, depois se levanta, cumprimenta a médica e
Tess com a cabeça, e vai embora.
Fecho
os olhos e respiro fundo, trêmulo, quando a médica se aproxima. Deste ângulo,
não consigo ver Tess. Bem, seja lá o que for esta operação, não pode ser pior
do que levar um tiro na perna, certo?
A
Médica tampa minha boca com um pano úmido, e começo a vagar por um túnel
comprido e escuro.
***
Faíscas.
Lembranças de um lugar distante.
Estou
sentado com John à nossa mesa da pequena sala de estar, ambos iluminados pela
luz bruxuleante de três velas. Tenho nove anos e ele, catorze. A mesa está tão
capenga quanto sempre - uma das pernas está apodrecendo, e a cada dois meses
mais ou menos, tentamos estender sua vida útil pregando nela mais placas de
papelão. Há um livro grosso aberto na frente de John. Suas sobrancelhas estão
franzidas, num sinal de concentração. Ele lê mais uma linha, tropeça em duas
das palavras, e depois pacientemente vai adiante para as próximas.
—
Você tá cansado — digo. — É melhor ir para a cama. Mamãe vai se zangar se pegar
você acordado.
—
Vamos terminar esta página — murmura John, sem prestar muita atenção. — Você
quer ir dormir?
Isso
me faz sentar mais ereto.
—
Não estou cansado — afirmo.
Nós
dois nos curvamos sobre as páginas de novo, e John lê em voz alta a linha
seguinte.
—
"Em Denver" — ele diz devagar — "depois do... término... do muro
ao Norte, o Primeiro Eleitor... oficialmente... oficialmente..."
— "decretou" — digo, para ajudá-lo.
—
"decretou... um crime..." — John para alguns segundos, depois sacode
a cabeça e suspira.
—
"contra" — continuo.
John
olha estranho para a página:
—
Tem certeza? Não pode ser a palavra certa. Mas, tudo bem. "Contra. Contra
o estado entrar na..." John para de ler, encosta-se à cadeira e esfrega os
olhos. — Você tem razão, Danny. É melhor eu ir dormir.
—
Qual é o problema?
—
As letras estão borradas na página — John suspira e passa o dedo no livro. —
Estão me deixando tonto.
—
Chega. Vamos parar depois desta linha. — Aponto para a linha onde ele havia
parado, e então encontro a palavra que o estava atrapalhando. —
"Capital". "É um crime contra o Estado entrar na capital sem
antes obter liberação militar oficial."
John
sorri quando eu leio a frase para ele sem vacilar.
—
Você vai se dar muito bem na sua Prova — ele diz, quando termino. — Você e
Éden. Se eu passei por um triz, tenho certeza de que você vai
passar com louvor. Você tem uma boa cabeça, garoto.
Não
ligo muito para o elogio dele.
—
Não ligo para escola.
—
Mas deveria. Pelo menos vai ter a oportunidade de ir para a escola. E se você
se der bem, a República pode até te mandar para uma faculdade e te colocar nas
forças armadas. Isso pode ser muito legal, né?
De
repente ouvimos baterem na nossa porta da frente. Dou um pulo na cadeira. John
me empurra para trás dele, e pergunta em voz alta:
—
Quem é?
Continuam
a bater com força, e tampo os ouvidos para tentar diminuir o barulho. Mamãe
chega à sala de visitas, segurando um sonolento Éden nos braços, e nos pergunta
o que está acontecendo. John dá um passo à frente para abrir a porta, mas antes
que possa fazê-lo, a porta se escancara e uma patrulha de policiais municipais
armados entra sem pedir licença. À frente deles está uma moça com um comprido
rabo de cavalo negro, e um brilho dourado nos olhos, também negros. Seu nome é
June.
—
Você está preso — ela diz — pelo assassinato de nosso glorioso Eleitor.
Ela
ergue a arma e atira em John. E depois na mamãe. Grito o mais alto que posso, e
com tanta força, que minhas cordas vocais estalam. Tudo fica escuro.
Um
choque de dor percorre meu corpo. Volto a ter dez anos, e estou no laboratório
do Hospital Central de Los Angeles, preso ao lado de um monte de crianças,
todas acorrentadas em maças metálicas e ofuscadas por luzes fluorescentes.
Doutores com máscaras rondam ao meu redor. Aperto os olhos para vê-los. Por que querem que eu fique
acordado? As luzes são muito fortes; me sinto...
lerdo, minha mente me arrasta num mar de névoa.
Vejo
os bisturis nas mãos deles. O murmurar dos presentes forma uma confusa massa
sonora. Sinto então uma coisa fria e metálica no joelho, e percebo que arqueio
as costas e tento dar um grito agudo, mas não sai nenhum som da minha boca.
Quero dizer a eles que parem de cortar meu joelho, mas então alguma coisa
perfura minha nuca e a dor faz meus pensamentos desaparecerem. Minha visão se
foca numa luz branca cegante.
Depois,
abro os olhos e estou deitado num porão escuro e abafado. Estou vivo por um
milagre. A dor no meu joelho me dá vontade de chorar, mas sei que preciso ficar
calado. Vejo sombras escuras ao meu redor, a maioria delas imóvel no chão,
enquanto adultos usando jalecos de laboratório andam para lá e para cá,
inspecionando os volumes no piso. Espero em silêncio, com os olhos quase fechados,
com apenas minúsculas fendas abertas, até que as pessoas que estão andando saem
do local. Então consigo ficar de pé, e rasgo o tecido de uma calça para amarrar
no meu joelho que sangra. Tropeço no escuro e tateio as paredes até encontrar
uma porta que dá para fora, e depois me arrasto até um beco nos fundos. Vou até
a claridade, e desta vez June está lá, serena e destemida, estendendo a mão
fria para me ajudar.
—
Venha — ela sussurra, abraçando minha cintura. Eu a mantenho bem junto de mim. —
Estamos juntos nessa, não estamos? Você e eu?
Caminhamos
até a rua e deixamos o laboratório do hospital para trás. Todas as pessoas na
rua têm os cachos de Éden, louros como trigo; cada uma exibe uma faixa
escarlate de sangue nos fios do cabelo. Toda porta por que passamos tem um
grande X vermelho pintado com spray, com urna linha no centro. Isso quer dizer
que todos lá dentro estão infectados pela praga.
Uma
praga mutante.
Vagamos
pelas ruas por um tempo que parece dias, através de um ar tão espesso quanto
pegajoso. Procuro a casa da minha mãe. Ao longe, à distância, consigo ver as
cidades cintilantes das Colônias acenando para mim, numa promessa de um mundo
melhor e de uma vida melhor. Vou levar John, mamãe e Éden para lá, onde
ficaremos por fim livres das garras da República.
Finalmente,
chegamos à porta da casa da minha mãe, mas, quando a abro com um empurrão, a
sala de visitas está vazia. Minha mãe não está lá. Nem John. Os soldados atiraram nele, lembro
de repente. Olho de relance para o lado, mas June desapareceu, e estou sozinho
no vão da porta. Só sobrou o Éden, que está deitado na cama. Quando me aproximo
o bastante para que me ouça chegar, ele abre os olhos e estende as mãos para
mim.
Mas
seus olhos não estão azuis: estão negros, porque as íris estão sangrando.
***
Volto
a mim devagar, muito devagar, saindo da escuridão.
Minha
nuca lateja da mesma forma que acontece quando estou me recuperando de uma das
minhas dores de cabeça. Sei que estava sonhando, mas tudo de que me lembro é de
uma sensação prolongada de horror, de alguma coisa terrível me espreitando
atrás de uma porta trancada. Um travesseiro está debaixo da minha cabeça. Um
tubo me dá cutucadas no braço e percorre a extensão do piso. Tudo está fora de
foco. Luto para clarear minha visão, mas tudo que consigo ver é a beira de uma
cama e um tapete no chão, e uma garota sentada lá, com a cabeça apoiada na
cama. Pelo menos, acho que é uma garota. Por um instante pensei
que pudesse ser o Éden, que de alguma forma os Patriotas conseguiram resgatá-lo
e trazê-lo até aqui.
O
vulto se mexe. Agora vejo que é Tess.
—
Olá! — murmuro. A palavra sai meio embolada. — Que está acontecendo? Onde está
June?
Tess
agarra minha mão e se levanta, tropeçando nas palavras ao responder com pressa.
—
Você está acordado! Você... Como está se sentindo?
—
Lerdo.
Tento
tocar o rosto dela. Ainda não estou totalmente convencido de que ela é real.
Tess
olha atrás da porta do quarto, para certificar-se de que não há ninguém lá. Ela
ergue um dedo aos lábios e diz baixinho:
—
Você não vai se sentir lerdo por muito tempo. A médica ficou muito satisfeita
com o resultado da operação. Rapidinho você vai estar melhor e vamos poder ir
até a frente de batalha para matar o Primeiro Eleitor.
É
chocante ouvir a palavra matar soar tão harmoniosa saindo da boca de
Tess. Então, um instante depois, me dou conta de que minha perna não está
doendo nada! Tento me aprumar para ver, e Tess empurra os travesseiros atrás das
minhas costas, para que eu possa sentar. Olho de relance para minha perna,
quase com medo do que vou ver.
Tess
se senta ao meu lado e desamarra as ataduras brancas que cobrem a área onde
estava o ferimento. Debaixo da gaze há placas lisas de metal, um joelho
mecânico onde ficava meu joelho lesionado, e lâminas metálicas que cobrem a
parte superior da coxa. Fico pasmo. As partes onde o metal se mistura à carne
da minha coxa e da panturrilha estão perfeitamente ajustadas, mas apenas
manchinhas vermelhas e inchaço delineiam as bordas. Sinto vertigens.
Os
dedos de Tess tamborilam, ansiosos, nos meus cobertores; ela morde o lábio
superior e pergunta:
—
E então? O que você está sentindo?
—
Eu não estou sentindo... nada. Não dói nada.
Passo
um dedo hesitante no metal frio, tentando me acostumar às partes estranhas
inseridas na minha perna e pergunto:
—
Foi ela que fez isto tudo sozinha? Quando vou poder andar de novo? O ferimento
já se curoutão depressa assim?
Tess
fica meio envaidecida e orgulhosa, e diz:
—
Eu ajudei a médica. Você não deve ficar se mexendo muito nas próximas doze
horas, para que as pomadas curativas funcionem.
Tess
dá uma gostosa gargalhada, o que faz seus olhos enrugarem de modo familiar.
—
Essa é uma operação normal para soldados feridos em combate. Muito legal, não
é? Com o tempo, você vai poder usar como uma perna normal, talvez até melhor. A
doutora a quem eu ajudei é muito famosa nos hospitais especializados em
cirurgias em combatentes, mas ela também faz cirurgias no mercado paralelo para
ganhar um dinheiro extra. Isso foi a maior sorte porque, enquanto ela estava
aqui, me mostrou também como recolocar o braço quebrado da Kaede no lugar, para
que ele fique bom mais depressa.
Eu
me pergunto quanto os Patriotas gastaram na minha cirurgia. Já vi soldados com
partes de metal, desde um quadrado metálico em partes superiores de braços, até
uma perna inteira substituída por metal. Não deve ser uma operação barata, e
dada a aparência da minha perna, a doutora usou unguentos curativos de padrão
militar. Já dá pra calcular a força que minha perna vai ter quando eu me
recuperar, e que vou poder me movimentar com muito mais rapidez. E encontrar
Éden em muito menos tempo.
—
É muito legal mesmo. É genial — estico um pouco o pescoço para focalizar a porta
do quarto, mas fico tonto. Minha cabeça lateja loucamente, e consigo escutar
vozes baixinhas na parte mais distante do corredor. — O que as pessoas estão
fazendo?
Tess
olha de relance sobre o ombro e me responde:
—
Estão falando sobre a primeira fase do plano. Não vou participar, por isso não
me chamaram para essa conversa.
Ela
me ajuda a deitar de novo. Segue-se uma pausa constrangedora. Ainda não me
acostumei com o visual diferente de Tess. Ela repara que a estou admirando e
sorri sem graça.
—
Quando tudo isto terminar, quero que você vá comigo para as Colônias, tudo bem?
Tess
sorri e alisa meus cobertores nervosamente com uma das mãos, enquanto continuo
a falar.
—
Se tudo sair de acordo com os planos dos Patriotas, e a República realmente
sucumbir, não quero a gente no olho do furacão, Éden, June, você e eu. Você
entende, não é, amiga?
A
demonstração de entusiasmo de Tess diminui; ela hesita e diz, olhando
furtivamente para a porta mais uma vez.
—
Não sei, Day.
—
Por quê? Está com medo dos Patriotas ou é outra coisa?
—
Não. Eles até que têm sido legais comigo até agora.
—
Então, por que você não quer vir? — pergunto tranquilamente. Estou começando a
me sentir fraco de novo, e é difícil impedir que as coisas fiquem confusas. —
Lá em Lake, nós sempre dissemos que fugiríamos juntos para as Colônias, se
tivéssemos a chance. Meu pai me disse que as Colônias devem ser um lugar cheio
de...
—
Liberdade e oportunidades, eu sei — Tess balança a cabeça. — Mas é só que...
—
O quê?
Uma
das mãos de Tess desliza e pega a minha mão. Eu vejo aquela garota novamente,
logo que a encontrei fuçando uma lixeira no setor Nima. Será esta a mesma
garota? Suas mãos já não são pequenas como eram, embora continuem a se ajustar
perfeitamente nas minhas. Ela me olha e diz:
—
Day, estou preocupada com você.
Pisco
os olhos, confuso.
—
Como assim? Por causa da cirurgia?
Tess
sacode a cabeça, impaciente.
—
Não. Estou preocupada com você por causa da June.
Respiro
fundo, esperando que ela continue, com medo do que vai falar. A voz de Tess muda,
fica esquisita, e eu não a reconheço:
—
Bem... Se a June viajar com você... Quer dizer, sei como você é ligado a ela,
mas faz apenas algumas semanas, ela era um soldado da República. Você não repara na expressão
dela de vez em quando? Como se sentisse falta da República, como se quisesse
voltar ou coisa parecida? E se ela tentar sabotar nosso plano, ou te delatar
enquanto a gente estiver tentando chegar às Colônias? Os Patriotas já estão
tomando precauções...
—
Pode ir parando por aí.
Fico
meio surpreso com a irritação da minha voz. Nunca falei rispidamente com Tess
antes, e lamento na mesma hora ter sido grosso. Percebo o ciúme de Tess em cada
palavra sua, na maneira em que ela cospe o nome da June, como se mal pudesse
esperar para acabar de pronunciá-lo.
—
Tem pouco tempo que esse monte de coisa ruim aconteceu com a gente. É claro que
ela vai ficar insegura às vezes. Qualquer um de nós ficaria. A June não é mais
leal à República. Além disso, estamos num lugar perigoso e viajar com ela não
piora as coisas para nós. Muito pelo contrário, June tem habilidades que nenhum
de nós tem. Ela me tirou de Batalla Hall, poxa! Sei que pode manter a gente em
segurança.
Tess
morde os lábios.
—
Bem, o que você acha do que os Patriotas estão planejando para ela? E o
relacionamento dela com o Eleitor?
—
Que relacionamento? — Levanto as mãos debilmente, tentando fingir que isso não
importa. — Tudo faz parte do jogo. Ela nem conhece o cara.
Tess
dá de ombros e insiste:
—
Mas rapidinho vai conhecer. Quando ela tiver de se aproximar o bastante para
manipular o sujeito. — Ela baixa os olhos de novo. — Eu vou com você, Day. Vou
a qualquer lugar com você, mas eu só quis chamar sua atenção sobre... ela. Caso
você não tenha pensado no assunto dessa maneira.
—
Tudo vai dar certo — consigo dizer. — Pode confiar em mim. — A tensão
finalmente passa. O rosto de Tess se atenua e volta à sua conhecida doçura, e
minha irritação desaparece tão depressa quanto havia surgido; digo, sorrindo
—
Você sempre cuidou de mim. Obrigado, amiga.
Tess
dá uma risada.
—
Alguém precisa fazer isso, não é? — Ela aponta as mangas enroladas do meu
uniforme. — Aliás, fico feliz que o uniforme tenha ficado bem em você. Pareceu
muito grande quando estava dobrado, mas acabou dando certo.
Sem
aviso, Tess se debruça e me dá um beijinho no rosto. Quase instantaneamente,
ela dá um pulo. Seu rosto está rosa. Tess já me beijou antes no rosto, quando
era mais novinha, mas esta é a primeira vez em que senti algo mais no seu
gesto. Tento descobrir como, em menos de um mês, ela deixou a infância para
trás, e se tornou adulta. Eu tusso, sem jeito. É um novo e estranho
relacionamento, o nosso.
Ela
então se levanta e puxa a mão. Olha para a porta, e não para mim, e diz:
—
Desculpa, você devia estar descansando. Mais tarde venho ver como você está.
Tente voltar a dormir.
Foi
aí que me dei conta de que deve ter sido a Tess que deixou nossos uniformes no
banheiro, e talvez tenha me visto beijar June. Tento raciocinar em meio à névoa
na minha cabeça, dizer alguma coisa antes que ela vá embora, porém ela já se
foi e desapareceu no corredor.
Sei la. Fiquei com raiva da Tess um pouquim. Deixa o Day amar a June em paz !!!!
ResponderExcluirTadinha da Tess, ela não tem culpa de ter se apaixonado por ele, afinal o Day é tudo de bom e super fofo, mas eu prefiro ele com a June <3
ResponderExcluirEntendo a Tess,cresceu com ele e tal,mas espero que NÃO a transformem em uma chata traiçoeiro pois, ADORO ela!
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