Capítulo 33 - Thibault
Thibault carregou a mochila com algumas provisões que
tinha em casa. O vento soprava forte e continuava chovendo torrencialmente, mas
já havia caminhado com tempo pior do que aquele. Sentia, porém, que não tinha
as forças necessárias para sair da casa.
Uma coisa havia sido caminhar para chegar até ali;
outra completamente diferente era partir. Quando saiu do Colorado, sua vida
parecia mais solitária do que nunca; naquela casa, sua vida estava plena,
completa.
Ou havia sido, até um dia antes.
Zeus finalmente se acalmou em um canto da casa. Havia
andado o dia todo para lá e para cá, pois Thibault não o levou para passear.
Cada vez que Thibault se levantava para pegar um copo d'água. Zeus levanta-se
também, todo animado, achando que era hora de passear.
Era meio da tarde, mas o céu nublado, com cara de
chuva, deixava o dia mais escuro. A tempestade continuava a chicotear a casa,
mas sentia que já estava no fim. Assim como um peixe recém-pescado, pulando no
embarcadouro, a tempestade não ia morrer de forma silenciosa.
Havia passado a maior parte do dia tentando não pensar
no que aconteceu, ou em como o que havia acontecido poderia ter sido evitado:
era um jogo de tolos. Tinha simplesmente estragado tudo, e não dava para voltar
no tempo. Sempre tentou viver a vida sem ter de lidar com coisas que não
poderiam ser refeitas, mas dessa vez era diferente. Não tinha certeza se iria
conseguir superar.
Ao mesmo tempo, não conseguia deixar para lá a
sensação de que não estava tudo terminado, havia algo ainda a ser concluído.
Era só a conclusão que estava faltando? Não. Era mais que isso; sua experiência
na guerra tinha lhe ensinado a confiar em seus instintos, mesmo que não
soubesse sua procedência. Levando em consideração que deveria ir embora de
Hampton, pelo menos para se afastar o máximo possível de Keith Clayton — não
tinha ilusões de que Clayton ia perdoar e esquecer —, não conseguia caminhar
até a porta.
Clayton era o centro da
roda. Clayton — junto com Ben e Elizabeth — era a razão da sua vinda. Só não
conseguia entender o porquê ou o que ele tinha de fazer.
No canto onde estava, Zeus levantou-se e foi em
direção à janela. Thibault virou-se para ele ao ouvir a batida na porta. Ficou
tenso instintivamente, mas, quando Zeus olhou pela janela, começou a abanar o
rabo.
Quando Thibault abriu a porta, viu Elizabeth a sua
frente. Ficou paralisado. Por um momento, simplesmente entreolharam-se.
— Oi, Logan.
— Oi, Elizabeth.
Esboçou um sorriso, tão rápido que quase pareceu
inexistente. Perguntou a si mesmo se não estava tendo visões.
— Posso entrar?
Thibault abriu a passagem para ela, observando-a
retirar a capa de chuva, seus cabelos louros saindo do capuz. Ficou segurando,
insegura, até Thibault vir pegá-la. Pendurou na maçaneta da porta antes de
olhar para ela novamente.
— Estou feliz que tenha vindo.
Ela concordou. Zeus encostou o focinho na mão dela e
ela fez um carinho em sua cabeça antes de voltar a atenção para Thibault.
— Podemos conversar? — disse.
— Se você quiser — apontou para o sofá e Elizabeth
sentou em uma ponta enquanto ele sentou na outra.
— Por que você deu a foto para o Ben? — perguntou sem
preâmbulos.
Thibault ficou olhando para a parede, pensando em uma
maneira de explicar sem tornar as coisas ainda piores.
— Por onde começar?
— Me conte em dez palavras, no máximo — sugeriu,
percebendo a forma reticente dele. — E então, continuamos daí.
Thibault massageou as têmporas antes de suspirar e
olhou para ela.
— Porque achei que fosse protegê-lo.
— Protegê-lo?
— Quando fomos à casa da árvore, vi que a tempestade
enfraqueceu a estrutura toda, incluindo a ponte. Ele não deve voltar mais lá.
Está quase desmoronando.
Ela olhava para ele de forma intensa, sem nem mesmo
piscar.
— Por que você não ficou com ela?
— Porque senti que ele precisava mais do que eu.
— Porque ficaria protegido.
Thibault concordou.
— Sim.
Ficou mexendo na capa do sofá antes de se virar para
ele novamente.
— Então, você acredita honestamente no que disse?
Sobre a foto ser um amuleto?
Zeus aproximou-se dele e deitou-se a seus pés.
— Talvez.
— Por que você não me contou a história toda?
Thibault olhou para o chão, com os cotovelos em cima
dos joelhos, e começou, hesitante, a contar toda a saga da fotografia. Começou
com os jogos de pôquer no Kuwait, depois mudou para os mísseis que os deixaram
inconsciente no combate em Fallujah. Contou todos os detalhes sobre os
carros-bomba e as bombas caseiras a que conseguiu sobreviver em Ramadi,
incluindo que Victor alegava ter sido a fotografia que havia salvado a vida dos
dois. Falou sobre a reação dos outros fuzileiros e do seu legado de
desconfiança. Ele fez uma pausa antes de olhar para ela novamente. — Mas, mesmo
depois disso, continuei não acreditando. Victor, porém, nunca deixou de crer. Acreditava
nesse tipo de coisa e eu tirava sarro dele por dar tanta importância. Mas nunca
acreditei, pelo menos, não conscientemente — juntou as mãos e seu tom de voz
ficou mais suave.
— No último fim de semana em que ficamos juntos,
Victor me disse que eu tinha uma dívida com a mulher da fotografia, porque a
foto havia me mantido a salvo, e, se eu não pagasse minha dívida, não haveria
equilíbrio. Repetiu que meu destino era encontrá-la. Depois de alguns minutos,
ele estava morto, mas eu tinha escapado sem nenhum
arranhão. Mesmo assim, não acreditei. Mas foi aí que comecei a ver seu
fantasma. Não sabia o que esperar ao chegar aqui. Mas, em um determinado ponto,
havia se tornado um desafio: se eu ia encontrá-la, quanto tempo demoraria.
Quando finalmente cheguei ao canil e vi a placa de emprego, pensei que essa
fosse a forma de pagar a dívida. Candidatar-me ao emprego pareceu-me a decisão
correta. Assim como pareceu-me correto dar a fotografia a Ben, quando fomos à
casa da árvore. Mas não sei se vou conseguir me fazer entender, por mais que
tente.
— Você deu a fotografia a Ben para mantê-lo a salvo —
repetiu Elizabeth.
— Por mais louco que pareça? Sim!
Ela processou a informação em silêncio.
— Por que você não me falou tudo isso desde o começo?
— Eu deveria ter feito isso. Mas é que tinha a foto
comigo há cinco anos, e não queria abrir mão dela até entender seu propósito.
— Você acha que entende agora?
Inclinou-se para fazer um carinho em Zeus antes de
responder. Olhou diretamente nos olhos dela.
— Não tenho certeza. O que posso dizer é que o que
aconteceu entre nós, tudo o que aconteceu, não começou quando encontrei a foto.
Começou quando entrei no canil. Foi ali que você se tornou real para mim, e
quanto mais passei a conhecê-la, mais sentia que estávamos vivendo algo real.
Sentia-me feliz e vivo como há muito, muito tempo não sentia. Como se fôssemos
feitos um para o outro.
— Seu destino? — ergueu a sobrancelha ao dizer.
— Não... não é isso. Não tem nada a ver com a foto, ou
com minha vinda, ou com qualquer coisa que Victor tenha dito. É que nunca
encontrei alguém como você antes, e tenho certeza de que nunca encontrarei. Eu
te amo, Elizabeth... e mais do que isso, gosto de você, gosto de ficar ao seu
lado.
Ela o analisou com uma expressão impossível de ser
interpretada. Quando falou, seu tom ainda era neutro.
— Você percebe que a história ainda assim parece louca
e faz com que você pareça um maluco?
— Eu sei. Acredite, até eu
me acho um doido.
— E se eu falar para você ir embora de Hampton e nunca
mais me procurar novamente?
— Então, eu irei, e você nunca mais terá notícias
minhas.
O comentário pairou no ar, cheio de significado. Ela
mudou de posição no sofá, virando o rosto, aparentemente desgostosa, antes de
se virar novamente para ele.
— Você nem mesmo telefonaria? Depois de tudo que
passamos juntos? Não posso acreditar — ela torceu o nariz.
Ele sentiu uma onda de alívio ao perceber que ela
estava provocando. Suspirou, só então percebendo que estava segurando o fôlego,
e sorriu.
— Se isso fosse necessário para você entender que não
sou psicopata.
— Acho patético. Um homem deveria pelo me nos
telefonar.
Ele se aproximou um pouco mais no sofá, quase que de
maneira imperceptível.
— Vou me lembrar disso.
— Você entende que não vai poder contar essa história
para ninguém se pretende continuar vivendo aqui?
Ele se aproximou um pouco mais, dessa vez, deixando
evidente.
— Posso viver com isso.
— E se você pensa em conseguir um aumento só porque
está namorando a neta da patroa, pode esquecer também.
— Eu me viro.
— Não sei como. Você nem tem carro.
Nesse momento, ele ficou ao lado dela, e ela se virou
de costas para ele, seu cabelo roçando nos ombros dele. Ele se inclinou e
beijou o pescoço dela.
— Eu vou encontrar uma solução — sussurrou, antes de
selar seus lábios nos dela.
Beijaram-se no sofá por
bastante tempo. Quando ele finalmente a levou para o quarto, fizeram amor, seus
corpos unidos como um só. A troca foi apaixonada, repleta de raiva, mas
complacente, ferida e terna como a emoção dos dois. Ele tocou-lhe a face, e ela
o beijou.
—
Acho que você pode ficar — sussurrou.
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