Capítulo 1 - Clayton e Thibault
O policial Keith Clayton não os ouviu se aproximar e de perto, suas
aparências eram ainda piores do que quando os vira pela primeira vez. Incluindo
o cachorro. Não era muito fã de pastor-alemão e aquele, embora permanecesse
tranquilo, fazia-o lembrar de Panther, o cão policial que era parceiro do
policial Kenny Moore em suas rondas e que estava sempre pronto para morder os
suspeitos na virilha ao primeiro comando. Achava Moore um idiota a maior parte
do tempo, mas. mesmo assim, ele era o mais próximo de um amigo que Clayton
tinha no departamento, e precisava admitir que Moore possuía um jeito especial
de contar suas histórias sobre as mordidas nas virilhas, histórias que faziam
Clayton morrer de rir. E com certeza Moore teria gostado da pequena festinha de
nudismo que Clayton havia acabado de interromper, depois de espiar duas alunas
no auge da sua juventude tomando sol à beira do riacho. Ele só estava lá por
alguns minutos e havia tirado apenas algumas fotografias quando viu uma terceira
garota surgir por detrás das hortênsias. Depois de esconder rapidamente a
câmera no meio dos arbustos, deu um passo adiante e, logo em seguida, estava
frente a frente com a estudante.
— Muito bem, o que está acontecendo por aqui? — perguntou de forma
a deixá-la na defensiva.
Não havia gostado de ter sido pego com a boca na botija, nem tinha
ficado satisfeito com a forma com que iniciou a conversa. Geralmente, conseguia
ter um tom mais delicado. Muito mais delicado. Ainda bem que a garota estava
envergonhada demais para perceber qualquer coisa e quase tropeçou ao tentar
recuar. Gaguejou uma tentativa de resposta enquanto tentava se cobrir com as
rnãos. Era como observar alguém jogar Twister com
o próprio corpo.
Ele não fez esforço algum para desviar o olhar. Em vez disso,
sorriu, fingindo nem notar o corpo nu dela. como se encontrasse mulheres nuas
no meio da mata o tempo todo. Agora tinha certeza absoluta de que ela nem
imaginava que ele estava tirando fotos.
— Acalme-se. O que esta acontecendo?
Ele sabia muito bem o que
estava acontecendo. Acontecia de vez em quando, em quase todo o verão,
principalmente em agosto: alunas da escola Chapel Hill ou da NC State vinham
para a praia em uma última tentativa de um fim de semana prolongado na ilha
Emerald, antes do início do período letivo no outono. Sempre desviavam por uma
velha estrada esburacada e seguiam por pouco mais de um quilômetro e meio ate o
parque nacional antes de chegar ao ponto em que o rio Swan fazia uma curva
ríspida em direção ao rio South. Havia uma praia de cascalhos por lá, que era
famosa pelo nudismo — como isso tinha acontecido, ele não fazia a menor ideia —
e Clayton sempre dava um jeito de passar por lá para ver se tiinha sorte. Duas
semanas antes, ele tinha visto seis gatas, porém, hoje, havia três, e as duas
que estavam deitadas na toalha já estavam procurando suas camisetas. Apesar de
uma delas ser meio gordinha, as outras duas — incluindo uma morena que estava a
sua frente — tinham o tipo de corpo que levava os rapazes a loucura. Até mesmo
policiais.
— A gente não sabia que tinha alguém aqui. Pensávamos que não
havia problema.
Ela tinha um olhar tão inocente que fazia pensar se “papai não
ficaria orgulhoso se soubesse o que sua garotinha estava aprontando?” Ele se
divertia ao imaginar que resposta ela daria, mas, como estava de uniforme,
sabia que tinha de dizer algo oficial. Além do mais, sabia que estava brincando
com a sorte, se o xerife ficasse sabendo que ele estava patrulhando a área, não
haveria mais alunas por lá no futuro, e isso era algo que ele nem queria levar
em consideração.
— Vamos falar com as suas amigas.
Ele foi com ela até a praia, observando-a sem sucesso tentar esconder
a parte de trás de seu corpo, divertindo-se com o showzinho. Assim que saíram
da mata e chegaram à clareira do rio, suas amigas já tinham vestido camisetas.
A morena foi correndo para junto das amigas e rapidamente pegou sua toalha,
derrubando algumas latas de cerveja pelo caminho. Clayton apontou para uma
árvore que estava próxima.
— Vocês não viram a placa?
Na mesma hora, todas viraram para a direção da árvore. “As pessoas
eram ovelhas sempre esperando a próxima ordem”, ele pensou. A placa, pequena e
parcialmente escondida pelos galhos baixos de um velho carvalho, tinha sido
colocada por ordem do juiz Kendrick Clayton, que por ventura era seu tio. A
ideia da placa tinha sido de Keith, pois ele sabia que a proibição só
aumentaria ainda mais a atração pelo lugar.
— Nós não vimos! — disse a morena, virando-se para ele. — Não
sabíamos. Só ficamos sabendo desse lugar há alguns dias! — ela continuou
protestando enquanto brigava coma toalha. As outras estavam assustadas demais
para fazer qualquer coisa que não fosse
colocar a parte de baixo do biquíni. — Foi a primeira vez que viemos aqui!
Sua voz se assemelhava a um choramingo, parecendo uma garota
mimada. O que provavelmente todas eram. Elas tinham cara disso.
— Vocês sabiam que o nudismo público é contravenção nesta cidade?
Dava para ver seus rostos jovens ficarem cada vez mais pálidos,
sabendo que estavam imaginando essa pequena transgressão em suas fichas.
Engraçado de se ver, mas ele lembrou que não poderia ir tão longe.
— Qual o seu nome?
— Amy — a morena engoliu seco. — Amy White.
— De onde você é?
— Chapei Hill. Mas sou de Charlotte.
— Estou vendo algumas bebidas alcoólicas. Vocês têm 21 anos?
Pela primeira vez as outras também responderam.
— Sim, senhor.
— Está bem. Amy. Vou dizer o que farei. Vou acreditar na sua
palavra de que vocês não viram a placa e que vocês têm idade para beber
legalmente, então não vou fazer muito alarde com o fato. Fingirei que nem
estive aqui. Mas vocês têm de prometer que não contarão ao meu chefe que liberei
vocês três.
Elas não sabiam ao certo se acreditavam nele.
— Sério?
— Sério. Também já estive na faculdade um dia — ele nunca esteve,
mas sabia que soava bem. — E é bom focarem suas roupas. Nunca se sabe. pode ter
alguém espreitando por aí — ele sorriu. — Joguem fora todas essas latas de
cerveja, está bem?
— Sim, senhor.
— Obrigado — e virou-se para ir embora.
— Só isso?
Voltou-se para elas e sorriu novamente.
— Só isso, então se cuidem.
Clayton afastou os arbustos, abaixando-se diante um ou outro galho
no caminho de volta para o carro, considerando que tinha dado conta do recado
muito bem. Muito bem mesmo. Na verdade, Amy tinha até sorrido para ele e, ao
partir, passou pela sua cabeça a idéia de voltar e pedir o número de telefone dela.
Mas não, pensou melhor,
talvez fosse melhor deixar aquilo para lá. Era mais do que provável que, ao
retornarem, contariam a suas amigas que, mesmo sendo pegas pelo xerife, nada
havia acontecido a elas e então o boato de que os policiais da região eram
legais se espalharia. Mesmo assim, ao caminhar pela mata, tinha esperança de
que as fotografias tivessem ficado boas. Elas seriam um ótimo acréscimo a sua
coleção.
No geral, tinha sido um dia excelente. Ele ia pegar a câmera
fotográfica quando ouviu um assobio. Seguiu o som que vinha da estrada e viu um
estranho com um cachorro, caminhando vagarosamente, com uma aparência de hippie
dos anos 1960.
O estranho não estava com as garotas. Disso Clayton tinha certeza.
Primeiro, ele era velho demais para estar na faculdade, devia ter quase 30
anos. Seu cabelo comprido parecia um ninho de rato, na opinião de Clayton, e,
nas costas do estranho, dava para ver que havia um saco de dormir saindo para
fora da mochila. Não se tratava de um banhista indo para a praia; o cara tinha
aparência de quem estava fazendo caminhada, talvez até mesmo acampando. Não
dava para saber há quanto tempo ele estava ali ou o que tinha visto.
“Com Clayton tirando fotografias?”
De jeito nenhum. Não era possível. De onde estava não dava para
ter visão pela estrada principal, os arbustos eram espessos, e ele teria ouvido
alguém andando pela mata. Certo? Mesmo assim, era um lugar estranho para
caminhar. Eles estavam no meio do nada, e a última coisa que ele queria era um
bando de hippies fracassados estragando o ponto referência das estudantes.
Enquanto pensava nisso, o estranho passou por ele. Estava perto do
carro da polícia e ia em direção ao jipe das garotas. Clayton foi em direção à
estrada pigarreou. O estranho e o cachorro se viraram após ouvirem o som.
De longe. Clayton continuou a analisá-los. O estranho não pareceu
se abalar com a presença súbita do policial, assim como o cão, mas havia algo
no olhar daquele homem que deixava Clayton desconfortável. Como se ele quase
estivesse esperando a presença de Cayton. O mesmo ocorria com o pastor-alemão.
Ele tinha uma expressão distraída e desconfiada ao mesmo tempo, quase
inteligente, bem parecida com a expressão de Panther antes de Moore soltá-lo.
Sentiu seu estômago se remexer. Esforçou-se para não cobrir instintivamente
suas partes íntimas.
Ficaram encarando um ao outro por um bom tempo. Há tempos Clayton
havia aprendido que sua farda intimidava a maioria das pessoas. Todos, até
mesmo os inocentes, ficavam nervosos diante da lei e das autoridades, e não
seria diferente com aquele homem, acreditava ele. Essa era uma das razões pelas
quais adorava ser policial.
— Você não tem uma coleira
para o seu cão? — disse, fazendo parecer mais uma ordem do que uma pergunta.
— Está na minha mochila.
Clayton não conseguiu perceber sotaque algum. Como diria sua mãe,
"inglês de Johnny Carson".
— Coloque-a.
— Não se preocupe. Ele só se move ao meu comando.
— Coloque-a mesmo assim.
O estranho pegou sua mochila e começou a procurar a coleira.
Clayton esticou o pescoço na esperança de perceber qualquer coisa parecida com
drogas ou armas. Um pouco depois, a coleira estava em volta do pescoço do
cachorro, e o estranho olhou para Clayton com cara de quem estava dizendo
"e agora?".
— O que você esta fazendo aqui? — Claylon perguntou.
— Caminhando.
— Essa mochila é muito grande para quem está caminhando.
O estranho não disse nada.
— Ou talvez você estivesse se escondendo por aí, tentando admirar
a vista?
— É isso que as pessoas fazem quando vêm aqui?
Clayton não gostou de seu tom, ou do que estava implícito nele.
— Gostaria de ver seus documentos.
O estranho se abaixou e procurou seu passaporte na mochila. Fez um
sinal com a palma da mão para que o cachorro ficasse onde estava, e
aproximou-se de Clayton para entregar-lhe o documento.
— Você não tem carteira de motorista?
— Não.
Clayton analisou o nome movendo os lábios lentamente.
— Logan Thibault?
O estranho concordou com a
cabeça.
— De onde você e?
— Do Colorado.
— Viagem bem longa.
O estranho não disse nada.
— Está indo para algum lugar especifico?
— Estou indo para Arden.
— O que tem em Arden?
— Não sei. Ainda não fui lá.
Clayton franziu a testa diante da resposta. Astuta demais?
Desafiadora demais? Qualquer coisa demais? Tanto faz. De repente, eleja sabia
que não gostava daquele cara.
— Você não se importa se eu der uma verificada nos seus
documentos, não é?
— Fique a vontade.
Ao voltar para o carro, deu uma olhada para trás e viu Thibault
pegar uma tigelinha em sua mochila e colocar um pouco de água nela. Como se não
tivesse preocupação alguma no mundo.
"Isso vamos descobrir, não vamos?”
No carro, Ciayton passou o nome pelo rádio, soletrando-o antes de
ser interrompido pela atendente.
— É Thibault, como Tibò, não Thibault. É francês.
— E eu lá me importo com a pronuncia?
— Só estava talando...
— Tanto faz. Marge. Só verifique para mim, está bem?
— Ele tem cara de francês?
— E eu lá sei como e que um francês se parece?
— Só estou curiosa. Não
precisa ficar nervosinho. Estou meio ocupada aqui.
Ah, tá. "Superocupada", pensou
Clayton. Muito provavelmente, comendo donuitts. Marge mandava ver pelo menos
uma dúzia deles por dia. Ela devia pesar uns 150 quilos.
Pela janela do carro dava para ver o estranho acariciar o cachorro,
conversando baixinho com ele enquanto bebia água. Balançou a cabeça. Conversar
com animais. Coisa de louco. Como se o cão entendesse qualquer coisa que não
fosse um comando básico. Sua ex-mulher também tinha esse hábito. Ela tratava
animais como se fossem pessoas, o que devia ter servido de aviso para ter
ficado longe dela logo de cara.
— Não encontro nada de errado — disse Marge. Parecia que ela
estava mastigando alguma coisa. — Não vejo nada de excepcional.
— Tem certeza?
— Sim, tenho certeza. Sei bem como fazer meu trabalho.
Como se parecesse estar ouvindo a conversa, o estranho recolheu a
tigela de água e depois colocou a mochila de volta nos ombros.
— Houve algum chamado fora do comum? Reclamações de vadiagem ou
algo do tipo?
— Não. Foi uma manhã tranqüila. E, falando nisso, por onde você
anda? Seu pai está atrás de você.
Clayton era filho do xerife da região.
— Diga a ele que daqui a pouco eu volto.
— Ele está bravo.
Apenas diga a ele que estou fazendo minha ronda, está bem?
“Assim ele fica sabendo que estou trabalhando", pensou, mas
não se preocupou em dizer.
— Eu falo.
Melhor assim.
— Preciso ir agora.
Colocou o rádio de volta no
lugar, mas não saiu da sua posição, sentindo um leve desapontamento. teria sido
engraçado ver como o cara iria encarar uma prisão, com aquele cabelo de menina
e tudo mais. Os irmãos Landry iam fazer as honras da casa para ele. Eram
clientes habituais da cadeia aos sábados a noite: bêbados e arruaceiros, sempre
metidos em brigas, na maioria das vezes um contra o outro. Exceto quando
estavam presos. Nessas horas, resolviam provocar outras pessoas.
Segurou a maçaneta. E qual seria o motivo de seu pai estar bravo
dessa vez?' Isso era irritante, faça isso. Faça aquilo. Já preencheu a papelada?
Por que está atrasado? Por onde andou? A maior parte do tempo tinha vontade de
mandar seu velho cuidar da sua própria vida maldita. O velhote ainda tinha a
ilusão de que era o mandachuva por lá.
Não tinha problema. Uma hora ele ia acabar descobrindo. Agora era
hora de se livrar do hippie fracassado antes de as garotas saírem. Lá
era para ser um lugar particular, certo? Hippies malucos podem acabar
com tudo.
Clayton saiu do carro e fechou a porta. O cachorro inclinou a
cabeça ao vê-lo se aproximando. Ele devolveu o passaporte.
— Sinto muito pelo inconveniente. Sr, Thibault — dessa vez ele
carregou na pronúncia de propósito. — Só estou fazendo meu trabalho. A menos,
claro, que o senhor tenha drogas ou armas na sua mochila.
— Não tenho.
— O senhor se importa se eu mesmo ver?
— Nem um pouco. Mesmo com a Constituição do meu lado, de acordo
com a quarta emenda.
— Dá para ver seu saco de dormir. Esteve acampando?
— Estive na cidade de Burke, ontem à noite.
Clayton analisou o homem, pensando no que responder.
— Não há muitos acampamentos por lá.
Thibault não disse nada. Foi Clayton quem desviou o olhar.
—É melhor deixar o cachorro preso a coleira.
— Não acho que há uma legislação sobre isso nesta região.
— Não há. É para a segurança
do próprio cão. Muitos carros transitam pela avenida principal.
—Não vou me esquecer disso.
— Então, está bem — Clayton virou-se antes de fazer mais uma
pausa.— Se não se importar com a minha pergunta, há quanto tempo está por aqui?
— Só estava passando. Por quê?
Algo na maneira como ele respondeu deixou Clayton pensando e ele
hesitou antes de lembrar a si novamente, que não havia como o cara saber que
ele estava aprontando.
— Por nada.
— Posso ir?
— Sim, pode.
Clayton observou o estranho e seu cachorro começarem a caminhar
pela estrada e entrarem em uma pequena trilha que levava à mata. Quando ele
sumiu de vista, Clayton voltou ao seu ponto de observação original para
procurar pela máquina fotográfica. Enfiou os braços nos arbustos, chutou as
pinhas secas e fez o mesmo caminho várias vezes para ter certeza de que estava
no lugar certo. Finalmente, ajoelhou-se, começando a sentir o pânico tomar
conta de si. A câmera pertencia ao departamento de polícia. Ele só pegava
emprestada para essas saídas especiais, e seu pai ia fazer muitas perguntas se
a câmera se perdesse. Pior ainda se fosse achada repleta de fotos de mulheres
nuas. Seu pai era muito rigoroso quando se tratava de protocolo e
responsabilidade.
Enquanto pensava nisso, algum tempo se passou e ele ouviu um ronco
de motor ao longe. Supôs que eram as alunas indo embora. Por um breve momento,
penso que elas iam imaginar ao ver o carro da polícia ainda por lá. Tinha
outras preocupações em sua mente.
A máquina fotográfica tinha sumido.
Sumido não. Evaporado. E a maldita coisa certamente não tinha
saído de lá com os próprios pés. Também não havia como as garotas terem
encontrado a máquina. O que significava que Thibault tinha brincado com ele o
tempo todo. Thibault. Brincou. Com ele. Inacreditável. Ele sabia que o cara
estava agindo de uma forma descontraída demais, de uma forma muito "eu
sei o que você fez no verão passado".
De forma alguma ele ia se
safar dessa. Nenhum hippie maluco, fedido, que fala com animais ia se dar bem
em cima de Keith Clayton. Não nesta vida.
Afastou os arbustos e foi em direção à estrada, achando que
alcançaria Logan Thibault e olharia bem nos olhos dele. E isso seria só para
começar. Faria muito mais em seguida; com certeza muito mais. O cara tirou uma
com a cara dele? Isso era inconcebível. Não nesta cidade. Ele não estava nem aí
para o cachorro também. O cachorro não vai gostar? Adeus, cachorrinho! Simples
assim. Pastores-alemães são armas — não havia um tribunal no mundo que não
desse razão a ele.
Uma coisa de cada vez. Primeiro encontrar Thibault. Recuperar a
câmera. Depois decidir o que fazer em seguida.
Foi então que, ao aproximar-se de seu carro, percebeu que seus
dois pneus traseiros estavam murchos.
***
— Como é mesmo seu nome?
Thibault sentou-se no assento dianteiro do jipe um pouco depois,
falando sobre a força do vento.
— Logan Thibault. E este é Zeus.
Zeus estava na traseira do jipe, de língua para fora, banho
empinado para o vento, e o jipe partindo em direção à autoestrada.
— Belo cão. Eu sou Amy. Essas são Jennifer e Lori. Thibault olhou
por cima dos ombros.
— Oi.
— Oi.
Elas pareciam dispersas. Não era de se surpreender, pensou
Thibault, imaginando o que haviam acatado de passar. — Obrigado pela carona.
— Não é nada. Você disse que ia para Hampton?
— Não é muito longe.
— Fica no caminho.
Depois de ter saído da
estrada e cuidado de algumas coisas, Thibault voltou para lá bem na hora em
garotas estavam partindo. Fez sinal com as mãos de quem precisava de carona,
feliz por ter Zeus ao seu lado, e elas pararam quase que imediatamente.
Às vezes as coisas acontecem exatamente como têm de ser.
Apesar de fingir que não, na verdade ele tinha visto as três
quando chegaram de manhã — ele havia acampado na beira da praia —, mas deu a
elas privacidade merecida assim que começaram a se despir. Na opinião dele, o
que elas estavam fazendo enquadrava-se na categoria “se não há dolo, não há
crime”; não havia mais ninguém além dele, estavam completamente sozinhos por
lá, e ele não tinha intenções de ficar para espiar. E daí se elas tinham tirado
a roupa ou mesmo se estivessem usando fantasias extravagantes? Não era da conta
de ninguém, e ele pretendia deixar as coisas assim — até ver o policial chegar
em um carro do departamento da polícia de Hampton.
Ele deu uma boa olhada no policial pelo espelho retrovisor e
percebeu algo de errado em seu olhar. Difícil dizer o que era, mas ele não
parou para analisar. Deu meia-volta e, cortando caminho pela mata, chegou em
tempo de ver o policial verificando o cartão de memória da sua câmera antes de
fechar a porta do seu carro silenciosamente. Viu quando ele se dirigiu
sorrateiramente para perto da praia. Thibault sabia muito bem que o policial
poderia estar em seu horário oficial de trabalho, mas seu olhar estava mais
parecido com o de Zeus quando esperava por um pedaço suculento de carne. Um
pouco excitado demais com a coisa toda.
Thibault fez com que Zeus ficasse onde estava, manteve distância
suficiente para que o policial não pudesse ouvi-lo, e o restante do plano veio
espontaneamente depois disso. Sabia que o confronto direto estava fora de
questão — o policial ia dizer que estava coletando provas, e a força da palavra
de um estranho contra a sua não teria valor algum. Agressão física também
estava fora de questão, principalmente porque causaria mais problemas do que
valeria a pena, apesar de que ele ia adorar um corpo a corpo com o cara.
Felizmente — ou infelizmente, supôs, dependendo do ponto de vista — a garota
apareceu, o policial entrou em pânico, e Thibault viu onde a câmera foi parar.
Quando o policial e a garota foram em direção às amigas dela, Thibault pegou a
máquina. Ele poderia ter parado por aí, mas o cara tinha de aprender uma lição.
Não uma grande lição, só uma lição por meio da qual mantivesse a honra das
garotas intacta, permitisse que Thibault continuasse seguindo seu caminho e
arruinasse o dia do policial. Foi por
isso que voltou e decidiu esvaziar os pneus traseiros do carro de polícia.
— Ah, agora que me lembrei! Achei sua máquina fotográfica perdida
na mata.
— Não é minha. Lori ou Jen, alguma de vocês perdeu uma câmera?
As duas balançaram a cabeça negativamente.
— Fiquem com ela mesmo assim — disse Thibault, colocando-a no
assento do carro. — E obrigado pela carona.
— Eu já tenho uma câmera.
— Tem certeza? Deve ser muito cara!
— Certeza absoluta.
— Obrigada!
Thibault percebeu as sombras brincando nos contornos de seu rosto,
vendo nela uma atração própria das mulheres urbanas, com feições bem marcadas,
pele escura, olhos castanhos com reflexos de avelã. Ele podia se imaginar
olhando para ela por horas.
— Hei... você tem algum plano para o fim de semana? — perguntou
Amy. — Vamos para a praia.
— Agradeço o convite, mas não posso.
— Aposto que vai encontrar sua namorada, não vai?
— Por que você diz isso?
— Está na sua cara.
Ele fez um esforço para dar meia-volta e disse:
— Algo do tipo.
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