Capítulo 21 - Clayton
Clayton sentou-se atrás da direção do seu carro,
sentindo-se bem satisfeito consigo mesmo.
Teve de raciocinar rapidamente, mas tinha ido além do
que esperava, especialmente levando em consideração a maneira como a conversa
tinha come-çado. Alguém o tinha delatado e, enquanto dirigia, tentava descobrir
quem poderia ter sido. Geralmente, não havia segredos em cidades pequenas, mas
ele tinha conseguido chegar o mais próximo disso. Os únicos que sabiam eram os
poucos homens com quem tinha tido uma conversinha e, claro, ele mesmo.
Imaginou que tivesse sido um deles, mas duvidava. Eram
vermes, cada um deles, e todos haviam seguido a própria vida. Não havia razão
para terem aberto a boca. Até mesmo o tonto do Adam tinha arrumado outra
namorada, o que tornava improvável que fosse começar a falar agora.
Poderia, porém, ter sido simplesmente um boato. Era
possível que alguém suspeitasse de suas ações e chegasse a essa conclusão. Uma
mulher bonita, levando o fora repetidas vezes sem motivo aparente... e,
pensando bem, talvez tenha falado sobre isso com Moore ou até mesmo Tony e
alguém pode ter escuta-do — mas nunca seria tonto ou ficaria bêbado o
suficiente para entrar em detalhes. Sabia que isso poderia lhe causar problemas
com seu pai, especialmente porque não deveria usar a força da lei para fazer
ameaças. Mas alguém havia falado alguma coisa para Beth. Não acreditava muito
que tivesse sido uma amiga dela. Poderia ter mudado esse detalhe só para
disfarçar. Poderia ter sido homem ou mulher; o que era certo é que Beth só
tinha ficado sabendo disso agora. Conhecendo-a como a conhecia, sabia que não
teria guardado um assunto desses por tanto tempo. Era aí que as coisas ficavam
confusas. Havia ido buscar Ben no sábado de manhã e ela não tinha falado nada.
Ela mesma tinha dito que havia ido à praia com
Thibault no sábado. Avistaram-se na igreja pela manhã,
mas ela estava em casa no fim da tarde. Então, quem poderia ter falado? E
quando? Talvez pudesse ter sido Nana, pensou. Aquela mulher sempre fora uma
pedra no seu sapato. No de vovô também. Nos últimos quatro ou cinco anos, vinha
tentando convencer Nana a vender sua propriedade para que ele pudesse expandir
a cidade. Além de ter uma
linda vista para o rio, tinha também valiosos riachos. As pessoas que vinham do
norte adoravam casas com vista para o rio. Vovô sempre aceitava bem as ofertas
recusadas de Nana, pois gostava dela. Provavelmente porque frequentavam a mesma
igreja, algo que não parecia ter a menor importância quando o assunto era a
opinião de Nana sobre seu ex-genro que, por sinal, também frequentava a mesma
igreja. Ainda assim, isso parecia-lhe o tipo de encrenca que Thibault começaria.
Mas como é que ele ia saber? Eles tinham sido vistos apenas duas vezes, e não
tinha como chegar a essa conclusão a partir desses dois encontros. Mas e a
invasão? Clayton pensou nisso antes de descartar a idéia. Ele entrou e saiu em
vinte minutos e nem foi preciso arrombar a fechadura, já que o cara nem se
importa em trancar a porta. E não tirou nada de lá, então por que Thibault ia
suspeitar de que alguém tinha entrado lá em primeiro lugar? E mesmo se ele
tivesse imaginado que alguém houvesse entrado em sua casa, por que ele ligaria
esse fato a Clayton?
Não conseguia responder a essas perguntas de maneira
satisfatória, mas a teoria de que Thibault tinha algo a ver com essa questão
parecia adequada. Só tivera problemas desde a chegada de Thibault. Então, concluiu
que Thibault era o primeiro na sua lista de pessoas que deveriam cuidar da sua
própria vida. O que deu a ele mais uma razão para finalmente dar um jeito no
cara.
Mas não ia ficar se prendendo muito àquilo agora.
Ainda estava se sentindo muito bem sobre a forma como havia salvo a sua
conversa com a Beth. A última coisa que esperava no mundo é que ela o chamasse
para conversar sobre seu envolvimento em relacionamentos anteriores. Mas ele
tirou de letra. Ele não conseguiu negar de uma forma totalmente plausível, como
também a deixou pensando duas vezes sobre Thibault. Dava para ver na cara dela
que tinha levantado uma série de questões que ela não tinha pensado em relação
a Thibault... e o melhor de ti ele a tinha convencido de que fazia tudo isso pensan-do
em Ben. Quem sabe? Talvez ela acabasse dando fora nele, e assim Thibault ia
embora da cidade, isso não seria demais? Outro relacionamento da Beth seria
resolvido, e Thibault sairia de cena.
Dirigiu lentamente, saboreando o gosto da vitória.
Imaginou se deveria sair para comemorar com uma cerveja, mas decidiu que não.
Não poderia mesmo falar sobre o que tinha acontecido. Falar era o tinha metido
em encrencas, em primeiro lugar.
Depois de virar a rua, passou por uma série de casas
bem cuidadas, cada uma com um terreno de meio acre. Morava no fim de uma rua
sem saída; seus vizinhos eram um médico e
um advogado. Não tinha se saído tão mal, dizia a si mesmo.
Foi só quando ia entrar na garagem que percebeu alguém
em pé na calçada em frente da casa. Quando diminuiu a velocidade, viu o cão
parado ao lado dele e pisou no breque, não crendo em seus próprios olhos. Parou
o carro de qualquer jeito. Apesar da chuva, saiu do carro e foi direto em
direção a Thibault.
Quando Zeus rangeu os dentes e começou a avançar,
Clayton recuou. Thibault levantou a mão, e o cachorro congelou.
— Que diabos você está fazendo aqui? — gritou, sua voz
sobrepondo-se ao barulho da chuva.
— Esperando por você. Acho que é hora de ter mos uma
conversinha.
— E por que é que eu ia querer conversar com você?
— Acho que você sabe.
Clayton não gostou do tom, mas não seria intimidado
pelo cara. Nem agora. Nem nunca.
— O que eu sei é que você está vadiando. Nesse país,
isso é crime.
— Você não vai me prender.
Parte dele pensou em fazer exatamente isso.
— Não tenha tanta certeza.
Thibault continuou a encará-lo como se estivesse
desafiando-o. Clayton queria tirar aquela expressão do rosto de Thibault com
seu punho. Mas o cãozinho estava lá.
— O que você quer?
— Como disse, é hora de conversarmos — falou com voz
ainda mais firme.
— Não tenho nada para falar com você. Vou entrar. Se
ainda estiver aqui quando eu chegar na varanda, vou levar você preso por
ameaçar um policial com uma arma letal.
Virou-se e começou a caminhar em direção à porta.
— Você não achou o cartão de memória — gritou
Thibault.
Clayton parou e virou-se.
— O quê?
— O cartão — Thibault repetiu. — Era isso que estava
procurando na minha casa quando a invadiu. Quando vasculhou minhas gavetas,
olhou debaixo do meu colchão e dentro dos armários.
— Não entrei na sua casa.
— Entrou, sim. segunda-feira passada, quando eu estava
trabalhando.
— Prove!
— Tenho todas as provas necessárias. O detector de
movimentos que instalei na lareira ligou a filmadora que estava escondida na
lareira. Imaginei que você fosse procurar pelo cartão um dia e jamais ia
procurar por lá.
Clayton sentiu o estômago revirar enquanto tentava
descobrir se Thibault estava blefando. Talvez sim, talvez não; não dava para dizer.
— Você está mentindo.
— Então, vá embora. Será ótimo entregar a gravação
para o jornal e o delegado agora mesmo.
— O que você quer?
— Já disse, acho que está na hora de termos uma
conversa.
— Sobre o quê?
— Sobre o lixo de pessoa que você é! — deixou as
palavras saírem lentamente. — Tirar fotografias de estudantes? O que seu avô
pensaria sobre isso? Imagino o que aconteceria se ele ficasse sabendo, ou o que
o jornal ia dizer. Ou o que seu pai, que suponho ser o delegado de polícia, ia
pensar sobre seu filho invadindo a minha casa.
Clayton sentiu outra pontada no estômago. Não tinha
como esse cara saber essas coisas... mas ele sabia.
— O que você quer? — apesar de se esforçar muito,
sabia que seu tom de voz tinha mudado.
Thibault continuava a sua frente, com o olhar
impassível. Clayton podia jurar que o homem nem piscava.
— Quero que você seja uma
pessoa melhor.
— Não sei do que você está falando.
— Três coisas. Vamos começar com isso: não se meta na
vida da Elizabeth.
Clayton piscou.
— Quem é Elizabeth?
— Sua ex-esposa.
— Está falando da Beth?
— Você tem dado um jeito de acabar com os
relacionamentos dela desde que vocês se divorciaram.
Você sabe disso e eu sei disso. E agora ela sabe disso
também. Não vai mais acontecer. Jamais. Estamos combinados?
Clayton não respondeu.
— Número dois, não se meta na minha vida. Isso inclui
minha casa, meu emprego, minha vida. Entendeu?
Clayton ficou em silêncio.
— E número três, Esse é muito importante — levantou a
palma da mão como se estivesse fazendo um juramento. — Se você descontar a
raiva que tem de mim em Ben, vai ter de se entender comigo.
Clayton sentiu os pelos da nuca se arrepiarem.
— Isso é uma ameaça?
— Não. É a verdade. Faça essas três coisas e não terá
nenhum problema comigo. Ninguém jamais vai saber o que você fez.
Clayton apertou a mandíbula. No silêncio, Thibault
aproximou-se dele. Zeus ficou em seu lugar, evidentemente frustrado por ser
forçado a ficar para trás. Thibault ficou bem perto até ficarem face a face.
Sua voz manteve-se calma desde o início.
— Saiba disso: você nunca conheceu alguém como eu
antes. Você não vai querer ter a mim como inimigo.
Dito
isso, Thibault deu meia-volta e foi andando pela calçada. Zeus continuou a
encarar Clayton até ouvir o comando. Então, foi ao encontro de Thibault,
deixando Clayton de pé, na chuva, perguntando-se como tudo, antes tão
perfeito, poderia ter ficado tão ruim de repente.
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