Capítulo 25 - Thibault

— Então, é aqui, hein?
Apesar do abrigo que as árvores ofereciam, Thibault estava todo molhado quando ele e Ben chegaram à casa da árvore. A água pingava pela capa de chuva que ele usava, e as calças novas já estavam encharcadas até o joelho. Dentro das botas, as meias emitiam sons desagradáveis. Ben, por outro lado, estava coberto dos pés à cabeça com uma capa de chuva com capuz e usava as galochas de Nana nos pés. Thibault duvidava que, além de seu rosto, houvesse algum outro pingo de chuva nele.
— É por aqui que entramos. É demais, não é? — Ben apontou para um carvalho ao lado do riacho. Uma série de tábuas pregadas de qualquer jeito per-mitia que se subisse pelas laterais dos troncos. — Tudo o que você tem de fazer é subir pela escada da árvore para que possamos atravessar a ponte.
Thibault notou com apreensão que o riacho já estava duas vezes maior do que seu tamanho normal, e a água corria rapidamente.
Voltando a atenção para a pequena ponte, viu que era composta de três partes: uma parte feita de corda presa no carvalho, que levava a uma pequena plataforma no centro do riacho, apoiada por quatro pilares inclinados; a plataforma ligava-se à outra parte da ponte de corda à passarela da casa da árvore. Thibault notou os entulhos acumulados pelos pilares e a velocidade da correnteza. Apesar de não ter inspecionado a ponte previamente, suspeitava de que tivesse apodrecido pelas chuvas incessantes e pela correnteza. Antes que pudesse dizer sua opinião, Ben já estava subindo a escada.,
Sorriu para ele lá de cima.
— Venha! O que você está esperando?
Thibault levantou o braço para se proteger da chuva, sentindo um medo repentino.
— Não acho que seja uma boa ideia...
— Covarde! — provocou Ben.
Começou a atravessar, com a ponte balançando para lá e para cá enquanto corria.
— Espere! — gritou Thibault, sem obter resultado. Ben já estava na plataforma central. As tábuas encharcadas cederam com o seu peso. Assim que viu que Thibault ia atrás dele, continuou o restante do caminho da casa da árvore. Thibault prendeu a respiração quando Ben pulou na plataforma da casa. Ela se curvou com o peso do corpo dele, mas ficou no lugar. Ben virou-se e abriu um sorriso.
— Volte! Não acho que a ponte vai me aguentar.
— Vai, sim. Foi meu avô quem construiu.
— Por favor, Ben.
— Covarde! — provocou novamente.
Era óbvio que para Ben tudo não passava de um jogo. Thibault olhou de novo para a ponte e achou que, se fosse bem devagar, talvez ela aguentasse. Ben tinha corrido, e isso a retorcera e havia causado pressões de impacto. Será que a ponte ia aguentar o peso de Thibault?
Assim que deu o primeiro passo, as velhas tábuas encharcadas cederam ao peso do seu corpo. Sem dúvida, estavam podres. Pensou na fotografia que estava em seu bolso. A correnteza do riacho fazia movimentos circulares, e, abaixo dos seus pés, havia uma torrente.
Não havia tempo a perder. Caminhou lentamente até a plataforma central e, em seguida, pela ponte móvel. Percebeu a oscilação da plataforma, duvidou que ela aguentasse os dois juntos. A fotografia em seu bolso parecia pegar fogo.
— Vou te encontrar aí dentro — Thibault tentou parecer descontraído. — Não fique na chuva esperando um velho como eu.
Felizmente Ben riu e entrou na casa da árvore. Thibault suspirou aliviado ao ultrapassar a ponte móvel. Deu um longo passo para evitar a plataforma e entrou na casa.
— É aqui que guardo minhas cartas de Pokémon — disse Ben, ignorando a maneira como ele havia entrado e apontando para as caixas do canto. — Tenho um Charizard. E um Mewtwo.
Thibault enxugou o rosto para se recompor e se sentou no chão.
— Que legal! — disse, vendo de água se formando ao seu redor.
Analisou o pequeno cômodo. Havia brinquedos empilhados em um canto e uma janela aberta deixava grande parte do interior exposta às intempéries, deixando as tábuas encharcadas. O único mobiliário era um simples pufe encostado do canto.
— Aqui é meu esconderijo.
— Ah, é?
— Venho aqui quando estou bravo. Quando os garotos da escola são malvados.
Thibault encostou-se na parede enquanto ia sacudindo a água das mangas.
— O que eles fazem?
— Coisas, sabe. Tiram sarro pela forma como jogo basquete, ou como chuto a bola ou por causa dos meus óculos.
— Deve ser difícil.
— Não me incomoda.
Ben pareceu não perceber a contradição óbvia e Thibault continuou.
— O que tem de tão especial neste lugar?
— O silêncio. Quando estou aqui, não me fazem perguntas e não me dão ordens. Posso ficar sentando, pensando.
Thibault concordou.
— Faz sentido — pela janela percebeu que a chuva tinha mudado a direção por conta do vento.
— Pensando em quê?
Ben deu de ombros.
— Em como é crescer e coisas assim. Em ficar mais velho. Queria ser maior.
— Por quê?
— Há um garoto na minha classe que sempre me provocando. É malvado. Ele me derrubou no chão da lanchonete.
A casa da árvore balançou com o vento forte. Novamente a fotografia parecia estar queimando em seu bolso e, sem se dar conta, e nem mesmo entender o porquê, levou a mão ao bolso e pegou a fotografia. Lá fora, o vento continuava soprando forte e dava para ouvir os galhos das árvores batendo contra a estrutura da casa da árvore. Sabia que a chuva estava elevando o nível do riacho a cada minuto. Subitamente, imaginou a plataforma da casa da árvore que sustentava a casa, encurralando-o bem na forte correnteza do riacho.
— Quero dar uma coisa para você — as palavras saíram da boca sem ter consciência do que dizia. — Acho que isso vai resolver seu problema.
— O que é?
Thibault engoliu em seco.
— É uma fotografia da sua mãe.
Ben pegou a foto e olhou para ela, curioso.
— O que devo fazer com ela?
Thibault inclinou-se para frente e pegou no canto da fotografia.
— Leve-a sempre consigo. Meu amigo Victor dizia que era um talismã da sorte. Dizia que foi o que me manteve em segurança no Iraque.
— É minha, de verdade?
Essa era a questão, não era? Depois de um longo momento, Thibault concordou.
— É sua, prometo.
— Que legal!
— Você me faria um favor?
— O quê?
— Você poderia manter isso entre nós? E prometeria mantê-la sempre com você?
Ben pensou a respeito.
— Posso dobrá-la?
— Acho que não tem problema.
Ben pensou novamente.
— Claro. Obrigado — concordou, dobrando a fotografia e colocando-a em seu bolso.
Era a primeira vez em cinco anos que se separava da fotografia e a sensação de perda deixou-o um pouco desorientado. De qualquer forma, Thibault não esperava sentir a falta dela de forma tão intensa. Ver Ben atravessar a ponte ao mesmo tempo em que o riacho corria enfurecido intensificou ainda mais a sensação. Quando Ben acenou, do outro lado do riacho e começou a descer a escada, Thibault pisou relutantemente na plataforma, tentando atravessar a ponte o mais depressa possível.
Sentiu-se exposto ao cruzar a ponte passo a passo, ignorando o fato de que tudo ia desabar no riacho a qualquer momento e ele já não levava mais a fotografia no bolso. Quando chegou ao carvalho, na outra margem, soltou um suspiro, tremendo de alívio. Mesmo assim, ao descer, sentiu uma incômoda pre-monição de que o que quer que fosse ainda não estava acabado; na verdade, estava apenas começando.

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