Capítulo 22 - Thibault

— Acho que quero ser astronauta — disse Ben.
Thibault estava jogando xadrez com ele na varanda dos fundos, tentando decidir sua próxima jogada. Tinha de ganhar o jogo e, apesar de não ter certeza absoluta, o fato de Ben ter começado a falar não lhe parecia um bom sinal. Ultimamente, estavam jogando muito xadrez, pois não houvera um só dia sem chuva forte desde que outubro havia começado, há dez dias. A região leste do Estado já estava alagada e todos os dias havia rios transbordando.
— Parece uma boa idéia.
— Astronauta ou bombeiro.
— Conheci alguns bombeiros.
— Ou médico.
— Hmmm... — colocou a mão no bispo.
— Eu não faria isso — disse Ben.
Thibault olhou para cima.
— Sei o que você está pensando em fazer e não vai dar certo.
— O que eu devo fazer?
— Algo que não seja isso.
Thibault tirou a mão do bispo. Uma coisa era perder, outra era perder continuamente. E o pior é que ele não parecia estar diminuindo esse placar. Pelo contrário, Ben estava ficando cada vez melhor e mais rápido. O último jogo tinha durado todas as 31 jogadas.
— Você gostaria de ver a minha casa da árvore? É muito legal. Tem uma grande passarela em cima do riacho e uma ponte móvel.
— Adoraria conhecê-la.
— Não agora. Um outro dia, talvez.
— Parece uma ótima idéia — disse Thibault, colocando a mão na torre.
— Eu também não faria esse movimento.
Thibault recolheu o braço e Ben inclinou-se para trás.
— Só estou avisando.
Deu de ombros, agindo exatamente como o garoto de 10 anos de idade que era.
— O que você achar melhor.
— Menos mover o bispo e a torre.
Ben apontou para outra peça.
— E o outro bispo. Conhecendo você, seria seu próximo movimento, já que está tentando uma forma de mover o cavalo. Mas isso também não vai funcionar, pois vou sacrificar meu bispo pelo seu, e mover minha rainha para pegar aquele peão. Isso bloqueia a sua rainha. e eu movo meu rei e a torre simultaneamente e meu cavalo para lá. Mais duas jogadas depois disso e será xeque-mate.
Thibault levou a mão ao queixo.
— Eu tenho alguma chance nesse jogo?
— Quantas jogadas você ainda tem?
— De três a sete.
— Então, talvez, fosse melhor recomeçarmos.
Ben ajeitou os óculos.
— Talvez.
— Você poderia ter dito isso antes.
— Você parecia tão compenetrado que não quis incomodar.
O próximo jogo não foi diferente do anterior. Na verdade, foi pior, pois Elizabeth decidiu juntar-se a eles, e a conversa entre os dois não mudou muito. Dava para ver Elizabeth tentando esconder o riso.
Nas últimas semanas, haviam estabelecido uma rotina. Depois do trabalho, com a chuva incessante caindo lá fora, ele ia até a casa deles e jogava umas partidas de xadrez com Ben, ficando para jantar, depois os quatro sentavam-se à mesa e conversavam amigavelmente. Por fim, Ben subia para tomar banho e Nana os mandava sentar na varanda enquanto ela ficava limpando a cozinha, dizendo coisas do tipo "limpar para mim é o mesmo que andar nua para o macaco".
Thibault sabia que queria deixá-los a sós. Ainda ficava impressionado como ela conseguia deixar de ser a patroa, assim que o dia terminava, para se tor-nar rapidamente a avó da mulher que ele estava namorando. Não achava que houvesse muitas pessoas capazes de mudar de função com tanta facilidade.
Mas estava ficando tarde e Thibault sabia que era hora de ir embora. Nana estava falando ao telefone e Elizabeth tinha ido colocar Ben para dormir. Sentado na varanda, sentia os sinais do cansaço em seu corpo. Não vinha dormindo muito desde seu confronto com Clayton. Naquela noite, sem saber ao certo qual seria a reação de Clayton, voltou para sua casa e fez parecer como se tivesse planejado passar uma noite normal. Em vez disso, depois que apagou as luzes, saiu pela janela dos fundos de seu quarto e caminhou com Zeus pelo meio da mata. Apesar da chuva, ficou fora a maior parte do tempo, vendo se Clayton ia aparecer. Na noite seguinte, ficou de guarda na casa de Elizabeth; na terceira noite, ficou alternando entre a casa dela e a sua. A chuva interminável não mais incomodava a ele e a Zeus, pois adaptou uns abrigos camuflados para mantê-los secos. A parte difícil era trabalhar depois de ter dormido apenas algumas horas antes do dia clarear. Desde então, ficava de lia em noites alternadas, mas, mesmo assim, não era o suficiente para colocar o sono em dia.
Não ia parar, porém. Aquele homem era imprevisível, e procurava por sinais que indicassem a presença de Clayton quando estava trabalhando ou quando estava resolvendo alguma coisa na cidade. Toda noite, fazia um caminho diferente ao voltar para casa, pegava atalhos correndo pelo meio da mata e depois observando a estrada para ver se Clayton não o estava seguindo. Não tinha medo dele, mas também não era idiota. Clayton não só era membro da Família Real do Condado de Hampton, como também trabalhava para a polícia, e era com esse fato que mais se preocupava. Que dificuldade teria em plantar algo — drogas, mercadorias roubadas, até mesmo uma arma usada em algum crime — na casa de Thibault? Ou alegar que Thibault estaria de posse dessas coisas e conseguir que essas provas fossem descobertas? Não seria nada difícil. Thibault tinha certeza de que qualquer júri, após ouvir o testemunho de um oficial da lei, escolheria ficar ao lado dele em vez do de um estranho, por mais inconsistentes que fossem as provas, ou por mais genuíno que fosse seu álibi. Acrescente-se a isso os bolsos generosos e influentes da família Clayton, e não seria difícil conseguir uma teste-munha que o acusasse de uma série de crimes.
A parte assustadora é que ele poderia imaginar Clayton fazendo todas essas coisas, e foi por isso que tinha decidido encontrá-lo e conversar com ele sobre o cartão de memória e a gravação, em primeiro lugar. Apesar de não ter nenhum dos dois — havia destruído o cartão e jogado fora assim que pegou a máquina, e o detector de movimentos com filmadora não passava de fruto da sua criatividade —, blefar parecia ser a única opção para ganhar tempo a fim de descobrir o que fazer em seguida. A animosidade que Clayton sentia por ele era perigosa e imprevisível. Se era capaz de invadir a casa de Thibault, se era capaz de manipular a vida pessoal de Elizabeth, provavelmente faria qualquer coisa que achasse necessário para se livrar de Thibault.
As outras ameaças — falar com o jornal, o delegado e com o avô dele — simplesmente serviam para reforçar o blefe. Sabia que Clayton estava procurando pelo cartão porque acreditava que Thibault poderia usá-lo contra ele. Ou por causa do trabalho, ou por causa da família, e algumas horas de pesquisa sobre a ilustre família na biblioteca, no domingo à tarde, foram suficientes para convencer Thibault de que provavelmente deveria ser pelos dois.
Mas o problema dos blefes era que funcionavam até certo ponto. Quanto tempo ia demorar até que Clayton decidisse pagar para ver? Mais algumas semanas? Um mês? Talvez mais? E o que Clayton faria? Vai saber! Nesse momento, Clayton pensava que Thibault tinha o controle da situação, e Thibault não tinha dúvida de que isso só aumentava a raiva dele. Com o tempo, ia reagir e colocaria essa raiva para fora descontando nele, ou em Elizabeth ou em Ben. Quando percebesse que Thibault não tinha o cartão de memória, ficaria livre para agir como desejasse. Thibault ainda não tinha certeza do que fazer sobre isso. Não conseguia se imaginar deixando Elizabeth... Ou Ben e Nana, por causa disso. Quanto mais ficava em Hampton, mais sentia que esse era o lugar ao qual pertencia, e isso significava que ele não só tinha de vigiar Clayton, mas evitar o homem o máximo possível. Tinha esperança de que, depois de algum tempo, Clayton passaria simplesmente a aceitar a situação, deixando tudo para lá. Sabia que não era muito provável, mas, por enquanto, era tudo o que tinha.
— Você está disperso novamente — disse Elizabeth ao abrir a porta de tela atrás dele.
Thibault balançou a cabeça.
— Só estou cansado no fim de mais uma semana de trabalho. Pensei que fosse difícil suportar o calor, mas pelo menos ainda conseguia fugir um pouco dele. Mas não há como fugir da chuva.
Elizabeth sentou-se ao lado dele na cadeira de balanço da varanda.
— Não gosta de ficar ensopado?
— Digamos que não seja o mesmo que estar de férias.
— Sinto muito.
— Tudo bem. Não estou reclamando. Na verdade, quase não me preocupo com isso; e é melhor que eu me molhe do que Nana. E amanhã é sexta-feira, não é?
Ela sorriu.
— Hoje eu vou levar você para casa e dessa vez não aceito não como resposta.
— Tudo bem.
Elizabeth olhou pela janela antes de se virar novamente para Thibault.
— Falou a verdade quando disse que tocava piano, não falou?
— Eu toco piano.
— Quando foi a última vez que tocou?
Deu de ombros, pensando nisso.
— Há dois ou três anos.
— No Iraque?
Ele concordou com a cabeça.
— Era aniversário de um dos comandantes. Ele adorava Willie Smith, um dos grandes pianistas de jazz entre os anos 1940 e 1950. Ficaram sabendo que eu tocava e tive de me apresentar.
— No Iraque — ela repetiu, sem esconder a surpresa.
— Até os fuzileiros precisam relaxar.
Ela colocou os cabelos atrás da orelha.
— Quer que eu ensine Ben?
Ela não pareceu ouvi-lo.
— E quanto à igreja? Você já foi a alguma?
Pela primeira vez, olhou nos olhos dela.
— Sinto que essa conversa não serve apenas para que nos conheçamos melhor.
— Quando estava lá dentro, ouvi Nana falando ao telefone. Você sabe como ela adora participar do coral, não sabe? E que ela acabou de voltar a reali-zar alguns solos?
Thibault pensou em como responder, suspeitando de aonde a conversa ia chegar e nem se preocupou em esconder o fato.
— Sei.
— No próximo domingo ela fará um solo ainda mais longo. Está muito animada com a idéia.
— Você não está?
— Mais ou menos — suspirou com um olhar triste. — Acontece que ontem Abigail caiu e quebrou o pulso. Era sobre isso que Nana estava falando ao telefone.
— Quem é Abigail?
— A pianista da igreja. Acompanha o coral todos os domingos — Elizabeth começou a balançar a cadeira para frente e para trás, de olho na tempestade. — Bem, Nana disse que ia arrumar um substituto. Na verdade, ela fez uma promessa.
— Ah?
— Também disse que já tinha uma pessoa em mente.
— Entendi.
Elizabeth deu de ombros.
— Só achei que seria bom você saber. Tenho certeza de que daqui a pouquinho Nana vai falar com você e não queria que fosse pego desprevenido. Achei melhor vir avisá-lo primeiro.
— Agradeço.
Thibault não disse nada por um bom tempo. No silêncio que se seguiu, Elizabeth colocou a mão no joelho dele.
— O que você acha?
— Tenho a sensação de que não tenho escolha.
— Claro que tem. Nana não vai forçá-lo a nada.
— Mesmo depois de ter feito uma promessa?
— Ela acabaria entendendo — colocou a mão no coração. — Assim que curasse seu coração partido, tenho certeza de que o perdoaria.
— Ah!
— E acho que isso não iria causar nenhum mal à saúde dela. Mesmo com o AVC e todo o desaponta mento sentido, não acho que ela ia ficar de cama ou coisa assim.
Thibault abriu um sorriso.
— Você não acha que está exagerando?
Os olhos de Elizabeth brilhavam diante da travessura.
— Talvez, mas a questão é, você vai tocar?
— Acho que sim.
— Ótimo. E saiba que vai ter de ensaiar amanhã.
— Tudo bem.
— Pode ser que o ensaio seja longo. Os ensaios sempre são longos às sextas-feiras. Elas adoram música, sabe?
— Ótimo — suspirou.
— Veja desta forma: você não vai ter de trabalhar na chuva o dia todo.
— Que maravilha!
Ela lhe deu um beijo no rosto.
— Você é um bom homem. Vou silenciosamente torcer por você quando estiver sentada na igreja.
— Obrigado.
— Ah, e quando Nana sair, não a deixe perceber que eu lhe falei alguma coisa.
— Não deixarei.
— E tente parecer animado. Até mesmo, honrado.
Como se nunca tivesse imaginado que ela fosse lhe oferecer uma oportunidade tão maravilhosa.
— Não posso simplesmente dizer sim?
— Não. Nana vai querer que você se entusiasme. Como disse, significa muito para ela.
— Ah — ele segurou nas mãos dela. — Você sabe que poderia ter simplesmente pedido a minha ajuda. Não precisava de toda essa história carregada de sentimento de culpa.
— Eu sei. Mas foi muito mais divertido pedir do outro jeito.
Como se tivessem combinado, Nana apareceu à porta com um leve sorriso, segurou no corrimão e perguntou a ele.
— Você ainda toca piano de vez em quando?
Thibault fez o maior esforço para não cair na risada.
Thibault foi apresentado à diretora musical na tarde seguinte, e, apesar do seu desprezo inicial ao jeans, à camiseta e ao cabelo comprido dele, não demorou muito para perceber que ele não só sabia tocar, como era também um músico perfeito. Depois de se aquecerem, cometeu pouquíssimos erros, porém o fato de as peças escolhidas não serem tão difíceis havia ajudado. Depois do ensaio, quando o pastor apareceu, explicaram-lhe os procedimentos do culto para que ele soubesse o que esperar exatamente.
Enquanto isso, Nana olhava para ele com orgulho e conversava com suas amigas ao mesmo tempo, explicando que ele trabalhava no canil e estava na-morando a Beth. Thibault sentia que as mulheres tinham a atenção voltada para ele, demonstrando um pouco mais do que um simples interesse, porém, ao mesmo tempo, aprovação.
Ao se encaminharem para a saída, Nana deu o abraço a ele.
— Você se saiu muito bem.
— Obrigado — disse, espantado.
— Está disposto a dar uma voltinha?
— Para onde?
— Wilmington. Se formos agora, acho que você chegará bem na hora de levar Beth para jantar. Eu tomo conta de Ben.
— O que eu vou comprar?
— Uma jaqueta e calças de algodão. Uma camisa elegante. Não que me importe com o jeans, mas, se vai tocar piano no culto de domingo, tem de vir arrumado.
— Ah! — sabia que nem adiantava discutir.
Naquela noite, ao jantar com Elizabeth no Cantina, o único restaurante mexicano do centro, ela observava Thibault pelo seu copo de marguerita.
— Você sabe que agora é um semideus.
— Para Nana?
— Ela não parava de falar no quanto você toca bem, como você foi educado com as amigas dela, como foi respeitoso quando o pastor apareceu.
— Falando assim, parece até que ela estava esperando que eu agisse como um troglodita.
Ela riu.
— Pode até ser. Ouvi dizer que antes de sair você estava coberto de lama.
— Tomei banho e troquei de roupa.
— Eu sei. Ela também me disse isso.
— O que foi que ela não lhe disse?
— Que as outras mulheres do coral estavam desmaiando.
— Ela disse isso?
— Não. Não foi preciso, mas estava na cara dela que estavam. Não é todo dia que aparece um estranho, jovem e bonito na igreja para acompanhar o piano. Como não iam desmaiar?
— Acho que você deve estar exagerando.
— Eu acho — Elizabeth deslizava o dedo na borda do copo para sentir o sabor salgado — que ainda tem muito a aprender sobre a vida em uma cidade pequena. Isso é uma grande notícia. Aquele piano é tocado por Abigail há quinze anos.
— Não vou pegar o lugar dela. Isso é temporário.
— Melhor ainda. Dará a eles a chance de escolherem quem preferem. Será assunto por muitos anos.
— É isso que as pessoas daqui fazem?
— Absolutamente. E, a propósito, não há caminho mais rápido para ser aceito por aqui.
— Não preciso ser aceito por ninguém, só por você.
— Sempre charmoso — sorriu. — E o que acha dessa? Keith vai ficar louco de raiva!
— Por quê?
— Porque ele é membro da igreja. Ben vai estar com ele quando o vir. Vai ser a morte para ele saber o quanto as pessoas ficaram agradecidas por você ter oferecido ajuda.
— Não tenho certeza se quero que ele fique ainda mais zangado. Já me preocupo o bastante pensando no que será capaz de fazer.
— Ele não vai fazer nada. Eu sei o que ele anda aprontando.
— Eu não teria tanta certeza.
— Por que você fala assim?
Thibault percebeu as mesas lotadas ao redor deles. Ela pareceu ler sua mente e saiu do lado em que estava sentada na mesa para sentar-se ao lado dele.
— Você sabe de algo que não está me contando. O que é? — sussurrou.
Thibault tomou um gole de cerveja e contou a ela sobre seus encontros com o ex dela. Conforme ele ia contando a história, a expressão dela mudou de enojada para divertida, terminando com algo mais parecido com preocupação.
— Você deveria ter me contado antes.
— Eu não me preocupei com isso até ele resolver entrar na minha casa.
— E você acha mesmo que ele é capaz de armar uma cilada para você?
— Você o conhece melhor do que eu.
Percebeu que não estava mais com fome.
— Pensei que conhecesse.
Como Ben estava na casa do pai — uma situação que parecia de certa forma surreal tanto para um quanto para o outro, dadas as circunstâncias —, Thibault e Elizabeth foram até Raleigh no sábado, o que tornou mais fácil desviar o pensamento do que Keith Clayton poderia ou não fazer. À tarde, almoçaram na calçada de um café no centro da cidade e visitaram o Museu de História Natural; depois foram a Chapei Hill. A Carolina do Norte jogava contra Clemson, e o jogo estava sendo transmitido pela ESPN. Embora o jogo estivesse acontecendo na Carolina do Sul, os bares do centro da cidade estavam lotados de alunos que assistiam ao jogo em televisões de tela plana gigantes. Ao ouvi-los aplaudir em alguns momentos, vaiar em outros, como se o futuro do mundo dependesse do resultado do jogo, Thibault pensou nos jovens da mesma idade deles servindo o país no Iraque e perguntou-se qual seria o futuro daqueles estudantes universitários.
Não ficaram muito tempo. Depois de uma hora, Elizabeth quis ir embora. Voltaram caminhando para o carro, abraçados, ela com a cabeça no ombro dele.
— Foi divertido. Mas estava tão barulhento!
— Você fala assim porque está ficando velha.
Elizabeth deu um beliscão na cintura dele e percebeu que era só pele e músculos.
— Cuidado, amiguinho, ou você vai se dar mal hoje à noite.
— Amiguinho?
— É um termo afetuoso. Digo isso para todos os meus namorados.
— Todos?
— Claro. Até para os estranhos. E quando me dão o lugar no ônibus, digo, obrigada, amiguinho.
— Então, eu sou muito especial na sua vida.
— E não se esqueça disso.
Caminharam por entre a multidão de alunos na Franklin Street, olhando as vitrines e absorvendo a energia. Thibault entendia por que ela tinha vontade de passear por ali. Por causa de Ben, não tinha vivido aquele tipo de experiência. Ficou, porém, mais impressionado por ela estar obviamente se divertindo, sem parecer amarga ou nostálgica pensando em tudo que havia perdido. Ao contrário, seu comportamento era mais próximo de uma antropóloga observadora, decidida a estudar novas culturas. Ela arregalou os olhos quando ele disse isso a ela.
— Não estrague a tarde. Pode acreditar, não estou sendo tão profunda assim. Só queria sair da cidade e me divertir um pouco.
Foram para casa de Thibault e ficaram acordados até tarde; conversando, beijando-se e fazendo amor a noite toda. De manhã, ao acordar, Elizabeth estava deitada ao seu lado, examinando-lhe rosto.
— O que você está fazendo? — perguntou com a voz ainda rouca de sono.
— Observando você.
— Por quê?
— Porque eu quis.
Ele sorriu e deslizou o dedo pelo braço dela, sentindo uma gratidão imensa por tê-la em sua vida.
— Você é sensacional, Elizabeth.
— Eu sei.
— Só isso? Só vai dizer eu sei?
— Não venha dar uma de carente para cima de mim. Detesto homens carentes.
— E não tenho certeza se gosto de mulheres que escondem seus sentimentos.
Ela sorriu, inclinando-se para beijá-lo.
— Eu me diverti muito ontem.
— Eu também.
— É verdade. As últimas semanas foram as melhores da minha vida. E ontem, só o fato de estar com você... você nem imagina como é. Senti-me... mulher. Não mãe, nem professora, nem neta. Só eu. Fazia muito tempo que isso não acontecia.
— A gente já saiu antes.
— Eu sei. Mas dessa vez foi diferente.
Sabia que ela estava falando do futuro, um futuro que tinha adquirido uma clareza de propósito que não existia antes. Olhando para ela, sabia exatamente o que ela queria dizer.
— Qual o próximo passo? — perguntou seriamente.
Ela o beijou novamente e ele sentiu o calor e a umidade dos lábios dela nos seus.
— O próximo passo é levantar da cama. Você tem de estar na igreja em algumas horas.
— Ainda falta muito tempo.
— Para você, talvez. Mas eu estou aqui e minhas roupas estão na minha casa. Você tem de levantar e se arrumar para que eu tenha tempo de me arrumar.
— Essa coisa de igreja não é fácil.
— É verdade. Mas você não tem opção. E, a propósito — segurou na mão dele antes de concluir —, você também é sensacional, Logan.

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