Capítulo 20 - Beth
Não me surpreende — retrucou Nana. — Não coloco minha
mão no fogo pelo seu finado marido.
— Nana, ele ainda não morreu.
Nana suspirou.
— A esperança é a última que morre.
Beth tomou um gole de café. Era domingo, e elas haviam
acabado de voltar da igreja. Pela primeira vez desde o AVC, Nana tinha cantado
um pequeno solo em uma das músicas, e Beth não queria deixá-la perturbada.
Sabia o quanto o coral era importante para ela.
— Você não está me ajudando — disse Beth.
— Ajudar no quê?
— Estava dizendo...
Nana sentou-se do outro lado da mesa.
— Sei o que você estava dizendo. Você já me contou
isso, lembra-se? E se você está me perguntando se acho que Keith realmente
tenha entrado na casa de Thibault, estou simplesmente dizendo que isso não me
surpreende. Nunca gostei daquele homem.
— Nossa! E mesmo?
— Não tem razão para ser irônica!
— Não estou sendo irônica.
Nana não parecia ouvi-la.
— Você está com cara de cansada. Quer mais café? Que
tal uma torrada de canela?
Beth balançou a cabeça negativamente.
— Não estou com fome.
— Mesmo assim, é preciso comer. Não é saudável pular
refeições, e sei que não tomou café da manhã — levantou da mesa. — Vou fazer
uma torrada.
Beth sabia que não adiantava discutir. Quando Nana
tomava uma decisão, não tinha como fazê-la mudar de idéia.
— E a outra parte da história? E se Keith teve mesmo
algo a ver com... — não conseguiu concluir.
Nana deu de ombros e colocou duas fatias de pão na
torradeira.
— Sobre colocar os homens para correr? Nada que aquele
homem fizer me surpreende. E de certa forma isso explica muita coisa, não é
mesmo?
— Mas não faz sentido. Posso nomear pelo menos meia
dúzia de mulheres com quem ele tenha saído, e ele nunca nem deu a entender que
queria voltar comigo. Por que ele iria se importar com quem eu saísse, ou
deixasse de sair?
— Porque ele não passa de uma criança mimada — disse
Nana enquanto colocava dois tabletes de manteiga na frigideira e acendia o
fogo. — Você era o brinquedinho dele, e, mesmo tendo ganho brinquedos novos,
não quer que mais ninguém brinque com o velho.
Beth ajeitou-se na cadeira.
— Não sei se gosto dessa analogia.
— Não importa se você gosta ou não. O que importa é
saber se é verdade.
— E você acha que é?
— Não foi isso que eu disse. O que eu disse é que não
me surpreenderia. E não me diga que você ficou surpresa, também. Eu vejo a
maneira como ele a olha de cima a baixo. Me dá calafrios e uma baita vontade de
esmagá-lo com a pá de limpar cocô de cachorro.
Beth sorriu, mas só durou um instante. Quando a
torrada ficou pronta, Nana pegou as fatias e colocou-as em um prato. Espalhou
manteiga por cima delas e acrescentou açúcar e canela, colocando o prato na
frente de Beth.
— Tome. Coma alguma coisa. Você parece um esqueleto
ultimamente.
— Peso a mesma coisa que sempre pesei.
— O que não é o bastante.
O que nunca foi o bastante. Se você não tomar cuidado, vai ser levada pelo
vento da tempestade — balançou a cabeça ao olhar pela janela e sentou-se
novamente. — Essa vai ser das grandes. O que é bom. Precisamos de chuva. Espero
que não tenha nenhum cão uivador no canil.
Uivadores eram cachorros com medo das chuvas, os quais
atrapalhavam os outros cães por isso. Beth percebeu que a mudança no rumo da
conversa era uma oportunidade de mudar de assunto. Nana sempre oferecia uma
saída, mas, quando Beth deu a primeira mordida na torrada, percebeu que queria
falar sobre mais uma coisa.
— Acho que eles já se encontraram antes — disse.
— Quem? Thibault e o fracassado?
Beth levantou as mãos.
— Não fale dele dessa forma, por favor. Sei que você
não gosta dele, mas ele ainda é o pai de Ben e não quero que você se habitue a
chamá-lo assim quando Ben estiver por perto. Sei que agora ele não está aqui...
Nana deu um sorriso triste.
— Você está certa. Desculpe! Não vou falar novamente.
Mas o que você estava me falando?
— Você se lembra quando lhe contei que Keith trouxe
Ben de volta para casa com o olho roxo? Você estava na casa da sua irmã... —
Nana concordou com a cabeça. —Na noite passada, fiquei pensando nisso. Não
percebi na hora, mas, quando Keith viu Logan, ele não perguntou quem ele era.
Em vez disso, foi como se tivesse dado um clique, e ele ficou com raiva logo de
cara. Disse algo do tipo: "O que você está fazendo aqui?"
— E então? — Nana fez uma cara de quem não estava
entendendo nada.
— Foi a maneira como ele disse. Não estava tão
surpreso por haver um homem aqui em casa, estava particularmente surpreso por
Logan estar aqui em casa. Como se Logan fosse a última pessoa que ele esperasse
ver.
— O que Thibault diz sobre isso?
— Ele não disse nada. Mas faz sentido, não faz? Que já
tenham se cruzado antes, já que ele pensa que Keith entrou na casa dele?
— Talvez — disse Nana,
depois balançou a cabeça. — Não sei. Thibault falou o que ele acha que seu ex
poderia estar procurando?
— Não. Não disse. Só disse que não tinha nada de
valioso a ser encontrado.
— O que é uma maneira de fugir da resposta.
— Mmm... — concordou Beth. Deu mais uma mordida na
torrada, pensando que não tinha como conseguir comer tudo aquilo.
— E isso a preocupa? — perguntou Nana, inclinando-se
para frente.
— Um pouco.
— Porque você sente que ele está escondendo algo de
você.
Quando Beth não respondeu, Nana pegou na sua mão sobre
a mesa.
— Acho que você está se preocupando com as coisas
erradas. Talvez o seu ex tenha entrado na casa de Thibault, e talvez não.
Talvez eles já tenham se encontrado antes, talvez não. Mas nenhuma dessas
coisas é tão importante quanto o seu ex estar agindo por debaixo dos panos
contra você. Se eu fosse você, é com isso que ficaria preocupada, porque essa é
a parte que afeta você diretamente — fez uma pausa para que ela entendesse bem
o sentido das palavras. — Digo isso porque tenho visto você e Thibault juntos,
e é óbvio o quanto ele se importa com você. E acho que a razão de ter contado a
você sobre as suas suspeitas foi porque não queria que acontecesse com ele o
que aconteceu com os outros homens que você namorou.
— Então, você acha que Logan está certo?
— Sim. Você não acha?
Beth levou um bom tempo para responder.
— Também acho.
Uma coisa era achar; a outra era ter certeza. Depois
da conversa, Beth vestiu uma calça jeans, uma capa de chuva e foi de carro até
a cidade. A chuva tinha começado para valer há umas horas, um forte temporal
causado pelas chuvas tropicais vindas da Geórgia pela Carolina do Sul. O
noticiário estava prevendo quase 20 centímetros de chuva nas últimas vinte e
quatro horas. Mais duas tempestades vindas do Golfo do México tinham atingido a
costa nos últimos dias e era possível que
adentrassem ainda mais a região, trazendo mais chuva. O verão quente e seco
estava oficialmente chegando ao fim.
Beth mal conseguia ver pelo limpador do pára-brisa,
mesmo colocando-o na função máxima. Os esgotos estavam começando a inundar e,
conforme ia dirigindo em direção à cidade, via turbilhões irregulares de água
indo em direção ao rio. Até agora, o nível do rio não tinha se elevado, mas
isso não tardaria a acontecer; aproximadamente todo afluente da região
desaguava nele, e ela suspeitava de que o rio ia transbordar muito em breve. A
cidade estava acostumada a lidar com inundações; tempestades como essa faziam
parte da vida dessa região do país, e a maioria das empresas situava-se bem
longe do rio para evitar sofrer com a maioria dos efeitos, mesmo em caso de
inundações excepcionais. A estrada que levava para o canil — por ser paralela
ao rio — era outra história. Quando havia fortes tempestades, especialmente
durante furacões, o rio a invadia, tornando a passagem perigosa. Hoje não seria
problema, mas suspeitava de que as coisas ficariam bem piores até o fim da
semana. No carro, continuou refletindo sobre sua conversa com Nana. Na manhã
anterior, as coisas pareciam bem mais simples, mas agora não conseguia ignorar
as dúvidas que passavam pela sua cabeça. Não só sobre Keith, mas também sobre
Logan. E se fosse verdade que Logan e Keith tivessem se encontrado antes, por
que Logan não disse nada? E o que Keith estaria procurando na casa de Logan?
Sendo policial, Keith tinha acesso a todo tipo de informação pessoal, então não
poderia ser algo desse tipo. O que poderia ser, então? Ela não conseguia
descobrir.
E Keith...
E se Nana e Logan estivessem certos? E, supondo que
estivessem certos — porque depois de pensar bem no assunto, intuiu que deveria
ser mesmo verdade —, como ela nunca tinha percebido isso?
Era difícil admitir que poderia tê-lo julgado mal.
Lidava com o homem há mais de dez anos e, apesar de saber que ele nunca foi um
exemplo de bondade, a idéia de sabotar sua vida pessoal era algo que jamais
tinha passado pela sua cabeça. Quem faria uma coisa dessas? E por quê? A
maneira como Nana havia dito — que ela a considerava um brinquedo que ele não
estava disposto a compartilhar — tinha um fundo de verdade que deixava seu
pescoço rígido de tensão enquanto dirigia.
O que mais a surpreendia era o fato de que, em uma
cidade pequena, onde os segredos são virtualmente impossíveis de ser guardados,
ela nunca tenha suspeitado disso. Ficou pensando sobre seus amigos e vizinhos,
mas principalmente sobre os
homens que a convidaram para sair, em primeiro lugar. Por que eles simplesmente
não mandaram Keith cuidar da sua própria vida?
Porque, disse a si mesma, o sobrenome dele era
Clayton. E aqueles homens não iriam discutir, pela mesma razão que ela não
pressionava Keith em relação a Ben. Às vezes, era mais fácil apenas tentar
conviver.
Ela realmente odiava aquela família.
Claro que ela já estava começando a exagerar. Só
porque Logan e Nana suspeitavam que Keith estava aprontando alguma coisa, não
necessariamente o fato se tornava verdadeiro. E era por isso que estava no
carro agora.
Virou à esquerda no cruzamento principal, indo em
direção a um bairro mais antigo, onde a grande maioria das casas possuía um
estilo de artesão, com varandas grandes e espaçosas. As ruas eram demarcadas
por árvores enormes, a maioria com pelo menos 100 anos de idade, e ela se
lembrava de que, quando criança, aquele era o seu bairro predileto. Era uma
tradição entre as famílias de lá decorar de forma extravagante o exterior das
casas nos feriados, dando ao local um ar pitoresco e animado.
A casa dele ficava no meio da rua, e avistou seu carro
estacionado na garagem. Havia outro carro estacionado atrás do dele, e, apesar
de o fato significar que ele tinha companhia, ela não queria voltar outra hora.
Depois de estacionar na frente da casa. colocou o capuz da capa de chuva e saiu
no meio da tempestade.
Pisou em algumas poças de água que se acumularam na
calçada e subiu os degraus que davam na varanda. Pela janela, pôde ver um
abajur aceso no canto da sala de estar; a televisão estava ligada na última
corrida da Nascar. A visita deve ter insistido para ver, pois o dono da casa
não colocaria nesse canal de jeito nenhum. Sabia que ele odiava a Nascar.
Tocou a campanha e deu um passinho para trás. Quando ele
colocou o rosto na porta, só demorou um instante para reconhecê-la. No olhar
dele, viu uma mistura de surpresa e curiosidade, junto com uma característica
que ela não estava esperando: medo.
Olhou rapidamente para os
dois lados da rua antes de voltar a olhar para ela.
— Beth, o que você está fazendo aqui?
— Oi, Adam — disse, sorrindo. — Estava imaginando se
você não poderia me dar uns minutinhos. Preciso muito falar com você.
— Tenho visitas — falou baixinho. — Agora não é uma
boa hora.
Na mesma hora ouviu a voz de uma mulher vindo de
dentro da casa.
— Quem é?
— Por favor? — implorou Beth.
Ele pareceu avaliar se deveria ou não fechar a porta
na cara dela antes de suspirar.
— Uma amiga — respondeu e virou-se para Beth. — Me dê
um minuto, está bem?
A mulher apareceu por detrás dele, segurando uma
cerveja e vestindo jeans e camiseta que estavam um pouco justos demais. Beth
lembrou que ela era secretária no escritório de Adam. Noelle, ou algo assim.
— O que ela quer? — perguntou Noelle.
Pelo seu tom, era óbvio que também tinha reconhecido
Beth.
— Não sei. Ela não vai demorar, está bem?
— Mas quero ver a corrida — fez um bico, passando os
braços ao redor da cintura dele de forma possessiva.
— Eu sei. Não vai demorar — hesitou ao ver a expressão
de Noelle. — Eu prometo — tranquilizou-a.
Beth ficou pensando se o tom de choramingo percebido
na voz dele sempre tinha sido assim, e perguntou-se por que não tinha percebido
antes. Ou ele tentou esconder ou foi ela que fez força para ignorar. Suspeitou
de que tivesse sido a segunda opção, e o pensamento a fez sentir-se um pouco
vazia.
Adam saiu na varanda e fechou a porta. Ao olhar para
ela, não dava para dizer se estava com medo ou zangado. Ou as duas coisas.
— O que há de tão importante? — perguntou, parecendo
um adolescente.
— Não é nada importante.
Só vim aqui para lhe fazer uma pergunta.
— Sobre o quê?
Beth o forçou a olhar para ela.
— Quero saber a razão pela qual você nunca mais ligou
depois que saímos para jantar.
— Quê? — mudou o peso do corpo de uma perna para a
outra, parecendo um cavalo arisco. — Você só pode estar brincando.
— Não estou.
— Só não liguei, está bem? Não deu certo. Sinto muito.
É para isso que você está aqui? Quer que eu me desculpe?
A última frase pareceu um choramingo, e ela se
perguntou como tinha saído com ele.
— Não, não quero suas desculpas.
— Então, o que é? Veja bem, tenho visitas — apontou
com o dedão por cima do ombro. — Tenho de ir.
Como a pergunta ficou pairando no ar, ele olhou de
novo para os dois lados da rua, e ela percebeu o que estava acontecendo.
— Você está com medo dele, não está?
Apesar de tentar esconder, ela sabia que tinha pego em
um ponto fraco.
— Quem? De quem você está falando?
— Keith Clayton. Meu ex.
Ele abriu a boca para falar, mas não disse nada. Em
vez disso, engoliu em seco em uma tentativa de negar.
— Não sei do que você está falando.
Ela se aproximou.
— O que ele fez? Ele o ameaçou? Assustou-o?
— Não, não quero falar
sobre isso — disse, virou-se para a porta e procurou pela maçaneta. Ela segurou
no braço dele para pará-lo, aproximando-se do rosto dele. Sentiu os músculos
dele se contraírem.
— Ele fez isso, não fez? — pressionou.
— Não posso falar sobre isso — hesitou. — Ele...
Apesar de suspeitar de que Nana e Logan estavam certos
e que sua própria intuição a teria levado até lá. em primeiro lugar, sentiu um
espécie de colapso interno em Adam que vinha confirmar tudo.
— O que ele fez?
— Não posso falar para você. Você, mais do que
qualquer um, deveria entender. Você sabe como ele é. Ele vai...
Não conseguiu concluir, como se subitamente tivesse
percebido que tinha falado demais.
— Ele vai o quê?
Ele balançou a cabeça.
— Nada. Ele não vai fazer nada — retomou a compostura.
— As coisas não deram certo entre nós. Vamos deixar assim.
Abriu a porta, Fez uma pausa e respirou profundamente,
e ela se perguntou por que ele teria mudado de idéia.
— Por favor, não volte aqui. Beth sentou-se no balanço
da varanda da frente, olhando a chuva cair, suas roupas ainda estavam molhadas.
Nana deixou-a só com seus pensamentos na maior parte do tempo, interrompendo só
para oferecer uma xícara de chá e um biscoito caseiro de pasta de amendoim
quentinho, mas o fez de uma forma totalmente silenciosa, contrariando sua
própria natureza.
Beth tomou um gole de chá e percebeu que não queria.
Não estava com frio; apesar da chuva incessante, o ar estava quente e dava para
ver a cerração ao redor da propriedade. Ao longe, a entrada da casa parecia
desaparecer em meio à névoa acinzentada.
Seu ex logo chegaria. Keith Clayton. De vez em quando,
sussurrava o nome, fazendo-o soar quase como uma blasfêmia.
Não dava para acreditar.
Não, não era verdade. Ela realmente acreditava, sim. Apesar de querer dar uns
tapas em Adam por ter sido tão covarde nessa situação, sabia que não poderia
culpá-lo. Ele era um cara legal, mas não era, nem nunca foi, o tipo de cara a
ser o primeiro escolhido para um jogo de basquete ou beisebol. De jeito algum
ele ia enfrentar seu ex.
Só queria que Adam tivesse revelado o que Keith tinha feito.
Era fácil de imaginar; não tinha dúvidas de que o escritório de Adam devia ser
alugado, e o proprietário era alguém da família Clayton. Quase toda empresa no
centro da cidade era deles. Será que usou a tática do aluguel? Ou a tática do
"eu posso dificultar a sua vida"? Ou usou a tática da imposição da
lei? Até onde esse homem estaria disposto a ir?
Já que estava sentada lá fora, tentou descobrir
exatamente quantas vezes isso tinha acontecido. Não foram muitas, talvez cinco
ou seis, pensou, que ti-nham acabado de forma repentina e inexplicável, assim
como tinha sido com Adam. Incluindo Frank, que foi quando? Sete anos atrás?
Será que ele a seguia, a espionava, há tanto tempo? Perceber esse feito
causou-lhe um nó no estômago. E Adam...
O que acontecia com os homens que ela escolhia que
pareciam cãezinhos adestrados toda vez que Keith intervinha? Certo, ele tinha
uma família poderosa, e, sim, ele era da polícia, mas por que não poderiam agir
como homens? Mandando ele cuidar da própria vida? E por quê, pelo menos, não
vieram até ela para contar o que estava acontecendo? Em vez disso, fugiam com o
rabinho no meio das pernas. Entre eles e Keith, ela não tinha tido sorte
nenhuma com os homens. Como é que diz o ditado? "Na primeira quem quer
cai; na segunda cai quem quer." Era sua culpa escolher homens tão
decepcionantes? . Talvez, admitiu. Mesmo assim, não se tratava disso. Á questão
era que Keith estava agindo por debaixo dos panos para manter as coisas
exatamente do jeito que queria. Como se fosse dono dela.
Esse pensamento fez com que seu estômago se revirasse
novamente, desejando que Logan estivesse ali. Não porque Keith logo viria
trazer Ben. Ela não precisava dele para isso. Não tinha medo de Keith. Não
tinha medo dele porque sabia que no fundo ele era um valentão, e valentões são
os primeiros a recuar quando alguém bate de frente com eles. Por essa mesma
razão Nana não tinha medo de Keith. Drake também tinha essa percepção, e ela
sabia que ele sempre deixava Keith nervoso.
Na verdade, queria que Logan estivesse lá porque era
um bom ouvinte, e sabia que ele não iria interrompê-la nem tentaria resolver
seu problema, ou ficaria entediado se ela
dissesse: "Não acredito que ele realmente tenha feito isso",
100 vezes. Ele deixaria que desabafasse.
Pensou, porém, que a última coisa que queria era
liberar a sua raiva. Era melhor deixá-la latente. Precisava da raiva para
confrontar Keith — isso a manteria firme —, mas, ao mesmo tempo, não queria
perder o controle. Se começasse a gritar, Keith iria simplesmente negar tudo
antes de sair como um tufão. O que ela queria, entretanto, era que Keith
ficasse fora da sua vida particular — especialmente agora que estava com Logan
— sem transformar os fins de semana de Ben em algo pior do que já eram.
Não, era melhor que Logan não estivesse lá. Keith
poderia exagerar na reação se visse Logan novamente, até mesmo provocar Logan
para ver como ele reagia, o que poderia ser um problema. Se Logan encostasse um
só dedo em seu ex, ficaria na cadeia por um bom tempo. Teria de falar com Logan
sobre isso depois, para ter certeza de que ele entendia como as coisas
funcionavam em Hampton. Mas, agora, tinha de resolver esse outro probleminha.
Ao longe, os faróis surgiram, e o carro pareceu
liquefazer-se para depois solidificar-se ao aproximar-se da casa. Viu Nana
olhar pela cortina e depois fechá-la. Beth levantou do balanço e foi em direção
a escada da varanda quando a porta do passageiro abriu. Ben saiu segurando sua
mochila e pisou em uma poça, molhando os sapatos. Pareceu nem notar ao
encaminhar-se para a escada da varanda.
— Oi, mamãe — abraçaram-se e ele olhou para ela. —
Podemos comer espaguete no jantar?
— Claro, querido. Como foi seu fim de semana?
Ele deu de ombros.
— Você já sabe.
— Sei. Por que você não sobe e troca de roupa? Acho
que Nana fez biscoitos. E tire os sapatos, está bem?
— Você não vem?
— Já vou. Quero falar com seu pai primeiro.
— Por quê?
— Não se preocupe. Não tem nada a ver com você.
Tentou interpretar a
expressão dela, mas ela colocou a mão em seu ombro.
— Vá em frente. Nana está esperando.
Ben entrou, e Keith abaixou um pouco a janela.
— Nós nos divertimos muito. Não deixe ele dizer outra
coisa.
Seu tom estava repleto de uma autoconfiança petulante.
Provavelmente, pensou, porque Logan não estava por perto.
Ela deu mais um passo à frente.
— Você tem um minuto?
Ele olhou para ela pela fresta da janela antes de
parar o carro e desligar o motor. Abriu a porta, saiu do carro e subiu a escada
correndo. Na varanda, sacudiu a cabeça, fazendo com que alguns pingos caíssem,
antes de sorrir para ela. Ele provavelmente devia achar que aquilo era sexy.
— Que foi? Como disse, nos divertimos muito esse fim
de semana.
— Você o fez limpar a cozinha de novo?
O sorriso desapareceu.
— O que você quer, Beth?
— Não seja amargo. Só fiz uma pergunta.
Ele continuou olhando para ela, tentando entender o
que ela estava pretendendo.
— Não digo como você deve agir com Ben quando ele está
com você, e espero a mesma delicadeza de você. Então, sobre o que você queria
falar?
— Sobre algumas coisas, na verdade — apesar da repulsa
que sentia, forçou um sorriso e apontou para o balanço. — Gostaria de se
sentar?
Ele pareceu surpreso.
— Claro. Mas não posso ficar muito. Tenho planos para
esta noite.
Claro que tem, pensou. Ou é verdade, ou quer que eu
pense que é verdade. O tipo de indireta costumeira desde o divórcio.
Sentaram-se no balanço.
Depois de se sentar, ele balançou para frente e para trás, inclinando e
esticando os braços.
— Isto é legal, foi você que fez?
Ela tentou ficar o mais distante dele que pôde no
balanço.
— Foi o Logan.
— Logan?
— Logan Thibault. Trabalha para Nana no canil.
Lembra-se? Você já o encontrou.
Ele cocou ó queixo.
— O cara que estava aqui outro dia?
Como se ele não soubesse.
— Isso, ele mesmo.
— E ele não se importa em limpar casinha e cocô de
cachorro?
Ela ignorou a pontada óbvia.
— Ah-hã.
Ele soltou o ar ao balançar a cabeça.
— Antes ele do que eu — virou-se para ela dando de
ombros. — Então, o que você quer?
Ela pensou cuidadosamente em suas palavras.
— É difícil falar sobre isso... — fez uma pausa,
sabendo que ele ia ficar mais interessado.
— O que é?
— Estava falando com uma amiga minha um dia desses e
ela me disse uma coisa que ficou meio atravessada.
— O que ela disse? — Keith aproximou-se dela alerta.
— Bem, antes de lhe contar, quero que saiba que é só
um boato. Uma amiga, de uma amiga de uma amiga, ouviu qualquer coisa e eu
acabei sabendo. É sobre você.
Ele ficou curioso.
— Sou todo ouvidos.
— O que ela disse é... — hesitou. — Ela disse que, no
passado, você me seguia quando eu saía com alguém. E que você falou para alguns
deles que não era mais para sair comigo.
Ela tentou não olhar diretamente para ele, mas pelo
canto do olho, dava para ver que sua expressão tinha congelado. Não estava
apenas chocado. Era culpado. Ela apertou os lábios para não explodir.
Com a expressão relaxada, ele disse:
— Não acredito! — batendo os dedos nas pernas. — Quem
lhe falou isso?
— Não é importante. Você não a conhece.
— Estou curioso — pressionou.
— Não é importante — repetiu. — Não é verdade, não é
mesmo?
— Claro que não. Como você pode pensar uma coisa
dessas?
"Mentiroso!" Gritava por dentro,
forçando-se para não dizer nada. No silêncio, balançou a cabeça.
— Parece-me que você precisa escolher melhor suas
amigas. E, para ser franco, estou um pouco magoado por estarmos tendo essa
conversa.
Ela esforçou-se para sorrir.
— Falei para ela que não era verdade.
— Mas você quis ter certeza perguntando-me pessoalmente.
Sentiu uma ponta de raiva na voz dele e lembrou a si
mesma para ter cuidado.
— Como você vinha aqui... — tentou parecer casual. —
E, além disso, nos conhecemos há tempo suficiente para podermos conversar como
adultos — olhou para ele de olhos bem abertos, mostrando ser vítima de um erro
inocente. — Você se incomodou com a minha pergunta?
— Não, mas mesmo assim, chegar a pensar que... — levou
as mãos para o alto.
— Eu não pensei nada. Mas
queria contar para você porque imaginei que você quisesse saber o que as
pessoas falam nas suas costas. Não gosto que falem dessa forma do pai de Ben, e
disse isso a ela.
Suas palavras surtiram o efeito desejado: ele ficou
inchado de tanto orgulho.
— Obrigado por me defender.
— Não há nada a defender. Sabe como são as fofocas.
São o lixo tóxico das cidades pequenas — balançou a cabeça. — Então, como vai o
resto? Tudo bem no trabalho?
— O mesmo de sempre. Como vai sua turma des te ano?
— É uma ótima turminha. Pelo menos, até agora.
— Que bom! — apontou para o quintal. — Que temporal,
heim? Mal dava para ver a estrada.
— Estava pensando nisso quando vocês chegaram. Que
louco! Estava tão bom na praia ontem.
— Você foi para a praia?
Ela concordou com a cabeça.
— Logan e eu fomos. Estamos juntos há algum tempo.
— Huh. Parece que está ficando sério.
Olhou para ele de relance.
— Não me diga que aquela mulher estava certa!
— Não, claro que não.
Ela fingiu um sorriso brincalhão.
— Eu sei. Só estava provocando. E não, não está sério
ainda, mas ele é uma ótima pessoa.
Ele juntou as mãos.
— E qual é a opinião de Nana sobre isso?
— Por que isso importa?
Ele se ajeitou na cadeira.
— Só estou tentando dizer que situações como essas
podem ser complicadas.
— Do que você está falando?
— Ele trabalha aqui. E você sabe como o tribunal
funciona atualmente; você está dando margem a um enorme processo de assédio
sexual.
— Ele não faria isso...
Keith falou com paciência, como se estivesse dando uma
palestra para alguém mais novo.
— Pode acreditar em mim. Todo mundo diz isso. Mas,
pense bem. Ele não tem laços com a comunidade e, se está trabalhando para Nana,
é óbvio que não tem muito dinheiro. Sem ofensas. Mas lembre-se, sua família tem
um bom pedaço de terra — deu de ombros. — Só estou dizendo que, se fosse você,
tomaria cuidado.
Falou com persuasão e, apesar de ela saber suas
verdadeiras intenções, pareceu preocupado. Como se fosse um amigo realmente
interessado em seu bem-estar. "Ele deveria ser ator", pensou.
— Nana é a dona da terra e da casa. Não eu.
— Você sabe como são os advogados.
"Sei exatamente", pensou. “Lembro-me
do que o seu advogado fez na audiência pela guarda de Ben”.
— Não acho que isso será um problema, mas vou falar
com Nana.
— Deve ser uma boa ideia.
— Estou feliz por estar certa a seu respeito.
— O que você quer dizer?
— Você sabe, por não ter nenhum problema em relação ao
meu namoro com Logan. Além da preocupação com o assédio sexual. Eu gosto muito
dele. — Ele descruzou as pernas. — Eu não diria que não tenho problema com
isso.
— Mas você disse...
— Disse que não me importo
com quem você namora, e não me importo. Mas me importo com quem entra na vida
do meu filho, porque me importo com o meu filho.
— E deve mesmo. Mas o que uma coisa tem a ver com a
outra?
— Pense bem, Beth... você não vê as coisas que eu
tenho de ver. No trabalho, quero dizer. Mas eu vejo coisas terríveis o tempo
todo, então é claro que eu ficaria preocupado com quem passa muito tempo com
Ben. Ia querer saber se ele é violento ou se é algum pervertido...
— Ele não é — interrompeu Beth, sentindo o sangue
ferver. —Verificamos seus antecedentes.
— Isso pode ser forjado. Não é difícil tirar uma nova
identidade. Como você sabe se o nome dele é mesmo Logan? Não dá nem para
perguntar por aí, não é? Você já conversou com alguém relacionado ao passado
dele? Ou com a família dele?
— Não...
— Aí está. Só estou falando para você ter cuidado, não
estou dizendo isso só por causa de Ben. Por sua causa também. Há muita gente
ruim neste mundo, e a razão de não estarem na cadeia é porque aprenderam a
esconder suas ações.
— Você faz parecer como se ele fosse algum tipo de
criminoso.
—
Não estou nem tentando. Ele pode ser o cara mais legal e mais responsável do
mundo. Só estou dizendo que você não sabe quem ele realmente é. E, até saber, é
melhor prevenir do que remediar. Você lê os jornais e vê o noticiário. Não
estou falando nada que você não saiba. Só quero que nada aconteça com Ben. E
não quero que você se machuque.
Beth abriu a boca para dizer algo, mas, pela
primeira vez desde que havia sentado ali com seu ex, não conseguiu pensar em
mais nada para dizer.
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