Capítulo 15 - Beth

Domingo tinha sido o dia mais quente de todo o verão, com a temperatura e a umidade extremamente elevadas. Os lagos começaram a secar na região de Piedmont, os cidadãos de Raleigh estavam fazendo racionamento de água e, no sudoeste do Estado, as colheitas tinham começado a murchar diante do calor de rachar. Nas últimas três semanas, as florestas pareciam altamente inflamáveis, como que apenas esperando uma ponta de cigarro acesa ser jogada para acionar o fogo, ou um raio ou trovão; duas situações que pareciam inevitáveis. A única dúvida era saber quando e onde o fogo ia começar.
Os cães só ficavam bem quando estavam em seus canis, e até mesmo Logan estava sofrendo os efeitos do calor. Tinha diminuído cinco minutos de cada sessão de treinamento, e, quando levava os cachorros para passear, sempre ia para o riacho, onde eles podiam se molhar e se refrescar. Zeus entrava e saía da água várias vezes, e, apesar de Ben ter tentado começar um jogo de apanhar assim que voltou da igreja um dia, Zeus mostrou-se só um pouco interessado. Ben ligou um ventilador de chão na varanda da frente da casa, fazendo com que o vento chegasse até Zeus, enquanto lia O assassinato de Roger Ackroyd, um dos poucos livros de Agatha Christie que ainda não tinha lido. Parou de ler por pouco tempo para ir falar com Logan, não era nenhuma conversa especial, e depois voltou à leitura. Era o tipo de preguiça dominical que Beth curtia, menos quando olhava para a mancha roxa no rosto de Ben e para os óculos grosseiramente consertados, sentia-se consumida pela raiva ao ver o que Keith tinha feito. Teria de levar Ben ao oftalmologista na segunda-feira para arrumar os óculos. Apesar do que havia dito, Keith tinha sim atirado a bola com muita força, e ela se perguntava que tipo de pai faria isso com o filho de 10 anos de idade.
Só Keith Clayton, obviamente.
Uma coisa era ter cometido o erro de ter se casado com ele, outra coisa era ter de pagar por esse erro pelo resto da vida. O relacionamento de Ben com o pai só parecia estar ficando cada vez pior. Ben precisava da figura masculina adulta na sua vida, e Keith era o pai dele, mas...
Balançou a cabeça. Parte dela queria simplesmente pegar Ben e sumir de lá. Mudar para outra parte do país e recomeçar. Era fácil fantasiar. Se tivesse coragem de fazer isso, resolveria seus problemas. Mas a realidade era outra. Ela tinha coragem, era todo o resto que tornava seu desejo impossível. Mesmo se Nana estivesse bem o suficiente para cuidar das coisas, sozinha — mas ela não estava —, Keith iria encontrada onde quer que fosse. O vovô ia insistir que fizesse isso, e a justiça, incluindo o juiz Clayton, ia intervir. Seria bem provável que Keith ficasse com a guarda total durante o tempo em que ela estivesse fora. O tio de Keith iria garantir esse direito a ele; essa tinha sido a ameaça velada desde o divórcio, uma ameaça que tinha de ser levada a sério naquele condado. Talvez conseguisse apelar, mas quanto tempo levaria? Doze meses? Dezoito meses? Não ia arriscar ficar sem o Ben por tanto tempo. E a última coisa que queria era que ele passasse mais tempo com Keith.
A verdade era que Keith não queria a guarda total com a mesma intensidade que ela não queria concedê-la. Com o passar dos anos, tinham chegado a um acordo extraoficial; Keith veria Ben o menos possível, porém o suficiente para satisfazer a vontade do vovô. Não era justo que usassem Ben como um peão, mas o que mais ela poderia fazer? Não queria arriscar perdê-lo. Keith ia fazer o que fosse preciso para manter o dinheiro fluindo, e o vovô queria Ben por perto. As pessoas gostam de imaginar que são livres para escolher seus próprios caminhos, mas Beth tinha aprendido que, às vezes, as escolhas podem ser ilusórias. Pelo menos em Hampton, onde a família Clayton controlava tudo. Vovô era sempre educado quando a encontrava na igreja, e, apesar de querer comprar a propriedade de Nana há anos, não dificultava a vida delas. Até agora. Mas em um mundo em que tudo é preto no branco, não há dúvida de que a família Clayton, incluindo o vovô, era mestre do cinza, e usava esse poder sempre que fosse conveniente. Cada membro da família havia crescido com a idéia de que era especial — iluminado, até — e por isso tinha ficado surpresa ao ver Keith indo embora tão rapidamente da sua casa na noite passada.
Ficou feliz por Logan e Zeus estarem lá. Logan cuidou da situação com perfeição, e ela ficou agradecida por ele não querer ficar por perto depois que Keith saiu. Entendeu que ela queria ficar sozinha com Ben e aceitou o fato com a mesma naturalidade com que havia feito Keith ir embora.
"Em tudo que fazia, Logan era calmo e decidido", refletiu. Quando falou de Drake, não aproveitou o momento para falar de si mesmo ou de seus próprios sentimentos, nem ficou dando conselhos. Essa era umas das razões pelas quais confiava nele e acabou contando tanto sobre sua vida. Estava um pouco chateada por causa do aniversário de Drake, mas, na verdade, sabia exatamente o que estava fazendo. Foi ela quem pediu para ele ficar, em primeiro lugar, e supôs que, lá no fundo, queria compartilhar aquelas histórias pessoais com ele. 170
— Ei, mamãe!
Beth virou-se para Ben. Seu olho ainda tinha uma aparência terrível, mas ela fingiu nem notar.
— Que foi, querido?
— Você tem sacos de lixo e canudos?
— Claro. Por quê?
— Thibault disse que ia me mostrar como fazer uma pipa e que poderíamos empinar quando ele terminar o trabalho.
— Parece divertido.
— Disse que costumava fazer quando era criança e que voava "pra caramba".
Ela sorriu.
— Você só precisa disso? Saco de lixo e canudos?
— Já achei linha. E fita adesiva. Estavam no depósito do vovô.
Do outro lado do quintal, viu Thibault vindo na direção deles. Ben também percebeu.
— Oi, Thibault! — gritou. — Já podemos fazer
a pipa?
— Vim perguntar se você já está pronto.
— Quase. Só faltam os sacos de lixo e os canudos.
Logan concordou com a cabeça. Quando ele se aproximou, Beth percebeu o formato de seus ombros e a cintura fina. Não era a primeira vez que reparava no físico dele, mas hoje sentiu quase como se estivesse... encarando. Virou o rosto, colocando a mão no ombro de Ben, subitamente sentindo-se ridícula.
— Os sacos de lixo estão debaixo da pia, e os canudos estão na despensa, ao lado das bolachas. Você vai buscá-los ou quer que eu pegue para você?
— Eu pego — disse, depois virou-se para Logan. — Volto em um segundo. 171
Logan chegou ao pé da escada na mesma hora em que Ben entrou na casa.
— Vão fazer pipa? — perguntou, ao mesmo tempo surpresa e impressionada.
— Ele disse que estava entediado.
— Você sabe mesmo fazer?
— Não é tão difícil quanto parece. Quer ajudar?
— Não — disse. Bem de perto, percebeu a forma como o suor fazia a camiseta colar em seu peito, e rapidamente reprimiu seu olhar. — Vou deixar vocês dois fazerem. Mas trago uma limonada. E, depois, se estiver com fome, é nosso convidado. Não é nada de mais. Ben estava com vontade de cachorro-quente e espaguete com queijo.
Logan concordou.
— Eu adoraria.
Ben voltou, sacos em uma mão e canudos na outra. Seu rosto, apesar das manchas roxas, estava animado.
— Peguei tudo! Vamos?
Logan e Beth continuaram entreolhando-se mais tempo do que o necessário, mas Beth sentiu seu pescoço enrubescer e desviou o olhar. Logan sorriu para Ben.
— Vamos!
Beth viu-se examinando Logan enquanto ele e Ben faziam a pipa. Estavam sentados na mesa de piquenique perto do grande carvalho, com Zeus a seus pés, e o vento ocasionalmente trazia o som de suas vozes até ela — Logan dizendo a Ben o que fazer em seguida, ou Ben perguntando se tinha feito corretamente. Estava claro que Ben estava gostando daquele pequeno projeto. Ben não parava de falar, errando de vez em quando, e Logan pacientemente arrumando com um pedaço a mais de fita adesiva.
Quando tinha sido a última vez que havia corado porque um homem tinha olhado para ela? Será que essa sua inibição recente tinha a ver com o fato de Nana não estar por perto? Nas duas últimas noites, quase se sentiu como se estivesse realmente sozinha pela primeira vez na vida. Afinal de contas, tinha saído da casa de Nana para casa de Keith e voltado para Nana, de onde nunca mais saiu. Apesar de gostar da companhia de Nana e da estabilidade, não era exatamente dessa forma que imaginava passar sua vida adulta. Já tinha sonhado em ter sua própria casa, mas nunca pareceu chegar o momento certo. Depois de Keith, ela precisava que Nana a ajudasse a cuidar de Ben; depois que Ben cresceu, tanto seu irmão quanto seu avô morreram, e Beth precisou do apoio de Nana tanto quanto Nana precisou do dela. E depois? Bem, quando ela estava finalmente pronta para encontrar um lugar só seu, Nana tem um AVC, e de forma alguma ela ia abandonar a mulher que a havia criado. Mas, naquele momento, teve um inesperado vislumbre de como sua vida teria sido se as coisas tivessem tido um rumo diferente. Agora, vendo os pássaros voarem de árvore em árvore, sentou-se na varanda de uma casa que estaria vazia, caso a história tivesse sido outra, testemunhando o tipo de cenário que a fazia acreditar que tudo poderia estar bem no mundo. Mesmo de longe, dava para ver Ben concentrado enquanto Logan mostrava a ele os toques finais da pipa. De vez em quando, Logan inclinava-se para frente e dava instruções, sempre paciente e objetivo, mas deixando Ben com a maior parte da diversão. O fato de ele estar simplesmente trabalhando no projeto, corrigindo os erros de Ben sem raiva ou frustração, fez com que ela sentisse imensa gratidão e carinho em relação a ele. Ainda estava maravilhada com toda a novidade, quando os viu indo em direção ao centro do quintal. Logan segurou a pipa acima da cabeça, e Ben foi soltando a linha. Quando Ben começou a correr, Logan o seguiu permitindo que a pipa pegasse vento antes de soltá-la. Logan parou e olhou para o céu ao ver a pipa voando acima deles, e, quando aplaudiu Ben demonstrando uma alegria óbvia, Beth percebeu uma verdade bem simples: às vezes as coisas mais ordinárias podem transformar-se em extraordinárias, simplesmente se realizadas pelas pessoas certas.
Nana telefonou naquela noite para dizer que precisaria que fossem buscá-la na sexta-feira seguinte e, na sua ausência, Logan jantou com Ben e Beth todas as noites. Na maioria das vezes, foi Ben quem implorou para que ele ficasse, mas, a partir de quarta-feira, Beth já tinha percebido que Logan não só estava feliz de ficar com eles, como também aprovava que Ben continuasse com seu esquema. Talvez, às vezes pensava, Logan era tão inexperiente em termos de intimidade quanto ela.
Depois do jantar, geralmente iam caminhar. Ben e Zeus saíam correndo pelo caminho que dava no riacho, e ela e Logan iam atrás. Uma vez, foram em direção à cidade para ver as margens do South River, e sentaram-se debaixo da ponte que passava por cima dele. Às vezes, falavam sobre amenidades se tinha acontecido algo interessante no trabalho, ou se Logan tinha feito algum progresso na reorganização dos arquivos; outras vezes, ele parecia contente em caminhar ao lado dela sem dizer muito. Como Logan sentia-se muito confortável com o silêncio, surpreendentemente ela também se sentia.
Mas havia algo acontecendo entre eles, e ela sabia disso. Estava atraída por ele. Na escola, com seus alunos do segundo ano ao seu redor, via-se às vezes perguntando-se o que ele estaria fazendo naquele exato momento. Pouco a pouco, foi percebendo que não via a hora de ir para casa, porque isso queria dizer que ia vê-lo.
Na quinta-feira à noite, todos subiram no caminhão de Nana e foram até a cidade para comer uma pizza. Zeus foi na caçamba, com a cabeça de fora e as orelhas para trás. Por mais estranho que parecesse, Beth teve a estranha sensação de quase estar em um encontro, apesar de haver um acompanhante de 10 anos de idade com eles.
Foram à Luigi's Pizza, localizada em uma travessa calma no centro da cidade, entre um antiquário e um escritório de advocacia. De tijolos à vista, mesas de piquenique e painéis de madeira, o lugar tinha uma familiaridade aconchegante, parcialmente porque Luigi mantinha a mesma decoração desde que Beth era garotinha. No fundo do restaurante, os vídeogames de Luigi eram dos anos de 1980: MS. Pac-Man, Millipede e Asteroides. Os jogos continuavam tão populares quanto tinham sido na época, provavelmente por não haver nenhuma outra loja de jogos na cidade. Beth adorava aquele lugar. Luigi e sua esposa, Maria, tinham ambos mais de 60 anos, não só trabalhavam sete dias por semana, como moravam no apartamento em cima da pizzaria. Não tinham filhos e acabavam sendo pais substitutos de quase todos os adolescentes da cidade, e acolhiam a todos com uma aceitação incondicional que mantinha o lugar sempre lotado.
Naquela noite, a casa estava lotada com o mesmo tipo de freqüentadores de sempre: famílias com crianças, homens vestidos como se tivessem acabado de terminar o expediente no escritório de advocacia ao lado, alguns casais de idade, e grupos de adolescentes aqui e ali. Maria iluminou-se ao ver Ben e Beth en-trarem. Era baixinha e gorducha, com cabelos negros e um sorriso genuinamente caloroso. Veio na direção deles, pegando os cardápios no caminho.
— Olá, Beth. Olá, Ben — ao passar pela cozinha, enfiou a cabeça e gritou: — Luigi! Venha aqui, Beth e Ben estão aqui!
Ela fazia isso toda vez que Beth ia lá, e, apesar de ter certeza de que dava a todos a mesma recepção calorosa, ainda assim sentia-se especial.
Luigi veio correndo da cozinha. Como sempre, seu avental estava coberto de farinha, esticado na imensa cintura. Como ele ainda fazia as pizzas, e o restaurante estava sempre cheio, não tinha tempo para dar-Ihes muito mais que um aceno.
— É bom ver vocês. Obrigado por terem vindo.
Maria colocou a mão carinhosa no ombro de Ben.
— Você está ficando muito alto, Ben! Já é um rapazinho. E você está linda como a primavera, Beth.
— Obrigada, Maria. Como vai você?
— A mesma de sempre. Sempre ocupada. E você? Ainda dando aulas, certo?
— Ainda dando aulas — Beth confirmou. Um pouco depois, a expressão de Maria ficou séria, e Beth previu a próxima pergunta. Em cidades pequenas, nada é segredo. — E como vai Nana?
— Melhorando. Já está "pra lá e pra cá".
— Sim, ouvi falar que ela foi visitar a irmã.
— Como você sabe disso? — Beth não conseguiu esconder a surpresa.
— Quem sabe? — deu de ombros. — As pessoas falam, eu ouço. — Maria pareceu notar a presença de Logan pela primeira vez. — E quem é esse?
— Esse é meu amigo Logan Thibault — disse Beth, tentando não corar.
— Você é novo? Nunca o vi antes — Maria o olhava de cima a baixo com franca curiosidade.
— Acabei de me mudar para a cidade.
— Bem, você está com dois dos meus clientes prediletos. Venham. Vou arrumar um lugar para vocês em uma das cabines.
Maria indicou o caminho e colocou os cardápios nas mesas enquanto eles se sentaram.
— Chá para todos?
— Seria ótimo, Maria — disse Beth. Assim que Maria foi para a cozinha, olhou para Logan. — Ela faz o melhor chá da região. Espero que não se importe. 175
— Por mim, tudo bem.
— Você pode me dar algumas moedas? — pediu Ben. — Quero jogar vídeo game.
— Já imaginava — disse Beth, pegando a bolsa. — Peguei um pouco do pote de moedas antes de sairmos. Divirta-se. E não dê atenção a estranhos.
— Tenho 10 anos — disse, irritado. — Não 5.
Olhou Ben ir ao salão de jogos, divertida com sua resposta. Às vezes, ele falava como se estivesse no ensino médio.
— Esse lugar tem muita personalidade — comentou Logan.
— E a comida também é fantástica. Eles fazem pizzas no estilo de Chicago que não são desse mundo. Qual recheio você gosta?
Ele cocou o queixo.
— Hummm... muito alho, uma porção extra de anchovas.
Ela torceu o nariz.
— Sério?
— Estou só brincando. Peça o que você normalmente pede. Gosto de qualquer coisa.
— Ben gosta de pepperoni.
— Então, vamos pedir pepperoni.
Lançou-lhe um olhar brincalhão.
—Alguém já lhe disse alguma vez que você é muito fácil de se conviver?
— Ultimamente, não. Mas, também, não tive muitas pessoas com quem conversar enquanto caminhava.
— Você se sentiu sozinho?
— Não, por causa de Zeus. Ele é um bom ouvinte.
— Mas não pode participar da conversa.
— Não. Mas não ficou choramingando durante a caminhada, também. A maioria das pessoas teria feito isso. 176
— Eu não teria feito isso.
Logan não disse nada.
— Estou falando sério — protestou. — Poderia facilmente ter atravessado o país a pé.
Logan não disse nada.
— Tudo bem, você está certo. Choraria uma ou duas vezes.
Ele sorriu antes de dar uma olhada geral no restaurante.
— Quantas pessoas daqui você conhece?
Olhando ao redor, Beth pensou:
— Vi a maioria por aí no decorrer dos anos, mas quem realmente conheço? Talvez umas 30 pessoas?
Ele calculou que seriam mais da metade dos clientes.
— Como é isso?
— Você está falando de todo mundo saber de tudo? Acho que depende do número de erros que você comete, já que é disso que a maioria acaba falando. Namoros, demissões, abuso de drogas ou álcool, acidentes de carro. Mas, por outro lado, se você for como eu, alguém puro como a neve que vagueia pelo vento, não é tão difícil.
Ele sorriu.
— Deve ser ótimo ser você.
— E é mesmo. Digamos que você tem sorte de estar sentado na minha mesa.
— Disso não tenho dúvida.
Maria trouxe as bebidas. Ao sair, ergueu as sobrancelhas o suficiente para que Beth soubesse que tinha gostado da aparência de Logan e esperava que, mais cedo ou mais tarde, ficasse sabendo que eram mais do que amigos.
Beth tomou um pouco do chá e Logan também.
— O que achou? 177
— É doce, com certeza. Mas é saboroso.
Beth concordou e limpou a borda do copo com o guardanapo. Amassou-o e colocou-o de lado.
— Quanto tempo pretende ficar em Hampton?
— O que você quer dizer com isso?
— Você não é daqui, tem formação universitária, um emprego que a maioria das pessoas detestaria e ganha mal por isso. Acho que minha pergunta é justa.
— Não penso em pedir demissão.
— Não foi isso que eu perguntei. Perguntei quanto tempo pretende ficar em Hampton. De verdade.
Seu tom não permitia evasivas, e Logan facilmente a imaginou colocando ordem em uma sala de aula indisciplinada.
— De verdade? Não sei. E digo isso porque aprendi nos últimos cinco anos a nunca dar nada como certo.
— Isso pode até ser verdade, mas, uma vez mais, não responde à pergunta.
Percebeu o desapontamento na voz dela e tentou encontrar a resposta certa.
— Que tal assim? Até agora, gosto daqui. Gosto do meu trabalho, acho Nana maravilhosa, gosto de ficar com Ben, e no momento não tenho intenção alguma de sair de Hampton em um futuro próximo. Isso responde à sua questão?
Sentiu uma onda de ansiedade ao ouvir suas palavras e perceber seu olhar enquanto falava. Inclinou-se para frente e disse:
— Percebi que você deixou algo importante de fora na lista de coisas de que gosta.
— Deixei?
— Sim. Eu — procurou ver uma reação em seu rosto ao esboçar um sorriso provocativo.
— Talvez tenha esquecido — respondeu com um
sorrisinho. 178
— Acho que não.
— Sou tímido?
— Tente de novo.
Ele balançou a cabeça.
— Não consigo pensar em mais nada.
Ela piscou para ele.
— Vou te dar uma chance de pensar no assunto e talvez ter algo a me dizer. Então, podemos falar sobre isso novamente uma outra hora.
— Parece justo. Quando?
Envolveu o copo com as mãos, sentindo-se estranhamente nervosa com o que ia dizer em seguida.
— Você está livre sábado à noite?
Se ele ficou surpreso com a pergunta, não deu para notar.
— Então, será sábado à noite — ergueu o copo e tomou um longo gole, sem tirar os olhos dela.
Nenhum dos dois percebeu que Ben tinha voltado
à mesa.
— Já pediram a pizza?
Deitada na cama naquela noite, Beth olhava para o teto e perguntava a si mesma: "Onde eu estava com a cabeça?"
Havia tantas razões para evitar o que tinha feito. Não sabia quase nada sobre ele ou seu passado. Ele ainda escondia o motivo de ter vindo parar em Hampton, o que significava que não só não confiava nela, como ela também não confiava completamente nele. E não era só isso, ele trabalhava no canil, era empregado de Nana e praticamente ficava dentro da sua própria casa. O que iria acontecer se não desse certo? E se ele tivesse... expectativas que não fossem correspondidas por ela? Ele viria trabalhar na segunda-feira? Nana ficaria sozinha? Ela teria de desistir de dar aulas para voltar a ajudar Nana no canil?
Havia muitos prováveis problemas na situação toda, e, quanto mais pensava nisso, mais estava convencida de ter cometido um erro grave. Mas, mesmo assim... estava cansada de ficar sozinha. Amava Ben e amava Nana, mas ter passado algum tempo com Logan nos últimos dias a tinha feito lembrar o que estava perdendo. Gostava das caminhadas depois do jantar, gostava da maneira como ele olhava para ela, e gostava especialmente da postura dele com Ben. Acima de tudo, achava ridiculamente fácil imaginar uma vida com Logan. Sabia que não o conhecia tempo suficiente para chegar a essa conclusão, mas não dava para negar essa intuição.
Será que ele era o homem da sua vida?
Não iria tão longe! Ainda nem tinham saído juntos. Era fácil idealizar alguém que mal se conhece.
Sentou-se, ajeitou o travesseiro e voltou a deitar. Bem, sairiam uma vez e iam ver o que aconteceria em seguida. Tinha esperanças, não podia negar esse fato, mas ia parar por aí. Gostava dele, mas com certeza não o amava. Pelo menos, por enquanto.

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