Capítulo 26 - Beth

Na quarta-feira, Beth olhava pela janela da sua sala de aula na hora do almoço. Nunca tinha visto nada assim, furacões e ventos forte-vindos do nordeste nem se comparavam aos temporais incessantes que recentemente haviam atingido o condado de Hampton, bem como toda a região de Raleigh e a costa. O problema era que, ao contrário da maioria das tempestades tropicais, essas não estavam passando rapidamente e se encaminhando para o mar. Ao contrário, ficavam, e cada dia era mais feio do que o anterior, fazendo com que quase todos os rios da parte leste do Estado transbordassem. Cidadezinhas ao longo dos rios Pamlico. Neuse e Cape Fear já estavam com a água na altura dos joelhos, e Hampton estava indo para o mesmo caminho. Com mais um ou dois dias de chuva seria possível ir ao centro da cidade de canoa.
O condado já havia decidido fechar as escolas até o fim da semana, pois os ônibus escolares já não mais conseguiam fazer os trajetos de costume e apenas um pouco mais da metade dos professores havia conseguido ir trabalhar. Ben, obviamente, estava animado com a ideia de ficar em casa brincando com Zeus pelas poças d'água, mas Beth sentia-se um pouco receosa. Os jornais e o noticiário local informavam que, como o South River já estava muito acima do nível, a situação ainda ia piorar muito por conta dos riachos e afluentes que continuavam a desaguar nele. Os dois riachos que circundavam o canil ficavam cerca de 500 metros de distância, e agora poderiam ser avistados das janelas da casa, e Logan estava até mantendo Zeus preso por causa do entulho trazido pela chuva. Ficar preso dentro de casa era difícil para as crianças, uma das razões que as fazia ficar na sala de aula. Depois do almoço, voltariam para a classe, onde, teoricamente, iam desenhar ou colorir tranquilamente, em vez de jogar bola, basquete ou brincar de pega-pega lá fora. Há anos que vinha pedindo para que, em dias como aquele, as mesas e cadeiras da lanchonete fossem afastadas para que as crianças pudessem correr e brincar por vinte minutos a fim de poderem voltar mais concentradas para a sala de aula. Diziam para ela que não tinham como fazer isso por conta de questões regulamentais e de responsabilidade civil, questões relacionadas ao sindicato dos faxineiros, além de questões de segurança e saúde. Ao perguntar o que estavam querendo dizer com isso, davam-lhe uma longa explicação, mas, para ela, tudo se resumia em batatas fritas. Como, por exemplo: "Não podemos permitir que uma criança escorregue em uma batata frita, pois, se isso acontecer, a escola poderá ser processada, ou os faxineiros teriam de negociar o contrato por não terem limpado a batata frita da lanchonete no horário agendado para fazê-lo, e, finalmente, se a criança que escorregar na batata frita acabar caindo no chão, ela ficará exposta a vários patogênicos prejudiciais à saúde".
Bem-vindo ao mundo dos advogados, pensou. Afinal, não eram eles que tinham de dar aula para crianças presas em uma sala de aula um dia inteiro, sem ao menos um tempo para recreio.
Geralmente, teria ido à sala dos professores para almoçar, mas, como não havia muito tempo para preparar as atividades de seus alunos, resolveu ficar na classe para conseguir fazer tudo. Estava em um canto da classe, arrumando um jogo utilizado para emergências como as deste dia, quando percebeu movimento na porta. Virou-se e levou algum tempo para perceber quem era. Os ombros do uniforme ainda estavam molhados e caíam alguns pingos do cinto onde ficava sua arma. Na sua mão, havia um envelope de papel-manilha.
— Oi, Beth — disse calmamente. — Você tem um minuto?
Ela se levantou.
— O que foi, Keith?
— Vim pedir desculpas — juntou as mãos como em sinal de contrição. — Sei que não tem muito tempo, mas preciso falar com você a sós. Arrisquei vir até aqui, mas, se o momento não for adequado, talvez possamos marcar um horário que seja mais conveniente para você.
Beth olhou no relógio.
— Tenho cinco minutos. Keith entrou na sala e ia fechar a porta quando resolveu pedir permissão a ela. Ela concordou, pois queria resolver logo o assunto que o trouxera ali. Keith aproximou-se dela, mantendo uma distância respeitosa.
— Como disse, vim aqui para pedir desculpas a você.
— Pelo quê?
— Pelos rumores que você ouviu. Não fui totalmente sincero com você.
Beth cruzou os braços.
— Em outras palavras, você mentiu.
— Menti.
— Mentiu na minha cara.
— Menti.
— Sobre o quê?
—Perguntou se eu coloquei para correr alguns caras que você namorou no passado. Não foi bem isso que fiz, mas o que não falei para você é que, de fato, conversei com eles.
— Você conversou com eles.
—Sim.
Beth fez o maior esforço para controlar a raiva.
— E... o que você quer? Pedir desculpas por ter falado com eles ou por ter mentido para mim?
— As duas coisas. Peço desculpas por ter falado com eles e por ter mentido para você. Sei que não temos o melhor relacionamento no momento desde que nos divorciamos e sei que você acha que cometeu um erro por ter se casado comigo. Você tem toda a razão. Não deveríamos ter nos casado e aceito esse fato. Mas entre nós dois, e estou sendo honesto, você ficou com um papel muito mais importante do que o meu. Temos um filho maravilhoso. Você pode achar que sou o melhor pai do mundo, mas nunca me arrependi de ter tido Ben, ou do fato de ele ficar com você a maior parte do tempo. Ele é um garoto incrível e você está fazendo um trabalho maravilhoso com ele.
Ela não sabia ao certo aquilo a que responder, então optou pelo silêncio e ele continuou.
— Mas ainda me preocupo, e sempre me preocuparei, como disse, com quem participa da vida de Ben, quer seja amigo, conhecido ou até mesmo alguém que você venha a apresentar a ele. Sei que não é justo e você achar isso uma invasão na sua privacidade, mas é a que eu sou. E, para ser honesto, não sei se vou mudar.
— Então, você está dizendo que vai ficar me guindo para sempre?
— Não — respondeu rapidamente. — Não mais fazer isso. Só estava explicando por que fiz a E, acredite em mim, não ameacei ou intimidei a esses caras. Só falei com eles. Expliquei o quanto Ben significava para mim e que, como pai dele, ele era coisa mais importante da minha vida. Você pode não concordar com a forma como me relaciono com ele, mas se você pensar em alguns anos atrás, vai lembrar de que as coisas nem sempre foram assim. Ele costumava gostar de vir a minha casa. Agora não gosta mais. Mas eu não mudei. Ele mudou. Não de uma forma ruim — é normal crescer, e é isso que ele está fazendo. E talvez eu tenha de perceber e aceitar o fato de que ele está ficando mais velho.
Ela não disse nada. Conforme Keith a observava, ele deu um longo suspiro.
— Também disse aos homens que não queria que você se magoasse. Sei que posso ter parecido possessivo, mas não foi a minha intenção. Falei da mesma forma como um irmão teria dito. Como Drake teria dito. Como dizendo, se você gosta dela, se você a respeita, apenas tenha certeza de cuidar bem dela. Foi isso que disse a eles — deu de ombros. — Sei lá, talvez alguns deles tenham entendi-do de forma errada porque sou policial ou por causa do meu sobrenome, mas isso são coisas que não posso evitar. Acredite em mim, a última coisa que quero é que você seja infeliz. A coisa pode não ter dado certo entre nós, mas você é a mãe do meu filho e sempre será.
Keith abaixou a cabeça e mexeu os pés.
— Você tem todo o direito de ficar brava comigo. Eu errei.
— Errou mesmo — Beth ficou onde estava, de braços cruzados.
— Como disse, sinto muito e jamais vai acontecer de novo.
Ela não respondeu imediatamente.
— Tudo bem. Vamos ver se você vai conseguir.
Ele deu um sorrisinho amarelo e disse:
— É justo.
— Só isso? — abaixou-se para continuar arrumando o jogo.
— Na verdade, também queria conversar com você sobre Logan Thibault. Há algo que você deveria saber sobre ele.
Ela levantou as mãos para fazê-lo parar.
— É melhor nem começar.
Isso não o dissuadiu. Em vez disso, deu um passo à frente, colocando a mão na aba do chapéu.
— Não vou falar com ele a menos que você queira que eu fale. Quero deixar isso claro. Acredite em mim, Beth. Isso é sério. Não estaria aqui se não fosse. Estou aqui porque me preocupo com você.
A cara de pau dele era de tirar o fôlego.
— Você realmente espera que acredite que você só quer o meu bem depois de ter admitido que tem me espionado há anos? E que foi o responsável por ter arruinado toda e qualquer chance de relacionamento entre mim e qualquer outra pessoa nos últimos anos?
— Isso não tem nada a ver com aquelas coisas...
— Deixe-me adivinhar... você acha que ele é usuário de drogas, certo?
— Não faço ideia. Mas ele não tem sido honesto com você.
— Você não sabe se ele tem sido honesto comigo ou não. Agora, saia daqui. Não quero falar com você e nem quero ouvir o que você tem a dizer.
— Então, pergunte você para ele. Pergunte se ele veio a Hampton para encontrar você.
— Para mim chega — foi em direção à porta. — E se você tocar em mim enquanto estiver saindo, eu vou gritar.
Passou por ele e, quando ia abrir a porta, Keith suspirou bem alto.
— Pergunte a ele sobre a fotografia.
Seu comentário a fez parar.
— Quê?
A expressão de Keith era séria, como ela nunca tinha visto.
— A fotografia que ele pegou de Drake.

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