Capítulo 18 - Beth
— Suponho que você tenha se divertido — Nana insinuou.
Era domingo de manhã e Beth havia acabado de sentar-se
à mesa da cozinha. Ben ainda dormia no andar de cima.
— Nós nos divertimos — bocejou.
— E?
— E... nada.
— Você chegou bem tarde para quem não fez nada.
— Não era tão tarde. Está vendo? Acordei bem cedo —
enfiou a cabeça na geladeira, depois fechou a porta sem pegar nada. — Isso
seria impossível se ti-vesse chegado tarde. E por que você está tão curiosa?
— Só quero saber se ainda terei meu empregado na
segunda-feira — Nana serviu uma xícara de café e sentou-se.
— Não vejo por que não teria.
— Então, foi tudo bem?
Dessa vez, Beth deixou a pergunta no ar por um momento
ao lembrar-se da noite. Mexendo seu café, sentiu-se feliz como não se sentia há
muito tempo.
— Sim. Foi tudo bem.
Nos dias que se seguiram, Beth passou o máximo de
tempo possível com Logan, sem deixar parecer óbvio demais para Ben. Não tinha
certeza do porquê aquilo parecia importante. Dava a impressão de ser o tipo de
conselho que um orientador familiar daria quando há uma criança envolvida em um
relacionamento afetivo. Mas, no fundo, sabia que essa não era a verdadeira
razão. Havia algo de excitante em fingir que nada havia mudado entre eles; dava
uma sensação ilícita ao relacionamento, quase como um romance proibido.
Nana não se deixava enganar, claro. De vez em quando,
enquanto Beth e Logan estavam empenhados em manter seu elaborado disfarce, Nana
resmungava coisas sem sentido do
tipo "camelos no Saara" ou "é como cabelo e sapatinhos".
Depois, junto com Logan, Beth tentava entender seus resmungos. O primeiro dava
a entender que haviam sido feitos um para o outro; o segundo levou um pouco
mais para ser decifrado, até que Logan deu de ombros e sugeriu:
— Talvez tenha algo a ver com Rapunzel e Cinderela?
Contos de fada. E dos bons, com finais felizes. Nana
estava sendo afetiva sem se deixar revelar como sentimental.
Aqueles momentos roubados quando estavam sozinhos
tinham quase a intensidade de um sonho. Beth ficava super atenta a qualquer
movimento e gesto, atormentada pela maneira tranquila como ele pegava na sua
mão quando caminhavam atrás de Ben durante a noite, soltando assim que Ben
voltasse ao campo de visão novamente. Logan tinha um sexto sentido sobre a
distância tomada por Ben — uma habilidade desenvolvida, acreditava, nas forças
armadas — e sentia-se agradecida por sua decisão de agir discretamente não ter
importado nem um pouco a ele.
Para seu alívio, Logan continuou a tratar Ben
exatamente como antes. Na segunda-feira, apareceu com um jogo de arco e flecha
comprado na loja de esportes. Ele e Ben passaram uma hora atirando, grande
parte dessa hora foi usada principalmente para buscar os arcos perdidos que acabaram
caindo em arbustos cheios de espinhos ou ficaram presos em galhos de árvores,
deixando os dois com arranhões até os cotovelos.
Depois do jantar, acabaram jogando xadrez na sala de
estar enquanto ela e Nana limpavam a cozinha. Enquanto secava os pratos,
concluiu que, se não tivesse outra razão, poderia amar Logan para sempre,
simplesmente pela maneira como ele tratava o filho dela.
Apesar da discrição, ainda conseguiam arrumar algumas
desculpas para ficarem sozinhos. Na terça-feira, quando chegou da escola,
percebeu que, com a permissão de Nana, ele tinha instalado uma cadeira de
balanço na varanda, assim não precisavam sentar nos degraus. Enquanto Ben
estava na aula de música, esbaldou-se com o movimento lento e estável do
balanço, com ele ao seu lado. Na quarta-feira, foi com ele até a cidade para
pegar mais sacos de comida para cachorro. Atividades corriqueiras, mas o fato
de simplesmente estar ao lado dele era suficiente. Às vezes, quando estavam
juntos no caminhão, ele colocava o braço em volta do ombro dela e ela
aninhava-se nele, sentindo como era bom ficar assim.
Pensava nele quando estava
trabalhando, imaginando o que ele estaria fazendo ou sobre o que ele e Nana
estariam conversando. Imaginava sua camise-ta colada sobre sua pele com a transpiração,
ou seus braços flexionados ao treinar os cães. Na quinta-feira de manhã, quando
viu Logan e Zeus aparecerem na entrada da casa para trabalhar pela janela da
cozinha, virou-se rapidamente de costas. Nana estava à mesa, tentando
lentamente colocar suas galochas, um desafio cada vez mais difícil, dada a
fraqueza de seu braço. Beth pigarreou.
— Tudo bem se o Logan tirar o dia de folga? —
perguntou.
Nana não se incomodou em esconder o sorriso irônico do
rosto.
— Por quê?
— Quero sair com ele hoje. Só nós dois.
— E a escola?
Ela já estava arrumada e com o almoço embrulhado.
— Estou pensando em ligar e dizer que estou doente.
— Ah — disse Nana.
— Eu o amo, Nana — revelou.
Nana balançou a cabeça, mas seus olhos brilharam.
— Estava me perguntando quando você ia colocar isso
para fora finalmente, em vez de me fazer ficar falando aquelas charadas tolas.
— Desculpe-me.
Nana levantou e bateu o pé algumas vezes,
certificando-se de que as galochas estavam bem colocadas, deixando uma pequena
camada de pó no chão.
— Suponho que possa dar conta das coisas por aqui
hoje. Provavelmente vai ser bom para mim. Tenho assistido a muita televisão
mesmo.
Beth ajeitou o cabelo atrás das orelhas.
— Obrigada.
— Não há de quê. Mas não vá se acostumando. Ele é o
melhor empregado que já tive.
Passaram a tarde toda
entrelaçados, fazendo amor repetidas vezes, e, quando finalmente chegou a hora
de ir embora — ela queria estar por perto quando Ben chegasse da escola —,
tinha certeza de que Logan a amava tanto quanto ela o amava e que ele também
começava a imaginar passar o resto de suas vidas juntos. A única coisa que
maculava seu perfeito momento de felicidade era a sensação de que tinha algo
incomodando-o. Não era ela — disso ela tinha cer-teza. Nem era o rumo que seu
relacionamento tomava; a forma como agia quando estavam juntos deixava isso
óbvio. Era algo mais, algo que ela não conseguia pontuar, mas, pensando bem,
tinha percebido isso na terça à tarde, depois de ter chegado em casa com Ben.
Ben, como sempre, saiu correndo do carro para brincar
com Zeus, ansioso para gastar energia antes da aula de música. Como ela ficou
conversando com Nana no escritório do canil, deu uma olhadinha em Logan, que
estava no quintal, com as mãos nos bolsos, parecendo distraído. Até mesmo no
caminhão, ao colocar o braço em seus ombros, dava para perceber que estava
preocupado. E à noite, depois do jogo de xadrez com Ben, foi para a varanda
sozinho. Beth foi atrás dele logo depois e sentou-se ao seu lado no balanço.
— Há alguma coisa incomodando-o? — finalmente
perguntou.
Ele não respondeu logo em seguida.
— Não estou bem certo.
— Você está chateado comigo?
Ele balançou a cabeça e sorriu.
— De forma alguma.
— O que está acontecendo?
Ele hesitou.
— Não estou bem certo — repetiu.
Ela olhou para ele com os olhos semicerrados.
— Quer falar sobre isso?
— Sim, mas não agora.
No sábado, com Ben na casa do pai, foram até a praia
Sunset Beach, perto de Wilmington.
Naquela altura, as
multidões de verão já tinham desaparecido, e além das poucas pessoas que
passeavam pela praia, o lugar estava todo para eles. O oceano, alimentado pelo
Golfo, ainda estava quente suficiente para ser aproveitado; entraram na água
até a altura dos joelhos e Logan atirou uma bola de tênis para além da
rebentação. Zeus estava se divertindo muito, nadando furiosamente e latindo
ocasionalmente como se estivesse tentando intimidar a bola para que não saísse
do lugar.
Ela tinha feito uma cesta de piquenique e pego algumas
toalhas, e, quando Zeus ficou cansado, voltaram para a areia e arrumaram-se
para o almoço. Metodicamente, ela foi tirando os ingredientes para preparar os
sanduíches e cortou pedaços de frutas frescas. Enquanto comiam, um barco de
pesca de camarão surgiu no horizonte, e por muito tempo Logan 'olhou para ele
com a mesma expressão preocupada que ela tinha notado a maior parte da semana.
—Você está com aquele olhar novamente.
— Que olhar?
— Diga logo! O que o está incomodando? E não me venha
com evasivas dessa vez.
— Estou bem — virou-se e olhou para ela. — Sei que
tenho andado meio distraído ultimamente, mas só estou tentando entender uma
coisa.
— O que, exatamente?
— Por que estamos juntos.
Seu coração bateu descompassado. Não era isso que
esperava ouvir e dava para sentir que sua expressão congelou.
— Não me expressei bem — disse, balançando a cabeça
rapidamente. — Não falei da forma que você está pensando. Estava pensando mais
no sentido de como essa oportunidade existiu. Não faz sentido.
Ela franziu a testa.
— Ainda não estou entendendo.
Zeus, que estava deitado ao lado deles, levantou a
cabeça para observar as gaivotas que pousavam ali por perto. Mais adiante
delas, à beira-mar, havia pássaros tentando pegar pequenos caranguejos na
areia. Logan os observava antes de continuar. Quando falou, seu tom era
decidido, como um professor falando sobre uma matéria ensinada.
— Se você olhar a situação
da minha perspectiva, é assim que eu vejo: uma mulher inteligente, charmosa,
bonita, que ainda não tem 30 anos, perspicaz e apaixonada. E ainda, quando ela
quer, extremamente sedutora — exibiu-lhe um sorriso conhecido antes de
continuar. — Em outras palavras, um partidão, na definição de qualquer um por
aí — fez uma pausa. — Interrompa-me se eu estiver lhe constrangendo.
Ela deu um tapinha no joelho dele.
— Você está indo muito bem. Prossiga.
Ele passou as mãos impacientes pelo cabelo.
— É isso que venho tentando entender. Tenho pensado
sobre os últimos dias.
Ela tentou, sem sucesso, acompanhar seu raciocínio.
Desta vez, em vez de dar um tapa no joelho, deu um apertão.
—Você precisa aprender a falar com mais clareza. Ainda
não estou entendendo.
Pela primeira vez desde que o conhecia, notou uma
ponta de impaciência em suas feições. Sumiu quase que imediatamente, e percebeu
que, de alguma forma, estava mais direcionada a ele do que a ela.
— Estou dizendo que não faz sentido você não ter tido
nenhum relacionamento desde o seu ex. — fez uma pausa, em busca das palavras
certas. — Tá, você tem um filho, e para alguns homens isso pode ser um
empecilho para começar um relacionamento. Mas, você geralmente não esconde esse
fato, então suponho que a maioria das pessoas em uma cidade pequena sempre
soube da sua situação. Estou certo?
Ela hesitou.
— Sim.
— E os homens com quem você saiu já sabiam de antemão
que você tinha um filho?
— Sim.
Olhou fixamente para ela de forma inquisitiva.
— Então, onde eles estão?
Zeus girou a cabeça no
colo dela, e ela fez carinho em sua cabeça, sentindo-se ficar cada vez mais na
defensiva.
— Por que isso interessa? E para dizer a verdade, não
tenho certeza se estou entusiasmada com as suas perguntas. O que aconteceu no
passado cabe a mim e não tenho como desfazê-lo, e não vou ficar aqui ouvindo
você sentado me perguntando com quem eu saí e o que aconteceu com eles. Sou o
que sou, e achava que de todas as pessoas no mundo você ia entender isso,
"Sr. Vim do Colorado a pé, mas não me pergunte o porquê!"
Ele ficou quieto e ela sabia que estava pensando no
que havia dito. Quando ele falou novamente, sua voz continha uma inesperada
ternura.
— Não estou dizendo isso para deixá-la zangada. Estou
dizendo isso porque acho que você é a mulher mais extraordinária que já conheci
— fez uma nova pausa antes de continuar, certificando-se de que suas palavras
fossem entendidas. — A questão é, tenho certeza de que quase todo homem
sentiria o mesmo que eu. E como você saiu com outros homens, especialmente em
uma cidade pequena em que há tantas mulheres com a mesma idade que a sua
disponíveis, tenho certeza de que eles teriam reconhecido a pessoa incrível que
você é. Tudo bem, alguns deles não faziam o seu tipo, então você mesma
terminou. Mas e os outros? Aqueles de que você gostou? Tinha de ter alguém, em
algum lugar, com quem você se desse bem.
Ele encheu a mão de areia e deixou-a escapar
lentamente por entre os dedos.
— É nisso que tenho pensado. Não é plausível que você
não tenha encontrado alguém, porque você mesma me contou que não tem sorte no
mundo dos relacionamentos amorosos. — Ele limpou a mão na toalha. — Até agora
estou errado?
Ela olhou para ele, perguntando-se como ele sabia
tanto.
— Não — disse.
— E você já pensou nisso, não pensou?
— Às vezes — confessou. — Mas você não acha que está
fazendo interpretações demais? Mesmo se eu fosse tão perfeita como você diz,
você tem de se lembrar de que os tempos mudaram. Deve haver milhares de
mulheres, se não houver dezenas de milhares de mulheres que poderiam ser
descritas dessa forma.
— Talvez — deu de ombros.
— Mas você não está convencido.
— Não — seus olhos azuis examinavam-na
incansavelmente.
— Que foi? Acha que é algum tipo de conspiração?
Em vez de responder diretamente, encheu a mão de areia
novamente.
— O que você me diz do seu ex? — perguntou.
— Por que isso importa?
— Estou curioso em saber a opinião dele sobre o fato
de você namorar.
— Tenho certeza de que ele não se interessa nem um
pouco por isso. E não consigo imaginar por que você acha que isso seria
importante.
Ele soltou a areia de uma vez.
—
Porque — disse, em voz baixa e virando-se para ela — tenho certeza de que ele
entrou na minha casa um dia desses.
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