Capítulo 36 - Beth

Como que por obra do destino, Nana estava canil quando Keith entrou de rompante e fechou a porta, agindo como se a casa fosse dele. Mesmo da cozinha, Beth viu as veias salientes no pescoço dele. Cerrou os punhos ao olhar para ela. Quando atravessou a sala, Beth sentiu seu corpo contraindo-se, sendo dominado pelo medo. Nunca tinha visto Keith desse jeito, e, conforme ela recuava, seguindo os ângulos dos armários, surpreendeu-se ao ver Keith parar na porta da cozinha. Ele sorriu, mas sua expressão era anormal, uma caricatura demente do que deveria ser.
— Desculpe entrar dessa forma, mas precisamos conversar.
— O que você está fazendo aqui? Você não pode entrar aqui assim...
— Preparando o jantar, hein? Lembro-me de quando costumava preparar o jantar para mim.
— Saia daqui, Keith — disse rispidamente.
— Não vou a lugar algum — olhou para Beth como se ela não soubesse o que estava falando. Apontou para uma cadeira. — Por que você não se senta?
— Não quero me sentar — sussurrou, com ódio de si mesma por estar tão assustada. — Quero que você vá embora.
— Isso você não vai conseguir — voltou a sorrir, mas a segunda tentativa não foi melhor que a primeira.
Havia um vazio em seu olhar que nunca havia notado antes. Sentiu seu coração bater acelerado.
— Você pode pegar uma cerveja para mim, por favor? Tive um longo dia de trabalho, se você entende o que quero dizer.
Beth engoliu em seco, com medo de desviar o olhar.
— Não tenho mais cerveja.
Ele concordou, antes de dar uma volta pela cozinha e olhar novamente para ela.
— Tem uma ali, perto do fogão. Deve ter outra em algum lugar. Você se importa se eu olhar na geladeira? — nem esperou pela resposta e foi abrindo a porta da geladeira, esticando a mão na prateleira do fundo. — Achei uma — olhou para ela enquanto ela abria a garrafa. — Acho que você se enganou, não é mesmo? — tomou um longo gole e piscou para ela.
Beth fez um enorme esforço para ficar calma.
— O que você quer, Keith?
— Ah, você sabe. Só quero ficar a par das coisas. Ver se há algo que eu deva saber.
— Saber? Sobre o quê? — perguntou, sentindo um nó no estômago.
— Sobre o Thibault.
Ela ignorou a deturpação do nome.
— Não sei do que você está falando.
Tomou mais um gole, bochechando a cerveja enquanto balançava a cabeça. Engoliu fazendo barulhos com a boca.
— Ao vir para cá, foi isso que pensei que você fosse responder. Mas conheço você melhor do que você pensa. Houve uma época em que não tinha certeza se conhecia você em absoluto, mas isso mudou nos últimos anos. Criar um filho juntos deixa laços em um casal, não acha?
Ela não respondeu.
— É por isso que estou aqui. Por causa de Ben. Porque quero o melhor para ele e, neste momento, não tenho certeza se você está pensando com clareza.
Aproximou-se dela e tomou mais um gole de cerveja. A garrafa já estava quase vazia. Limpou a boca com a mão e continuou.
— Sabe, acho que você e eu nem sempre tivemos um bom relacionamento. Isso não é bom para nosso filho. Ben precisa saber que nos damos bem. Que ainda somos amigos íntimos. Não acha que essa é uma lição importante a ensinado? Saber que, mesmo seus pais sendo divorciados, ainda podem ser amigos?
Não estava gostando daquele monólogo, mas estava com medo de interrompê-lo. Essa era uma faceta diferente de Keith Clayton... uma faceta perigosa.
— Acho que é importante. Você não tem pensado com clareza nos últimos dias.
Conforme ele se aproximava, ela ia deslizando ao longo do balcão, tentando ficar de frente para ele.
— Não se aproxime. Estou lhe avisando.
Ele continuava diminuindo a distância, olhando para ela com aqueles olhos vazios.
— Está vendo o que eu disse? Você está agindo como se eu fosse ma-chucar você. Eu jamais machucaria você. Deveria saber isso sobre mim.
— Você está louco.
— Não estou não. Um pouco nervoso, pode ser, mas não estou louco — quando ele sorriu novamente, o vazio em seu olhar desapareceu e ela sentiu seu estômago revirar. — Você sabe que mesmo depois de tudo que me fez passar ainda te acho bonita?
Ela não estava gostando do rumo da conversa. Nem um pouco. Nesse ponto, já estava encurralada, sem nenhum lugar para poder fugir.
— Vá embora, está bem? Ben está lá em cima e Nana vai entrar a qualquer minuto...
— Tudo o que eu quero é um beijo. Isso é pedir demais?
Ela não acreditava no que tinha ouvido.
— Um beijo? — repetiu.
— Por enquanto. É tudo. Em nome dos velhos tempos. Depois, saio. Prometo.
— Não vou beijar você — disse, assustada.
Ele já estava na frente dela.
— Você vai. E depois você vai fazer mais. Mas, por enquanto, só um beijo está bom.
Beth inclinou-se para trás, tentando manter distância.
— Keith, por favor, não quero fazer isso. Não quero te beijar.
— Você vai superar — quando ele se inclinou para frente, ela se virou e ele a pegou pelos braços.
Ao ver os lábios dele se aproximando, sentiu o coração bater descompassado.
— Você está me machucando!
— A questão é a seguinte, Beth — ela sentia a respiração dele em seu pescoço —, tudo bem se não quer me beijar. Aceito isso. Mas decidi que quero que sejamos mais que amigos.
— Vá embora daqui! — ela gritou e ele a soltou, dando risada.
— Claro. Vou embora. Sem problemas. Mas vou falar para você o que vai acontecer se não encontrar mos uma solução.
— Vá embora!
— Acho que devemos ter alguns... encontros de vez em quando. E não vou aceitar não como resposta.
A maneira como ele disse a palavra "encontro" causou-lhe arrepios. Beth não acreditava no que estava ouvindo.
— Afinal, eu avisei você sobre Thibault. Mas onde é que você foi hoje? Na casa dele. Você cometeu um enorme erro. Sabe, é bem fácil para mim, posso indiciá-lo por assédio, alegando que ele se tornou obcecado por você. São duas acusações que fazem dele uma pessoa perigosa, mas você está obviamente ignorando esses fatos. E com isso arrisca a vida de Ben, que é obrigado a morar com você.
O tom de voz dele era neutro. Beth estava paralisada com as palavras dele.
— Odiaria ter de ir ao tribunal declarar o que você tem feito, mas é isso que vou fazer. E tenho certeza de que vão me conceder a guarda total dessa vez.
— Você não faria isso.
— Faria. A menos que — sua satisfação evidente deixava a insinuação mais aterrorizante. A seguir, fez uma pausa, para que ela digerisse a ameaça, e voltou a explicar como se fosse um professor novamente. — Primeiro, você diz para Thibault que nunca mais quer vê-lo novamente. Depois, diz para ele sair da cidade. E, em seguida, começamos a sair. Em nome dos velhos tempos. É isso ou Ben vai morar comigo.
— Não vou morar com você — uma vozinha gritou por detrás da porta da cozinha.
Beth olhou atrás de Keith para ver Ben, com uma expressão de pânico. Ben começou a recuar.
— Não vou fazer isso!
Ben virou-se e saiu correndo, batendo a porta da frente ao desaparecer no meio da tempestade.

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